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Leucemia mieloide crônica e outras neoplasias mieloproliferativas

Última revisão: 22/04/2014

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Stefan Faderl, MD

Associate Professor of Medicine, Department of Leukemia, The University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX

 

Hagop M. Kantarjian, MD

Associate Professor of Medicine, Department of Leukemia, The University of Texas M.D. Anderson Cancer Center, Houston, TX

 

Artigo original: Faderl S, Kantarjian HM. Chronic myeloid leukemia and other myeloproliferative neoplasms. ACP Medicine. 2010;1-19.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Tradução: Soraya Imon de Oliveira.

Revisão técnica: Dr. Lucas Santos Zambon

 

As neoplasias mieloproliferativas (NMP) foram descritas pela 1ª vez por William Dameshek, em 1951, que definiu 4 entidades com base em características clínicas e morfológicas: leucemia mieloide crônica (LMC), policitemia vera (PV), trombocitemia essencial (TE) e mielofibrose primária (MP). Embora cada uma destas condições represente a proliferação predominante de um tipo celular (p. ex., neutrófilos na LMC, eritrócitos na PV e megacariócitos na TE), distinguir as NMP com base apenas nestes aspectos é comprovadamente inadequado, pois (1) as características clínicas e histológicas com frequência se sobrepõem entre as NMP e (2) é impreciso demais diferenciar as NMP de condições reativas secundárias. Logo no início, constatou-se que as NMP representam distúrbios de células-tronco hematopoiéticas clonais. No entanto, com exceção da LMC e sua associação a uma anormalidade molecular bem caracterizada – o gene de fusão BCR-ABL1 e a oncoproteína correspondente (ver adiante) – a prova da clonalidade das outras NMP passou a ser mais elusiva. Em 2001, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atribuiu à NMP clássica a categoria mais ampla das doenças mieloproliferativas crônicas (DMPC), cujos aspectos compartilhados incluíam a mieloproliferação e a hipercelularidade da medula na ausência de displasia ou monocitose.

Desde então, houve novas descobertas de translocações ou mutações pontuais genéticas na maioria das neoplasias mieloides crônicas (diferentes da LMC): rearranjos de PDGFRA, PDGFRB ou FGFR1 em distúrbios eosinofílicos; mutações de KIT na doença dos mastócitos; mutações de RAS/ PTPN1/NF1 na leucemia mielomonocítica crônica juvenil; mutações da quinase Janus-associada-2 (JAK2) (JAK2V617F ou do éxon 12 de JAK2) na PV, TE e MP; além de mutações em MPL (MPLW515K e MPLW515L) na TE. As anormalidades levam a tirosinas quinases constitutivamente ativas direcionadas para vias de transdução de sinal desreguladas como princípio fisiopatológico central, nestes distúrbios. A nova informação levou à revisão da classificação das DMPC, que é resumida na Figura 1. Esta revisão inclui uma nova nomenclatura, em que é usado o termo “neoplasia” (NMP), em vez do termo “distúrbio” (DMP), destacando a natureza clonal da maioria (se não todos) dos grupos de NMP.

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Figura 1. Classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) das neoplasias mieloides crônicas, com destaque para as neoplasias mieloproliferativas (NMP).

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As implicações destes desenvolvimentos são profundas. Além de um entendimento renovado acerca da fisiopatologia a serviço da NMP, as anormalidades citogenéticas-moleculares identificadas permitem que as definições dos subtipos individuais sejam mais precisas, além de terem levado à expansão das abordagens terapêuticas direcionadas que, hoje, seguem muito além da terapia da LMC com inibidor ITQ, a descoberta energizante inicial. A Tabela 1 traz um resumo dos aspectos salientes de grupos de NMP individuais, que são discutidos em maiores detalhes adiante.

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Tabela 1. Características dos DMP clássicos

Distúrbio

Incidência
(por 100.000
indivíduos)

Média da idade no momento da manifestação (anos)

Marcadores moleculares citogenéticos

Risco de transformação leucêmica

Opções terapêuticas

LMC

1 a 2

45 a 55

Translocação Ph (9;22)(q34;q11) p210 > p190 (BCR­ABL)

Transformação invariável em FA/FB (85 a 90%) com a quimioterapia; rara com a terapia concomitante à base de ITQ, se tratada na FC

Imatinibe, dasatinibe, nilotinibe ou outros ITQ

Omacetaxina

Agentes hipometilantes

Outras terapias dirigidas (p. ex., inibidores de aurora quinase)

Vacinas contra LMC

TCT

PV

0,5 a 1

60

Anormalidades citogenéticas em até 20% dos pacientes, no momento do diagnóstico (9p-, 20q-, +8); mutação JAK2- V617F em quase todos os pacientes

15% em 10 anos após o diagnóstico

Flebotomia

Agentes antiplaquetários (dose baixa de aspirina)

Terapia citorredutora Interferon/interferon peguilado

Terapia dirigida (p. ex., inibidores de JAK2)

TE

< 1 a 2,5

65 a 70

Sem anormalidades citogenéticas consistentes; mutação em JAK2V617F em 23 a 57% dos pacientes

1,4% nos primeiros 10 anos; 8,1 e 24% na e 3ª décadas de doença, respectivamente

Terapia citorredutora e dose baixa de aspirina

Interferon/interferon peguilado

Terapia dirigida (p. ex., inibidores de JAK2)

MMM

0,5 a 1,5

65

Sem alterações específicas; as anormalidades nos cromossomos 1, 13q- e 20q- são mais frequentes; mutações JAK2V617F em 35 a 50%

Até 20% nos primeiros 10 anos subsequentes ao diagnóstico

Terapia citorredutora

Esteroides, androgênios, fatores de crescimento hematopoiéticos

Inibidores de JAK2 

Regimes investigativos (p. ex., lenalidomida, pomalidomida, inibidores de angiogênese, anticorpos monoclonais anti-TGF-beta)

DMP = distúrbios mieloproliferativos; FA = fase acelerada; FB = fase blástica; FC = fase crônica; IFT = inibidores de famesil transferase; ITQ = inibidor de tirosina quinase; LMC = leucemia mieloide crônica; MMM = mielofibrose com metaplasia mieloide; Ph = cromossomo Philadelphia; PV = policitemia vera; TCT = transplante de células-tronco; TE = trombocitemia essencial; TGF = fator transformador do crescimento. 

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Leucemia mieloide crônica (LMC)

 

Epidemiologia e etiologia

 

Em 2008, 4.830 pacientes foram diagnosticados com LMC nos Estados Unidos. A LMC é responsável por 10 a 15% de todos os casos de leucemia em adultos. A incidência da LMC é notavelmente constante em todo o mundo, correspondendo a 1 a 2 casos em cada 100.000 indivíduos, com uma discreta predominância masculina.2 Desde a introdução da terapia com omatinibe, a mortalidade anual associada à LMC caiu de 10% (nos primeiros 2 anos) a 20% (nos anos subsequentes) para cerca de 1 a 2%. Hoje em dia, a taxa de sobrevida de 8 a 10 anos estimada para os pacientes com LMC aumentou de históricos 10 a 15% para 80% ou mais (90%, se os casos de morte não decorrente de LMC forem excluídos). Assim, a prevalência da LMC aumentou de 15-300.000 casos antes do ano 2000 para 70.000 a 800.000 casos. Esta prevalência deve continuar aumentando em cerca de 40.000 casos/ano até que a incidência da LMC se iguale à mortalidade anual, com uma taxa de prevalência estável estimada de cerca de 2.500.000 casos, que, então, atingiria um platô ao redor do ano de 2040. A idade dos pacientes no momento da apresentação é, em média, de 45 a 55 anos. Contudo, em mais de 1/3 dos casos, os pacientes têm mais de 60 anos. A LMC é incomum em crianças e adolescentes, sendo responsável por menos de 5% das leucemias nesta população.3

A maior parte da etiologia da LMC é desconhecida. Não há evidências de uma disposição hereditária. A LMC é mais frequente entre os sobreviventes das explosões das bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki (Japão). Ainda é discutido se a exposição a doses terapêuticas de radiação promove o desenvolvimento de LMC.4 As associações com fatores infecciosos, tóxicos ou ambientais raramente são relatadas.5

 

Fisiopatologia

 

A LMC foi a 1ª doença maligna em seres humanos a ser associada a uma anormalidade genética adquirida – o cromossomo Philadelphia (Ph) – resultante da translocação t(9;22)(q34;q11).6-9 No processo de translocação, o material genético oriundo de um segmento do gene da tirosina quinase de Abelson (ABL), localizado no cromossomo 9q34, é trocado por parte do gene BCR (codificador da região do grupamento do ponto de ruptura), localizado no cromossomo 22q11, criando um gene de fusão BCR-ABL em 22q11 (atualmente, referido como BCR-ABL1). Os segmentos do gene ABL podem ser transpostos em diferentes regiões do gene BCR. De acordo com a localização da região do grupamento do ponto de ruptura em BCR, são criados RNA mensageiros (mRNA) de diversos comprimentos. Estes mRNA são traduzidos em proteínas de fusão BCR-ABL de tamanhos que variam de 190 a 230 kDa (proteínas de fusão p190, p210 e p230). A maioria dos pacientes com LMC expressa p210. A expressão de p230 foi associada à leucemia neutrofílica crônica e a um curso de LCM mais indolente. Cerca de 15 a 30% dos casos de leucemia linfoblástica aguda envolvendo crianças e adultos estão associados ao Ph: p190 é expressa em 60 a 80% destes casos, enquanto p210 pode ser detectado no restante. Estudos sugerem que p190 possui uma atividade de tirosina quinase mais potente do que p210, que pode explicar o comportamento mais agressivo das leucemias agudas p190+.10-12

As proteínas de fusão BCR-ABL estão no cerne da fisiopatologia da LMC. Enquanto a atividade de tirosina quinase de ABL (145 kDa), uma tirosina quinase não receptora envolvida na transdução de sinal e regulação do crescimento celular, é rigorosamente controlada sob circunstâncias normais, a parte correspondente à ABL da proteína de fusão assume a atividade de tirosina quinase constitutiva. Isto ocorre devido à perda de estruturas inibitórias durante a translocação. Além disso, conforme perdem a habilidade de ficarem retidas no núcleo, as proteínas BCR-ABL começam a ser translocadas para o citoplasma e adquirem afinidade para ligação a proteínas parceiras adicionais.13 Estes processos resultam no recrutamento e ativação de uma variedade de vias de sinalização sucessivas, levando a uma proliferação descontrolada, diferenciação incompleta, inibição da apoptose e extensão da sobrevida das células hematopoiéticas, e mobilização de células progenitoras [Figura 2].14,15 BCR-ABL também foi associada a alterações nos mecanismos de reparo do DNA. Estes efeitos acarretam erros genéticos sutis que podem resultar na evolução clonal e progressão da LMC para uma fase blástica.

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Figura 2. Vias de sinalização BCR-ABL.

ABL = tirosina quinase de Abelson; BCR = região do grupamento do ponto de ruptura; FAK = quinase de adesão focal; Grb-2 = proteína ligada ao receptor de fator de crescimento 2; JAK = quinase Janus-associada; MAPK = proteína quinase ativada por mitógeno; MEK = quinase MAP/quinase regulada por sinal extracelular; PI-3K = fosfatidilinositol-3-quinase; SRC = quinase da família Src; STAT = transdutor de sinal e ativador de transcrição. 

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O papel central de BCR-ABL na fisiopatologia da LMC torna-a uma excelente candidata para tentativas de silenciamento de sua atividade. Este conceito mostrou-se imensuravelmente bem-sucedido quando a terapia à base de ITQ com imatinibe foi introduzida, há cerca de 10 anos. Desde então, a inibição de tirosinas quinases constitutivamente ativas e outras moléculas pequenas tornou-se um conceito terapêutico essencial para casos de malignidades hematológicas e sólidas, deflagrando uma explosão de atividade na pesquisa clínica. As vias independentes de BCR-ABL podem exercer um papel mais amplo na evolução e progressão da LMC, além de terem sido associadas ao desenvolvimento de resistência aos inibidores da quinase BCR-ABL.16

 

Diagnóstico

 

Manifestação clínica

 

No momento do diagnóstico, 85 a 90% dos pacientes estão em fase crônica. As manifestações observadas nas fases acelerada ou blástica são raras [Tabela 2].

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Tabela 2. Estágios da LMC

Características

Estágio

Crônico

Acelerado

Blástico 

Blastos (%)*

< 15

= 15

= 30

Blastos + pró-mielócitos (%)*

< 30

= 30

NA

Basófilos (%)

< 20

= 20

NA

Contagem de plaquetas (x 109/L)

= 100

< 100

NA

Evolução clonal

Não

Sim

NA

Doença extramedular (exceto baço/fígado)

Não

Não

Sim

 

*Na medula óssea, sangue periférico ou ambos.

†Não relacionado à terapia.

LMC = leucemia mieloide crônica; NA = não aplicável.

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A LMC é caracterizada por uma expansão das células progenitoras mieloides em vários estágios de maturação, sua liberação prematura na circulação e uma tendência ao alojamento em sítios extramedulares. Os sintomas observados no momento da manifestação refletem um aumento da massa e da renovação das células leucêmicas. Os pacientes podem se queixar de letargia e enfraquecimento, suores noturnos e perda de peso. Ocasionalmente, um aumento da medida da circunferência abdominal e desconforto abdominal são causados por um baço aumentado. Um achado menos comum são as contusões e sangramentos que ocorrem com facilidade e resultam de disfunção plaquetária. As infecções são pouco frequentes. Em casos raros, os pacientes apresentam dor óssea, exacerbações da gota, edema em membro inferior, sangramento de retina e priapismo. Uma linfadenopatia generalizada e febre, que são raras nos pacientes com LMC em fase crônica, pode indicar um curso de doença acelerado. Os tumores mieloides extramedulares (sarcoma granulocítico) podem ocorrer em qualquer órgão (p. ex., linfonodos, pele, tecido subcutâneo, sistema nervoso central) e, por definição, indicam a ocorrência de transformação blástica.

Até 50% dos pacientes são assintomáticos no momento do diagnóstico e chamam atenção por apresentarem achados inesperados em exames de sangue de rotina (p. ex., exames de sangue realizados como parte de um exame físico regular ou avaliação pré-operatória).

 

Morfologia

 

Na LMC, o sangue periférico apresenta leucocitose com neutrófilos em diferentes estágios de maturação (“deslocamento à esquerda”). As alterações displásicas são incomuns. Pode haver uma monocitose absoluta em consequência do aumento da contagem de leucócitos, porém os monócitos tipicamente constituem menos de 10% do diferencial de leucócitos. Uma anemia de graus variáveis ocorre com frequência. Pode haver trombocitose ou trombocitopenia, sendo esta última mais frequente na LMC avançada. A medula é hipercelular, com uma proporção mieloide:eritroide igual a 9:1 a 15:1 e preponderância de precursores imaturos, como mielócitos e pró-mielócitos. A fibrose medular pode ser focal durante os estágios iniciais da doença, mas pode avançar para um padrão mais difuso com progressão da doença. Outras anormalidades laboratoriais adicionais incluem níveis séricos elevados de lactato desidrogenase, vitamina B12 e ácido úrico.

Números crescentes de blastos, trombocitopenia, basofilia em piora e fibrose medular progressiva são sinais de evolução da doença. Lâminas de blastos ou manifestações extramedulares de células mieloides são diagnósticas da LMC em fase blástica, que pode assumir características fenotípicas de leucemia mieloide aguda (LMA) ou, menos frequentemente, leucemia linfoblástica aguda (25%).

As considerações diagnósticas diferenciais são resumidas na Tabela 3.

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Tabela 3. Diagnóstico diferencial da LMC e dos DMP negativos para o cromossomo Ph

Condição

Características

Reação leucemoide

Contagem de leucócitos sanguíneos total raramente < 100 x 109/L

O deslocamento à esquerda do diferencial de sangue periférico geralmente não costuma envolver promielócitos/mielócitos

Sem basofilia

Inclusões citoplasmáticas (granulação tóxica, corpúsculos de Döhle)

Escores elevados de fosfatase alcalina leucocitária

Etiologia habitualmente subjacente (infecção, choque, hemólise, inflamação crônica, outras malignidades subjacentes)

Outros DMP (mielofibrose, PV, TE)

Grau menor de leucocitose

Baço aumentado

Mieloptise

LMC atípica

Mesmos critérios diagnósticos da LMC, porém ausência de anormalidades moleculares citogenéticas confirmatórias 

Leucemia neutrofílica crônica

Leucocitose que consiste em neutrófilos maduros

Sem basofilia

Leucemia mielomonocítica crônica

Aumento das contagens absoluta e relativa de monócitos

Possíveis alterações displásicas associadas

Sem basofilia 

LMC juvenil

Doença em crianças com idade < 4 anos

Hepatomegalia e esplenomegalia comuns no momento da manifestação

Níveis aumentados de hemoglobina fetal

 

DMP = distúrbios mieloproliferativos; LMC = leucemia mieloide crônica; Ph = cromossomo Philadelphia; PV = policitemia vera;  TE = trombocitemia essencial.

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Análise citogenética e ensaios moleculares

 

O exame da metáfase em amostras de medula continua sendo o teste definitivo para demonstrar a translocação de Ph e pode revelar outras anormalidades cariotípicas (evolução clonal). Em cerca de 10% dos pacientes com quadro clínico e laboratorial de LMC, nenhuma translocação de Ph pode ser identificada por análise citogenética. Em 1/3 destes pacientes, o ensaio de reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa (RT-PCR) detecta os rearranjos de BCR-ABL. O ensaio de hibridização in situ fluorescente (FISH) pode ser usado em casos de indisponibilidade da RT-PCR. Esta é, sem dúvida, o teste mais sensível para rastreamento de BCR-ABL depois que o paciente entra em remissão. Atualmente, o ensaio de PCR deve ser realizado de forma rotineira no momento do diagnóstico, em todos os casos de pacientes com suspeita de LMC. A PCR não só confirma o tipo de transcrito de BCR-ABL expresso como também estabelece um valor basal apropriado para a realização de testes subsequentes. Este ensaio exerce papel importante no monitoramento de pacientes em tratamento (ver adiante).

A RT-PCR pode fornecer resultados falso-positivos e falso-negativos, sendo necessário atentar escrupulosamente ao procedimento e à técnica. Um dos principais problemas tem sido a natureza não padronizada, com os resultados sendo relatados por diferentes laboratórios, o que tem dificultado a comparação dos resultados de PCR por meio dos estudos clínicos. Nos últimos anos, esforços significativos foram empreendidos no sentido de estabelecer uma escala internacional (EI) que expressasse os resultados do ensaio de RT-PCR para BCR-ABL.17 A confiabilidade e a sensibilidade do ensaio específico continuam sendo problemáticas. É preciso lembrar, também, que um resultado negativo de RT-PCR (refletindo uma resposta molecular completa) ainda pode indicar a persistência de até 1 x 107 células leucêmicas em qualquer paciente.

 

Curso clínico

 

A maioria dos pacientes com LMC é diagnosticada durante a fase crônica. Na era da hidroxiureia e da quimioterapia, a fase crônica persistia por cerca de 2 a 4 anos, após os quais a LMC invariavelmente progredia para uma transformação blástica (isto é, conversão para doença do tipo leucemia aguda) direta ou, de forma mais típica, por meio de uma fase acelerada interposta. A sobrevida média era de 3 a 4 anos, com menos de 20% dos pacientes sobrevivendo por mais de 5 anos. Com uma terapia concomitante à base de ITQ, esta trajetória de eventos está se tornando cada vez menos comum. Distinguir entre os 3 estágios da LMC ainda é útil para escolher a terapia e determinar o prognóstico.

A transformação com frequência pode ser prenunciada pela resistência ao tratamento, piora da leucocitose, elevação das contagens de blastos na medula e no sangue, elevações ou reduções das contagens plaquetárias não associadas à terapia, além de sinais e sintomas clínicos como febre inexplicável, linfadenopatia, esplenomegalia progressiva, doença extramedular, perda de peso e dor articular. Este processo também está associado à ocorrência de anormalidades ao nível citogenético. Na era da terapia com inibidor de quinase e do seguimento estreito por RT-PCR (ver adiante), a resistência à terapia com frequência é detectada ao nível molecular, antes da perda da resposta citogenética ou hematológica. De fato, a ação preventiva antes da progressão clínica constitui um dos principais focos da terapia e monitoramento da LMC.

 

Tratamento

 

A terapia com ITQ, introduzida com o imatinibe, revolucionou o tratamento da LMC.18 Desde a realização dos primeiros estudos clínicos com imatinibe, no final da década de 1990, os ITQ têm sido a base dos algoritmos de tratamento da LMC. Ainda é discutido se os ITQ “curam” ou não a LMC. Contudo, os ITQ resultam consistentemente em altas taxas de resposta citogenética e molecular, taxas baixas de progressão da doença, um perfil de toxicidade seguro e uma sobrevida livre de doença a longo prazo para a maioria dos pacientes. Enquanto o transplante de células-tronco (TCT) continua sendo considerado a única modalidade de tratamento com registro comprovado de cura molecular na LMC, o sucesso da terapia com ITQ alcançado nos últimos anos obscureceu totalmente a TCT como 1ª opção terapêutica inicial. Os ITQ também ultrapassaram o tratamento baseado em interferon-alfa (embora este tenha sido reavivado em estudos clínicos recentes, combinado aos ITQ), tornando praticamente irrelevantes o bussulfano (exceto como parte dos regimes pré-operatórios de TCT) e outros agentes quimioterápicos citotóxicos. A hidroxiureia continua sendo útil para fins de controle temporário da leucocitose, até que seja possível instituir a terapia definitiva.

 

Terapia avançada da leucemia mieloide crônica (LMC)

 

Imatinibe. O IRIS (International Randomized Study of Interferon vs. STI-571) estabeleceu a dose de 400 mg de imatinibe/dia, por via oral, como sendo o padrão de tratamento para pacientes com LMC não tratados previamente.19 Com base em resumo do estudo, publicado em 2003, as taxas médias de respostas citogenéticas significativas e completas (RCSC; ver na Tabela 4 uma definição das respostas na LMC) aos 18 meses foram, respectivamente, de 87,1% e 76,2%. Estas taxas de resposta foram significativamente superiores ao resultado alcançado pelos pacientes tratados com interferon-alfa (34,7% e 14,5%, respectivamente; p < 0,001). A experiência de seguimento de 8 anos recentemente apresentada confirmou os resultados positivos em curso com uma taxa de sobrevida livre de eventos igual a 81%, isenção de progressão para a fase acelerada ou blástica de 92%, e sobrevida geral estimada de 85% (93%, quando apenas as mortes por LMC foram consideradas).20

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Tabela 4. Definição das respostas na terapia da LMC

Categoria

Critérios

Hematológica

RHC

Normalização das contagens sanguíneas

LEU < 10 × 109/L

Sem leucócitos imaturos

Plaquetas < 450 × 109/L

Sem sinais nem sintomas de doença

Sem doença extramedular

Citogenética

mRC

Metáfases Ph 36 a 95%

sRC

Metáfases Ph 1 a 35%

cRC

Metáfases Ph 0%

pRC

sRC + cRC

Molecular*

RMS

= 3-log ? de BCR-ABL

= 0,1% proporção BCR-ABL/ABL

RMC

Ausência de transcritos BCR-ABL detectáveis

 

*Baseado no teste de RT-PCR.

Baseado na EI.

cRC = resposta citogenética completa; EI = escala internacional; LEU = contagem de leucócitos; LMC = leucemia mieloide crônica; mRC = resposta citogenética mínima; Ph = cromossomo Philadelphia; pRC = resposta citogenética parcial; RHC = resposta hematológica completa; RMC = resposta molecular completa; RMS = resposta molecular significativa; RT-PCR = cadeia da polimerase com transcriptase reversa; sRC = resposta citogenética significativa;

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Como a maioria dos pacientes alcançou RCSC com imatinibe, e como a cura (definida pela condição do paciente clinicamente livre de doença por um período de 5 anos ou mais) foi associada à erradicação da doença residual mínima, as medidas seriadas dos transcritos de BCR-ABL com o uso de RT-PCR são essenciais ao monitoramento da terapia com ITQ.17 As taxas de respostas moleculares significativas (RMS; definidas por uma redução dos transcritos de BCR-ABL = 3-log em relação a uma amostra basal ou por uma diminuição dos níveis de BCR-ABL/ABL = 0,1%, seguindo a EI de expressão dos resultados de RT-PCR para BCR-ABL) aumentaram de 24% aos 6 meses para 39% aos 12 meses e, subsequentemente, para 86% com o seguimento em curso.20 Nenhum dos pacientes com RMS avaliados aos 12 meses e somente 15 pacientes (3%) que alcançaram uma RCSC apresentaram progressão para as fases acelerada ou blástica. A maioria dos eventos de progressão ocorreu antecipadamente, observando-se um risco mínimo após 3 anos e nenhum aumento com o passar do tempo.

A terapia com imatinibe é bem tolerada pela maioria dos pacientes. Mesmo assim, ocorrem efeitos colaterais que, às vezes, são graves o bastante para requerer diminuição de dose ou até a descontinuação da medicação. As citopenias podem ser profundas e, na maioria dos casos, são detectadas no início da terapia. Estas citopenias são consideradas um reflexo da condição funcional da medula e, menos significativamente, um efeito intrínseco do ITQ.21 Podem ser graves o bastante para levar à consideração do uso transiente de fatores de crescimento hematopoiéticos. Entre os eventos adversos não hematológicos, estão a náusea e vômito, erupções cutâneas, diarreia, retenção de líquido e ganho de peso, mialgias e artralgias persistentes (semelhantes aos sintomas de gripe), bem como elevação dos níveis de transaminase hepática. A preocupação com um possível aumento das toxicidades cardíacas após o uso do imatinibe não foi confirmada, em comparação às taxas de incidência de eventos cardíacos observadas em uma população-controle de indivíduos sadios. Nenhum evento adverso previamente relatado foi identificado nos relatos de longo prazo do IRIS.20

Outros aspectos adicionais da terapia com imatinibe. As dúvidas de importância prática relacionados ao imatinibe incluem: (1) As doses mais altas (p. ex., 600 ou 800 mg/dia, por via oral) são melhores do que a dose-padrão (de 400 mg/dia, por via oral)?;22,23 (2) O imatinibe deve ser combinado ao interferon-alfa e/ou citarabina?;24,25 (3) É seguro interromper a terapia com imatinibe a qualquer momento?;26 e (4) O imatinibe pode ser usado com segurança durante a gestação? [Tabela 5.]

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Tabela 5. Aspectos práticos da terapia com imatinibe ne LMC avançada

Aspecto

Pergunta

Resumo de dados

Dose

As doses mais altas (800 mg) são melhores do que a dose padrão (400 mg)?

Em um recente estudo randomizado amplo (TOPS), a administração de 800 mg de imatinibe/dia não resultou em taxas melhores de RCC, RMS, nem de sobrevida geral e livre de eventos. O estudo destacou a importância da manutenção da intensidade da dose22,23 

Terapia combinada

A combinação com citarabina e/ou interferon melhora o resultado final?

Não há dados definidos publicados. Experiências preliminares sugerem a obtenção de taxas mais altas de respostas moleculares com interferon, mas ainda não está claro se isto é traduzido em uma melhor sobrevida geral e livre de eventos. A complacência a longo prazo é problemática na terapia com interferon, sendo que falta de adesão pode impedir que os efeitos positivos do tratamento a longo prazo sejam alcançados24,25

Descontinuação

É seguro descontinuar o imatinibe em um dado momento da terapia?

Alguns pacientes que apresentam RMC com duração mínima de 2 anos descontinuaram o tratamento com imatinibe. Em cerca de metade destes pacientes, as respostas persistiram. Nos demais pacientes, houve recidivas moleculares passados alguns meses (sensibilidade ao retratamento com imatinibe). De acordo com os conhecimentos atuais, a terapia com imatinibe deve ser mantida por tempo indefinido26

Gestação

O tratamento com imatinibe pode ser mantido em casos de gestantes com LMC?

O imatinibe é teratogênico em animais. A experiência do uso por seres humanos é limitada. As atuais diretrizes recomendam evitar a concepção durante a terapia e descontinuar o tratamento em caso de gestação27

LMC = leucemia mieloide crônica; RCC = resposta citogenética completa; RMS = resposta molecular significativa.

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Enquanto a maioria responde de modo satisfatório ao imatinibe, cerca de 1/3 dos pacientes descontinuam a terapia como resultado de intolerância ou resistência. Por isso, é essencial monitorar as respostas no decorrer de toda o tratamento, a fim de identificar os pacientes que respondem de modo satisfatório e dispensam intervenções adicionais, bem como aqueles que precisam ter a terapia modificada. As ferramentas de monitoramento incluem: (1) análise citogenética; (2) medidas de RT-PCR das proporções BCR-ABL/ABL (referenciadas para a EI); e (3) triagem para detecção de mutação envolvendo a ABL quinase.28 Foram propostas diretrizes para o monitoramento de pacientes sob terapia com imatinibe, enquanto os critérios para definição de “falha” foram estabelecidos e atualizados recentemente [Tabela 6].29 Alguns pontos são enfatizados. Como a probabilidade de progressão da doença é maior nos primeiros 2 a 3 anos, o monitoramento é mais intenso durante a fase inicial da terapia. Para os pacientes que alcançam uma resposta segura o bastante para tornar a progressão improvável, o monitoramento adicional pode ser relaxado. As respostas citogenéticas continuam sendo o principal determinante de falha. A análise das respostas moleculares em 6, 12 e 18 meses prediz a sobrevida livre de eventos e, futuramente, pode exercer um papel mais amplo. O alcance antecipado de uma RMS foi associado a uma menor probabilidade de progressão, maior probabilidade de alcançar uma resposta molecular completa e, posteriormente, estabilidade da resposta. A triagem da mutação da ABL quinase, atualmente, é recomendada para os casos de falha do imatinibe, resposta subótima ou níveis significativamente aumentados de transcritos BCR-ABL.

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Tabela 6. Definição de respostas e seguimento de pacientes submetidos ao tratamento avançado com imatinibe28

Definição da resposta

Monitoramento

Resposta

Alerta

Falha*

Subótima

Ótima

Sangue

Citogenético

RT-PCR

Basal

Alto risco, EC

Sim

Sim

Sim‡

3 meses

Sem RHC

Sem RC

= mRC

Sim§

Sim

Sim

6 meses

Sem RC

< RCP

< RCP

Sim

Sim

Sim

A intervalos de 3 meses

Sim

Sim

12 meses

< RMS

< RCP

RCP

RCC

Sim

Sim

Sim

18 meses

< RCC

< RMS

RMS||

Sim

—¶

Sim#

Qualquer momento durante a terapia

? BCR-ABL, EC

Perda da RHC ou RCC, mutações, EC

Perda da RMS,
mutações

RMS estável ou melhorando

 

*A falha, como definida aqui, requer uma nova abordagem com imatinibe em dose alta, ITQ de nova geração ou TCT.

Usando o modelo de risco de Sokal ou Hasford.

FISH, em caso de indisponibilidade de RT-PCR.

§Semanalmente por 2 semanas, durante os primeiros 1 a 3 meses de terapia.

||Proporção BCR-ABL = 0,1% na EI.

A citogenética pode ser repetida a cada 2 a 3 anos para excluir a hipótese de EC em pacientes que mantêm níveis de resposta molecular estáveis ou em melhora.

#RT-PCR a cada 6 meses.

EC = evolução clonal; EI = escala internacional; FISH = hibridização in situ fluorescente; ITQ = inibidor de tirosina quinase; mRC = resposta citogenética mínima; RC = resposta citogenética; RCC = resposta citogenética completa; RCP = resposta citogenética parcial; RHC = resposta hematológica completa; RMS = resposta molecular significativa; RT-PCR = reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa; TCT = transplante de células-tronco.

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ITQ de 2ª geração na LMC avançada. A disponibilidade de ITQ de 2ª geração mais potentes (dasatinibe e nilotinibe) levou à realização de estudos clínicos na LMC avançada.30,31 O resultado final alcançado por 2 estudos randomizados amplos é resumido na Tabela 7. Em ambos os estudos, o nilotinibe e o dasatinibe, respectivamente, produziram taxas superiores de RCSC e RMS, além de taxas menores de progressão para as fases acelerada e blástica, em comparação ao imatinibe. O nilotinibe foi recentemente (junho de 2010) aprovado para uso em casos de LMC avançada. O dasatinibe em breve também poderá ser. (Nota do Revisor Técnico: o desatinibe já foi aprovado pelo FDA para tratamento da LMC, assim como no Brasil).

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Tabela 7. ITQ de 2ª geração na LMC avançada

Nilotinibe vs. Imatinibe30

Dasatinibe vs.Imatinibe31

Em 12 meses

N 300

N 400

I 400

Valor de p

D 100

I 400

Valor de p

RCC (%)

80

78

65

0,0005

83

72

0,001

RMS (%)

44

43

22

< 0,0001

46

28

< 0,0001

FA/FB (%)

< 1

< 1

11

< 0,01

1,9

3,5

D 100 = 100 mg de dasatinibe/dia, por via oral; FA/FB = taxa de progressão para fase acelerada/fase blástica; I 400 = 400 mg de imatinibe/dia, por via oral; ITQ = inibidor de tirosina quinase; LMC = leucemia mileoide crônica; N 300 = 300 mg de nilotinibe, 2x/dia, por via oral; N 400 = 400 mg de nilotinibe, 2x/dia, por via oral; RCC = resposta citogenética completa; RMS = resposta molecular significativa.

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Resistência e doença em estágio avançado

 

A resistência à terapia ainda é problemática, e a era dos tratamentos dirigidos não configura exceção a esta regra. Enquanto a resistência primária indica a falta de qualquer tipo de resposta (além de ser infrequente), a resistência secundária é definida por uma recidiva subsequente a uma resposta prévia (p. ex., cessação de uma remissão hematológica ou perda da resposta citogenética) com duração variável. A resistência raramente ocorre na doença em fase crônica (< 10%), embora seja significativa em pacientes com doença em fase acelerada e, sobretudo, na doença em fase blástica. Os mecanismos de resistência podem ser amplamente divididos em dependentes e independentes de BCR-ABL (resumidos na Figura 3).32 Entre estes mecanismos, as mutações de BCR-ABL emergiram como mecanismo mais frequente e clinicamente mais relevante.33 Mais de 50 mutações em BCR-ABL foram identificadas em vários pontos, ao longo da porção ABL. Estas mutações deflagram resistência, seja inibindo diretamente a interação de ITQ com BCR-ABL, seja modificando a estrutura de BCR-ABL (p. ex., mutações da alça), a ponto de esta se tornar incapaz de assumir uma conformação inativa necessária à ligação ao imatinibe. Nem todas as mutações são clinicamente relevantes, e a sensibilidade ao imatinibe pode ser retida em presença de algumas mutações em BCR-ABL. Nestes casos, a resistência pode ser vencida com doses mais altas do fármaco. Outras mutações podem tornar as células da LMC resistentes à atividade do imatinibe e requerem estratégias alternativas. Uma mutação em particular, T315I, é notavelmente resistente aos ITQ de 2ª geração (nilotinibe, dasatinibe), mas pode ser sensível aos ITQ mais modernos.

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Figura 3. Mecanismos de resistência ao imatinibe. As mutações BCR-ABL contribuem para a maioria dos mecanismos de resistência identificados, ainda que as mutações sejam identificadas em apenas cerca de 50% dos pacientes que perdem a resposta ao imatinibe. A amplificação de BCR-ABL é outro mecanismo BCR-ABL-dependente raro. Os processos BCR-ABL-independentes incluem: a atividade de transportadores de influxo celular, como hOCT1; ligação do imatinibe a proteínas séricas (p. ex., glicoproteína ácida-alfa-1); atividade das bombas exportadoras (Pgp); promotores de modificação epigenética próximo à origem de BCR-ABL; e expressão ou recrutamento de vias de sinalização alternativas. É preciso observar se os pacientes estão sendo ou não complacentes com a ingesta diária de fármacos, pois isto pode influenciar de maneira significa os níveis séricos de fármaco.

ERK = quinase associada ao sinal extracelular; IM = imatinibe; JAK = quinase Janus-associada; Pgp = glicoproteína P; SRC = família de quinases Src; STAT = transdutor de sinal e ativador de transcrição. 

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O dasatinibe e o nilotinibe são 2 ITQ de 2ª geração, ambos aprovados para uso na terapia de pacientes com LMC resistente ou intolerante ao imatinibe.34 Considera-se que o dasatinibe se liga ao BCR-ABL tanto em sua conformação ativa (aberta) como na conformação inativa (fechada), além de também atuar via ligação aos membros da família de quinases Src. Assim como o imatinibe, o nilotinibe é dirigido à conformação inativa, porém com uma afinidade bem maior que a do imatinibe. Uma série de estudos de fase II amplos foram conduzidos e estabeleceram a atividade de ambos os fármacos, dasatinibe e nilotinibe, em pacientes com LMC resistente ao imatinibe [Tabela 8].35-37 Existem alguns aspectos importantes a serem enfatizados:

1. Como um todo, as taxas de resposta ao dasatinibe e nilotinibe são similares para pacientes com e sem transcritos de BCR-ABL mutantes. Analisando com mais atenção, porém, taxas estatisticamente diferentes de resposta citogenética menor (mRC), RCC e sobrevida livre de progressão são observadas quando a IC50 real (concentração de fármaco em que 50% das células são inibidas, como medida da sensibilidade in vitro ao ITQ) da respectiva mutação é considerada.38

2. Novas mutações podem ocorrer durante o tratamento com um ITQ de 2ª geração e produzir resistência ao dasatinibe e nilotinibe. A probabilidade de desenvolvimento de novas mutações é mais alta em pacientes com mutações basais. Contudo, algumas das mutações secundárias podem ser sensíveis ao imatinibe.39

3. O resultado alcançado pela terapia após o uso de ITQ de 2ª geração pode ser previsto via monitoramento molecular. Em um estudo envolvendo 155 pacientes, os níveis de BCR-ABL, quando medidos em 3 meses, eram altamente preditivos da ocorrência de RMS aos 24 meses.40 Foram propostas definições de resposta aos ITQ de 2ª geração.29 Segundo estas definições, a falha (com a implicação de busca por terapias alternativas) consiste no aparecimento de novas mutações, falta de resposta citogenética aos 3 meses, falta de resposta citogenética parcial aos 6 meses, e qualquer resposta aquém de uma resposta citogenética parcial aos 12 meses.

4. Os dados de IC50 de gama de mutações podem ser usados para identificar o ITQ mais propenso a ser ativo. Desta forma, a as decisões terapêuticas podem ser individualizadas de acordo com as características moleculares da célula de LMC [Figura 4].41

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Tabela 8. Resultados clínicos produzidos pelo ITQ de 2ª geração na LMC resistente/intolerante ao imatinibe durante a fase crônica

 

 

 

Estudo randomizado37

Resposta

Dasatinibe35

Nilotinibe36

Dasatinibe

Imatinibe

Valor p

n

387

321

101

51

Resistente (%)

74

70

100

100

Mutações (%)

40

42

45

24

Dose

70 mg, 2 x/dia*

400 mg, 2 x/dia

70 mg, 2 x/dia*

400 mg, 2 x/dia

Seguimento médio (meses)

15,2

19

15

RHC (%)

91

94

93

82

0,034

RCS (%)

59

59

52

33

0,023

RCC (%)

49

44

40

16

0,004

TCP (%)

10

15

12

17

RMS (%)

16

4

0,038

% SLP (m)

90 (15)

TR 0,14 favorável ao D

< 0,001

% SG (m)

96 (15)

88 (24)

Toxicidades (%)

? Plaquetas (48)

?CNA (49)

Diarreia (37)

Cefaleia (32)

Fadiga (31)

Dispneia (30)

Efusão pleural (27)‡

? Plaquetas (31)

?

CNA(31)

Erupção (28)

Náusea (24)

Fadiga (19)

Cefaleia (19)

Diarreia (11)

Efusão pleural (1)

Edema (15)

Retenção de líquido (30)

Efusão pleural (17)

Edema (42)

Retenção de líquido (45)

Efusão pleural (0)

*A dosagem de 100 mg de dasatinibe/dia, por via oral, foi subsequentemente estabelecida como sendo igualmente efetiva à dosagem de 70 mg, 2 x/dia, por via oral, porém com menor toxicidade. A dose de 100 mg de dasatinibe/dia, por via oral, é a dose atualmente aprovada para uso na fase crônica da LMC.

†= grau 3.

‡Grau 3 em 6% (nenhum grau 4).

CNA = contagem de neutrófilos absoluta; D = dasatinibe; ITQ = inibidor de tirosina quinase; LMC = leucemia mileoide crônica; RCC = resposta citogenética completa; RCP = resposta citogenética parcial; RCS = resposta citogenética significativa; RHC = resposta hematológica completa; SG = sobrevida geral; SLP = sobrevida livre de progressão; TR = taxa de risco.

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________________________________________________________________

 

 

 

Figura 4. Atividade dos inibidores de tirosina quinase (ITQ) contra um espectro de mutações BCR-ABL (de acordo com Redaelli S et al.41).

ATP = adenosina trifosfato; IC50 = concentração de fármaco em que 50% das células são inibidas, como medida da sensibilidade in vitro ao ITQ; TS = tipo selvagem.

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As taxas de resposta com ITQ são menores e mais breves nas fases avançadas da LMC. Dentre os pacientes com doença em fase acelerada tratados com 600 mg de imatinibe/dia, cerca de 40% alcançam uma resposta hematológica completa e cerca de 20% atingem uma RCC. Sobrevida de 3 anos livre de progressão é observada em 40% dos casos. A sobrevida de 3 anos livre de progressão entre os pacientes com doença em fase blástica é inferior a 10%. Menos de 25% destes pacientes alcançam uma resposta completa, apesar dos relatos de respostas citogenéticas ocasionais.42,43 Uma alta dosagem de imatinibe (até 800 mg/dia) em geral é associada a taxas mais altas de RCC e de respostas moleculares completas e significativas, alcance mais rápido destas respostas, bem como uma sobrevida mais favorável livre de progressão e de transformação. Resultados similares foram alcançados com o uso de ITQ de 2ª geração em uma série de estudos de fase II mais amplos.44-46 A natureza breve de qualquer resposta subsequente ao uso de um único agente ITQ na fase blástica da LMC torna-as úteis como forma de transição ao transplante. Mais ativas são as combinações de quimioterapia dos tipos linfoblástico agudo e leucemia mieloide combinadas aos ITQ.

 

Transplante de células-tronco (TCT)

 

O TCT continua sendo a única modalidade curativa comprovada para LMC. Uma revisão recente de 2.444 pacientes submetidos ao TCT mieloablativo na fase crônica da LMC, no período de 1978 a 1998, relatou uma taxa de sobrevida geral de 15 anos de 88% para pacientes que permaneceram em remissão por no mínimo 5 anos, com taxas de mortalidade similares àquelas observadas na população geral.47 O TCT costumava ser uma terapia-padrão para pacientes com LMC há mais de 20 anos. O sucesso da terapia com ITQ relegou o TCT a uma 2ª linha de intervenção que, nos dias atuais, é mais frequentemente usada no mínimo como 3ª linha de intervenção. Se, por um lado, o papel do TCT é inquestionável nas fases blástica e acelerada da LMC, a maioria das discussões gira em torno de suas indicações durante a fase crônica. As recomendações referentes às decisões terapêuticas são resumidas no algoritmo da Figura 5. Dadas as altas taxas de resposta da terapia com ITQ aliada a uma mortalidade praticamente nula associada ao tratamento, é importante selecionar os candidatos ao transplante, de modo que as complicações associadas ao tratamento sejam mínimas. Escores prognósticos foram desenvolvidos pelo European Group for Blood and Marrow Transplantation (EBMT) (incluindo o estágio da doença, idade e sexo do paciente, sexo do doador-receptor, compatibilidade de antígeno leucocitário humano [HLA] e tempo decorrido desde o diagnóstico até o transplante).48 O escore de comorbidade do transplante de células hematopoiéticas foi inventado para ponderar o impacto das comorbidades sobre o resultado do TCT.49 A ausência de comorbidade e níveis baixos de proteína C reativa foram identificados, em um estudo recente, como sendo particularmente favoráveis à melhora da mortalidade associada ao TCT sem recidiva.50 O condicionamento de intensidade reduzida pode minimizar ainda mais a mortalidade e morbidade associadas ao TCT, além de maximizar a imunomodulação via efeito enxerto vs. leucemia.51 Em um estudo realizado pelo EBMT, em que 2/3 dos pacientes estavam na fase crônica da doença (média da idade = 50 anos), a mortalidade associada ao transplante foi de 23% em 2 anos.51 Uma extensiva doença do enxerto vs. hospedeiro crônica foi observada em 24% dos pacientes. A sobrevida geral e a sobrevida livre de progressão, em 3 anos, foram, respectivamente, de 58% e 37%. O resultado do transplante foi previsto, sobretudo, com base no estágio da doença (melhor durante a 1ª fase crônica, do que na 2ª fase crônica ou na LMC avançada) e no escore de risco do EBMT. A sobrevida geral caiu de 69%, entre os pacientes com escore EBMT menor ou igual a 2%, para 33%, entre os pacientes com escore EBMT acima de 4.

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Figura 5. Algoritmo de tratamento para leucemia mieloide crônica (LMC). A terapia-padrão para LMC recém-diagnosticada continua sendo o imatinibe. Os pacientes intolerantes ou que falham em responder ao imatinibe (ver a definição de falha na Tabela 6) devem receber um inibidor de quinase de 2ª geração (dasatinibe ou nilotinibe). A opção pelo transplante de células-tronco (TCT) depende não só da eligibilidade como também da avaliação da morbidade e mortalidade associadas ao tratamento associado ao TCT esperadas. Pacientes com doença avançada devem ser induzidos com terapia à base de inibidor de tirosina quinase (ITQ), para, então, proceder ao transplante o mais rápido possível. O alcance das respostas moleculares não faz parte da definição de falha terapêutica. Qualquer teste (citogenética, reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa [RT-PCR]) que não seja claro nem consistente deve ser repetido antes da tomada de quaisquer decisões terapêuticas.

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Novos tratamentos

 

Apesar do sucesso dos ITQ, cerca de 1/3 dos pacientes tratados com imatinibe desenvolvem resistência ou intolerância. Não existe a “melhor abordagem” definida para pacientes que falharam em responder a um ITQ de 2ª geração e que não são candidatos ao TCT. Continua havendo interesse em novas terapias que, por sua vez, estão sendo ativamente exploradas em estudos clínicos [Tabela 9].32,52 Como a LMC é estranhamente amenizável à manipulação das respostas imunes (aspecto este evidenciado pela erradicação da doença residual após um TCT alogênico via efeito enxerto vs. leucemia e pela eficácia da terapia com interferon), o desenvolvimento de vacinas contra a LMC ganhou atenção nos últimos anos.53 Os alvos da vacina incluíram antígenos tumor-específicos derivados de BCR-ABL, uma sequência peptídica (PR1) derivada da proteinase-3 e proteínas do choque térmico, entre outros.54,55

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Tabela 9. Terapia experimental na LMC32,52

Classe de agente

Agente

Comentários

ITQ

Bosutinibe

Em estudos de fase II estendidos. Atividade similar à atividade do dasatinibe e nilotinibe

INNO-406

Estudos de fase I concluídos

AP24534

Atividade contra uma variedade de quinases diferentes, além de BCR-ABL. O composto também é ativo contra clones que abrigam uma mutação na T315I ABL quinase. Este composto atualmente passa por estudos de fase I

Inibidores de aurora quinase

XL-228

Ativo contra múltiplas quinases. Igualmente ativo contra mutações na T315I ABL quinase

AT9283

Ativo contra uma ampla gama de quinases, incluindo JAK2 e JAK3

PHA-739358

Atividade que inclui clones de BCR-ABL mutantes T315I. O fármaco também é comprovadamente ativo contra as células progenitoras de LMC CD34+. Estudos de fase II e estudos adicionais para determinação de dose estão em curso

KW-2449

Também comprovadamente ativo contra clones mutantes T315I. Estudos de fase I/II em curso 

Inibidores de bolso de troca

DCC-2036

Inibidor de múltiplas quinases não ATP-competitivo, que se liga a resíduos de quinase ABL importantes para que a molécula mude da forma inativa para o estado ativado. Estudos de fase I em curso

Modulador de apoptose

Omacetaxina (homo-harringtonina)

Inibe a síntese proteica e libera enzimas pró-apoptóticas da mitocôndria. Ativo contra clones BCR-ABL contendo T315I em até 60% dos pacientes

ATP = adenosina trifosfato; ITQ = inibidor de tirosina quinase; LMC = leucemia mieloide crônica.

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Neoplasias mieloproliferativas (NMP) BCR-ABL

 

Historicamente, a PV, a TE e a MP foram definidas por aquilo que não eram (isto é, BCR-ABL+) e não pelo que eram. PV, TE e MP foram caracterizadas por uma combinação de quadro clínico, parâmetros laboratoriais e alguns exames especializados, como a determinação da massa de hemácias ou aproximações do conteúdo de colágeno em amostras de medula. Nas situações em que há uma significativa sobreposição entre estes distúrbios ou em pacientes com anormalidades leves, um diagnóstico definido é frequentemente enganoso. A descoberta recente de mutações envolvendo a tirosina quinase JAK2 em 95% dos pacientes com PV e em 50% dos pacientes com TE e MP mudou a abordagem diagnóstica e a terapêutica destes distúrbios.56 JAK2 é membro de uma família de tirosina quinases citoplasmáticas envolvidas na sinalização de receptores de citocinas e fatores de crescimento. A mutação torna a atividade de JAK2 independente de estímulo e, portanto, constitutivamente ativada. Como não há envolvimento de componentes sinalizadores anormais, os pacientes apresentam superprodução de células sanguíneas morfologicamente normais, muitas vezes um curso de doença indolente e, em casos como a TE, expectativa de vida quase normal.57 As mutações em JAK2 ocorrem em progenitores hematopoiéticos mais maduros (que dependem e respondem principalmente aos fatores de crescimento hematopoiéticos) e não nas células-tronco hematopoiéticas pluripotentes precoces. Em consequência, de acordo com o conhecimento atual, as mutações em JAK2 não são iniciadoras de doença. Estas mutações ocorrem em todos os 3 tipos de NMP (mais comumente, JAK2V617F e, somente em casos raros, mutações no éxon 12 de JAK2 ou mutações de MPL [MPLW515K, MPLW515L]), que podem contribuir para a inter-relação existente entre estas 3 doenças, com as diferenças clínicas observadas possivelmente atribuíveis às diferenças de dose de gene, eventos moleculares acompanhantes ou fatores ambientais.58 O uso da JAK2 é baseado, sobretudo, na distinção entre as NMP e as causas secundárias de eritrocitose, trombocitose, leucocitose e mielofibrose. Seu uso na diferenciação das NMP entre si é restrito. Do mesmo modo, a ausência de mutações em JAK2 não exclui as hipóteses de TE ou MP. Além disso, continua sendo necessário atentar para os aspectos laboratoriais e clínicos clássicos.

 

Policitemia vera (PV)

 

A PV é a NMP mais comum. Sua incidência anual varia de 1 a 2 casos em cada 100.000 indivíduos, nas populações da Europa Ocidental e Estados Unidos. Há uma discreta predominância masculina, com uma proporção mulheres:homens de 1:1 a 1:2. A idade dos pacientes no momento do diagnóstico é, em média, 65 anos (um pouco maior do que na LMC). A PV é extremamente rara em pacientes com menos de 30 anos de idade. Há relatos de casos familiares, mas estes são pouco frequentes.59,60

 

Fisiopatologia

 

A PV é um distúrbio clonal que surge quando uma única célula-tronco hematopoiética sofre uma transformação que confere uma vantagem de crescimento seletivo à sua progênie. Mais especificamente, a PV é caracterizada pela sensibilidade aumentada das células progenitoras aos efeitos do fator de crescimento humoral primário, a eritropoetina. Os receptores de superfície celular para eritropoetina são expressos normalmente e a produção renal de eritropoetina está diminuída, refletindo uma resposta apropriada a um mecanismo de retroalimentação negativa.61

A descoberta das mutações em JAK2 (JAK2V617F e, com menos frequência, mutações no éxon 12 de JAK2) em quase todos os pacientes com PV foi, sem dúvida, o maior avanço rumo à elucidação de sua etiologia.62 JAK2V617F é uma mutação promotora de ganho funcional e que ocorre no gene codificador de JAK2, membro da família de proteínas JAK. A mutação resulta na ativação constitutiva de JAK2, com consequente recrutamento de proteínas STAT ativadas subsequente à ligação de quantidades diminutas de eritropoetina a seus receptores, ou até mesmo na ausência desta ligação. Isto foi demonstrado em linhagens celulares in vitro, nas quais a expressão de JAK2 mutante resultou em hipersensibilidade à eritropoetina e na sobrevida eritropoetina-independente das linhagens celulares.62

As anormalidades citogenéticas são encontradas com menos frequência e são menos consistentes. Mais notáveis são as anormalidades envolvendo o braço curto do cromossomo 9 e o braço longo do cromossomo 20, embora a perda da heterozigose do cromossomo 9 tenha sido relatada na ausência de alterações citogenéticas detectáveis.63 Exceto na policitemia familiar, as mutações envolvendo a própria eritropoetina ou seu receptor não têm nenhum papel. A expressão desregulada de outros genes (p. ex., PVR-1, que codifica uma nova proteína de superfície hematopoiética; ou NF-E2, um gene codificador de fator de transcrição) e a expressão de c-mpl, o receptor proteico da trombopoetina, foram descritas nas células progenitoras de pacientes com PV. Estes achados, porém, são inconsistentes e não incluem as mutações genéticas.64,65

 

Diagnóstico

 

Manifestação clínica. As manifestações clínicas são determinadas principalmente por eventos micro e macrovasculares trombóticos. Cerca de 20% dos pacientes apresentam complicações trombóticas que, por sua vez, se desenvolvem em mais 30% dos pacientes ao longo do curso da doença. Os sintomas microvasculares, como acroparestesias, eritromelalgia, gangrena periférica e perturbações visuais e neurológicas isquêmicas são frequentes. Eventos trombóticos particularmente graves envolvem os vasos cerebrais, coronarianos e mesentéricos. A trombose envolvendo os vasos hepáticos e a veia cava inferior pode levar à síndrome de Budd-Chiari. A hiperviscosidade do fluxo sanguíneo pode gerar queixas, como hipertensão, vertigem, zumbido, cefaleia e anormalidades visuais. O prurido, tipicamente após a exposição à água morna (p. ex., após o banho em banheira ou chuveiro), é inespecífico para PV e também pode ser observado em outras NMP Ph. As complicações hemorrágicas são menos frequentes e incluem epistaxe, além de sangramentos gastrintestinais e na mucosa oral. Ao exame físico, os achados mais comuns em pacientes com PV incluem a cianose avermelhada, hepatoesplenomegalia e uma pletora conjuntival.

Exames laboratoriais. Os critérios diagnósticos para PV foram estabelecidos pelo Polycythemia Vera Study Group (PVSG) e atualizados repetidamente pela OMS [Tabela 10].66 Dada a presença quase universal de mutações JAK2V617F em pacientes com PV no momento do diagnóstico, a triagem da mutação aliada à determinação dos níveis de eritropoetina tornou-se a 1ª etapa da avaliação diagnóstica.58 Um resultado positivo na triagem de mutação e a detecção de níveis subnormais de eritropoetina são quase diagnósticos de PV. Nos casos em que a triagem de mutação resulta negativa e os níveis de eritropoetina estão baixos, esforços devem ser empreendidos para a realização de uma triagem de mutação no éxon 12 de JAK2. Um diagnóstico de PV torna-se improvável na ausência de mutação em JAK2 e diante de níveis normais ou elevados de eritropoetina. Nestas circunstâncias, causas secundárias de eritrocitose devem ser investigadas.

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Tabela 10. Critérios revisados da OMS para o diagnóstico da PV

Critérios importantes

1. Níveis de hemoglobina > 18,5 g/dL em homens e > 16,5 g/dL em mulheres, ou outra evidência de volume de hemácias aumentado*

2. Presença de JAK2V617F ou de uma mutação funcionalmente similar, como a mutação no éxon 12 de JAK2

Critérios menos importantes

1. Biópsia de medula óssea mostrando hipercelularidade para a idade, com crescimento trilinhagem (pan-mielose) apresentando proliferação eritroide, granulocítica e megacariocítica proeminente

2. Níveis séricos de eritropoetina abaixo da faixa de referência normal

3. Formação de colônia eritroide endógena in vitro

 

O diagnóstico requer a presença de ambos os critérios importantes e 1 menos importante, ou a presença do 1º critério importante e de mais 2 critérios menos importantes.

*Níveis de hemoglobina ou hematócrito > 99o percentil da faixa de referência método-específica de idade, sexo, altitude do local de resistência ou níveis de hemoglobina > 17 g/dL em homens e > 15 g/dL em mulheres, desde que associados a um aumento comprovado e sustentado de pelo menos 2 g/dL de um valor basal do indivíduo, que não possa ser atribuído à correção da deficiência de ferro, ou, ainda, uma alta massa de hemácias que esteja mais de 25% acima da média do valor médio previsto.

 

OMS = Organização Mundial da Saúde; PV = policitemia vera.

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A medida da massa de hemácias e do volume de plasma foi questionada e, hoje, está fora dos critérios atualizados de diagnóstico da PV estabelecidos pela OMS. Embora no passado tenha sido considerada de importância central no workup de pacientes com suspeita de PV, a determinação da massa de hemácias possui baixo valor preditivo e especificidade subótima. Mesmo assim, alguns pesquisadores ainda a consideram uma ferramenta importante para diferenciação entre eritrocitose verdadeira e elevações espúrias da contagem de hemácias (p. ex., atribuíveis à contração do plasma).

 

Diagnóstico diferencial

 

A principal consideração referente ao diagnóstico diferencial na suspeita de PV consiste na exclusão das formas secundárias de eritrocitose. Entre as causas de eritrocitose, estão quaisquer condições produtoras de um estado hipóxico, pois a hipóxia é tipicamente seguida de um aumento fisiologicamente apropriado dos níveis séricos de eritropoetina. Além disso, algumas condições patológicas podem resultar em produção e secreção excessiva de eritropoetina (p. ex., carcinoma de células renais, tumor de Wilms, hepatoma, hemangioma cerebelar, condições renais benignas – como a doença dos rins policísticos – e distúrbios endócrinos). Deve ser excluída a hipótese de administração de hormônios estimuladores de eritropoetina (p. ex., androgênios) ou das próprias substâncias eritropoéticas.

 

Curso clínico

 

Ainda é difícil definir a história natural da PV na ausência de intervenção terapêutica.67,68 As principais fontes de morbidade e mortalidade são as complicações vasculares (venosas, arteriais, microcirculatórias), sobretudo a trombose e, com menos frequência, os sangramentos. Uma história pessoal ou familiar de eventos trombóticos prévios, idade mais avançada e existência de outros fatores de risco vasculares aumenta o risco de eventos vasculares.69 O risco de sangramento é aumentado pelo uso de agentes antiplaquetários, mas também há um risco elevado em pacientes com contagens de plaquetas acima de 1.500 x 109/L. A progressão para mielofibrose (conhecida como fase de consumo ou metaplasia mieloide pós-policitêmica), leucemia aguda e síndrome mielodisplásica (SMD) constitui uma complicação adicional associada à PV. A fase de consumo é semelhante à mielofibrose e caracteriza-se por piora da anemia, leucoeritroblastose, esplenomegalia, uma medula cada vez mais fibrótica e, clinicamente, por uma síndrome consuptiva. A incidência de uma fase de consumo foi estimada em 10 a 20%. A progressão para leucemia aguda foi estimada na faixa de 5 a 15% em 10 anos, embora seja difícil excluir o impacto da terapia (p. ex., fósforo radioativo [32P] ou agentes alquilantes) em todos os casos. Um estudo prospectivo observacional, envolvendo 1.638 pacientes com PV, encontrou um diagnóstico de LMA ou SMD em 22 pacientes, decorridos em média 8,4 anos do estabelecimento do diagnóstico.69,70 A análise de múltiplas variáveis mostrou que a idade avançada e a exposição ao 32P, bussulfano e pipobroman atuam como fatores de risco independentes. Nem a duração da doença nem o uso de hidroxiureia como agente único foram significativos como fatores de progressão para LMA ou SMD.

 

Tratamento

 

A flebotomia, os agentes antiplaquetários e a terapia citorredutora para pacientes selecionados continuam sendo a base da terapia da PV.71,72 A diminuição do hematócrito para menos de 45% nos homens e para menos de 42% nas mulheres via flebotomia deve ser uma meta terapêutica primária. Os pacientes tratados apenas com flebotomia apresentam baixo risco de transformação leucêmica. Os pacientes que permanecem com hematócritos estáveis apresentam baixo risco de recorrência de complicações trombóticas. Os agentes antiplaquetários são efetivos para controle dos sintomas microvasculares associados à trombocitose, quando combinados à flebotomia ou à terapia mielossupressora. Os agentes antiplaquetários devem ser usados com cautela por pacientes com contagens de plaqueta superiores a 1000 x 109/L, dado o risco aumentado de complicações hemorrágicas. Uma dose baixa de aspirina (50 a 100 mg/dia) é efetiva e relativamente segura. A terapia citorredutora (p. ex., hidroxiureia) pode diminuir o risco de complicações trombóticas, todavia permanecem as preocupações relacionadas ao potencial desta terapia de deflagrar a transformação leucêmica. As atuais recomendações terapêuticas são baseadas no risco de eventos vasculares. Os pacientes de baixo risco (idade < 60 anos, sem história de trombose, sem fatores de risco cardiovascular) devem receber flebotomia e aspirina em dose baixa, enquanto os pacientes de alto risco (idade > 60 anos ou história de trombose, independentemente de fatores de risco cardiovaculares) são candidatos mais apropriados à terapia citorredutora e às terapias investigativas.71,72

Em estudos clínicos, o interferon-alfa apresentou atividade na PV. Entretanto, seu uso é limitado pelos efeitos colaterais frequentes e pelo custo elevado. O interferon-alfa-A2 peguilado é composto por polímeros de etilenoglicol ligados covalentemente à molécula nativa. É caracterizado por uma meia-vida sérica prolongada, que se traduz em um esquema de administração mais conveniente e em um perfil de efeitos colaterais mais satisfatório. Em um estudo que incluiu 40 pacientes com PV, 80% dos indivíduos alcançaram uma resposta hematológica.73 Mais notavelmente, dentre os 35 pacientes submetidos a medidas sequenciais de JAK2V617F, a taxa de resposta molecular foi de 54%, com respostas moleculares completas obtidas em 14% dos casos. A uma dose de 90 mcg/semana, o interferon peguilado também foi bem tolerado. Em relatos pouco confiáveis, foram descritas respostas ao tratamento com imatinibe.74,75 Os inibidores de JAK2 ainda são investigativos. Embora possam ser efetivos no controle da eritrocitose aumentada, podem ser incapazes de eliminar o clone maligno.

 

Trombocitemia essencial (TE)

 

A TE é um distúrbio clonal de células-tronco, caracterizado pela proliferação contínua de megacariócitos, que resulta em trombocitose no sangue periférico. A incidência de TE é inferior a 1 a 2,5 casos em uma população de 100.000 indivíduos. No momento do diagnóstico, a idade dos pacientes é, em média, 65 a 70 anos. A TE afeta mais mulheres do que homens, com uma proporção mulher:homem de até 2:1.76 As manifestações clínicas e laboratoriais da TE com frequência se sobrepõem àquelas de outros DMP, dificultando o estabelecimento do diagnóstico de TE em certos casos. A detecção de mutações envolvendo JAK2 ou MPL em até 50% dos pacientes com TE fortaleceu o diagnóstico diferencial no sentido das condições reativas. Contudo, as distinções entre as NMP ainda contam significativamente com ferramentas clínicas e laboratoriais (avaliação da medula e do sangue).58

 

Fisiopatologia

 

Assim como na PV, na TE, as células progenitoras hematopoiéticas são exageradamente responsivas à ação de citocinas e hormônios de crescimento. Um dos reguladores primários do desenvolvimento dos megacariócitos e plaquetas é a trombopoetina, que atua via ligação a um receptor de superfície celular codificado pelo proto-oncogene c-mpl. Sob condições normais, os níveis plasmáticos de trombopoetina são regulados de modo dependente da produção de plaquetas. Na TE, esta alça de retroalimentação negativa falha, em parte devido aos defeitos ou regulação inibitória do receptor de trombopoetina, com consequente comprometimento da ligação e depuração da citocina. Um padrão heterogêneo de distribuição do receptor de trombopoetina nos megacariócitos medulares foi sugerido como critério para diferenciação entre TE e causas secundárias de trombocitemia.77 Atualmente, discute-se em que ponto da sequência de progressão da doença estão localizadas as mutações de JAK2 (a maioria das evidências disponíveis não confirma a noção de que a JAK2 seja um golpe primário). Diferentes aspectos foram descritos em casos de TE V617F+, em comparação à doença V617: contagens de leucócitos e níveis de hemoglobina mais altos; atividade eritroide e granulocítica aumentada na medula; níveis de eritropoetina mais baixos; e maior incidência de trombose venosa.78 Alguns pesquisadores sugeriram que existe sobreposição entre TE V617F+ e PV e que a manifestação clínica predominante depende de “modificadores”, como a dose genética ou a ativação de vias de sinalização intracelular distintas.

 

Diagnóstico

 

A manifestação clínica dos pacientes com TE é caracterizada por eventos trombóticos e hemorrágicos. As complicações trombóticas frequentemente se manifestam como trombose venosa profunda e embolia pulmonar. A trombose de veias hepáticas leva ao desenvolvimento da síndrome de Budd-Chiari. A trombose de veias renais pode causar síndrome nefrótica. Os eventos vasoclusivos que ocorrem na microvasculatura são responsáveis por alguns sintomas, incluindo a eritromelalgia e a isquemia digital. As cefaleias são comuns e, em certos casos, difíceis de distinguir de uma enxaqueca. Os eventos hemorrágicos ocorrem em até 40% dos pacientes. Os sítios de sangramento podem incluir os tratos gastrintestinal e urinário, pele, olhos ou cérebro. Os pacientes podem sofrer episódios trombóticos e hemorrágicos.79 A TE vem igualmente sendo diagnosticada em pacientes assintomáticos, como um achado incidental.

Para diagnosticar a TE, é importante, primeiro, excluir a hipótese de causas secundárias de trombocitose. As causas frequentes de trombocitose secundária incluem deficiência de ferro, infecções e condições inflamatórias crônicas, malignidades e esplenectomia prévia. Os critérios para diagnóstico de TE foram revisados pela OMS [Tabela 11].66

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Tabela 11. Critérios revisados da OMS para o diagnóstico da TE

1. Contagem de plaquetas continuamente = 450 x 109/L*

2. Amostra de biópsia de medula óssea mostrando proliferação sobretudo da linhagem megacariocítica, com números elevados de megacariócitos maduros e aumentados; sem aumento significativo nem desvio à esquerda da eritropoiese ou da granulopoiese de neutrófilos

3. Não atender aos critérios da OMS para PV, MP, LMC,§ SMD¦ou outras neoplasias mieloides

4. Demonstração de JAK2V617F ou outro marcador clonal ou, na ausência de um marcador clonal, ausência de evidência de trombocitose reativa

 

 

O diagnóstico requer o atendimento a todos os 4 critérios.

*Durante o período de investigação.

Requer falha da terapia de reposição de ferro para elevação dos níveis de hemoglobina até a faixa da PV, na presença de níveis séricos diminuídos de ferritina. A exclusão da PV é baseada nos níveis de hemoglobina e hematócrito, ao passo que a medida da massa de hemácias é desnecessária.

Requer a ausência de fibrose por reticulina relevante, fibrose colágena, leucoeritroblastose no sangue periférico ou medula acentuadamente hipercelular para a idade, acompanhada de uma morfologia megacariocítica típica da MP – tamanho pequeno a grande, com uma proporção núcleo/citoplasma aberrante e núcleos hipercromáticos, bulbosos ou irregularmente pregueados, além de um denso aglomeramento.

§Requer ausência de BCR-ABL.

¦Requer ausência de deseritropoiese e desgranulopoiese.

As causas de trombocitose reativa incluem a deficiência de ferro, esplenectomia, cirurgia, infecção, inflamação, doença do tecido conectivo, câncer metastático e distúrbios linfoproliferativos. Entretanto, a existência de uma condição associada à trombocitose reativa não exclui a possibilidade de TE, caso os 3 primeiros critérios sejam atendidos.

LMC = leucemia mieloide crônica; SMD = síndrome mielodisplásica; MP = mielofibrose primária; PV = policitemia vera; OMS = Organização Mundial da Saúde; TE = trombocitemia essencial.  

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Curso clínico

 

As complicações mais frequentes associadas à TE são semelhantes àquelas associadas à PV, ou seja, os eventos hemorrágicos e trombóticos. Existe uma fraca correlação entre o grau de trombocitose e o risco de trombose.80 Assim como na PV, o risco de complicações vasculares está relacionado, em especial, à idade, à história de eventos trombóticos e à presença de outros fatores de risco vasculares. Estima-se que a transformação em fase mielofibrótica (de consumo) ocorra a uma taxa de 3 a 5% em um período de 5 anos, e a 15% em 15 anos.81 A progressão para leucemia aguda raramente ocorre na TE e é considerada, na maioria das vezes, no contexto da terapia leucemogênica (p. ex., com 32P). Em um estudo realizado em 2006, 322 pacientes com TE (média da idade = 54 anos), o tempo de sobrevida médio foi de 18,9 anos.82 Embora a sobrevida durante os primeiros 10 anos subsequentes ao diagnóstico tenha sido similar à sobrevida de uma população-controle, a sobrevida dos pacientes com TE piorou gradativamente depois. Uma sobrevida precária era antecipada pelo fato de a idade do paciente ser superior a 60 anos no momento do diagnóstico, bem como pela existência de leucocitose. Embora a transformação em LMA seja lenta ao longo dos primeiros 10 anos (1,4%), o risco aumenta significativamente na 2ª e 3ª décadas após o diagnóstico (8,1% e 24%, respectivamente).

 

Tratamento

 

A aspirina em dose baixa costuma ser recomendada a todos os pacientes na ausência de contraindicações. A terapia citorredutora para TE é reservada aos pacientes que apresentam alto risco de desenvolvimento de complicações trombóticas e hemorrágicas (idade > 60 anos; história de evento trombótico ou hemorrágico; e contagem de plaquetas > 1.500 x 109/L). O risco de trombose pode ser reduzido de maneira segura e efetiva com o uso combinado de aspirina em dose baixa e terapia citorredutora. Um estudo realizado em 2005 comparou a eficácia do uso combinado da aspirina com hidroxiureia ou anagrelida em 809 pacientes com TE que apresentavam alto risco de desenvolvimento de eventos vasculares.83 O controle a longo prazo da contagem de plaquetas foi alcançado em ambos os grupos. No entanto, os pacientes tratados com anagrelida foram significativamente mais propensos do que os pacientes tratados com hidroxiureia a sofrerem trombose arterial, hemorragia grave e transformação em mielofibrose. A incidência de tromboembolia venosa, por sua vez, foi menor no grupo da anagrelida. Os pesquisadores concluíram que o tratamento com hidroxiureia + dose baixa de aspirina é superior ao uso da anagrelida. O interferon-alfa recombinante peguilado e a forma convencional apresentaram atividade na redução da contagem de plaquetas na TE, porém a toxicidade destes agentes é responsável por um elevado índice de descontinuação precoce do tratamento.84 Em outro estudo, o interferon peguilado diminuiu a carga alélica em pacientes com TE e um clone mutante de JAK2V617F.73

 

Mielofibrose primária (MP)

 

A MP é um distúrbio clonal de células-tronco hematopoiéticas caracterizado por hematopoiese extramedular; esplenomegalia; um quadro hematológico leucoeritroblástico; e graus variáveis de fibrose medular com acentuada hiperplasia e atipia megacariocítica.85 A incidência de MP é de 0,5 a 1,5 caso em 100.000 indivíduos. A MP tipicamente se desenvolve em indivíduos com mais de 60 anos de idade, cuja idade no momento do diagnóstico é, em média, de 65 anos. Entretanto, a MP não é uma doença exclusiva de pacientes idosos. Cerca de 20% dos pacientes com MP têm menos de 60 anos.86

 

Fisiopatologia

 

A característica definidora da MP é a fibrose medular colágena associada à angiogênese e osteosclerose. Enquanto a etiologia primária da MP tem raízes nas células-tronco hematopoéticas clonais que se tornaram hipersensíveis aos efeitos de diversas citocinas ou que adquiriram mecanismos de crescimento independentes de citocinas, as alterações fibróticas medulares são policlonais e reativas.87 Foi sugerido que os megacariócitos e monócitos são fontes de citocinas, como fator de crescimento de fibroblasto básico, fator transformador do crescimento-beta (TGF-beta), fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e diversos inibidores teciduais de metaloproteinases da matriz. As anormalidades citogenéticas são encontradas aproximadamente metade dos pacientes com MP. Embora nenhuma alteração específica para MP tenha sido descrita, algumas (p. ex., anormalidades nos cromossomos 1, 13q e 20q) são mais frequentes e se tornaram foco das pesquisas em curso. Nenhum defeito molecular específico para MP é conhecido. As mutações JAK2V617F ocorrem em até 50% dos pacientes, enquanto as mutações MPL W515K/L são detectadas em até 5% dos pacientes.88

 

Diagnóstico

 

Mais da metade dos pacientes com MP apresenta anemia e trombocitose. Os sintomas são enfraquecimento, fadiga ou dispneia, cuja causa, em geral, é a anemia. Os problemas hemorrágicos e sintomas constitutivos inespecíficos podem acompanhar o curso clínico. Com certa frequência, os pacientes apresentam caquexia acompanhada de fadiga profunda, suores noturnos, perda de peso e, em alguns casos, febre baixa. A esplenomegalia e hepatomegalia ocorrem em até 70% dos pacientes. A esplenomegalia pode ser maciça e, ao menos parcialmente, refletir a quantidade de hematopoiese extramedular que ocorre na MP. A leucoeritroblastose e a presença de células em forma de lágrima (mieloptise) no sangue periférico constituem os achados laboratoriais típicos. Um aspirado de medula óssea frequentemente revela a conhecida “punção seca”, enquanto uma biópsia mostra uma extensiva fibrose, hiperplasia de megacariócitos e, às vezes, osteosclerose. Os critérios diagnósticos para MP foram revisados recentemente [Tabela 12].66

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Tabela 12. Critérios revisados da OMS para o diagnóstico de MP

Critérios importantes

1. Ocorrência de proliferação e atipia de megacariócitos,* em geral acompanhadas de fibrose por reticulina e/ou colágeno; ou, na ausência de fibrose por reticulina significativa, as alterações megacariocíticas devem ser acompanhadas de um aumento da celularidade da medula óssea, caracterizado por proliferação granulocítica e uma eritropoiese frequentemente diminuída (isto é, doença da fase celular pré-fibrótica)

2. Não atendimento aos critérios da OMS para PV, LCM, SMD,§ ou outras neoplasias mieloides

3. Demonstração de JAK2V617F ou outro marcador clonal (p. ex., MPLW515L/K); ou, na ausência de um marcador clonal, ausência de evidência de fibrose de medula óssea atribuível a doenças inflamatórias subjacentes ou outras neoplasias?

 

Critérios menos importantes 

1. Leucoeritroblastose

2. Aumento dos níveis séricos de lactato desidrogenase

3. Anemia

4. Esplenomegalia palpável

 

 

O diagnóstico requer o atendimento a todos os 3 critérios importantes e a 2 critérios menos importantes.

*Megacariócitos de tamanho pequeno a grande, apresentando uma proporção núcleo/citoplasma aberrante e núcleos hipercromáticos, bulbosos ou irregularmente pregueados, além de um denso aglomeramento. 

Requer falha da terapia de reposição de ferro para elevação dos níveis de hemoglobina até a faixa da PV, na presença de níveis séricos diminuídos de ferritina. A exclusão da PV é baseada nos níveis de hemoglobina e hematócrito, enquanto a medida da massa de hemácias é desnecessária.

Requer ausência de BCR-ABL.

§Requer ausência de deseritropoiese e desgranulopoiese.

¦Secundária à infecção, doença autoimune ou outras condições inflamatórias, leucemia de células pilosas ou outra neoplasia linfoide, malignidade metastática ou miopatias tóxicas (crônicas). É preciso notar que os pacientes com condições associadas à mielofibrose reativa não são imunes à MP, e o diagnóstico deve ser considerado nestes casos, se outros critérios não forem atendidos.  

O grau de anormalidade pode ser limítrofe ou marcante.

LMC = leucemia mieloide crônica; MP = mielofibrose primária; SMD = síndrome mielodisplásica; PV = policitemia vera; OMS = Organização Mundial da Saúde.

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Diagnóstico diferencial

 

Embora a combinação de esplenomegalia, leucoeritroblastose e hiperplasia trilinhagem seja bastante sugestiva de MP, a fibrose medular por si só é inespecífica para um diagnóstico de MP. Vários graus de fibrose são observados também em outras NMP. A hipótese de SMD com fibrose deve ser excluída [Tabela 12]. A mielofibrose aguda é caracterizada por um aumento do número de elementos celulares imaturos na medula, associado à pancitopenia e manifestação de sintomas constitutivos graves. As alterações fibróticas medulares secundárias a outras neoplasias (p. ex., próstata, mama) constituem uma importante consideração.

 

Tratamento

 

As terapias convencionais para MP ainda são insatisfatórias. O uso de fármacos citolíticos, como a hidroxiureia, permite controlar as manifestações hiperproliferativas. Os esteroides, androgênios e fatores de crescimento hematopoiéticos, como a eritropoetina, podem aliviar a anemia e as complicações a esta associadas em alguns pacientes. Entretanto, o curso natural da doença permanece inalterado, e as respostas alcançadas raramente são duradouras. A esplenectomia, por vezes, é considerada uma terapia paliativa para pacientes com esplenomegalia sintomática ou citopenia refratária. Embora a esplenectomia, sob tais circunstâncias, possa promover alívio significativo, também pode causar significativa morbidade e mortalidade perioperatória, sendo, portanto, contraindicada na presença de trombocitose. Em um estudo, foi relatado um risco maior de transformação blástica em pacientes submetidos à esplenectomia. Outra complicação é a hepatomegalia progressiva e maciça, resultante de uma metaplasia mieloide compensatória, que pode acarretar insuficiência hepática e morte.89 Como alternativa, a irradiação esplênica é considerada em alguns casos, em pacientes que são candidatos inadequados à cirurgia. As respostas alcançadas têm curta duração.

O TCT ainda é a única modalidade terapêutica curativa disponível para MP. Há relatos de remissões duradouras em pacientes seletos, incluindo alguns com transformação leucêmica.90 A maioria dos pacientes com MP não é elegível para transplante e requer opções terapêuticas alternativas.91 A lenalidomida, um fármaco imunomodulador de 2ª geração e análogo da talidomida, exibe potentes propriedades antiangiogênicas e anticitocinas (fator de necrose tumoral-beta). Em um estudo de fase II envolvendo 68 pacientes com MP, foram relatadas taxas de resposta de 22%, 33% e 50% para anemia, esplenomegalia e trombocitopenia, respectivamente.92 A lenalidomida combinada à prednisona produziu uma resposta geral de 30% para anemia e de 42% para esplenomegalia.93 Além disso, todos os 8 respondedores JAK2V616F+ apresentaram diminuição da carga alélica mutante. A maioria dos pacientes alcançou respostas duradouras. Outro fármaco imunomodulador, a pomalidomida, promoveu taxas de resposta comparáveis com ou sem um curso abreviado de prednisona.94 Vários inibidores de angiogênese (p. ex., bevacizumabe, sunitinibe, vatalanibe) foram avaliados no tratamento da MP. Contudo, a experiência com o uso destes agentes continua limitada a pequenos estudos clínicos, e nenhuma conclusão sólida pode ser definida.

Até o momento, a maior impressão deixada pelos inibidores de JAK2 foi no tratamento dos pacientes com MP. Embora estes agentes possam retardar a hiperproliferação dos clones hematopoiéticos, é improvável que eliminem o clone maligno. Contudo, os inibidores de JAK2 mostraram-se efetivos no controle das manifestações da doença, como esplenomegalia, perda de peso e sintomas constitutivos debilitantes, que são mais incômodos em pacientes com MP [Tabela 13].95 Além disso, as respostas são observadas independentemente da condição de mutação de JAK2.

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Tabela 13. Atividade clínica dos inibidores de JAK295

Fármaco

Alvo

Efeitos clínicos

INCB018424

JAK1, JAK2

Diminuição da esplenomegalia e melhora do peso, da condição do desempenho e da qualidade de vida

Diminuição dos níveis de citocinas inflamatórias

Mielossupressão

TG101348

JAK2

Diminuição da esplenomegalia  

Mielossupressão

Efeitos colaterais gastrintestinais

Lestaurtinibe

JAK2, FLT3

Diminuição da mielossupressão

Mielossupressão

Efeitos colaterais gastrintestinais

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Os agentes hipometiladores também podem promover respostas transientes e modestas.

 

Prognóstico

 

Dentre todos os DMP, a MP está associada ao pior prognóstico, com uma sobrevida média em torno de 3 a 4 anos.86 As complicações trombo-hemorrágicas, infecções e transformações em leucemia aguda estão entre os eventos fatais mais frequentes. A transformação leucêmica foi relatada em até 20% dos pacientes dentro dos primeiros 10 anos subsequentes ao diagnóstico.96 Entretanto, esta estimativa de risco deriva de estudos nos quais metade dos pacientes foi exposta a agentes alquilantes ou radioterapia (modalidades terapêuticas que hoje são raramente usadas). Desta forma, a transformação leucêmica pode não ter refletido o curso natural da doença. Os sintomas de hematopoiese extramedular ocorrem comumente e incluem o infarto esplênico, que muitas vezes agrava a esplenomegalia maciça. O prognóstico é melhor para pacientes mais jovens sem anemia nem blastos circulantes, para os quais o tempo médio de sobrevida pode exceder 10 anos.

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Os autores não possuem relações comerciais com os fabricantes de produtos ou prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

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