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Doenças do pâncreas – Shailendra Chauhan Chris E Forsmark

Última revisão: 28/09/2012

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Shailendra Chauhan, MD

Assistant Professor of Medicine, Division of Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition, University of Florida College of Medicine, Gainesville, FL

 

Chris E. Forsmark, MD, FACP

Professor of Medicine, Chief, Division of Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition, University of Florida, Gainesville, FL

 

 

Artigo original: Chauhan s, Forsmark CE. Diseases of the pancreas. ACP Medicine. 2009;1-22.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Agradecimentos: Os autores desejam agradecer a Peter Draganov, MD, por suas contribuições para a versão anterior deste capítulo, nas quais nos baseamos para produzir esta atualização.

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

 

Definições

Pancreatite aguda e crônica

A pancreatite aguda é tradicionalmente definida como um processo inflamatório do pâncreas que está associado a dor abdominal e a elevações dos níveis séricos de enzimas pancreáticas e é completamente resolvido com a restauração da arquitetura e função pancreáticas normais. A pancreatite crônica, por sua vez, é tradicionalmente definida pela existência de um dano permanente e irreversível à glândula. Na verdade, estas duas condições estão interligadas e constituem os extremos opostos do mesmo espectro. Atualmente, acredita-se que a maioria dos casos de pancreatite crônica (ou talvez todos) sejam resultantes de episódios de pancreatite aguda. Pacientes que ocasionalmente apresentam um episódio isolado e bastante severo de pancreatite aguda podem desenvolver uma necrose substancial na glândula durante o ataque agudo e sustentar anormalidades permanentes envolvendo tanto a arquitetura como a função pancreáticas. Mais comumente, com a repetição de episódios clínicos e subclínicos de inflamação aguda junto à glândula, o milieu inflamatório no pâncreas muda de inflamatório agudo para inflamatório crônico e fibrótico. Exemplificando este aspecto, muitos pacientes que sofrem seu primeiro ataque agudo clinicamente evidente de pancreatite alcoólica já desenvolveram as alterações histológicas da pancreatite crônica no momento em que os sintomas se manifestaram, como resultado de múltiplos episódios anteriores de inflamação subclínica. A transição da pancreatite aguda para a crônica pode ser sutil e difícil de identificar com precisão. Como durante o ataque talvez não seja possível determinar se ocorreram alterações arquitetônicas ou funcionais permanentes ou se estas ainda se desenvolverão, a doença pode ser subsequentemente reclassificada, com base em informações clínicas adicionais, como sendo um caso de pancreatite crônica ou uma exacerbação aguda de pancreatite crônica.

 

Pancreatite aguda

Epidemiologia

As estimativas da incidência da pancreatite aguda variam de aproximadamente 5 a mais de 30 casos a cada 100.000 indivíduos.1 Nos Estados Unidos, cerca de 245.000 pacientes são liberados dos hospitais a cada ano tendo como principal diagnóstico a pancreatite aguda.2-4 O número de pacientes que recebem alta hospitalar diagnosticados com pancreatite aguda tem aumentado de maneira estável nos últimos 20 anos.2-4 A pancreatite aguda atualmente constitui o 2º diagnóstico de internação gastrintestinal mais comum nos hospitais norte-americanos, ficando atrás somente da colelitíase. Tendências semelhantes têm sido encontradas em outros países desenvolvidos.5 O motivo que tem levado a este aumento da incidência da pancreatite aguda nos Estados Unidos é obscuro, mas pode estar relacionado à incidência aumentada de cálculos biliares (uma das principais causas de pancreatite aguda), associada à epidemia da obesidade. É possível que este aumento também se deva à elevação do consumo de bebidas alcoólicas, em alguns países. Em amplas séries realizadas em hospitais de referência, a mortalidade associada à pancreatite aguda tem variado de 5 a 20%. Entretanto, esta variação é uma consequência das distorções das referências, uma vez que as estimativas recentes baseadas em bancos de dados hospitalares mais abrangentes documentaram uma mortalidade geral aproximada de 2%.3,5,6 As taxas de mortalidade parecem estar diminuindo lentamente com o passar do tempo, provavelmente como resultado da melhoria da assistência médica e das unidades de terapia intensiva (UTI). A mortalidade varia de acordo com a etiologia e com o desenvolvimento de complicações ou necrose pancreática, além do número e severidade das comorbidades médicas existentes.3,5,6 O custo do tratamento é significativo, e as estimativas apontam custos indiretos da ordem de 3,6 a 6 bilhões de dólares, anualmente.1,2,4

 

Etiologia

Muitos fatores foram implicados como causas de pancreatite aguda [Tabela 1]. Juntos, a litíase biliar e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas são responsáveis por 70 a 80% de todos os casos de pancreatite aguda.1 A prevalência das etiologias de pancreatite aguda pode variar de uma população para outra, dependendo da prevalência relativa do consumo abusivo de álcool e da litíase biliar.

 

Tabela 1. Causas de pancreatite aguda

Cálculos biliares e microlitíase

Obstrução do ducto pancreático

  Disfunção do esfíncter de Oddi

  Pâncreas bífido com papilas menores estenosadas  

  Tumores de ampola ou pancreáticos, incluindo neoplasia mucinosa papilar intraductal

  Estreitamento de ampola benigno (p. ex., doença celíaca, divertículo periampular)

Traumatismo

  Pós-CPRE

  Traumatismo fechado ou perfurante

Toxinas

  Álcool etílico

  Álcool metílico

  Veneno de escorpião

  Inseticidas à base de organofosfatos

Fármacos

  Azatioprina e 6-mercaptopurina

  Pentamidina

  Didanosina

  Sulfonamidas

  Ácido valproico

  Diuréticos tiazídicos

  Aminossalicilatos

  Outros

Infecções

  Virais (caxumba, rubéola, vírus Coxsackie B, citomegalovírus, HIV)

              Bacterianas (Klebsiella, Escherichia coli)

              Fúngicas (Candida)

              Parasíticas (Ascaris)

Pancreatite autoimune

Metabólica

  Hipertrigliceridemia

  Hipercalcemia

Mutação genética

  Pancreatite hereditária (mutação em PRSS1)

  Fibrose cística (mutação em CFTR)

  Mutação em SPINK1

Pós-operatória

Idiopática

CPRE = colangiopancreatografia retrógrada endoscópica.

 

Litíase biliar

O mecanismo exato pelo qual os cálculos biliares causam pancreatite ainda não foi totalmente esclarecido. Sabe-se que a passagem de um cálculo biliar pela ampola de Vater constitui um evento importante na iniciação da pancreatite por cálculo biliar, mais provavelmente por acarretar obstrução temporária do ducto pancreático pela presença do cálculo ou pelo edema que se forma após a passagem do cálculo. Menos de 5% dos pacientes com cálculos biliares desenvolvem pancreatite,7 sendo que existe um risco maior para aqueles com cálculos bem pequenos que conseguem passar pelo ducto cístico e alcançar a ampola.8 O risco de pancreatite por cálculo biliar recorrente é essencialmente eliminado após a colecistectomia.

  

Consumo abusivo de bebidas alcoólicas

Os mecanismos pelos quais o consumo de álcool leva ao desenvolvimento de pancreatite aguda (e crônica) são desconhecidos, embora existam várias hipóteses plausíveis.1,9 Na maioria dos pacientes, o desenvolvimento da condição requer um consumo abusivo de bebidas alcoólicas por tempo prolongado e, nestes casos, costuma haver alterações histológicas de pancreatite crônica já na primeira manifestação de um ataque agudo clinicamente evidente. Em raros casos, um episódio de bebedeira mais exagerada é o evento iniciador da pancreatite aguda, sem que sejam encontradas outras evidências de dano crônico preexistente no pâncreas. A maioria dos pacientes que desenvolvem pancreatite, contudo, ingere bebidas alcoólicas de maneira substancial (> 8 doses/dia) há um longo período (> 5 anos). A maioria dos alcoólatras, todavia, não desenvolve pancreatite, e isto sugere a existência de cofatores importantes. Destes, o tabagismo pode ser o de maior destaque.1,10

 

Obstrução do ducto pancreático

Alguns distúrbios parecem causar pancreatite aguda por um processo que obstrui o ducto pancreático. Dentre eles, o mais comum é a presença de cálculos biliares (ver anteriormente). As outras condições são todas relativamente incomuns. Os estreitamentos benignos e malignos do ducto pancreático podem causar pancreatite aguda, assim como uma malignidade da ampola de Vater. Estas condições incluem o adenocarcinoma ductal pancreático, o carcinoma e adenoma de ampola e a neoplasia mucinosa papilar intraductal (NMPI). Por causa disso, justifica-se a procura de uma malignidade de pâncreas ou de ampola subjacente em pacientes que apresentam maior risco de desenvolvimento de malignidade (p. ex., indivíduos com mais de 40 a 45 anos de idade) diante de uma pancreatite inexplicável.11 Esta investigação muitas vezes envolve a realização de uma avaliação endoscópica por ultrassonografia endoscópica (USE) ou colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE).

Várias condições benignas também podem causar pancreatite provavelmente por um mecanismo de obstrução do ducto pancreático. Uma destas condições é a disfunção do esfíncter de Oddi, em que elevações da pressão basal do esfíncter pancreático (mais de 40 mmHg acima das pressões basais duodenais) podem produzir obstrução do ducto pancreático e pancreatite aguda.12 As causas menos comuns de obstrução do ducto pancreático e pancreatite aguda incluem os cistos de colédoco, estreitamentos de ampola benignos (p. ex., atribuíveis à doença celíaca), divertículos duodenais periampulares e vermes migrando através da ampola (Ascaris lumbricoides, Clonorchis sinensis). O pâncreas bífido, encontrado em 5 a 7% da população, constitui uma causa rara de pancreatite aguda.13,14 Nesta condição congênita, os botões fetais ventral e dorsal falham em se fundir, e a maioria das secreções pancreáticas entra no duodeno pela papila menor. Em um subgrupo bastante pequeno de pacientes com pâncreas bífido, a papila menor pode ser inadequada para permitir a drenagem livre do suco pancreático, de modo que se cria um bloqueio capaz de levar ao desenvolvimento de pancreatite aguda. Ainda se discute se a terapia para a disfunção do esfíncter de Oddi e pâncreas bífido é efetiva para reduzir o risco de ataques subsequentes de pancreatite aguda.15

 

Fármacos e toxinas

A pancreatite aguda fármaco-induzida é um evento relativamente raro e, em geral, idiossincrático.16,17 Os antimetabólitos 6-mercaptopurina e azatioprina estão associados às maiores taxas de ataque, causando pancreatite aguda em até 4% dos pacientes que tomam estes medicamentos. Foram descritos numerosos fármacos causadores de pancreatite aguda, além destes, entre os quais os mais comuns são: pentamidina, didanosina, sulfonamidas, ácido valproico, furosemida e aminossalicilatos. Mais recentemente, também foi implicada a exenatida, que é um fármaco antidiabetes.18 Além do álcool etílico [ver Consumo abusivo de bebidas alcoólicas, anteriormente], algumas toxinas podem lesar o pâncreas e acarretar pancreatite aguda. Estas toxinas incluem álcool metílico, inseticidas à base de organofosfatos e veneno de alguns escorpiões encontrados nas Américas Central e do Sul. O veneno de escorpião e os inseticidas parecem causar pancreatite aguda por meio da hiperestimulação da secreção pancreática, por um mecanismo colinérgico.

 

Infecção

Além dos parasitas já mencionados, foram descritas diversas infecções causadoras de pancreatite aguda, incluindo uma variedade de infecções virais (p. ex., citomegalovírus, caxumba, rubéola e vírus coxsackie B). É comum os pacientes com Aids apresentarem níveis séricos aumentados de amilase na ausência de pancreatite aguda e, menos comumente, desenvolverem pancreatite aguda secundária a infecções oportunistas (p. ex., citomegalovírus, Cryptosporidium, infecções por fungos ou por Mycobacterium) ou como efeito colateral de uma medicação.

 

Fatores metabólicos

As causas metabólicas de pancreatite aguda incluem a hipergliceridemia e a hipercalcemia. Em geral, é preciso haver um excesso de níveis séricos de triglicerídeos da ordem de 1.000 mg/dL para que a pancreatite seja produzida.19 Além do tratamento-padrão, pode ser necessário realizar uma plasmaférese para diminuir rapidamente os níveis séricos de triglicerídeos nos indivíduos que apresentam pancreatite hiperlipidêmica severa. Níveis séricos de triglicerídeos além de 1.000 mg/dL são mais comumente detectados na hiperlipoproteinemia de tipo V e em geral estão associados ao diabetes melito. A pancreatite aguda, por si só, pode elevar os níveis de triglicerídeos, mas não a este ponto. O uso de estrogênios por mulheres em pós-menopausa com hipertrigliceridemia subjacente está associado a níveis aumentados de triglicerídeos e à indução de pancreatite, particularmente quando os níveis de triglicerídeos em jejum anteriores ao início do tratamento com estrogênios são maiores que 750 mg/dL. A hipercalcemia, muitas vezes associada ao hiperparatireoidismo, constitui uma causa metabólica bastante rara de pancreatite aguda.

 

Traumatismo

O traumatismo do pâncreas ou do ducto pancreático pode causar pancreatite aguda. O traumatismo fechado abdominal é capaz de provocar contusão, laceração ou a transecção total da glândula. Na maioria dos casos de traumatismo significativo envolvendo o pâncreas, o dano ocorre junto à parte intermediária do corpo glandular, quando o pâncreas é prensado contra os corpos vertebrais. A pancreatite aguda desenvolve-se rapidamente na maioria destes pacientes. Nos pacientes que apresentam lesões menos extensas, a manifestação dos sintomas pode ocorrer mais tardiamente, após vários meses ou até decorrido um tempo maior do evento traumático. O traumatismo iatrogênico durante CPRE resulta em pancreatite aguda em cerca de 3 a 5% dos casos, embora em certos subgrupos (p. ex., entre os indivíduos com suspeita de disfunção do esfíncter de Oddi) o risco possa chegar a 20 a 25%.20 Este risco diminui dramaticamente com o uso de stents de pequeno calibre para ducto pancreático instalados ao final do procedimento.20 A lesão isquêmica ao pâncreas pode ocorrer no contexto de muitos procedimentos cirúrgicos, porque a vasculatura pancreática possui uma capacidade bastante limitada de vasodilatação. Nestes casos, a pancreatite pós-operatória costuma ser bastante severa e ocorre mais frequentemente após a realização de cirurgias cardíacas ou de desvio cardiopulmonar. Outras causas raras de lesão isquêmica incluem o embolismo junto à vasculatura pancreática, além da vasculite.

 

Fatores genéticos

Foram descritas numerosas mutações genéticas associadas à pancreatite aguda e crônica. Entre estas, estão incluídas as mutações nos genes codificadores de tripsinogênio catiônico (PRSS1), regulador de condutância transmembrana na fibrose cística (CFTR) e inibidor de tripsina secretória (ou inibidor de serina protease de tipo Kazal 1 – SPINK1).21 Estas mutações mais comumente estão associadas à pancreatite crônica [ver Pancreatite crônica, Etiologia, adiante], mas em alguns casos também podem produzir exacerbações agudas. Muitas dessas mutações aumentam a predisposição ao desenvolvimento de pancreatite (CFTR e SPINK1), contudo aparentemente são insuficientes no processo ou como causas em si de pancreatite na ausência de outro cofator. Vários estudos também investigaram os polimorfismos das citocinas envolvidas na resposta inflamatória, com o objetivo de determinar se estes polimorfismos poderiam ser fatores preditores do grau de severidade da pancreatite aguda.22 Tais estudos estão apenas começando a explorar esta área intrigante.

 

Pancreatite autoimune

A pancreatite autoimune é uma doença benigna caracterizada pelo estreitamento irregular do ducto pancreático, inchaço do parênquima do pâncreas, infiltração linfoplasmacítica e fibrose. A manifestação mais comum mimetiza um carcinoma pancreático, em que se observa a ampliação da cabeça do pâncreas e o desenvolvimento de icterícia obstrutiva.23 A pancreatite autoimune também pode se manifestar clinicamente como um ataque de pancreatite aguda ou como pancreatite crônica. A doença é uma condição patológica sistêmica em que geralmente são afetadas as glândulas salivares, o ducto colédoco, o retroperitônio e os rins.24 A infiltração destes órgãos por linfócitos e plasmócitos positivos para IgG4 é um aspecto característico. Os pacientes com pancreatite autoimune podem apresentar concentrações séricas elevadas de anticorpos antinúcleo (ANA) e IgG4, que são úteis para distinguir esta condição de outras doenças com envolvimento do pâncreas ou do trato biliar. Os pacientes com pancreatite autoimune geralmente apresentam uma resposta favorável ao tratamento com corticosteroides, mas podem sofrer recidivas com o desmame dos esteroides.

 

Causas indeterminadas

Após a avaliação, cerca de 25% de todos os pacientes com pancreatite aguda não apresentam uma etiologia específica definível. Na verdade, após os cálculos biliares e as bebidas alcoólicas, a pancreatite aguda idiopática representa o diagnóstico mais comum. Alguns destes pacientes secretamente são alcoólatras, porém mais pacientes parecem ter uma doença de cálculos biliares oculta. Duas séries de estudos de caso documentaram a presença de cálculos biliares microscópicos (denominada microlitíase) em 2/3 a 3/4 dos pacientes com pancreatite aguda idiopática evidente.1 A importância da microlitíase foi subestimada pelo fato de a colecistectomia, a CPRE com esfincterectomia e os agentes utilizados para dissolver os cálculos (p. ex., ácido ursodesoxicólico) terem reduzido a frequência de ataques recorrentes de pancreatite aguda nos pacientes avaliados nestes estudos. Entretanto, ainda não há um método padronizado para determinar a ocorrência de microlitíase. No passado, o diagnóstico era estabelecido com base na análise microscópica da bile, mas agora o diagnóstico geralmente é estabelecido por USE. Além disso, nem todos os estudos encontraram microlitíase com tanta frequência como os estudos sobre pancreatite de causa inexplicada.

 

Determinação da etiologia

A obtenção de uma história clínica detalhada, a realização de exames laboratoriais (incluindo a quantificação dos níveis de lipase, bioquímica hepática e determinação dos níveis séricos de triglicerídeos) e análises de imagem (ultrassonografia – US – e tomografia computadorizada – TC) costumam ser suficientes para determinar a provável causa de pancreatite. O consumo de bebidas alcoólicas ou o uso de um fármaco como potenciais fatores etiológicos são mais bem investigados por meio de uma história abrangente, incluindo, se necessário, conversa com os familiares do paciente. A suspeita de cálculos biliares como possível fator etiológico é consistente diante da observação de cálculos em exames de US ou TC, ou quando os parâmetros bioquímicos hepáticos se mostram elevados durante o ataque inicial. Em casos de indivíduos cuja avaliação inicial não tenha sido reveladora, a USE deve ser realizada subsequentemente. Os exames mais especializados (testes genéticos, CPRE, manometria do esfíncter de Oddi) são reservados para aqueles cuja USE não tenha sido reveladora e, em geral, via encaminhamento a um especialista em doenças pancreáticas.25,26

 

Patogênese

A patofisiologia da pancreatite aguda, seja qual for a causa, ainda é pouco compreendida. Todas as etiologias parecem convergir para uma via final comum que permite a ativação precoce das enzimas digestivas junto ao pâncreas.27,28 A conversão da pró-enzima inativa tripsinogênio em sua forma ativa, a tripsina, parece ser uma etapa inicial decisiva, uma vez que a tripsina então pode ativar a maioria das outras pró-enzimas digestivas. A liberação das enzimas digestivas ativadas dentro do pâncreas e nos tecidos adjacentes pode resultar em danos teciduais e necrose do pâncreas, de suas gorduras circundantes e das estruturas vizinhas. Esta “explosão” química do retroperitônio leva a uma perda de líquidos substancial nesta área – conhecida como perdas de líquido para o 3º espaço. Nem todos os pacientes com pancreatite aguda desenvolvem necrose pancreática propriamente dita. A necrose é mais comumente observada nos ataques severos de pancreatite aguda. A necrose pancreática substancial (pancreatite necrotizante aguda) geralmente se distingue da forma mais branda, em que não há necrose (pancreatite intersticial).

A liberação das enzimas digestivas ativadas na circulação sistêmica pode sobrepujar os mecanismos protetores normais (p. ex., antiproteases) e produzir danos diretos em órgãos distantes e outros sistemas enzimáticos sistêmicos (p. ex., sistemas do complemento e das cininas). Por fim, várias citocinas e mediadores inflamatórios podem ser liberados pelas células inflamatórias e produzirem uma síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) ou síndrome semelhante a sépsis.29,30 A combinação de enzimas digestivas ativadas na circulação sistêmica, ativação de outros sistemas enzimáticos e liberação de citocinas inflamatórias pode resultar no desenvolvimento de complicações sistêmicas severas associadas a uma pancreatite aguda igualmente severa [Tabela 2]. O reconhecimento do papel destes mediadores inflamatórios não só melhorou nosso conhecimento acerca da patofisiologia da pancreatite aguda, como também forneceu novos alvos terapêuticos em potencial.

 

Tabela 2. Complicações da pancreatite aguda

Complicações locais

Acúmulo agudo de líquido peripancreático

Pseudocisto

Necrose pancreática (estéril ou infectada)

Necrose pancreática bloqueada

Abscesso pancreático

Obstrução biliar

Complicações sistêmicas (insuficiência orgânica que pode ser isolada ou múltipla, transiente ou persistente)

Cardiovascular

  Hipotensão e choque

  Tamponamento e derrame pericárdico

  Alterações de ECG

Pulmonar

  Hipóxia

  Atelectasia, pneumonia

  Efusão pleural

  Síndrome da angústia respiratória aguda

Metabólica

  Hipocalcemia

  Hipertrigliceridemia

  Hiperglicemia

Renal

  Oligúria e azotemia

  Necrose tubular aguda

Hematológica

  Coagulação intravascular disseminada

  Trombose vascular (em particular, na veia esplênica)

Hemorragia gastrintestinal

Outras

Encefalopatia

Necrose gordurosa distante

Retinopatia

 

Diagnóstico

Achados clínicos

A suspeita de um diagnóstico de pancreatite aguda habitualmente se baseia na observação de sinais e sintomas compatíveis, bem como na confirmação por meio de exames laboratoriais e análises de imagem radiográficas. A dor é o sintoma mais comum de pancreatite aguda, que ocorre em até 95% dos pacientes. A dor da pancreatite aguda é mais comumente sentida na região epigástrica e irradia para as costas em até 2/3 dos pacientes. A dor pode ser sentida de maneira mais difusa através do abdome. Em geral, a dor é bastante forte, atinge a intensidade máxima em 30 minutos e dura horas a dias. Em alguns casos, o sintoma dominante pode não ser a dor, particularmente quando é mascarada pela insuficiência de um sistema orgânico, bem como por delirium ou coma. Em casos raros, a dor pode estar totalmente ausente. Náusea e vômitos comumente estão associados à dor da pancreatite. O vômito não alivia a dor abdominal.

Em muitos casos, o exame físico revela uma sensibilidade epigástrica ou difusa à apalpação, com dor a descompressão brusca e defesa muscular presentes nos casos mais graves. O abdome frequentemente se encontra distendido e timpânico, enquanto os sons intestinais podem estar diminuídos ou ausentes. Os sinais vitais podem ser normais, sendo mais comumente observadas taquicardia, hipotensão, taquipneia e febre baixa. Hipotensão ortostática, taquicardia e choque atuam como marcadores de perdas substanciais de líquido para o 3º espaço, além de indicarem tanto um prognóstico ruim como uma provável necessidade de internação em UTI. Pode haver dispneia ou taquipneia em decorrência da contratura muscular secundária à dor abdominal, derrame pleural ou síndrome de vazamento capilar pulmonar (isto é, síndrome da angústia respiratória – SARA). Geralmente, a ocorrência de taquipneia, dispneia ou dessaturação de oxigênio também justificam a internação em UTI. Entre os achados de exame físico raros estão as equimoses no flanco (sinal de Grey Turner) e umbigo (sinal de Cullen), além dos xantomas em pacientes com pancreatite hiperlipidêmica. Sinais de doença hepática alcoólica podem ser observados em pacientes com pancreatite alcoólica. Pode haver alteração do nível de consciência, que habitualmente possui múltiplas causas (abstinência alcoólica, hipotensão, desequilíbrio eletrolítico e hipoxemia). Pode haver icterícia, seja em decorrência da obstrução do ducto colédoco por um cálculo biliar ou pela compressão extrínseca do ducto colédoco por um amplo acúmulo de líquido peripancreático. A retinopatia de Purtscher, que se manifesta como hemorragia de retina, constitui uma complicação bastante rara da pancreatite aguda.

 

Exames laboratoriais

Uma história e exame médico sugestivos de pancreatite aguda podem ser encontrados em uma ampla variedade de doenças abdominais sérias. Portanto, o diagnóstico frequentemente é confirmado por meio de uma combinação de exames laboratoriais e análises de imagem.

 

Amilase sérica. A determinação dos níveis de amilase sérica é há muito tempo o exame laboratorial confirmatório mais amplamente utilizado para casos de pancreatite aguda. Pelo menos 75% dos pacientes com pancreatite aguda apresentam níveis aumentados de amilase sérica no momento da avaliação inicial.31 Níveis maiores que o triplo do limite normal superior são altamente sugestivos de pancreatite aguda. A amilase é depurada pelos rins. Em casos de pacientes com insuficiência renal, deve-se adotar um limiar mais alto, equivalente a 5 vezes o limite normal superior. Entretanto, a detecção de níveis normais de amilase sérica não exclui a ocorrência de pancreatite. Os níveis séricos de amilase podem ser normais em alguns pacientes com pancreatite alcoólica aguda e em pacientes com pancreatite hiperlipidêmica (elevações acentuadas dos níveis de triglicerídeos, que podem interferir no exame laboratorial para amilase). De uma forma mais geral, nestes casos, os níveis de amilase sérica elevados podem ter voltado ao normal se o exame tiver sido realizado com atraso de alguns dias após o aparecimento dos sintomas. Em várias séries amplas envolvendo pacientes com pancreatite fatal, 10 a 30% dos pacientes que morreram em decorrência de pancreatite aguda não foram diagnosticados antes da autópsia.32 O diagnóstico de pancreatite aguda foi perdido nestes pacientes, em geral, por dois motivos: (1) os níveis séricos de amilase estavam normais (ou não foram medidos); ou (2) os sintomas manifestados eram atípicos (p. ex., coma ou insuficiência de múltiplos órgãos, em vez de dor abdominal). A sensibilidade real da quantificação dos níveis séricos de amilase como teste diagnóstico para pancreatite aguda é, portanto, difícil de determinar.

As elevações dos níveis séricos de amilase são inespecíficas para a pancreatite aguda e podem estar associadas a uma ampla variedade de condições não pancreáticas [Tabela 3]. Embora muitas destas outras condições não sejam confundíveis com a pancreatite aguda, existem algumas condições intra-abdominais capazes de produzir níveis aumentados de amilase sérica e mimetizar os sinais e sintomas da pancreatite aguda. Estes distúrbios incluem isquemia e perfuração intestinal, obstrução intestinal, coledocolitíase com colecistite, doença túbulo-ovariana (gestação ectópica, salpingite aguda) e apendicite aguda.

 

Tabela 3. Causas não pancreáticas de níveis elevados de amilase e lipase

Condição

Amilase

Lipase

Obstrução intestinal

v

v

Perfuração ou isquemia intestinal

v

v

Cálculos no ducto colédoco

v

v

Colecistite aguda

v

v

Gestação ectópica, salpingite aguda ou cistos ovarianos, ou malignidades

v

 

Insuficiência renal

v

v

Hiperêmese, anorexia nervosa, cetoacidose diabética

v

 

Doença da glândula salivar, incluindo caxumba

v

 

Macroamilasemia

v

 

Apendicite aguda

v

v

Câncer de pulmão

v

 

Traumatismo craniano

v

 

 

Lipase sérica. A quantificação dos níveis de lipase sérica é utilizada com frequência como teste adjunto ou substituto da quantificação da amilase sérica, como teste confirmatório de pancreatite aguda. Antigamente, era difícil quantificar com acurácia os níveis de lipase sérica, contudo os novos métodos disponibilizados proporcionam níveis mais altos de precisão. Os níveis de lipase, de fato, além de discretamente mais sensíveis, são mais específicos para pancreatite aguda do que os níveis de amilase.31 Além disso, a lipase sérica permanece elevada por mais tempo e pode confirmar um diagnóstico de pancreatite aguda em até 5 a 10 dias após a manifestação dos sintomas, quando os níveis de amilase em geral já retornaram ao normal. Assim como a amilase, os níveis de lipase também podem estar aumentados em outras condições intrabdominais (exceto na doença tubo-ovariana) e na insuficiência renal. As elevações superiores ao equivalente a 3 vezes ou mais o limite normal superior apresentam a maior sensibilidade e especificidade diagnósticas. No entanto, mais uma vez, este limiar talvez tenha de ser aumentado para 5 vezes o limite normal superior em casos de pacientes com insuficiência renal. A lipase pode ser preferível à amilase como teste confirmatório, porque, além da maior especificidade, não envolve custos adicionais e está prontamente disponível na maioria dos hospitais.

 

Outros exames laboratoriais. A leucocitose com frequência é encontrada na pancreatite aguda. O hematócrito pode ser normal, contudo os pacientes com pancreatite severa e perda substancial de líquido para o 3º espaço apresentam hemoconcentração. A hiperglicemia e a hipoglicemia também podem estar presentes. É raro haver tetania, porque os níveis de cálcio ionizado habitualmente permanecem normais na pancreatite, apesar da hipocalcemia. Os parâmetros bioquímicos hepáticos podem estar aumentados em indivíduos com pancreatite por cálculo biliar ou doença hepática intrínseca (p. ex., hepatite alcoólica). Elevações dos níveis de alanina aminotransferase equivalentes ao triplo do normal sugerem fortemente uma etiologia de doença por cálculos biliares. Entretanto, qualquer anormalidade significativa dos parâmetros bioquímicos hepáticos deve levantar a suspeita de pancreatite por cálculos biliares, em particular se as anormalidades voltarem rapidamente ao normal no curso de alguns dias.33 É importante diferenciar a pancreatite por cálculos biliares das outras formas de pancreatite, porque pode ser necessário instituir um tratamento específico [ver Remoção de cálculos do ducto colédoco, adiante].

 

Exames de imagem

As análises de imagem, em particular a US e a TC, são extremamente úteis para confirmar um diagnóstico de pancreatite aguda, determinar a etiologia e avaliar a severidade do ataque.

 

Radiologia. As radiografias abdominais planas podem ajudar na avaliação da dor abdominal aguda, documentando a existência de condições (p. ex., ílio paralítico ou pneumoperitônio) que causam dor aguda. Entretanto, os achados obtidos por radiografia jamais serão específicos o bastante para confirmar/refutar um diagnóstico de pancreatite aguda. De modo semelhante, estudos do trato gastrintestinal superior utilizando bário ou contraste hidrossolúvel são inúteis para fins de confirmação de um diagnóstico de pancreatite aguda.

 

Ultrassonografia (US). A US abdominal é um exame de significativa utilidade para a avaliação da suspeita de pancreatite aguda. As anormalidades pancreáticas diagnósticas, incluindo o aumento de tamanho do pâncreas, alterações na ecotextura e acúmulos de líquido peripancreáticos, podem ser observadas em até 2/3 dos pacientes. No restante dos pacientes, a existência de gases intestinais sobrejacentes ou a constituição corporal limitam a capacidade de transmissão do som e, assim, prejudicam a visualização adequada do pâncreas.

A US é um dos exames mais sensíveis para a detecção de cálculos na vesícula biliar de pacientes com pancreatite por cálculos biliares. A presença de cálculos biliares ou a dilatação do ducto colédoco visualizadas por US constituem achados altamente preditivos de doença por cálculo biliar como etiologia de pancreatite aguda. Se não for possível obter imagens da vesícula biliar e da árvore biliar na US inicial, a repetição do ultrassom passados alguns dias pode mostrar-se diagnóstica de cálculos biliares e, logo, de pancreatite por cálculos biliares.

 

Tomografia computadorizada (TC). A tomografia computadorizada (TC) é uma técnica significativamente mais acurada do que a US para confirmação da existência de pancreatite aguda, embora seja menos acurada em termos de avaliação da árvore biliar e da vesícula biliar quanto à presença de cálculos.34-36 Ambos os exames, portanto, são empregados frequentemente juntos em casos de pacientes com pancreatite aguda. Os resultados de TC podem ser normais em um pequeno subgrupo de pacientes com pancreatite aguda bastante branda (10% dos pacientes), contudo o teste é seguramente diagnóstico em casos de doença moderada ou severa. A TC também é bastante útil para avaliar condições que mimetizam uma pancreatite aguda severa. Além disso, o exame de TC exerce papel muito importante na determinação da severidade da pancreatite [ver Outros preditores de severidade, adiante].

O uso de um rápido bolus endovenoso de contraste acoplado a uma varredura rápida do pâncreas (tomografia computadorizada intensificada com contraste – TCIC) pode fornecer um diagnóstico de pancreatite aguda e também, de forma bastante significativa, ajudar na avaliação do grau de severidade da doença e da extensão da necrose pancreática. Conforme mostra a TCIC, o parênquima pancreático viável é intensificado pela captação do meio de contraste, ao contrário das áreas necróticas da glândula. A extensão da necrose constitui um indicador bastante importante do prognóstico.34-36

As varreduras de TC não são necessárias para todos os pacientes que apresentam pancreatite aguda, no entanto devem ser realizadas em casos de pacientes que sofreram o primeiro ataque de pancreatite, apresentando sintomas moderados ou severos, com complicações sistêmicas, com suspeita de alguma complicação (p. ex., pseudocisto pancreático) ou que apresentem pancreatite latente que demore a melhorar, ou, ainda, quando o diagnóstico é obscuro.

 

Ressonância magnética (RM). A análise de imagens de ressonância magnética (RM)  pode ser utilizada para graduar a severidade da pancreatite aguda, diante da existência de contraindicações ao uso de TCIC endovenosa, como em casos de insuficiência renal ou sensibilidade ao iodo.34-36 Além disso, a colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) representa uma alternativa adequada para avaliar a presença de cálculos no ducto colédoco. Entretanto, pode ser difícil realizar a RM ou CPRM em pacientes gravemente enfermos.

 

Endoscopia. A CPRE e a USE não são empregadas como exames diagnósticos para pancreatite aguda, embora possam ser úteis na determinação da etiologia. Estas técnicas são utilizadas especialmente em casos de pacientes com pancreatite de causa inexplicada ou idiopática.37 A CPRE é acurada para avaliar muitas das causas menos comuns de pancreatite aguda, tais como microlitíase, disfunção do esfíncter de Oddi, pâncreas bífido e estreitamentos do ducto pancreático (benignos e malignos). Como um teste diagnóstico, a CPRE geralmente é reservada para pacientes que sofreram um segundo ataque de pancreatite inexplicável, ainda que o uso desta técnica possa ser considerado uma alternativa diagnóstica após um único ataque de pancreatite inexplicável em pacientes de risco para estreitamentos malignos do ducto pancreático (p. ex., indivíduos com mais de 40 anos de idade). A CPRE certamente é valiosa como ferramenta terapêutica (p. ex., para encontrar e remover cálculos do ducto colédoco de pacientes com pancreatite por cálculos biliares).

A USE também é útil para documentação de cálculos biliares, microlitíase, tumores pancreáticos e pâncreas bífido. A USE tem sido cada vez mais utilizada no lugar da CPRE para avaliação de pacientes com pancreatite de causa desconhecida, devido ao risco significativamente menor de desenvolvimento de complicações. A USE é altamente acurada tanto para documentação dos cálculos como para visualização de tumores; de fato, é ainda mais sensível do que a CPRE [Figura 1]. A abordagem que consiste em utilizar principalmente a USE não só é mais acurada como também mais econômica,38 embora a USE nem sempre esteja disponível em todos os hospitais.

 

 

Figura 1. Ultrassonografia endoscópica de uma massa pancreática em um paciente com pancreatite aguda de causa desconhecida. A massa está marcada e repousa sobre a veia esplênica (VE). A massa não foi visualizada por varredura de tomografia computadorizada (TC).

 

Definição e previsão da severidade da doença

Três quartos dos pacientes com pancreatite aguda apresentam um curso benigno e recuperam-se rapidamente. A mortalidade associada à pancreatite aguda é de 2 a 10%, com as menores estimativas de mortalidade advindas de amplos bancos de dados de análises e as estimativas mais altas oriundas de populações de referência mais seletas ou de centros terciários. A mortalidade na primeira semana da doença resulta mais comumente da insuficiência progressiva de múltiplos sistemas orgânicos. A mortalidade após a primeira semana é mais comumente causada por infecções, incluindo a infecção do tecido pancreático (isto é, abscesso pancreático ou necrose infecciosa).

A pancreatite severa pode ser definida pela mortalidade, mas também com base nas complicações. O desenvolvimento de insuficiência envolvendo um único órgão ou múltiplos órgãos constitui um marcador importante de doença severa. A definição de insuficiência orgânica está passando por uma significativa revisão. As definições originais de insuficiência orgânica foram desenvolvidas em uma conferência de consenso, há mais de 15 anos (os critérios de Atlanta). Foram adotadas definições específicas de insuficiência orgânica, incluindo choque (pressão arterial sistólica < 90 mmHg), insuficiência pulmonar (PaO2 < 60 mmHg), insuficiência renal (creatinina sérica > 2 mg/dL) e sangramento gastrintestinal (perda > 500 mL de sangue em 24 horas). Estas antigas definições de consenso infelizmente não são adotadas de forma padronizada.39 As diretrizes da prática recentes para pancreatite aguda propõem qualificar a insuficiência orgânica como sendo de um único órgão ou de múltiplos órgãos, de início precoce ou tardio, e como persistente (ou progressiva) ou transiente.40-42 A ocorrência de insuficiência orgânica precoce, insuficiência orgânica múltipla e insuficiência orgânica persistente (ou progressiva) está mais estreitamente associada a um período de internação prolongado, internação em UTI, necessidade de cirurgia e morte.40-42 Existem métodos adicionais para quantificar a insuficiência orgânica com maior precisão do que as definições estabelecidas pelos critérios de Atlanta. Em particular, o escore de Marshall modificado e o sistema de avaliação sequencial da insuficiência orgânica (SOFA – do inglês sequential organ failure assessment) desenvolvidos para uso no cenário da UTI são métodos mais apropriados para quantificação da insuficiência orgânica.40-42

Além da mortalidade e da insuficiência orgânica, a doença severa pode ser definida pelas complicações locais (ou seja, pancreáticas e peripancreáticas). A necrose do pâncreas ou dos tecidos peripancreáticos constitui um achado patológico, mas é clinicamente definida na TCIC como sendo áreas de necrose do parênquima pancreático que não apresentam nenhuma intensificação com a infusão endovenosa de contraste.34-36 Estes achados radiográficos de necrose não são imediatamente evidentes e demoram até 3 dias para se tornarem identificáveis em uma TC.34-36,40-42 O risco de insuficiência de sistema orgânico é maior em pacientes com pancreatite necrotizante. A pancreatite intersticial aguda é definida pela ausência desses aspectos de imagem de necrose. O achado de necrose em uma TC está associado a um pior prognóstico, sobretudo quando complicado pela infecção do tecido necrosado. A pancreatite necrotizante aguda (isto é, achados de TCIC de necrose pancreática) pode ser subclassificada em necrose estéril ou necrose infecciosa, com base na ausência ou presença de bactérias em uma amostra obtida por aspiração ou cirurgia. Outras complicações locais incluem acúmulos de líquido, pseudocistos e abscessos. Um acúmulo de líquidos agudo é definido como sendo uma coleção de líquidos dentro ou ao redor do pâncreas, no início do curso de pancreatite aguda. Este acúmulo de líquidos é composto de suco pancreático e líquido inflamatório, é precariamente delimitado e não possui uma parede visível de fibrose nem tecido de granulação. Nas varreduras de TC, esses acúmulos são vistos como áreas de baixa atenuação e sem uma cápsula visível. São bastante comuns na pancreatite aguda, ocorrendo em 30 a 50% dos casos.34-36 Muitos desses acúmulos agudos de líquidos se resolvem, mas alguns podem persistir e desenvolver uma cápsula visível, passando a ser denominados pseudocistos. Os pseudocistos são definidos como coleções de líquidos (suco pancreático) cercadas por uma cápsula fibrosa. São necessárias pelo menos 4 a 6 semanas para que uma cápsula se desenvolva e se transforme em pseudocisto.34-36,40-42 Os pseudocistos podem permanecer estéreis ou se tornar secundariamente infectados, passando a ser denominados abscessos pancreáticos (ou peripancreáticos).

Após estabelecer o diagnóstico de pancreatite aguda, a próxima meta do clínico é estimar o prognóstico e a severidade da doença. A avaliação acurada do prognóstico e da severidade permite a tomada de uma decisão mais acertada com relação à internação precoce em UTI. A avaliação da severidade da pancreatite aguda pode ser feita com base nos achados clínicos, exames laboratoriais ou análises de imagem, ou com base em uma combinação dos 3. Uma avaliação cuidadosa e frequente feita por um clínico experiente constitui um método bastante útil de medir a severidade e detectar complicações. A ocorrência de delirium ou coma, hipóxia ou a observação de aspectos sugestivos de perda maciça de líquido para o 3º espaço (ou seja, hipotensão, taquicardia, oligúria, azotemia ou hemoconcentração) no momento da admissão ou durante as primeiras 24 horas sugerem a ocorrência de um ataque severo e indicam uma possível necessidade de internação na UTI.22,40-42 Estes aspectos definem essencialmente a ocorrência de insuficiência orgânica no momento da admissão, a qual está associada a uma mortalidade aumentada. Muitos pacientes, todavia, não desenvolvem uma doença inicial tão dramática. É difícil prever o desenvolvimento de uma doença severa antes de sua manifestação. A doença mais severa e um resultado pior são observados entre pacientes de idade mais avançada, com comorbidades mais numerosas e severas, ou que sejam obesos.22,40-43 Os médicos clínicos, assim, identificam alguns fatores preditores de doença severa. Há também diversos sistemas de escores de múltiplos fatores, análises de imagens e exames laboratoriais disponíveis para auxiliar o clínico a determinar a severidade e estimar o prognóstico. Contudo, essas ferramentas não podem substituir uma avaliação clínica cuidadosa e contínua.

 

Sistemas de escore de múltiplos fatores. Vários sistemas de escore de múltiplos fatores foram desenvolvidos para serem utilizados combinados a certos aspectos clínicos e laboratoriais, com o objetivo de determinar o grau de severidade da doença. Entre estes sistemas estão os critérios de Ranson, os critérios de Glasgow modificados e os critérios APACHE II.40-42 Destes 3 sistemas, o sistema APACHE II é o preferido, por ser aplicável em qualquer momento da doença clínica e pela facilidade de obtenção com auxílio de calculadoras baseadas na internet. Os sistemas de escore de Ranson e Glasgow requerem uma espera de até 48 horas para poderem ser calculados. As diretrizes da prática sugerem um valor de corte igual a 8 pontos no sistema APACHE II como indicação de prognóstico desfavorável.40-42 O sistema APACHE II ainda é relativamente desajeitado em termos de uso, além de apresentar uma elevada taxa de resultados falso-positivos (ou seja, muitos pacientes com escores de APACHE II > 8 não desenvolvem insuficiência orgânica nem morrem). Mais recentemente, foi proposto um sistema simples de 5 variáveis, ao qual foi atribuída a sigla BISAP, que designa: BUN > 25 mg/dL (Blood Urea Nitrogen – equivalente a uréia > 53 mg/dL); Impaired Mental Status (confusão mental); SIRS (do inglês Systemic Inflammatory Response Syndrome – Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica, caracterizada por taquicardia, taquipneia, hipocarbia, temperatura corporal alta ou baixa; e contagem de leucócitos no sangue periférico alta ou baixa); Age (idade) > 60 anos; ou Pleural Effusion (presença de derrame pleural.6 Se for atribuído 1 ponto para cada parâmetro considerado, a mortalidade varia de menos de 1% (para uma pontuação BISAP de 0 a 1) a 27% (para um escore de 5 pontos). Um sistema alternativo de escore, denominado EWS (sistema de alerta precoce – em inglês, early warning system), emprega somente aspectos clínicos simples, tais como pressão arterial, débito urinário, frequência respiratória, frequencia cardíaca e nível de consciência, e parece ser tão acurado quanto o APACHE II.44

 

Outros preditores de severidade. A TC tem papel adjuvante na estimação da severidade da doença. A falta de intensificação por contraste vascular do pâncreas na TCIC corresponde, de uma forma geral, à existência de necrose. A necrose pancreática complica cerca de 25% de todos os casos de pancreatite aguda e, em geral, está associada a uma doença clinicamente mais severa. Esta condição está particularmente associada ao desenvolvimento das complicações tardias de abscesso pancreático e necrose infectada.1,6,34-36,40-42 Assim como ocorre com todos os sistemas utilizados na avaliação da severidade, a TCIC produz um número significativo de resultados falso-positivos, de modo que muitos pacientes apresentando evidências de necrose na varredura dinâmica de TC desenvolvem um curso clínico brando. Apesar disso, a existência de uma necrose pancreática significativa (envolvendo mais de 1/3 da glândula) é útil como marcador da severidade, uma vez que quase todos os pacientes apresentando curso clinicamente grave têm necrose e quase todos os casos de infecção pancreática severa ocorrem neste grupo de pacientes.6,34-36,40-42

Alguns exames laboratoriais foram propostos para ajudar os clínicos a prever o prognóstico. Tais exames incluem alguns exames laboratoriais básicos já mencionados (p. ex., creatinina sérica, ureia ou hematócrito). Além disso, os níveis de proteína C reativa (PCR) medidos em 48 horas após o aparecimento da doença estão correlacionados com o prognóstico.6,40-42 Em termos de predição do prognóstico, a detecção de níveis de PCR acima de 150 mg/L em 48 horas é tão acurada quanto a determinação do escore APACHE II.

 

Tratamento

O tratamento da pancreatite aguda tem 4 metas: (1) fornecer suporte clínico; (2) minimizar ou diminuir a necrose e o processo inflamatório local; (3) reconhecer e tratar as complicações; e (4) prevenir ataques subsequentes.

 

Suporte clínico

Pancreatite aguda branda. As bases da assistência de suporte incluem a instituição de um regime NPO (nada pela boca); promoção de alívio da dor e da náusea; reposição de perdas volêmicas; fornecimento de nutrição, quando necessário; e monitoramento do paciente quanto ao desenvolvimento de complicações. Isto é feito de maneira relativamente direta em casos de pacientes com pancreatite branda, porque as perdas de líquido são modestas e as complicações, raras. A dor e as náuseas geralmente podem ser controladas com o uso de dosagens moderadas de analgésicos endovenosos e agentes antieméticos. Pode haver perdas significativas de líquido até mesmo em casos de pancreatite branda, devido às perdas de líquido para o 3º espaço, vômitos e perdas insensíveis. A instituição de uma ressuscitação volêmica adequada é decisiva para a minimização das complicações.45 Os pacientes geralmente podem ser alimentados quando os ruidos intestinais retornam e a dor é eliminada.

 

Pancreatite aguda severa. Quando a pancreatite é severa ou diante da previsão de uma pancreatite severa (com base nos achados de TC e TCIC, sistemas de escore de múltiplos fatores, evidências iniciais de perdas significativas de líquido para o 3º espaço, insuficiência orgânica precoce ou outros aspectos clínicos), a assistência de suporte é mais desafiadora e habitualmente exige os recursos disponíveis na UTI. A pronta instituição de reposição de líquidos vigorosa é decisiva nas primeiras fases da pancreatite aguda severa, podendo minimizar ou prevenir as complicações iniciais, incluindo a insuficiência renal e o colapso cardiovascular.40-42,45 O pâncreas é propenso ao desenvolvimento de lesão isquêmica no contexto da depleção do volume de líquidos intravascular. A microcirculação pancreática apresenta pouca capacidade de resposta à diminuição do suprimento sanguíneo, sendo que a depleção do volume intravascular pode piorar o grau de necrose pancreática. Por todos estes motivos, a instituição de uma ressuscitação volêmica precoce e vigorosa é importante para a abordagem da pancreatite severa. O tratamento à base de soluções de cristaloide costuma ser adequado, embora as soluções de coloide (albumina) possam ser apropriadas diante de níveis de albumina extremamente baixos (< 2 mg/dL) e concentrado de hemácias possa ser administrado quando o hematócrito estiver abaixo de 25%. A adequação da reposição de líquidos pode ser monitorada por meio dos sinais vitais, débito urinário e medidas sequenciais de hemoconcentração. A pronta infusão (isto é, na sala de emergências) de 1 a 2 litros de líquidos, seguida de uma reposição de líquidos vigorosa e contínua se fazem necessárias, sendo que o total de infusões por dia no 1º dia pode ser de até 5 a 10 litros. A internação em UTI, além de facilitar o monitoramento da ressuscitação líquida, permite monitorar intensivamente as complicações respiratórias e metabólicas. A síndrome do vazamento capilar pulmonar (isto é, SARA) representa uma das complicações mais graves da pancreatite severa. Hipóxia e dispneia geralmente são notadas, entretanto a SARA deve ser distinguida da sobrecarga líquida ou da insuficiência cardíaca congestiva. Para tanto, pode ser necessário realizar uma avaliação hemodinâmica adicional, invasiva ou não, que é melhor executada no cenário da UTI. Uma variedade de complicações metabólicas iniciais (p. ex., hiperglicemia, hipocalcemia, hipertrigliceridemia e hipomagnesemia) também são mais facilmente tratadas em uma UTI.

O suporte nutricional é útil para pacientes com pancreatite severa e para aqueles com pancreatite mais branda que, mesmo assim, tendem a não conseguir comer por mais de 5 a 7 dias. A via preferida para fornecimento de nutrientes exógenos mudou. Por muitos anos, a nutrição parenteral total (NPT) foi considerada a prática-padrão. Evidências acumuladas, todavia, mostraram que a alimentação entérica é superior à NPT.40-42,46,47 Estudos prospectivos randomizados demonstraram que a alimentação entérica infundida distalmente ao ligamento de Treitz está associada a um menor número de complicações (infecção e hiperglicemia) e é mais econômica do que a NPT. Este tipo de alimentação requer a colocação de um tubo de alimentação nasojejunal e o uso de uma fórmula elementar ou semielementar. Esta abordagem não promove uma estimulação significativa da secreção pancreática e não parece agravar a condição. O maior desafio prático na alimentação entérica jejunal consiste em posicionar e manter o tubo nasojejunal posicionado. Foram realizados alguns estudos pequenos que utilizaram a alimentação nasoduodenal ou até mesmo a alimentação nasogástrica com uma fórmula elementar. No entanto, ainda não está comprovado se esta é uma abordagem segura e efetiva. Um período de espera é desnecessário, caso seja percebido que o paciente será incapaz de se alimentar durante 5 a 7 dias. A alimentação nasojejunal pode ser iniciada precocementeno curso clínico.

 

Tratamentos para limitar a necrose e a inflamação

Repouso pancreático. Muitos estudos iniciais enfocaram as estratégias consideradas promotoras de “repouso” do pâncreas, além do repouso associado à manutenção do regime NPO do paciente. As estratégias estudadas foram a sucção nasogástrica, antagonistas de receptor H2, atropina, somatostatina (e seu análogo octreotida), glucagon e até fluorouracil. No entanto, nenhuma destas abordagens parece exercer qualquer benefício em termos de resultado da pancreatite aguda. Isto não significa que a sucção nasogástrica seja inútil, caso o paciente apresente náuseas e vômitos significativos, nem que a administração de antagonistas de receptor H2 não previna as erosões e úlceras por estresse. Contudo, nenhuma destas terapias melhora o resultado geral da pancreatite aguda em si.

 

Terapia anticitocinas. Alguns estudos se concentraram no controle da resposta imune sistêmica via modulação das citocinas inflamatórias. Como esta cascata de citocinas parece contribuir para ao desenvolvimento da insuficiência de múltiplos sistemas orgânicos, as citocinas constituem alvos potencialmente atraentes para a terapia. O fator ativador de plaquetas (PAF – em inglês, platele-activating factor) é considerado uma citocina pró-inflamatória. Entretanto, nenhum efeito produzido pelo PAF foi observado em um amplo estudo randomizado.41 Os antagonistas de PAF também foram testados como terapias preventivas de pancreatite pós-CPRE, todavia não proporcionaram benefícios significativos. É provável que a interferência na cascata de citocinas requeira o uso de múltiplos agentes. A realização de testes adicionais com estas e outras terapias similares poderá esclarecer o papel destes agentes no tratamento da pancreatite aguda.

 

Remoção de cálculos no ducto colédoco. Na vasta maioria dos pacientes com pancreatite por cálculos biliares, o cálculo que agride o ducto colédoco já passou para dentro do duodeno quando a doença se manifesta.1,7,8 A avaliação do ducto colédoco quanto à presença de cálculos no início do curso clínico da pancreatite por cálculos biliares permite a detecção dos cálculos biliares em até 3/4 dos pacientes, no entanto este valor cai para 20% quando a avaliação é conduzida em fases tardias do curso clínico. A vasta maioria dos pacientes, portanto, elimina os cálculos de maneira espontânea. Em um pequeno subgrupo de pacientes, contudo, o cálculo persiste no ducto colédoco, e observações anedóticas sugerem que estes pacientes apresentam risco de desenvolver uma pancreatite mais severa (p. ex., mais insuficiência orgânica e maior grau de necrose) e colangite concomitante. A colangite ascendente representa uma complicação encontrada em até 10% dos casos de pancreatite por cálculos biliares. Além disso, em alguns pacientes, pode ser difícil distinguir a ocorrência concomitante de colangite de um caso de pancreatite severa, pois ambas as doenças podem apresentar aspectos semelhantes (p. ex., febre, leucocitose, dor abdominal e parâmetros bioquímicos hepáticos anormais). Foi proposta, então, uma estratégia para a remoção dos cálculos presentes no ducto colédoco de pacientes com pancreatite por cálculos biliares, como uma forma de se minimizar o grau de severidade da doença e prevenir ou tratar a colangite concomitante.

As tentativas iniciais de eliminação dos cálculos persistentes no ducto colédoco por meio de cirurgia estavam associadas a uma mortalidade mais alta do que aquela associada ao tratamento conservador. Posteriormente, as técnicas endoscópicas (p. ex., CPRE) foram empregadas na remoção dos cálculos. Quatro estudos randomizados avaliaram a utilidade da realização precoce de uma CPRE e da remoção de cálculos em casos de pacientes com suspeita de pancreatite por cálculos biliares.1,40-42 Estes estudos randomizados foram submetidos a múltiplas metanálises e estão resumidos em diretrizes.48 Segundo as diretrizes mais recentes, nota-se que a maioria dos pacientes com pancreatite por cálculos biliares já eliminou os cálculos existentes no ducto colédoco no momento em que a realização de uma CPRE é considerada. É desnecessário realizar uma CPRE antes da colecistectomia em indivíduos com pancreatite branda em processo de resolução. Estes pacientes são mais bem tratados por meio de uma colangiografia intraoperatória. Caso se encontre um cálculo residual junto ao ducto colédoco na colangiografia, realiza-se a exploração laparoscópica do ducto colédoco com extração do cálculo ou uma CPRE pós-operatória. Em casos de pacientes com pancreatite por cálculos biliares que apresentam evidências de sepse biliar concomitante (isto é, febre, icterícia e dor no quadrante superior direito), é necessário realizar uma CPRE de emergência com esfincterectomia e extração de cálculo. A CPRE é uma técnica interessante diante de uma probabilidade razoavelmente alta de haver cálculos persistentes no ducto colédoco, incluindo os casos em que a presença de um cálculo junto ao ducto é demonstrada por radiografia, parâmetros bioquímicos hepáticos persistentemente anormais ou agravados em um período superior a 48 horas, ou, ainda, via evidências radiográficas de um ducto colédoco persistentemente dilatado. A CPRE inicial também pode ser considerada em casos de pacientes apresentando insuficiência precoce e progressiva de sistema orgânico, nos quais possa ser difícil determinar se o desenrolar do curso é causado por uma pancreatite severa ou pela colangite associada. Realizar um exame de CPRE nesta situação pode ser um desafio, e a sedação desses pacientes criticamente doentes não é isenta de riscos.  

 

Tratamento das complicações

Complicações sistêmicas. As complicações sistêmicas da pancreatite aguda podem envolver uma ampla variedade de sistemas orgânicos [Tabela 2]. Muitas destas complicações são encontradas no cenário da UTI, em decorrência de diversos estados patológicos que incluem não só a pancreatite, mas também a sepse, entre outros. Além disso, algumas complicações específicas de pancreatite aguda requerem menção específica.

 

Complicações metabólicas. Numerosas complicações metabólicas podem ocorrer na pancreatite aguda, tais como hipocalcemia, hiperglicemia e hiperlipidemia. Na maioria das vezes, a hipocalcemia resulta de uma hipoalbuminemia e, menos frequentemente, está associada a uma redução dos níveis de cálcio iônico ou a sintomas de hipocalcemia. A reposição de cálcio geralmente é desnecessária na ausência de uma diminuição dos níveis de cálcio ionizado ou de sinais de instabilidade neuromuscular (p. ex., tetania, sinal de Chvostek e sinal de Trousseau).

A hiperglicemia, assim como a hipocalcemia, é um dos critérios de Ranson indicativos de prognóstico ruim. O tratamento da hiperglicemia branda é desnecessário, porém aumentos significativos dos níveis sanguíneos de glicose (ou seja, níveis > 200 mg/dL) devem ser tratados com insulina, a fim de minimizar as perdas de líquido associadas decorrentes da glicosúria e, desse modo, prevenir qualquer efeito prejudicial sobre a função dos leucócitos. A hiperglicemia pode ser minimizada com o uso de alimentação nasojejunal, em vez da alimentação parenteral.

A hiperlipidemia está associada à pancreatite aguda, tanto como fator etiológico quanto como consequência. Muitos pacientes com pancreatite aguda podem desenvolver uma modesta elevação dos níveis séricos de triglicerídeos (isto é, níveis de 200 a 400 mg/dL) em consequência da pancreatite aguda. Geralmente, estas elevações têm curta duração e não requerem terapia. Níveis acima de 500 mg/dL (e, certamente, acima de 1.000 mg/dL) apontam a hipertrigliceridemia como causa (em vez de consequência) da pancreatite aguda. Estes níveis costumam cair rapidamente enquanto o paciente está sob regime NPO. Elevações marcantes dos níveis de triglicerídeos (> 10.000 mg/dL) ou a falha na queda dos níveis de triglicerídeos de acordo com as expectativas ocasionalmente podem exigir a realização de plasmaférese para depurar rapidamente os triglicerídeos do soro.1,19 Após a recuperação da pancreatite, os pacientes com pancreatite hiperlipidêmica devem iniciar um curso apropriado de medicações e, muito provavelmente, uma terapia dietética para controle dos níveis de lipídios e das recidivas.

 

Sangramento gastrintestinal. O sangramento gastrintestinal pode complicar uma pancreatite aguda e constitui um marcador da ocorrência de ataque severo.1,39-42 O sangramento pode ocorrer em decorrência de erosões ou úlceras por estresse, pseudoaneurismas ou desenvolvimento de varizes consequente a uma trombose na veia esplênica. A trombose na veia esplênica, que pode resultar de doenças inflamatórias e neoplásicas pancreáticas, causa uma hipertensão portal esquerda caracterizada por varizes gástricas desproporcionais em relação às varizes esofágicas. Estas varizes podem sangrar e, quando isto ocorre, podem ser tratadas por esplenectomia, que tem ação curativa. As técnicas endoscópicas para tratamento de sangramentos gástricos agudos nem sempre são efetivas, mas incluem a injeção de cola de cianoacrilato no interior dos canais varicosos. As varizes gástricas identificadas e que ainda não sangraram não requerem tratamento.49 O sangramento de um pseudoaneurisma geralmente está associado a um pseudocisto [ver Tratamento, Outras complicações, adiante].

 

Outras complicações sistêmicas. As complicações raras da pancreatite aguda incluem outras tromboses vasculares, coagulação intravascular disseminada, necrose gordurosa distante na pele (semelhante ao eritema nodoso), encefalopatia e cegueira repentina.

 

Infecção e necrose pancreática. O desenvolvimento de necrose pancreática, identificada por varredura de TCIC, está associado a um prognóstico mais desfavorável. Notavelmente, muitos pacientes com necrose não desenvolvem insuficiência orgânica. Na ausência de necrose, a mortalidade geral é inferior a 2%. O desenvolvimento de necrose está associado a uma mortalidade geral aproximada de 10%, enquanto o desenvolvimento de necrose infectada apresenta mortalidade de cerca de 30%.1,40-42 O achado de necrose detectado por varredura de TC, portanto, não garante que o paciente venha a desenvolver SIRS ou insuficiência orgânica. Entretanto, é necessário que haja desenvolvimento de necrose para o paciente desenvolver necrose pancreática infectada – a forma mais séria de infecção pancreática. A infecção da necrose ocorre em cerca de 1 a 4% dos pacientes com infecção pancreática em geral, bem como em 15 a 30% dos indivíduos com necrose pancreática significativa (> 30%).1,40-42 A mortalidade da pancreatite necrotizante triplica quando sobrevém a infecção. Mais comumente, a infecção ocorre durante a 2ª ou 3ª semanas de um ataque de pancreatite severa. O paciente desenvolve febre (muitas vezes, com temperaturas > 38,9ºC), leucocitose e uma dor abdominal que piora ou se repete. Os organismos infecciosos costumam se dispersar pela área necrótica, a partir do intestino, e são mais frequentemente bacilos gram-negativos (p. ex., Klebsiella ou Escherichia coli) e Staphylo­coccus aureus. Candida, Enterococcus e organismos anaeróbios são encontrados com menos frequência como agentes causais de infecção pancreática. Havendo suspeita de infecção, deve-se obter uma varredura de TC para avaliar a extensão da necrose e identificar sítios ideais para obtenção de amostras percutâneas. O achado de gases junto ao parênquima pancreático é altamente específico, porém bastante insensível à infecção pancreática severa [Figura 2]. Entretanto, a existência de uma suspeita clínica de infecção aliada ao achado de necrose constitui uma indicação para que se realize aspiração percutânea das áreas suspeitas, sendo necessário realizar uma coloração de Gram e uma cultura com o tecido coletado. A experiência obtida ao longo dos últimos 15 anos revela que a aspiração percutânea não só é altamente acurada, como também segura.1,40-42 Se a infecção pancreática for demonstrada na aspiração percutânea, um curso de antibióticos deve ser prontamente iniciado e ajustado de acordo com o organismo identificado pela coloração de Gram ou na cultura. Antigamente, a terapia de escolha era a pronta realização de uma cirurgia aberta para desbridamento do material infectado e desvitalizado. Esta abordagem invariavelmente resultava em um tempo de recuperação prolongado, com uma ferida abdominal aberta e múltiplos drenos. O tratamento da necrose infectada sofreu uma profunda mudança no decorrer dos últimos anos. Esta mudança foi conduzida, em parte, pelos relatos de casos de tratamento bem-sucedido de necrose infectada utilizando apenas antibióticos. As abordagens atualmente utilizadas começam pela terapia antibiótica e observação contínua. Em casos de pacientes que apresentam evidências de síndrome séptica ou cujo estado esteja se deteriorando, pode ser necessário realizar o desbridamento cirúrgico com maior urgência. Para aqueles cujo estado permanece estável com o curso de antibióticos, o tratamento definitivo pode ser retardado em várias semanas para permitir que o material necrótico seja delimitado e sofra amolecimento ou liquefação. Estas coleções desenvolvem uma cápsula espessa e, muitas vezes, são denominadas necrose “organizada” ou necrose pancreática “bloqueada”. Este atraso pode permitir que a coleção de material necrosado se torne delimitada e liquefeita o suficiente para poder ser tratada por meio de uma terapia menos invasiva do que o desbridamento cirúrgico aberto. Estas coleções mais maduras têm sido tratadas por meio de abordagens laparoscópicas, percutâneas, minimamente invasivas, retroperitoneais e de desbridamento endoscópico.50 O tratamento bem-sucedido das coleções necróticas pelas abordagens e técnicas minimamente invasivas em geral não pode ser realizado até que a coleção tenha atingido um estado bloqueado mais maduro, exigindo um nível substancial de conhecimentos e experiência. As decisões acerca do tratamento destes pacientes significativamente doentes requer uma consulta cuidadosa e a cooperação entre o cirurgião de pâncreas, o radiologista, o endoscopista e o especialista em terapia intensiva.

 

 

Figura 2. Tomografia computadorizada (TC) mostrando uma ampla quantidade de ar junto ao pâncreas necrosado de um paciente com necrose pancreática infectada.

 

O abscesso pancreático é definido como um acúmulo de líquido infectado dentro ou ao redor do pâncreas. Diferente da necrose infectada, o desenvolvimento de um abscesso pancreático resulta da superinfecção de uma coleção de líquido ou pseudocisto preexistente. A manifestação clínica de um abscesso pancreático pode ser indistinguível da manifestação de uma necrose infeccionada. A terapia para abscessos pancreáticos em geral consiste na administração de antibióticos e realização de uma drenagem simples. Diferente da necrose infectada, que tipicamente é tratada com alguma forma de desbridamento, o abscesso pancreático em geral é tratado de maneira efetiva com a instalação de um tubo de drenagem endoscópico ou percutâneo, porque é comum haver pouco tecido necrótico sólido no interior da cavidade do abscesso. No entanto, pode ser difícil distinguir a necrose infectada de um abscesso, pois as varreduras de TC não conseguem diferenciar um líquido simples com pus de uma coleção de materiais sólidos e necrosados. A drenagem via tubo de uma coleção contendo quantidades substanciais de material sólido (ou seja, necrose infectada) geralmente fracassa. A imagem mais acurada do conteúdo de uma coleção é fornecida pela RM e pela USE. A USE é particularmente valiosa, porque permite que a coleção não apenas seja avaliada quanto ao caráter de seu conteúdo, mas também seja drenada com segurança nas mesmas circunstâncias, quando conveniente.

Como as consequências do abscesso e da necrose pancreática infectada frequentemente são graves, foram realizados numerosos estudos voltados para a identificação de ações efetivas para a prevenção destas infecções. Atualmente, contudo, o papel dos antibióticos na prevenção da infecção pancreática é controverso. Os estudos iniciais, que utilizaram profilaxia com ampicilina, não demonstraram nenhuma redução na ocorrência de infecções pancreáticas. Posteriormente, foi demonstrado que a ampicilina não penetra no pâncreas necrosado em concentrações adequadas. Estudos mais recentes identificaram agentes que apresentam penetração adequada no pâncreas necrótico, incluindo imipenem, meropenem, cefuroxima, ofloxacina e metronidazol.41,42,50 Na análise destes estudos, observou-se que os estudos de maior qualidade (isto é, somente os estudos duplo-cegos) não apresentaram efeitos, enquanto os estudos de qualidade inferior apresentaram benefícios.51 Uma metanálise recente demonstrou a ausência de benefícios proporcionados pela profilaxia antibiótica.52 As diretrizes da prática já não recomendam o uso profilático de antibióticos em casos de pancreatite aguda severa.40-42

As infecções, pancreáticas e extrapancreáticas, continuam sendo uma fonte substancial de morbidade e mortalidade entre pacientes com pancreatite aguda severa. Durante o período de internação, a maioria destes pacientes recebe antibióticos para tratamento de várias infecções. As infecções adquiridas no hospital exercem papel amplo na mortalidade final.53,54 O uso da nutrição entérica, em vez da nutrição parenteral, pode diminuir o risco de infecções associadas ao cateter.55 A nutrição entérica também estabiliza a função intestinal e diminui a translocação de bactérias através da mucosa. Um estudo recente sobre o uso de probióticos e prebióticos na pancreatite aguda, todavia, que também tentou diminuir a translocação bacteriana, mostrou excessiva mortalidade no grupo tratado com probióticos.56

 

Coleções de líquido e pseudocistos. As coleções de líquido dentro e em torno do pâncreas são comuns em pacientes com pancreatite aguda. Estas coleções de líquido peripancreático em geral são amorfas, em vez de capsuladas. As coleções peripancreáticas agudas não requerem terapia, a menos que se tornem infectadas. A maioria dos acúmulos de líquido se resolve de maneira espontânea, porém algumas se transformam em pseudocistos.1,40-42,57,58 Um pseudocisto consiste em uma coleção de líquido pancreático arredondada que é circundada por uma parede de tecido fibrose ou de granulação, geralmente observável na TC. A maioria das coleções se forma junto ao saco menor ou nos espaços pararrenais, mas também pode se desenvolver em qualquer parte do corpo e, inclusive, penetrar órgãos sólidos adjacentes (p. ex., fígado ou baço). Os pseudocistos complicam 1 a 8% de todos os casos de pancreatite aguda.40,41,57,58 Os pseudocistos podem persistir ou se resolver, podem ser assintomáticos ou estar associados a sintomas ou complicações. O sintoma mais comumente associado ao pseudocisto é a dor abdominal, embora possa haver desenvolvimento de outros sintomas, caso o pseudocisto obstrua um orifício visceral adjacente. Por exemplo, a obstrução do duodeno causa náusea e vômitos, enquanto a obstrução do ducto biliar causa icterícia. Até 2/3 de todos os pseudocistos acabam se resolvendo expontaneamente, porém é improvável que ocorra resolução espontânea de pseudocistos maiores que 5 a 6 cm ou que tenham se formado há mais de 6 semanas. Além disso, pseudocistos maiores que 6 cm são um pouco mais propensos a produzirem complicações, como a obstrução de orifício visceral adjacente (p. ex., duodeno ou ducto biliar), infecção, sangramento ou rompimento. O tratamento da infecção de um pseudocisto (isto é, abscesso pancreático), em geral, é facilmente realizada com antibióticos e drenagem por cateter percutâneo ou endoscópico. Contudo, os pseudocistos caracterizados por sangramento e ruptura estão associados a morbidade e mortalidade significativamente maiores. O sangramento pode ocorrer a partir de uma artéria grande na qual haja formação de um pseudoaneurisma por ação da pressão exercida por um pseudocisto contíguo. O fluxo de sangue resultante pode alcançar o intestino através do ducto pancreático ou entrar no peritônio através de uma ruptura no pseudocisto. Um sangramento inicial pode ser autolimitado, mas qualquer queda inexplicável dos níveis de hemoglobina ou alteração do padrão da dor em um paciente que tenha um pseudocisto constituem indicações para realização de uma TC emergencial. Se for encontrada qualquer evidência de pseudoaneurisma, a realização de uma angiografia emergencial com embolização pode salvar a vida do paciente.57,58

Os pseudocistos assintomáticos geralmente impõem um baixo risco de complicações, mesmo quando são amplos. Os pseudocistos sintomáticos ou complicados requerem terapia, sendo que a cirurgia emergencial ocasionalmente pode ser necessária diante da detecção de um sangramento ou ruptura. Já nos pseudocistos que não requerem abordagem emergencial, as técnicas cirúrgicas eletivas, percutâneas ou endoscópicas podem ser bem-sucedidas, dependendo da localização do pseudocisto e da disponibilidade de conhecimento acerca destas modalidades.57,58 A drenagem endoscópica de pseudocistos pode ser orientada pela USE em tempo real e está se tornando a terapia de primeira linha em muitos hospitais. A drenagem via tubo percutâneo também pode ser utilizada no tratamento dos pseudocistos. Contudo, esta técnica pode produzir uma fístula pancreática externa cronicamente drenante. O tratamento cirúrgico de um pseudocisto provavelmente gera os melhores resultados a longo prazo, embora também esteja associado a uma morbidade mais significativa. A drenagem de um pseudocisto transmural orientada por USE parece proporcionar a melhor relação custo-benefício em casos de pseudocistos em localizações anatomicamente acessíveis. Entretanto, faltam estudos que comparem diretamente as técnicas de drenagem cirúrgica, endoscópica e percutânea.

 

Prevenção de ataques subsequentes

A prevenção de ataques subsequentes de pancreatite aguda requer a eliminação da causa da doença. Em pacientes com pancreatite alcoólica aguda, a suspensão do consumo de bebidas alcoólicas parece exercer algum benefício em termos de diminuição das recaídas, embora a doença possa continuar a evoluir para uma pancreatite crônica sintomática, mesmo com a abstinência. Em casos de pacientes com pancreatite por cálculos biliares, a colecistectomia praticamente elimina as recidivas. De modo similar, a detecção de microlitíase seguida de uma terapia adequada (ou seja, colecistectomia, esfincterectomia biliar endoscópica e, possivelmente, o uso de ácido ursodesoxicólico) pode prevenir a pancreatite recorrente. O controle agressivo dos níveis séricos de lipídios pode prevenir ataques recorrentes de pancreatite hiperlipidêmica. Em pacientes que apresentam um distúrbio obstrutor do ducto pancreático (p. ex., estreitamento benigno ou maligno do ducto pancreático, pâncreas bífido, disfunção do esfíncter de Oddi e tumor de ampola), a remoção da obstrução por métodos cirúrgicos ou endoscópicos geralmente é mais efetiva para prevenção das recaídas.

 

Pancreatite crônica

A pancreatite crônica é caracterizada pelo dano irreversível ao pâncreas e desenvolvimento de evidências histológicas de fibrose e destruição de tecido exócrino (células acinares) e endócrino (ilhotas de Langerhans). Parece que a forma mais crônica (ou, talvez, todas as formas) de pancreatite surge de episódios (que podem ser subclínicos) de pancreatite aguda, embora nem todos os episódios de pancreatite aguda levem ao desenvolvimento de pancreatite crônica. Estas duas condições estão nos extremos opostos do mesmo espectro, contudo pode ser difícil ou até impossível determinar quando um limiar foi ultrapassado e a doença aguda se tornou crônica.

 

Epidemiologia

A prevalência da pancreatite crônica varia de acordo com a população. A pancreatite crônica pode ser demonstrada em séries de autópsias em até 5% dos casos.59 As estimativas da incidência anual fornecidas por diversos estudos variam de 3 a 9 casos em cada 100.000 indivíduos, com uma prevalência geral aproximada de 28 casos em cada 100.000 indivíduos da população.59 Nos Estados Unidos, isto representa 122.000 consultas ambulatoriais e 25.000 internações, anualmente. A história natural pode ser bastante variável e é nitidamente afetada pelo alcoolismo em casos de indivíduos com pancreatite crônica alcoólica. Em um amplo estudo multicêntrico, o risco relativo de mortalidade foi de 3,6 (os pacientes diagnosticados com pancreatite crônica apresentaram mortalidade equivalente a 3,6 vezes a taxa de mortalidade dos indivíduos do grupo controle da mesma faixa etária).60 Os indivíduos de idade mais avançada e aqueles com pancreatite crônica alcoólica apresentaram as menores taxas de sobrevida. De modo geral, foi demonstrado que para os pacientes com pancreatite crônica a sobrevida de 10 anos era de cerca de 70%, enquanto a sobrevida de 20 anos era de aproximadamente 45%.59,60 A pancreatite crônica representa um forte fator de risco para o desenvolvimento de adenocarcinoma pancreático, o que explica parcialmente a mortalidade aumentada associada à pancreatite crônica. A morte é mais frequentemente devido a malignidades pancreáticas e extrapancreáticas, bem como ao desenvolvimento de complicações decorrentes do tabagismo concomitante.

 

Etiologia

Consumo abusivo de bebidas alcoólicas

O álcool é a causa de pancreatite crônica em cerca de 75% dos casos. Em geral, são necessários pelo menos 5 anos de consumo de bebidas alcoólicas ultrapassando 150 g/dia para que um indivíduo desenvolva uma pancreatite crônica sintomática, embora alguns pacientes desenvolvam pancreatite crônica ingerindo menores quantidades de álcool. Apenas 5 a 15% dos usuários de álcool em grandes quantidades acabam desenvolvendo pancreatite crônica, sugerindo a existência de cofatores que exercem papel importante na patogênese desta condição.9,27,28,59 O cofator aparentemente mais importante é o tabaco,10,59 sendo que há evidências de que o tabagismo isoladamente pode atuar como fator de risco significativo mesmo na ausência do consumo de álcool. O mecanismo pelo qual o álcool causa pancreatite crônica é obscuro, mas pode estar relacionado a: (1) uma alteração secretória pancreática, com consequente formação de um tampão proteico junto ao ducto colédoco; (2) um efeito tóxico direto do álcool ou de seus metabólitos; ou (3) ataques repetidos de pancreatite alcoólica aguda, que eventualmente produzem danos irreversíveis crônicos.9,27,28 Foi constatado que a vasta maioria dos pacientes que sofrem seu primeiro ataque agudo de pancreatite alcoólica apresentarm um dano crônico preexistente no pâncreas.

 

Pancreatite tropical

Esta condição é observada em certas áreas da Indonésia, Índia e África. A doença manifesta-se tipicamente durante a infância, com diabetes, dor abdominal, esteatorreia, desnutrição e calcificações pancreáticas difusas. A desnutrição parece ser um importante cofator nesta doença, assim como a presença de metabólitos tóxicos oriundos da mandioca consumida na dieta. Os estudos também sugerem a existência de um forte componente genético, em que as mutações no gene SPINK1 são encontradas em mais de 1/3 dos pacientes.21,22

 

Fatores genéticos

A pancreatite hereditária consiste em uma doença autossômica dominante, que surge tipicamente na infância ou no início da fase adulta, e com frequência é acompanhada de esteatorreia, diabetes melito e calcificações pancreáticas difusas. Ainda que raramente, pode haver dor e episódios de exacerbação pancreática. A anomalia genética inicialmente identificada é um defeito envolvendo o gene PRSS1 (tripsinogênio), localizado no cromossomo 7.21,61 Foram descritas múltiplas mutações. As mutações parecem produzir um tripsinogênio que, uma vez ativado, é difícil ou impossível inativar. A forma ativa da enzima (tripsina), por sua vez, é capaz de ativar todas as demais enzimas pancreáticas. A pancreatite crônica, neste caso, parece ser causada por uma lesão prolongada de baixa intensidade produzida pela ação das proteases ativadas. O adenocarcinoma pancreático frequentemente complica a condição. Os pacientes com pancreatite crônica apresentam risco de 30% de desenvolver adenocarcinoma pancreático ao redor do 70 anos de idade.61,62 Este risco pode ser substancialmente maior em pacientes que herdam a condição do pai.

Embora pareça atuar como um cofator, a mutação do gene codificador do inibidor de tripsina, SPINK1, aumenta a propensão ao desenvolvimento de pancreatite crônica.21,61 Uma frequência aumentada de mutações em SPINK1 é encontrada em pacientes com pancreatite de diferentes etiologias – incluindo a pancreatite tropical (> 33% dos pacientes), pancreatite crônica alcoólica (cerca de 6% dos pacientes), pancreatite hereditária (em alguns parentes, somada à mutação em PRSS1) e pancreatite crônica idiopática (às vezes, associada a mutações adicionais no gene CFTR; ver adiante). As mutações em SPINK1 também são comuns na população em geral, porém na maioria dos casos a doença pancreática não se manifesta nesses indivíduos. Sendo assim, estas mutações apenas conferem uma predisposição ao desenvolvimento de pancreatite crônica e representam um dos muitos fatores que contribuem para o desenvolvimento da doença.

As mutações no gene CFTR também estão associadas ao desenvolvimento de pancreatite crônica.21,26,27 Pacientes com a forma clássica da fibrose cística comumente desenvolvem insuficiência pancreática, que requer suplementação de enzimas pancreáticas. Vários estudos também sugeriram que as mutações menos comuns envolvendo o gene determinante da fibrose cística, em particular quando ocorrem em heterozigose mista (mutações diferentes nos dois alelos), podem estar associadas à ocorrência de pancreatite recorrente e pancreatite crônica na ausência dos aspectos de fibrose cística clássica (p. ex., doença sinopulmonar). Os pacientes que apresentam mutações combinadas de CFTR e SPINK1 apresentam risco extremamente alto de desenvolver pancreatite crônica. Outros genes também foram implicados.63

 

Pancreatite autoimune

A pancreatite autoimune é parte de uma doença caracterizada pela infiltração de vários órgãos (incluindo o pâncreas) por células inflamatórias e plasmócitos com desenvolvimento de fibrose. Além do pâncreas, também as glândulas salivares, ducto colédoco, rins, pulmões e retroperitônio podem ser comumente afetados.23,24,59 As elevações dos níveis séricos de imunoglobulinas (em particular de IgG de subclasse 4) e FAN são detectadas com frequência. A manifestação mais comum mimetiza o adenocarcinoma pancreático, com icterícia obstrutiva e aumento do tamanho do pâncreas. Os aspectos sugestivos de pancreatite autoimune, em vez de câncer pancreático, incluem um ducto pancreático não dilatado, o aumento difuso do pâncreas em forma de “linguiça” e a doença com envolvimento de outros órgãos (referida anteriormente). Foram propostos critérios diagnósticos,24 bem como critérios úteis para a diferenciação entre câncer pancreático e pancreatite autoimune.64 Esta última também pode se manifestar como pancreatite crônica, com insuficiência exócrina e endócrina. O tratamento com esteroides (em geral, 40 mg/dia de prednisona, durante 4 semanas, seguido de desmame ao longo de 2 meses) costuma ser efetivo, embora seja comum haver recidivas que, por sua vez, podem requerer a administração de agentes imunomoduladores (p. ex., azatioprina) para manutenção da remissão.

 

Causas raras

Um único episódio de pancreatite necrotizante severa pode destruir uma área de parênquima pancreático suficiente para produzir pancreatite. A obstrução crônica do ducto pancreático, a partir de estreitamentos benignos e malignos, pode produzir pancreatite crônica na região da glândula próxima à obstrução. A hipertrigliceridemia crônica pode estar associada a ambas as formas de pancreatite, aguda e crônica.

 

Causas indeterminadas

Cerca de 20% dos pacientes com pancreatite severa são rotulados como idiopáticos. Alguns pacientes podem ser diagnosticados erroneamente como tendo pancreatite idiopática, se os exames genéticos apropriados não forem realizados ou se uma cuidadosa história de consumo de bebidas alcoólicas não for obtida. Mesmo quando os exames genéticos são realizados, nem todas as mutações podem ser identificadas (p. ex., muitos sistemas de seleção comercializados pesquisam apenas algumas centenas das mais de 1.200 mutações conhecidas de CFTR), sendo que muitas mutações identificadas de CFTR e SPINK1 conferem somente uma predisposição ao desenvolvimento da doença (diferente das mutações em PRSS1, que causam a doença). Estudos anteriores, envolvendo pacientes com a conhecida forma crônica idiopática de pancreatite e que não investigaram a presença de mutações genéticas, aparentemente identificaram duas formas da condição: de manifestação precoce e de manifestação tardia. A pancreatite crônica idiopática de manifestação precoce surge pouco antes ou durante a 2ª década da vida e tipicamente está associada a uma dor severa na ausência de diabetes, esteatorreia ou calcificação pancreática.65 A forma de manifestação tardia surge, em geral, ao redor dos 56 anos de idade, estando mais comumente associada à insuficiência exócrina ou endócrina e menos frequentemente associada à dor severa. O papel relativo das influências genéticas sobre estas duas variações fenotípicas propostas ainda precisa ser determinado.

 

Patogênese

A patofisiologia da pancreatite crônica ainda é pouco compreendida. Os eventos observados na pancreatite crônica hereditária sugerem a existência de um aspecto subjacente comum, o qual pode ser os múltiplos episódios subclínicos de lesão aguda que, por fim, resultam na pancreatite crônica.27,28,61,63 Uma hipótese recente (conhecida como hipótese do evento de pancreatite aguda sentinela – SAPE – em inglês, sentinel acute pancreatitis event) sugere que, em um paciente com suscetibilidade subjacente (p. ex., uma constituição genética apropriada), um evento sentinela (p. ex., exposição ao álcool) pode deflagrar o processo patológico, resultando em inflamação aguda e infiltração de células inflamatórias. A pancreatite aguda pode ser curada sem deixar sequelas ou, diante de episódios repetidos, pode levar ao desenvolvimento de inflamação crônica, ativação de células estreladas do pâncreas e desenvolvimento de fibrose (isto é, pancreatite crônica). A ativação das células estreladas parece ser a via final comum conduzindo ao desenvolvimento de pancreatite crônica.66 Esta hipótese fornece o paradigma atual para nossa compreensão acerca da pancreatite crônica.

 

Diagnóstico

Revisão e achados clínicos

O diagnóstico de pancreatite crônica é suspeitado com base nos sinais e sintomas sugestivos, sendo confirmado por meio de exames adicionais que avaliam a estrutura ou a função pancreática. A suspeita da doença habitualmente se baseia na existência de dor abdominal.

A vasta maioria dos pacientes com pancreatite crônica apresenta dor em algum momento, ao longo do curso da doença.59,65,67 A dor tende a ser episódica no início, mas pode tornar-se mais constante ou contínua com a evolução da condição. Durante os ataques agudos, o paciente pode ser considerado como tendo pancreatite aguda até que o diagnóstico de pancreatite crônica seja definitivamente estabelecido. Embora a dor não tenha caráter patognomônico, é mais comumente sentida na região epigástrica, irradiando-se para as costas. Nos episódios severos, é comum haver náusea e vômitos. O paciente pode sentir menos dor inclinando-se para a frente. A história natural de dor também é bastante variável. A dor pode piorar, estabilizar ou até ser resolvida com o passar do tempo. Em alguns pacientes, sua manifestação ocorre de forma gradual e evolui para uma dor abdominal constante. Entretanto, uma minoria de pacientes com pancreatite crônica não apresenta dor. Nestes casos, a suspeita da doença pode ser estabelecida com base no desenvolvimento de insuficiência exócrina (esteatorreia, perda de peso e desnutrição) ou endócrina (diabetes melito).

Os aspectos clínicos sugestivos de pancreatite crônica (p. ex., dor abdominal, esteatorreia, perda de peso e desnutrição) são inespecíficos para pancreatite crônica. O diagnóstico requer a realização de exames confirmatórios. Os exames diagnósticos são comumente agrupados em exames que detectam anormalidades da função pancreática e exames que detectam anormalidades estruturais pancreáticas [Tabela 4]. A pancreatite crônica é uma doença de progressão lenta, e as anormalidades de estrutura ou função pancreática podem demorar anos para se desenvolver.59,65 Também é possível que estas anomalias nem mesmo se desenvolvam. Portanto, todos os exames diagnósticos são mais acurados diante da doença em estágio bastante avançado, quando já houve desenvolvimento de anormalidades estruturais ou funcionais evidentes.59,68,69

 

Tabela 4. Exames diagnósticos para pancreatite crônica*

Exames estruturais

Exames funcionais

USE

Teste de estimulação hormonal direto (teste de secretina ou secretina-CCK)

Pancreatografia retrógrada endoscópica

Elastase fecal

TC

Tripsina sérica

RM/CPRM

Gordura fecal

US abdominal

Glicose sérica

Radiografia abdominal simples

 

CCK = colecistoquinina. CPRM = colangiopancreatografia por ressonância magnética. IRM = imagem de ressonância magnética. TC = tomografia computadorizada. US = ultrassonografia. USE = ultrassonografia endoscópica.

*Listados de acordo com a ordem decrescente aproximada de sensibilidade.

 

As anormalidades estruturais que podem ser diagnósticas de pancreatite crônica incluem as alterações no ducto pancreático principal (dilatação, estreitamentos, irregularidades e cálculos no ducto pancreático), nos ramos laterais do ducto pancreático (dilatação e irregularidade) ou no parênquima pancreático (calcificações pancreáticas difusas). Estes achados podem ser visualizados por meio dos exames diagnósticos que avaliam a estrutura pancreática. As anormalidades funcionais implicadas na pancreatite crônica incluem uma diminuição da capacidade secretória estimulada máxima, insuficiência exócrina (má absorção e esteatorreia) e insuficiência endócrina (diabetes melito). Os pacientes com pancreatite crônica alcoólica, pancreatite crônica hereditária, pancreatite tropical e pancreatite crônica idiopática de manifestação tardia são mais propensos a desenvolver estas anormalidades estruturais e funcionais, embora o curso do desenvolvimento possa demorar muitos anos. Pacientes com pancreatite crônica idiopática de início agudo podem não desenvolver estes aspectos. Isso leva à distinção entre pacientes com doença em estágio mais avançado (frequentemente, apresentando anormalidades estruturais pancreáticas em estágio avançado e doença ductal ou doença do “grande ducto”) e pacientes com doença em estágio inicial ou menos avançado (sem estas anormalidades estruturais facilmente identificáveis e denominada doença do “ducto pequeno” ou doença de “alterações mínimas”). Do ponto de vista diagnóstico, é obviamente bem mais fácil diagnosticar um indivíduo com a doença do grande ducto.

 

Exames laboratoriais

Exames sorológicos. Os níveis séricos de amilase ou de lipase podem estar aumentados durante as exacerbações agudas da pancreatite crônica. No entanto, estas elevações geralmente são apenas modestas e não ocorrem de forma rotineira nem são diagnósticas de pancreatite crônica. Os níveis séricos de tripsinogênio (muitas vezes denominados tripsina sérica) também podem ser medidos. Baixos níveis séricos de tripsinogênio (< 20 ng/mL) são razoavelmente específicos para pancreatite crônica,59 porém ocorrem apenas na doença em estágio avançado (na presença de esteatorreia). Níveis bastante baixos de tripsinogênio sérico também podem ser ocasionalmente detectados em pacientes com adenocarcinoma pancreático. Os níveis séricos de tripsinogênio estão dentro da faixa normal na maioria dos pacientes que apresentam pancreatite crônica em estágio menos avançado.

 

Exames de fezes. A coleta de fezes de 72 horas para determinação do conteúdo de gordura fecal constitui o padrão-ouro para detecção de insuficiência exócrina (esteatorreia), contudo é uma técnica de realização trabalhosa e desagradável. A esteatorreia é observada somente na pancreatite crônica em estágio bastante avançado. Mais de 7 g de gordura nas fezes a cada 24 horas é um valor considerado anormal. Destaca-se o fato de o paciente precisar se submeter a uma dieta que forneça 100 g/dia de gordura, para que os resultados obtidos com a coleta de fezes sejam válidos. Deve haver uma perda de pelo menos 90% da capacidade secretora enzimática pancreática para que haja desenvolvimento de esteatorreia.59 As colorações fecais qualitativas para gordura (p. ex., Sudan III) são significativamente menos acuradas para detecção de gordura em uma coleta de 72 horas, porém sua execução é mais simples. Estas colorações também deve ser realizadas somente enquanto o paciente estiver seguindo uma dieta rica em gorduras. Os níveis fecais das enzimas pancreáticas elastase e quimiotripsina podem estar reduzidos em pacientes com pancreatite crônica, mas somente em casos de pancreatite crônica em estágio mais avançado.59 A quantificação da elastase fecal em uma amostra de fezes obtida ao acaso é razoavelmente acurada no caso destes pacientes, sendo disponibilizada em laboratórios de referência, nos Estados Unidos. Valores de elastase fecal abaixo de 200 mcg/g de fezes são encontrados em pacientes com pancreatite crônica em estágio mais avançado, enquanto níveis < 200 mcg/g de fezes geralmente são detectados em indivíduos com esteatorreia.

 

Teste de função pancreática. A função do pâncreas pode ser mensurada direta ou indiretamente. Os testes de função pancreática diretos envolvem a introdução de um tubo no duodeno para coleta do suco pancreático. Estes testes medem diretamente a produção pancreática de enzimas ou bicarbonato após a estimulação com um secretagogo hormonal (p. ex., secretina ou colecistoquinina, ou seu análogo). Embora estes testes possam detectar diminuições severas do débito secretório pancreático, sua força reside na detecção de reduções moderadas da capacidade secretora estimulada máxima. Esta diminuição da capacidade secretora estimulada máxima antecede a insuficiência secretória (insuficiência exócrina) que ocorre na pancreatite crônica, sendo que este teste de função direto parece ser o mais sensível dos testes atualmente disponíveis para detecção da pancreatite crônica ainda em estágio inicial (mais cedo do que em qualquer outro teste).59,69-71 Estes testes são particularmente úteis para se estabelecer o diagnóstico de pacientes com pancreatite crônica em estágio inicial ou menos avançado (isto é, pancreatite crônica de ducto pequeno), para os quais os exames diagnósticos alternativos (p. ex., TC, CPRE) provavelmente não são efetivos. Contudo, nos Estados Unidos, os testes de função pancreática diretos são disponibilizados somente em alguns centros de referência. As alternativas a estes testes de função pancreática tradicionais de execução complicada também foram investigadas. A coleta de suco pancreático puro durante 15 minutos, no momento da realização da CPRE – o conhecido teste de secretina intraductal – mostrou-se inacurada como forma de avaliação da função pancreática.59 Outra alternativa envolve a administração de um secretagogo (secretina) e a coleta de uma amostra de secreção pancreática a cada 15 minutos, durante 1 hora, com auxílio de um endoscópio, enquanto se realiza endoscopia superior com sedação.69 Embora seja razoavelmente inacurada, a coleta de 1 hora de secreções pancreáticas após a estimulação com secretina, no momento da endoscopia superior, pode parecer impraticável demais para uma utilização extremamente disseminada. Os testes indiretos de função pancreática são úteis apenas para fins históricos.

 

Análises de imagem

Radiologia. As radiografias abdominais simples podem detectar calcificações pancreáticas difusas em casos de pancreatite crônica em estágio bastante avançado [Figura 3]. Os achados são altamente específicos, apesar de bastante insensíveis. 

 

 

Figura 3. Radiografia simples do abdome mostrando múltiplos cálculos calcificados no ducto pancreático de um paciente com pancreatite crônica em estágio avançado.

 

Ultrassonografia (US). É mais provável que a US abdominal detecte anormalidades avançadas envolvendo a estrutura do pâncreas. Entretanto, a US é diagnóstica em apenas 60% dos casos.34,59,72 Em muitos casos, o pâncreas não é nitidamente visualizado por US transabdominal.

 

Tomografia computadorizada (TC). A TC é mais sensível do que a US (TC: 75 a 90%), porque é capaz de detectar mais anormalidades focais, como calcificação, dilatação do ducto pancreático, coleções de líquidos e alargamentos focais. A TC também pode demonstrar a atrofia glandular, que também é ocasionalmente observada em pacientes idosos sem pancreatite crônica. O uso da TC com detectores múltiplos produz imagens de qualidade excepcional. Estas imagens podem ser formatadas em planos curvilineares, para permitir a visualização anatômica do ducto pancreático e da glândula.34,59,72 Assim como a US, a TC pode fornecer resultados falso-negativos em casos de pancreatite crônica em estágio inicial ou menos avançado.

 

Ressonância magnética (RM). O avanço da tecnologia de ressonância magnética possibilitou a obtenção de imagens mais acuradas por colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) , tanto do parênquima quanto do ducto pancreático. Ainda não está claro se a RM e a CPRM são superiores à TC, mas estas técnicas parecem ser ao menos equivalentes à TC em termos de acurácia geral.34,59,72 A injeção de secretina endovenosa antes da CPRM estimula a secreção ductal pancreática de um líquido rico em bicarbonato e proporciona a obtenção de imagens melhoradas do ducto pancreático, além de, teoricamente, possibilitar o cálculo do volume secretório do pâncreas.73 A CPRM secretina-estimulada está sendo utilizada em diversos centros e pode melhorar a acurácia geral da RM para a pancreatite crônica.

 

Endoscopia. Dois exames endoscópicos são empregados no diagnóstico da pancreatite crônica: CPRE e USE. A CPRE apresenta sensibilidade relatada de 75 a 90%.59,69,71 Na CPRE, injeta-se contraste radiográfico dentro do ducto pancreático. As alterações de ducto pancreático consistentes com pancreatite crônica incluem dilatação, estreitamentos, irregularidades e defeitos de preenchimento (cálculos) envolvendo o ducto pancreático [Figuras 4 e 5]. As alterações associadas à pancreatite crônica observadas por CPRE não são totalmente específicas, pois também podem ser encontradas em outras manifestações clínicas – a saber, em pacientes (1) idosos com dilatação do ducto pancreático decorrente do envelhecimento; (2) com pancreatite aguda em processo de resolução; (3) com carcinoma de pâncreas; e (4) previamente submetidos à colocação de stent no ducto pancreático.59,71 Além de sua capacidade diagnóstica, a CPRE pode ter aplicação terapêutica em um subgrupo de pacientes [ver Tratamento, terapia endoscópica e cirurgica, adiante].

 

 

Figura 4. Imagem de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) demonstrando uma acentuada dilatação do ducto pancreático de um paciente com pancreatite crônica de grande ducto.

 

 

 

Figura 5. Imagem de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) demonstrando a existência de anormalidades mínimas do ducto pancreático de um paciente com pancreatite crônica de ducto pequeno.

 

A USE, que permite a realização de um exame detalhado do parênquima e do ducto pancreáticos, detecta rotineiramente as anormalidades existentes em pacientes com pancreatite crônica (alta sensibilidade). O teste é interpretado com base nas alterações documentadas envolvendo o parênquima e o ducto pancreáticos. Existe um sistema de gradação dos achados de USE que geralmente avalia 9 aspectos específicos.59,74,75 Um exame de USE normal essencialmente exclui a possibilidade de pancreatite crônica. Um resultado de USE acentuadamente anormal (p. ex., com 6 a 9 aspectos afetados) basicamente inclui o diagnóstico de pancreatite crônica. Uma USE indicando o envolvimento de 3 a 5 aspectos geralmente é interpretada como sendo um resultado indeterminado, pois muitos pacientes sem pancreatite crônica clínica podem apresentar números modestos de anormalidades na avaliação por USE [Figura 6].  

 

 

Figura 6. Imagem de ultrassonografia endoscópica (USE) mostrando o ducto pancreático dilatado (marcações) de um paciente com pancreatite crônica em estágio avançado. 

 

Classificação da doença. Dependendo dos achados encontrados nas análises de imagem, os pacientes podem ser classificados como tendo pancreatite crônica de “ducto grande” ou de “ducto pequeno”. Esta distinção tem implicações diagnósticas e terapêuticas. A doença do ducto grande envolve anormalidades substanciais de ducto pancreático (em geral, uma dilatação visível por US, TC, CPRE ou USE, além de calcificações pancreáticas frequentes), enquanto a doença de ducto pequeno implica na ausência desses achados (p. ex., resultados normais de US, TC ou CPRE) [Figuras 4 e 5]. O diagnóstico da doença de ducto grande é bem mais simples. A doença em geral resulta do consumo abusivo de álcool, e as opções terapêuticas incluem tratamentos voltados para a descompressão do ducto pancreático dilatado. Pode ser mais difícil estabelecer o diagnóstico e realizar o tratamento da doença de ducto pequeno, em comparação à doença de ducto grande, porque na primeira condição os resultados das análises de imagem podem ser normais, a doença é mais comumente idiopática e as opções terapêuticas enfocam a terapia clínica, em vez das tentativas cirúrgicas ou endoscópicas de descompressão do ducto pancreático.  

 

Abordagem diagnóstica

A abordagem diagnóstica dos casos de pancreatite crônica deve começar pela realização de exames seguros, econômicos e que sejam efetivos em termos de detecção de uma doença em estágio relativamente bastante avançado. Os exames diagnósticos que se ajustam a esta categoria incluem a determinação dos níveis de tripsinogênio sérico e de elastase fecal, bem como US ou TC abdominal. Se estes exames não conduzirem ao diagnóstico, devem ser realizados testes mais sensíveis, capazes de detectar a doença em estágios mais precoces (ou seja, CPRE ou USE). Esses testes são mais invasivos e mais caros do que os exames de primeira linha. O teste de função pancreática direto, quando disponível, deve ser realizado de maneira racional após a conclusão dos testes iniciais e antes dos exames mais caros ou mais invasivos, uma vez que os testes de função pancreática direta são os mais sensíveis dentre os testes disponíveis, além de serem mais econômicos e estarem associados a um risco menor, quando comparados às outras opções existentes. Como a maioria dos clínicos não tem acesso ao teste de função pancreática, podem ser adotados testes mais caros ou mais arriscados. O segundo teste cuja aplicação seria mais lógica nesta situação é a USE. A CPRE, então, seria reservada para os casos de pacientes que necessitam de terapia, em vez de um diagnóstico.

 

Tratamento

Dor abdominal

A dor constitui o sintoma mais comum da pancreatite crônica que requeira tratamento médico e é o mais difícil de tratar efetivamente. Existem numerosas causas em potencial da dor na pancreatite crônica, incluindo inflamação dos nervos pancreáticos, isquemia tecidual pancreática, pressão aumentada na glândula ou existência de um pseudocisto associado, obstrução de um orifício visceral adjacente (p. ex., duodeno ou ducto biliar) e carcinoma pancreático coexistente. Frequentemente, o paciente apresenta uma hipersensibilidade de nervos nociceptores centrais e viscerais associada, com produção tanto de hiperalgesia (intensificação da percepção da dor produzida por um estímulo inócuo que normalmente produz dor) como de alodinia (dor produzida por estímulos que normalmente não produzem dor). Muitos pacientes que sofrem de dor crônica podem desenvolver um estado de dor centralmente sensibilizado em que todas as terapias dirigidas à periferia (isto é, para o pâncreas) falham em promover alívio da dor.67 Esta situação infeliz é evidenciada por pacientes que continuam sentindo dor mesmo após terem se submetido a uma pancreatectomia. A avaliação inicial deve concentrar-se na identificação das condições para as quais exista terapia específica. Estas condições incluem um pseudocisto pancreático, a compressão do ducto colédoco ou duodenal e um carcinoma pancreático sobreposto. Esta avaliação é mais comumente realizada por meio de uma varredura abdominal por TC de alta qualidade. Se a condição for identificada, será necessário instituir uma terapia específica e em geral efetiva para redução ou eliminação da dor [ver Outras complicações, adiante].

 

Analgesia e suspensão do consumo de bebidas alcoólicas e cigarros. As medidas inespecíficas destinadas a reduzir a dor em casos de pancreatite crônica incluem a suspensão do consumo de álcool e de cigarros aliada ao uso de analgésicos. A suspensão da ingesta de bebidas alcoólicas pode diminuir a dor de alguns pacientes que apresentam pancreatite crônica alcoólica, podendo prolongar-lhes a vida ao prevenir o desenvolvimento de outras doenças induzidas pelo álcool. No entanto, a abstinência não cessa a progressão da pancreatite crônica, ainda que possa retardá-la. De modo semelhante, dados recentes apontam o tabaco como um importante cofator na pancreatite crônica, sendo esperado que o abandono do tabagismo retarde a velocidade de progressão da doença e da dor, além de proporcionar diversos benefícios adicionais para a saúde.10,76 Os analgésicos geralmente são necessários, mas é importante fornecer, a princípio, os agentes menos potentes (p. ex., napsilato de propoxifeno ou tramadol), dada a possibilidade de vício em narcóticos em até 30% dos casos. O tramadol, em particular, foi estudado e mostrou-se equivalente aos agentes mais potentes, produzindo efeitos menos prejudiciais sobre a motilidade intestinal.59,67 Muitos pacientes acabam necessitando de narcóticos mais potentes. A adição de um antidepressivo (inibidor da recaptação seletiva de serotonina, antidepressivo tricíclico, inibidor da recaptação combinada de serotonina e noradrenalina) ou inibidor alfa-2-delta-2 (gabapentina ou pregabalina) pode potencializar o efeito narcótico. Se estas medidas simples falharem, pode ser considerada a instituição de uma terapia adicional que empregue técnicas médicas, endoscópicas ou cirúrgicas.

 

Administração de enzimas pancreáticas. Diversos estudos controlados tentaram delinear a efetividade da administração oral de enzimas pancreáticas na diminuição da dor. O conceito por trás desta terapia baseia-se no fato de as proteases existentes no duodeno amenizarem o estímulo que leva à secreção pancreática, via um mecanismo de retroalimentação negativa. A secreção reduzida poderia diminuir a dor ao abaixar a pressão e reduzir a isquemia junto à glândula, ou, ainda, atuando por outros mecanismos desconhecidos. Somente as preparações convencionais (sem revestimento entérico) de enzimas pancreáticas conseguem distribuir as proteases ao duodeno. As preparações de enzimas com revestimento entérico distribuem as proteases bastante distalmente, junto ao intestino delgado, de modo que não são capazes de produzir um efeito de retroalimentação negativa. A diminuição da dor foi demonstrada por 2 estudos, que utilizaram altas dosagens de preparações enzimáticas sem revestimento entérico (8 comprimidos, 4 vezes/dia durante as refeições e à noite) acopladas a um agente supressor da secreção de ácido gástrico (para evitar a inativação prematura das enzimas). Contudo, nenhum efeito foi demonstrado por 4 estudos que utilizaram preparações enzimáticas com revestimento entérico. Uma metanálise destes estudos sugeriu que as enzimas não proporcionam qualquer benefício no tratamento da dor.77 Nos 2 estudos que apresentaram efetividade, os pacientes com doença em estágio menos avançado (pancreatite crônica de ducto pequeno) responderam melhor, sendo que as mulheres com pancreatite crônica idiopática aparentemente exibiram as maiores taxas de resposta. O papel das enzimas no tratamento da dor ainda é controverso, embora a maioria das diretrizes da prática continue recomendando que os pacientes com dor contínua sejam submetidos a um teste terapêutico. As preparações enzimáticas sem revestimento entérico constituem o único tipo a ser utilizado quando o objetivo é tratar a dor, e muitas vezes seu uso justifica a realização de uma prova terapêutica entre os pacientes com doença em estágio menos avançado, para os quais outras ações médicas simples tenham falhado. Uma prova terapêutica com enzimas pancreáticas para o tratamento da dor geralmente é inefetivo em casos de pacientes com pancreatite crônica em estágio avançado ou de ducto grande (sobretudo no caso da pancreatite crônica alcoólica). Os produtos enzimáticos são inativados pelo ácido gástrico. Por isso, quando forem indicados, é necessário instituir uma terapia concomitante para redução dos níveis de ácido gástrico (com antagonista de receptor H2 ou inibidor da bomba de prótons).

 

Administração de antioxidantes. Vários estudos randomizados de pequenas proporções sugeriram que os antioxidantes poderiam reduzir a dor da pancreatite crônica. Os estudos em geral têm utilizado uma combinação de selênio, vitamina C, betacaroteno, vitamina E e metionina. Um recente estudo randomizado, mais amplo, demonstrou uma efetividade um tanto modesta destes agentes.78

 

Bloqueio nervoso e neurólise. Os bloqueios nervosos temporários podem ser obtidos por meio da injeção de esteroides e bupivacaína no plexo do nervo celíaco. A neurólise pode ser produzida injetando-se álcool absoluto no plexo celíaco ou via seccionamento toracoscópico das raízes do nervo esplâncnico (esplancnicectomia). Em casos de pancreatite crônica, o uso de neurólise ou bloqueio percutâneo do plexo celíaco (guiado por TC) foi amplamente abandonado, porque o bloqueio do plexo celíaco guiado por USE é mais simples e mais seguro do que as técnicas percutâneas, além de aparentemente ser mais duradouro.76,79,80 Apesar das vantagens proporcionadas pelas técnicas guiadas por USE, o efeito obtido ainda tende a ser muito breve, de modo que estas técnicas são pouco utilizadas devido à curta duração de sua ação (algumas semanas a meses).81 A neurólise é utilizada com frequência no tratamento da dor do câncer de pâncreas, mas ainda não foi devidamente investigada em pacientes com pancreatite crônica benigna. A esplancnicectomia envolve o seccionamento múltiplo das raízes do nervo esplâncnico durante a toracoscopia. A resposta a curto prazo é boa (60 a 80%), porém a resposta a longo prazo é desapontadora.67,82

 

Terapia endoscópica e cirúrgica. A terapia endoscópica e a terapia cirúrgica são mais úteis em casos de pacientes com pancreatite em estágio avançado ou de ducto grande. A terapia endoscópica tem como meta geral aliviar a obstrução do ducto pancreático por meio da dilatação ou colocação de um stent na região de estreitamento, ou, ainda, pela remoção de um cálculo obstrutor. Há apenas um subgrupo de pacientes com pancreatite crônica que são candidatos a esta terapia. Em geral, a terapia endoscópica pode ser considerada uma opção para pacientes que possuem ducto pancreático dilatado (pancreatite crônica de ducto grande) e um estreitamento ou cálculo obstrutivo na cabeça do pâncreas. Os resultados de uma ampla série de casos indicam que a terapia endoscópica pode melhorar a dor em 70 a 80% dos pacientes cuidadosamente selecionados.59,67,83,84

Os procedimentos cirúrgicos comumente utilizados para tratar a dor incluem a descompressão do ducto pancreático principal, com ou sem ressecção de uma parte do pâncreas. A cirurgia também pode ser indicada para o tratamento de complicações como um pseudocisto, obstrução duodenal ou do ducto colédoco, ou fístula pancreática. Em casos de pacientes com dor incurável e ducto dilatado, o procedimento mais comumente realizado é a pancreatojejunostomia (isto é, procedimento de Puestow modificado), em que é produzida uma incisão profunda ao longo do comprimento do ducto pancreático e sobre este é colocada uma alça de intestino delgado para drenar o suco pancreático diretamente via intestino delgado. Em alguns pacientes, também pode ser necessário extirpar uma porção da cabeça do pâncreas para descomprimir os ramos do ducto menor junto à cabeça e ao processo uncinado do pâncreas. Em 65 a 85% se obtém alívio substancial da dor, cuja duração parece ser relativamente longa (em alguns estudos, o alívio da dor foi mantido por mais de 7 anos). Com o passar do tempo, a resposta declina para cerca de 50%.59,67,85 A mortalidade associada a estes procedimentos, quando realizados por mãos experientes, é de cerca de 3%. A morbidade pode ser significativa, com desenvolvimento de insuficiência exócrina ou endócrina pós-operatória (particularmente em indivíduos submetidos à extirpação de uma parte do pâncreas), além de fístulas pancreáticas pós-operatórias. Uma opção definitiva e raramente utilizada é a pancreatectomia total, habitualmente acoplada ao autotransplante de ilhotas obtidas por explantação. Esta técnica costuma ser considerada apenas quando o paciente apresenta sintomas que não são curáveis por nenhuma das outras opções de tratamento. Contudo, a capacidade de coletar e transplantar as ilhotas é imperfeita, e uma proporção significativa de pacientes desenvolve diabetes que, por sua vez, pode ter o controle bastante difícil. Além disso, a dor pode não ser completamente aliviada, o que reflete sua natureza central em alguns pacientes.

Até o momento, existem 2 estudos randomizados controlados que compararam a terapia endoscópica à cirurgia.86,87 Estes estudos demonstraram que a terapia cirúrgica foi mais efetiva e mais duradoura. Embora tenham sido criticados com base na metodologia,88 estes 2 estudos de fato apontam a superioridade da cirurgia. Os resultados desses estudos precisam ser discutidos com os pacientes que estejam considerando a possibilidade de aderir a uma terapia endoscópica ou cirúrgica. Muitos pacientes ainda optam primeiro por um teste terapêutico endoscópico, antes de considerarem a opção cirúrgica. Até mesmo quando a terapia endoscópica não é possível, uma CPRE também pode fornecer informações úteis para fins de planejamento da terapia cirúrgica.

 

Insuficiência exócrina (esteatorreia)

O pâncreas conta com uma reserva funcional de 90% para a secreção de enzimas digestivas. Em consequência, apenas 10% do débito máximo de enzimas normal é necessário para prevenir a má digestão dos nutrientes. Na pancreatite crônica em estágio avançado, pode haver má digestão de gorduras, carboidratos e proteínas, entretanto a digestão incompleta de gorduras tende a ocorrer mais cedo e de forma mais substancial. Aliada à má digestão de gorduras, muitas vezes há também má absorção de vitaminas lipossolúveis, e é comum o paciente desenvolver osteoporose e osteopenia.59,89-91 A esteatorreia constitui uma complicação tardia da pancreatite crônica, que requer a existência de um dano pancreático significativo. A esteatorreia demora, em média, 13 e 26 anos para se desenvolver após os diagnósticos de pancreatite crônica alcoólica e idiopática, respectivamente.65 A esteatorreia é mais precisamente estabelecida por meio da quantificação da excreção de gordura fecal em um período de 72 horas, com o paciente recebendo uma dieta que forneça 100 mg/dia de gordura. No entanto, a execução deste teste é complicada e desagradável tanto para o paciente como para a equipe médica. Na prática, a esteatorreia é mais comumente diagnosticada por meio da identificação de alguns aspectos clínicos, como fezes oleosas ou flutuantes, diarreia, perda de peso e níveis reduzidos de elastase fecal (< 200 mcg/g de fezes), aliados à resposta à suplementação com enzimas pancreáticas. Diferente do tratamento da dor, para o tratamento da esteatorreia, as preparações enzimáticas com revestimento entérico geralmente são preferidas às preparações enzimáticas sem revestimento entérico, devido à maior potência e à necessidade de tomar menos comprimidos revestidos. As preparações sem revestimento entérico, por sua vez, podem ser utilizadas de maneira efetiva no tratamento da esteatorreia, se forem administradas em doses suficientes e concomitantemente à administração de um agente redutor de ácido gástrico. Cerca de 30.000 UI (90.000 unidades USP) de lipase devem ser distribuídas ao intestino delgado durante os períodos prandial e pós-prandial, para corrigir totalmente a esteatorreia [Tabela 5]. A ingesta desta dosagem tão alta não é uma tarefa fácil, sendo que a maioria dos pacientes toma alguns comprimidos e convive com certo grau de má digestão de gorduras. A meta clínica desta terapia de reposição enzimática consiste em diminuir a diarreia e as perdas de gorduras, proteínas e carboidratos através das fezes, possibilitando a manutenção ou melhora do peso e do estado nutricional. Quando os pacientes não atingem estes objetivos, as explicações para a falha terapêutica precisam ser consideradas. O motivo mais comum de falha é a dosagem inadequada da terapia enzimática. Se a explicação for outra, também pode ser considerada a destruição das enzimas pelo ácido gástrico (diante da prescrição de preparações sem revestimento entérico), uma dieta pobre (particularmente, no alcoolismo crônico) e a existência de uma segunda doença causadora de má absorção (p. ex., supercrescimento bacteriano junto ao intestino delgado).89-91 Não existe nenhum produto enzimático genérico disponível para uso, contudo muitas formulações novas que utilizam enzimas sintéticas estão sendo rapidamente disponibilizadas para uso. Os pacientes que apresentam insuficiência exócrina devem ser tratados com suplementação de vitaminas lipossolúveis, em especial com suplementos de vitamina D e cálcio.

 

Tabela 5. Suplementos enzimáticos para pancreatite crônica e insuficiência exócrina

Produto enzimático (formulações disponíveis nos EUA, mantidas aqui para fins de comparação)

Conteúdo de lipase (unidades USP/comprimido ou cápsula)

Dosagem

Sem revestimento entérico

 

 

Viokase 8

8.000

8 a 12, durante as refeições; deve ser usado no tratamento aliado à supressão de ácidos

Viokase 16

16.000

4 a 6, durante as refeições; deve ser usado no tratamento aliado à supressão de ácidos

Com revestimento entérico

 

 

Creon 5

5.000

12 a 18, durante as refeições

Creon 10

10.000

6 a 9, durante as refeições

Creon 20

20.000

3 a 4, durante as refeições

Ultrase MT 12

12.000

5 a 8, durante as refeições

Ultrase MT 18

18.000

4 a 6, durante as refeições

Ultrase MT 20

20.000

3 a 4, durante as refeições

Pancrease MT 10

10.000

6 a 9, durante as refeições

Pancrease MT 16

16.000

4 a 6, durante as refeições

Pancrease MT 20

20.000

3 a 4, durante as refeições

 

Insuficiência endócrina (diabetes)

O diabetes melito, assim como a esteatorreia, é uma complicação tardia da pancreatite crônica. A destruição progressiva das ilhotas de Langerhans pode acabar com as células secretoras de insulina e de glucagon. As reservas inadequadas de glucagon predispõem os pacientes com este distúrbio ao desenvolvimento de hipoglicemia induzida pelo tratamento. A patogênese do diabetes na pancreatite crônica é complexa e também pode envolver a resistência à insulina.92 As complicações do diabetes, como neuropatia, retinopatia e nefropatia, ocorrem com a mesma frequência observada em outros pacientes com diabetes melito.59,92 A terapia frequentemente é dirigida no sentido de controlar as perdas urinárias de glicose, em vez de manter o controle estreito dos níveis sanguíneos de glicose. As tentativas excessivamente vigorosas de estabelecer um controle rígido dos níveis de glicose no sangue frequentemente estão associadas ao desenvolvimento de complicações desastrosas da hipoglicemia induzida pelo tratamento.93 Contudo, os esforços para estabelecer um controle rígido dos níveis de glicose no sangue são indicados para casos de pacientes com pancreatite hiperlipidêmica, porque neste grupo o diabetes geralmente é a doença primária, e o controle estreito dos níveis sanguíneos de glicose permite controlar os níveis séricos de lipídios.19

 

Outras complicações

Pseudocisto pancreático. Na pancreatite crônica, assim como na pancreatite aguda [ver Pancreatite aguda, Tratamento das complicações, anteriormente], é possível observar os pseudocistos com segurança. Entretanto, diferentemente do que ocorre na pancreatite aguda, a maioria dos pseudocistos encontrados no contexto da pancreatite crônica geralmente é madura no momento em que o diagnóstico inicial é estabelecido. Neste caso, portanto, a terapia não precisa ser adiada quando for indicada.94 Os pseudocistos sintomáticos, complicados ou que aumentam de tamanho rapidamente necessitam de terapia com utilização de técnicas percutâneas, endoscópicas ou cirúrgicas. A terapia cirúrgica comumente envolve a descompressão do cisto em uma alça de intestino delgado, e este procedimento muitas vezes é acoplado a um procedimento de drenagem do ducto pancreático (p. ex., procedimento de Puestow modificado). A terapia cirúrgica está associada a uma taxa de sucesso a longo prazo superior a 90%, com mortalidade operatória inferior a 3%.57-59,94 A drenagem dos pseudocistos por tubo percutâneo também constitui uma alternativa de tratamento, com sucesso imediato em 95% dos casos. A taxa de sucesso a longo prazo da drenagem percutânea ainda é desconhecida, mas certamente é inferior àquela obtida com o uso das técnicas cirúrgicas. Se a cavidade do pseudocistos estiver conectada ao ducto pancreático principal, pode haver desenvolvimento de um cisto-fístula cutânea persistente após a remoção do tubo percutâneo. A terapia endoscópica apresenta taxas de sucesso a curto prazo maiores que 90%.57-59,94 O número limitado de estudos que avaliaram a taxa de sucesso a longo prazo da drenagem endoscópica sugere resultados excelentes, com resolução completa do pseudocisto observada em 90% dos pacientes. Em muitos hospitais, a terapia endoscópica transformou-se no método primário de tratamento do pseudocistos.

Os pseudocistos complicados podem requerer tipos específicos de terapia. Um pseudocisto infectado (abscesso pancreático) geralmente responde a antibióticos e drenagem (p. ex., endoscópica, percutânea ou cirúrgica). O sangramento de pseudocisto pode ter início junto às paredes de pequenos vasos ou em um amplo pseudoaneurisma arterial. Estes pacientes podem apresentar dor abdominal, queda inexplicável do hematócrito ou sangramento gastrintestinal (se o sangue chegar ao duodeno através do ducto pancreático). O sangramento a partir de um pseudoaneurisma requer a pronta realização de uma angiografia com embolização, que costuma ser curativa. Se nenhum pseudoaneurisma for observado na angiografia, a cirurgia será a melhor opção de tratamento para pseudocistos que apresentarem sangramento. Alguns pseudocistos podem se romper e produzir uma fístula pancreática que drena para dentro da cavidade peritoneal (produzindo ascite pancreática) ou do espaço pleural (produzindo uma efusão pleural pancreática). Nestes casos, os pacientes podem não se queixar dos sintomas de pancreatite crônica e, em vez disso, perceber uma distensão abdominal ou falta de ar. O diagnóstico pode ser estabelecido pela documentação de níveis elevados (tipicamente, mais de 4.000 U/L) de amilase no líquido que vazou.59 O tratamento pode exigir uma cirurgia, e a CPRE é utilizada durante o pré-operatório para delinear a localização do vazamento. Em muitos pacientes, a terapia endoscópica isolada com instalação de um stent através do sítio da fístula acaba sendo curativa.

 

Outras lesões císticas. Existem outros tipos de lesão que também podem ocorrer no pâncreas, como os cistos verdadeiros e as neoplasias císticas. Estas lesões não devem ser confundidas nem tratadas como se fossem pseudocistos. As neoplasias císticas serosas são benignas, porém as neoplasias císticas produtoras de mucina podem seguir um curso maligno. As neoplasias císticas mucinosas manifestam-se como amplas coleções císticas (cistadenomas e cistadenocarcinomas) e podem ser relativamente assintomáticas. A maioria das neoplasias císticas ocorre em pacientes de meia-idade, particularmente nas mulheres.95 Com frequência, estas neoplasias são confundidas com pseudocistos e indevidamente tratadas como tais. As neoplasias císticas podem seguir um curso inicialmente benigno, mas ao sofrerem degeneração maligna, passam a estar associadas a resultados precários equivalentes àqueles observados em casos de adenocarcinoma ductal pancreático. Outra condição que pode produzir uma lesão cística no pâncreas é a neoplasia intraductal mucinosa papilífera (NIMP). Esta condição é caracterizada por uma neoplasia papilar junto ao ducto pancreático principal ou em um ramo lateral.96 Esta lesão pode produzir um ducto pancreático principal difusamente dilatado, contendo mucina, ou um ducto de ramificação lateral com aspecto semelhante ao de um cisto nas varreduras de TC. As NIMP de ramo lateral podem seguir um curso relativamente benigno, entretanto as NIMP de ducto principal e as neoplasias císticas mucinosas são lesões pré-malignas.

A presença de uma coleção cística pancreática em um indivíduo de meia-idade (particularmente, do sexo feminino) sem história anterior de pancreatite deve sugerir imediatamente um caso de neoplasia cística, em vez de um pseudocisto. O diagnóstico de uma neoplasia cística requer evidências histológicas de tecido epitelial ou neoplásico na parede do cisto. A análise do líquido do cisto por USE está se tornando um método útil para diferenciar os pseudocistos das neoplasias císticas.95,96 Quando estas coleções císticas são confundidas com pseudocistos, são tratadas com drenagem, e, assim, nenhum tecido é obtido para permitir a diferenciação entre neoplasia cística e pseudocisto. A terapia de escolha para as neoplasias císticas é a extirpação cirúrgica (e não a drenagem).

As NIMP que afetam o ducto pancreático principal podem se manifestar como um ducto pancreático acentuadamente dilatado e repleto de mucina gelatinosa. O aspecto com frequência é patognomônico à CPRE, mas ocasionalmente é confundido com pancreatite crônica. A história natural das lesões é variável. Em geral, tenta-se a extirpação quando o paciente se ajusta ao perfil de candidato à cirurgia. Dependendo da extensão do tecido neoplásico ao longo do ducto pancreático, pode ser necessário realizar uma extensa ressecção para eliminar a lesão. Os paciente com NIMP em ramo lateral produzindo um aspecto do tipo cístico podem não ser submetidos à cirurgia se as lesões permanecerem pequenas (< 3 cm).96

 

Câncer de pâncreas. A pancreatite crônica constitui um fator de risco para o desenvolvimento de carcinoma pancreático, e pode ser difícil distinguir estas duas doenças em alguns pacientes. O risco é de cerca de 4% após 20 anos de doença.59,97 O risco de desenvolvimento de câncer pode chegar a 40% em pacientes com pancreatite crônica hereditária.62 Não há um método efetivo de vigilância para estes pacientes, nem qualquer método absolutamente confiável para distinguir o câncer da pancreatite crônica. A USE com exame de biópsia direto, CPRE com exame de raspados citológicos, TC e análise de marcadores tumorais (p. ex., CA19-9) são as técnicas mais comumente utilizadas.

 

Obstrução duodenal ou do ducto colédoco. A fibrose e a inflamação que ocorrem na cabeça do pâncreas podem comprimir as estruturas ocas adjacentes, em particular o ducto colédoco e o duodeno. A compressão do ducto colédoco produz icterícia, enquanto a compressão duodenal produz sintomas similares àqueles decorrentes da obstrução da abertura gástrica. Tanto a compressão duodenal como a obstrução da abertura gástrica geralmente requerem reparo cirúrgico com desvio biliar ou gastrojejunostomia, respectivamente.

 

Os autores não possuem relações comerciais com os fabricantes de produtos ou prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

 

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