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Abscessos Cerebrais e Espinhais

Última revisão: 21/11/2016

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Abscessos Cerebrais e Espinhais

 

 

Allan R. Tunkel, MD, PhD

Professor de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade de Drexel, Filadélfia, PA. Diretor do Departamento de Medicina, Monmouth Medical Center, Long Branch, NJ.

 

W. Michael Scheld, MD

Professor de Medicina e de Neurocirurgia, Faculdade de Medicina da Universidade de Virginia, Charlottesville, VA.

Artigo original: Tunkel AR, MD, PhD. Scheld, WM, MD. Brain and Spinal Abscesses. SAM.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2015 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Tradução: Paulo Henrique Machado.

Revisão técnica: Dr. Lucas Santos Zambon.

 

DOENÇAS INFECCIOSAS

Abscessos Cerebrais e Espinhais

 

Allan R. Tunkel, MD, PhD, e W. Michael Scheld, MD

 

Definições

De um modo geral, os Abscessos Cerebrais e Espinhais são infecções devastadoras que poderão resultar em morbidades e mortalidades substanciais, caso não sejam identificados e tratados em tempo hábil. A apresentação clínica depende da disseminação da infecção para o sistema nervoso central (SNC), localização da lesão e gravidade da pressão intracraniana elevada (PIC). Define-se abscesso cerebral como uma infecção intracraniana focal, que inicia em uma área de cerebrite e evolui para o acúmulo de pus circundado por uma cápsula vascularizada. Com frequência, os pacientes desenvolvem abscessos cerebrais por meio de disseminação contígua, disseminação hematógena ou trauma.

O empiema subdural craniano se refere ao acúmulo de pus no espaço entre a dura-máter e a camada aracnoide, sendo responsável por 15 a 20% de todas as infecções intracranianas que ocupam espaço. Em pacientes com abscessos cerebrais epidurais, o acúmulo de pus se localiza entre a dura-máter e a parte sobrejacente do crânio. Levando-se em consideração que os abscessos atravessam a dura-máter craniana ao longo das veias emissárias, é bastante comum a presença de algum empiema subdural, de modo que a patogênese e a etiologia bacteriana geralmente são idênticas àquelas descritas em pacientes com empiemas cranianos subdurais.

O abscesso subdural espinhal se refere ao acúmulo de pus no espaço entre a dura-máter e a coluna vertebral, e empiema subdural se refere ao acúmulo de pus no espaço entre a dura-máter e a camada aracnoide; empiema subdural espinhal é uma condição rara que usualmente ocorre depois de alguma infecção metastática com origem em um sítio distante. Em pacientes com essas infecções focais, que poderão comprimir a medula espinhal, o resultado final possivelmente seja paralisia total irreversível, a menos que esses pacientes se submetam a intervenções emergenciais.

 

Abscesso Cerebral

Epidemiologia

A incidência de abscesso cerebral não era muito comum antes do advento da infecção pelo HIV.  Nos Estados Unidos, a incidência anual era de aproximadamente de 0,3 a 1,3 casos por 100.000,1 correspondendo a algo em torno de 1.500 a 2.500 casos por ano; a incidência é ainda muito maior nos países em desenvolvimento em todo o mundo.2 Há uma predominância masculina (2 a 3,1), sendo que a idade média varia entre 30 e 40 anos.1,3 No entanto, há algumas diferenças de idade a partir do desenvolvimento de abscesso cerebral de acordo com o sítio primário da infecção. De um modo geral, os pacientes têm idade inferior a 20 anos ou superior a 40 anos nos casos em que o abscesso se originar em um foco ótico, sendo que a maior parte dos pacientes tem idade entre 30 e 40 anos nas situações em o abscesso é secundário a um foco nos seios paranasais. Aproximadamente 25% dos abscessos cerebrais ocorrem em crianças, e a maior parte é secundária a um foco óptico, ou é congênita em pacientes com doença cardíaca congênita. Em uma revisão de casos no período de 2000 a 2007, apenas 1,5 criança por ano foi admitida no serviço pediátrico hospitalar com diagnóstico primário de abscesso cerebral.4

 

As informações financeiras são apresentadas ao final deste capítulo, antes das referências.

 

Os abscessos cerebrais podem ocorrer depois de operações no crânio; um estudo documentou a incidência de 0,2% em 1.587 cirurgias, e em outra revisão em 10 entre 16.540 cirurgias feitas por 25 neurocirurgiões.6 Em séries mais recentes, os relatos de abscesso cerebral são mais comuns em pacientes imunocomprometidos,1,2 incluindo indivíduos infectados pelo HIV que fizeram quimioterapia para tratamento de câncer ou terapia imunossupressiva após transplante, ou após o uso prolongado de corticosteroides.

 

Etiologia

Os relatos indicam que inúmeros agentes infecciosos causam abscessos cerebrais. A probabilidade de patógenos infecciosos depende da patogênese (ver abaixo) e da presença de outras condições predisponentes [ver a Tabela 1].1,3,7

 

Tabela 1: Condições Predisponentes e Prováveis Agentes Etiológicos em Abscessos Cerebrais

Condição Predisponente

Possíveis Etiologias Microbianas

Otite média ou mastoidite

Estreptococos (aeróbicos ou anaeróbicos), espécie Bacteroides, espécie Prevotella, Enterobacteriaceae.

 

Sinusite (frontoetmoidal ou esplenoidal)

Estreptococos, espécie Bacteroides, Enterobacteriaceae, espécie Haemophilus, Staphylococcus aureus.

 

Infecção dentária

Mistura de espécies Fusobacterium, Prevotella, Actinomyces e Bacteroides; estreptococos.

 

Trauma penetrante ou secundário a um procedimento neurocirúrgico

 

Staphylococcus aureus, Enterobacteriaceae, espécie Clostridium.

Abscesso pulmonar, empiema ou bronquiectasia

Fusobacterium, Actinomyces, Bacteroides e espécie Prevotella; estreptococos, espécie Nocardia.

 

Endocardite bacteriana

Staphylococcus aureus, estreptococos.

 

Doença cardíaca congênita

Estreptococos, espécie Haemophilus.

 

Estado imunocomprometido*

 

 

Neutropenia

Bacilos aeróbicos gram-negativos, espécie Aspergillus, espécie Mucorales, espécie Candida, espécie Scedosporium.

 

Transplante

Enterobacteriaceae, Listeria monocytogenes, espécie Nocardia, espécie Aspergillus, espécie Candida, Mucorales, espécie Scedosporium, Toxoplasma gondii.

 

Infecção pelo HIV

Espécie Nocardia, espécie Mycobacterium,Toxoplasma gondii.

*Em pacientes imunocomprometidos, é necessário considerar também organismos com base em outras condições predisponentes e a patogênese da formação de abscessos cerebrais.

 

Bacterias

As etiologias bacterianas mais comuns de abscessos cerebrais são os estreptococos (aeróbicos, anaeróbicos e microaerofílicos), que são isolados em até 70% dos casos;1,8,9 esses estreptococos incluem organismos que pertencem ao grupo de Streptococcus anginosus (milleri), que normalmente residem em locais como cavidade oral, apêndice e trato genital feminino. De um modo geral, a presença do organismo Staphylococcus aureus (isolado em 10 a 20% de casos) ocorre depois de traumatismos cranianos ou de endocardite infecciosa,1 embora existam registros de pacientes com infecções relacionadas ao uso de hardware para estimulação do cérebro profundo.10,11 Os bacilos gram-negativos (por exemplo, espécies Proteus, Escherichia coli, espécies Klebsiella, Pseudomonas aeruginosa, e espécies Enterobacter) são isolados em 23 a 33% de pacientes; os fatores predisponentes incluem otite média, bacteremia, procedimentos neurocirúrgicos e estado imunocomprometido.1,11,12 Os estreptococos anaeróbicos (em especial as espécies Bacteroides e Prevotella) são encontrados em 20 a 40% de pacientes, geralmente em culturas mistas;1,3,7 de maneira geral, o isolamento desses organismos depende do uso de técnicas adequadas de culturas. Múltiplos organismos são cultivados em 14 a 28% de casos cujas culturas apresentem resultados positivos.1,8,13-15 A incidência de culturas negativas varia de 0 a 43%.1,2,8,13-19 O uso prévio de terapia antimicrobiana é uma das causas desses resultados negativos.

Embora em pacientes com abscessos cranianos bacterianos outras espécies sejam isoladas com menor frequência, elas deverão ser consideradas em indivíduos com determinadas condições subjacentes. A espécie Salmonella pode produzir abscessos cranianos em pacientes bacterêmicos ou na presença de algum comprometimento no sistema reticuloendotelial.20 Os abscessos causados pela espécie Listeria monocytogenes não são comuns (<1% de casos), embora sejam responsáveis por aproximadamente 10% de casos de listeriose no SNC;21,22 a espécie Listeria deve ser considerada em pacientes imunocomprometidos (por exemplo, leucemia, linfoma, infecção pelo HIV e por outras condições que exigem o uso de corticosteroides ou de outros agentes que podem produzir imunossupressão). Os abscessos cerebrais produzidos pela espécie Nocardia podem ocorrer como parte de alguma infecção disseminada em pacientes portadores de doença cutânea ou pulmonar; a maioria desses indivíduos possui defeitos em imunidade mediada por células como consequência de terapia com corticosteroides, transplante de órgãos, infecção pelo HIV ou neoplasia.23,24 Casos raros de abscessos cranianos causados pela espécie Nocardia foram também observados em mulheres grávidas. Outras bactérias causam abscessos: as espécies Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae, Burkholderia pseudomallei e Actinomyces.1,25-27 Nas situações em que a meningite for causada pela espécie Citrobacter diversus, observam-se abscessos concomitantes em mais de 75% de casos. A espécie Mycobacterium tuberculosis e a micobactéria não tuberculosa produzem um número cada vez maior de abscessos cerebrais,17,30-33 sendo que a maior parte dos casos foi registrada em pacientes com infecção pelo HIV.

 

Fungos

Nos anos mais recentes, a incidência de abscessos cerebrais fúngicos vem aumentando cada vez mais como resultado do uso intenso de terapia com corticosteroides, terapia antimicrobiana de espectro amplo e agentes imunossupressivos.34,35 Os relatos indicam que muitas espécies de fungos produzem abscessos cerebrais; porém, neste capítulo, faremos a revisão dos organismos mais significativos. A espécie Candida tem os fungos mais prevalentes, embora com frequência não sejam descobertos até a autópsia. Esses fungos produzem microabscessos, macroabscessos, granulomas não caseantes e nódulos gliais difusos. Os fatores de risco para abscessos cerebrais produzidos pela espécie Candida incluem uso de terapia antimicrobiana de espectro amplo, corticosteroides e hiperalimentação; nascimento prematuro; malignidade; neutropenia; doença granulomatosa crônica; diabetes melito; lesão térmica; e presença de cateter venoso central.

Os relatos de aspergilose no SNC indicam incidência de 10 a 20% em pacientes portadores de alguma doença invasiva.35-37 Os pulmões são os sítios primários mais comuns de infecção, com disseminação para o SNC por extensão direta ou a partir de uma área anatomicamente adjacente ao cérebro. A neutropenia é o defeito imune subjacente mais importante em pacientes com aspergilose invasiva (isto é, em indivíduos que estejam fazendo terapia para tratar uma malignidade subjacente), embora possa ser observada também em pacientes com doença hepática, diabetes melito, doença granulosa crônica, síndrome de Cusching, infecção pelo HIV, uso de drogas injetáveis, transplante de órgãos sólidos, transplante de medula óssea, depois de craniotomia, e em pacientes que estiverem fazendo terapia crônica com corticosteroides.

As infecções no SNC produzidas pelo grupo da espécie Mucorales são as mais fulminantes conhecidas até o momento. O diabetes melito, usualmente associado à acidose, é a condição predisponente mais comum (˜ 70% de casos). Observa-se também a doença em pacientes com acidemia causada por alguma enfermidade sistêmica profunda (por exemplo, sepse, desidratação grave ou diarreia, doença renal crônica) e neoplasma hematológico, assim como em casos de transplante renal, uso de drogas injetáveis e uso de deferoxamina.35 A doença no SNC é o resultado da extensão direta na forma rinocerebral, de traumatismo craniano aberto, ou depois de disseminação hematógena. Há relatos de envolvimento bilateral dos gânglios basais em usuários de drogas injetáveis.38 O organismo Rhizopus arrhizus é o isolado mais comum.

A espécie Scedosporium é um agente etiológico de doença no SNC em hospedeiros imunocompetentes e imunocomprometidos.35,39-42 Esses organismos podem penetrar no SNC por meio de traumas diretos, disseminação hematógena ou extensão direta a partir de seios infectados. Há a associação entre a situação de quase afogamento e a infecção subsequente no SNC, tendo em vista que esses organismos estão presentes na água contaminada e no estrume.

 

Parasitas

As etiologias protozoárias e helmínticas dos abscessos cerebrais (por exemplo, Trypanosoma cruzi, Taenia solium, Entamoeba histolytica, espécie Schistosoma e espécie Paragonimus) devem ser consideradas em pacientes com fatores de risco específicos.1,7,43-45 O organismo Toxoplasma gondii é a etiologia protozoária mais importante de infecções no cérebro; é observada principalmente em pacientes com infecção pelo HIV e em outras populações de indivíduos imunocomprometidos.43,46 A incidência depende dos hábitos alimentares (principalmente a quantidade de carne consumida, e se é ingerida crua, mal passada ou bem passada), quantidade de gatos que vivem perto das pessoas, condições climáticas (a sobrevivência de oocistos é favorecida em temperaturas moderadas e de alta umidade) e condições gerais de saneamento e higiene. A maior parte dos casos foi observada inicialmente em pacientes com reativação da doença, em pacientes com malignidades reticuloendoteliais, ou em pacientes que faziam terapia imunossupressiva após distúrbios vasculares colagenosos ou transplante de órgãos ou de medula óssea – nos casos de transplante de órgãos ou de medula óssea, a doença poderá ser secundária à reativação, ou poderá ocorrer após a transferência de cistos infectados em aloenxertos (mais comum em receptores de transplante cardíaco). O número de casos de toxoplasmose no SNC aumentou dramaticamente a partir do advento das infecções por HIV.43,46,47 Entretanto, a incidência desses casos diminuiu a partir do uso da profilaxia com trimetroprima+sulfametoxazol contra o organismo Pneumocystis jirovecii e da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART, do inglês highly active antiretroviral therapy).48,49

 

Patogênese

Os organismos poderão alcançar o SNC por meio de disseminação a partir de uma fonte infecciosa contígua (25 a 50% de casos), disseminação hematógena (20 a 35% de casos), ou trauma1-4,7,8,13-17,25,50-53; os abscessos cerebrais são criptogênicos em aproximadamente 10 a 35% de pacientes. As fontes de foco contíguo de infecção incluem infecções no ouvido médio, mastócitos ou seios paranasais. Usualmente, os abscessos cerebrais com origem na otite média localizam-se no lobo temporal ou no cerebelo; em uma das revisões, 54% dos casos se localizavam no lobo temporal, 44% no cerebelo e 2% em ambos locais.18 Entretanto, algumas séries mais recentes demonstraram que vem ocorrendo uma redução nos casos de abscessos cerebrais secundários à otite média, embora as complicações intracranianas possivelmente tenham aumentado em pacientes que não haviam recebido tratamento adequado para otite média. O lobo frontal é o sítio predominante em pacientes com abscessos cerebrais secundários à sinusite paranasal. Geralmente, há envolvimento do lobo temporal ou da sela túrcica nos casos em que o abscesso for uma complicação da sinusite esfenoide. As infecções dentárias, principalmente nos dentes molares, poderão produzir abscessos cerebrais, geralmente no lobo frontal, embora haja relatos de extensão para o lobo temporal.

De um modo geral, a disseminação hematógena para o cérebro produz abscessos múltiplos e multiloculados associados a taxas de mortalidade mais elevadas, se comparada à de abscessos que resultam de focos contíguos de infecção.1-3,52,53 As fontes mais comuns em adultos são doenças pulmonares piogênicas crônicas (principalmente os abscessos pulmonares), bronquiectasia, empiema e fibrose cística. Outras fontes infecciosas distantes incluem feridas e infecções cutâneas, osteomielite, infecções pélvicas, infecções intrabdominais e após dilatação esofágica ou terapia esclerosante para varizes no esôfago.54 A doença cardíaca congênita cianótica (especialmente em indivíduos com tetralogia de Fallot e transposição de grandes vasos) é outro fator predisponente responsável por 5 a 15% dos casos de abscessos cerebrais. Há registros de percentuais ainda mais elevados em algumas séries pediátricas, embora os avanços tecnológicos nas cirurgias cardiovasculares tenham resultado na redução de casos de doença cardíaca congênita cianótica como fator predisponente.2 Os abscessos cerebrais ocorrem em menos de 5% de pacientes com endocardite infecciosa,55,56 a despeito  da presença de bacteremia contínua. Existe também uma grande probabilidade de abscessos cerebrais em pacientes com telangiectasia hemorrágica hereditária, quase sempre observada em indivíduos com malformações arteriovenosas no pulmão, talvez por permitir que os êmbolos sépticos atravessem a circulação pulmonar sem filtração capilar;57,58 o risco varia de 5 a 9%, sendo 1.000 vezes maior nessa população que na população em geral.

Os traumatismos podem formar abscessos cerebrais como resultado de fraturas cranianas abertas com rompimento da dura máter, de lesão causada por corpos estranhos ou depois de neurocirurgia.52,53,59 A incidência de abscessos cerebrais traumáticos na população civil varia de 2,5 a 10,9%; alguns registros incluíram também abscessos cerebrais secundários a fraturas cranianas deprimidas compostas, mordidas de cães, bicadas de galinhas, perfuração (piercing) na língua e lesões causadas por dardos ou ponta de lápis. Outras causas foram observadas em pacientes após a inserção de fixações externas (halopins),60 inserção de eletrodos para localizar focos convulsivos,61 e pacientes com gliomas malignos tratados com implantes Gliadel® (assemelham-se a bolachas tipo wafer), que são colocados no leito tumoral para liberar carmustina.62 Nas populações militares, a incidência de abscessos cerebrais depois de traumatismos cranianos varia de 3 a 17%, sendo que geralmente são decorrência da retenção de fragmentos ósseos ou da contaminação de sítios de projéteis que inicialmente não haviam sido infectados por bactérias provenientes da pele, das roupas ou do ambiente,59 embora haja controvérsias sobre a importância dos fragmentos ósseos retidos na patogênese das infecções. Em um estudo realizado na Croácia envolvendo 160 lesões craniocerebrais penetrantes causadas por projéteis durante a guerra, em que 21 lesões na base do crânio haviam sido tratadas por meios cirúrgicos, somente os fragmentos ósseos ou metálicos acessíveis foram removidos; aparentemente, os corpos estranhos retidos não aumentam a taxa de infecção, exceto em pacientes com agrupamentos de fragmentos ósseos ou com vazamentos de líquido cerebroespinhal (LCE).63 Em outro estudo retrospectivo, também realizado na Croácia, 88 pacientes com feridas no cérebro causadas por projéteis tiveram removidos apenas os fragmentos ósseos ou metálicos acessíveis durante o desbridamento intracraniano; houve nove casos de abscessos cerebrais, sendo que a presença dos fragmentos retidos não foi responsável pelo aumento nas taxas de infecções.64Resultados semelhantes também foram encontrados em outro estudo envolvendo 43 pacientes que haviam sobrevivido a lesões causadas por projéteis de baixa velocidade em conflitos militares e tinham fragmentos retidos; sequelas supurativas foram observadas em seis pacientes, sendo que em apenas dois deles evoluíram para abscesso cerebral.65

 

Tabela 2: Descobertas Histopatológicas nos Estágios de Formação de Abscessos Cerebrais53

 

 

Cerebrite Precoce

(1-3 dias)

Cerebrite Tardia

(4-9 dias)

Formação Precoce da Cápsula

(10-13 dias)

Formação Tardia da Cápsula

(14 dias ou mais)

 

Centro necrótico

Células inflamatórias agudas; bactérias presentes em cepas de Gram.

 

Centro necrótico ampliado atingindo o tamanho máximo.

Redução do centro necrótico.

Redução adicional do centro necrótico.

Rebordo inflamatório

Células inflamatórias agudas.

Células inflamatórias, macrófagos e fibroblastos.

Aumento no número de fibroblastos e de macrófagos.

Aumento adicional no número de fibroblastos.

 

Cerebrite e neovascularidade

Infiltração perivascular rápida de neutrófilos, células plasmáticas e de células mononucleares.

 

Extensão máxima da cerebrite; aumento rápido na formação de novos vasos.

Grau máximo de neovascularidade.

A cerebrite se restringe ao lado externo da cápsula de colágeno; neovascularidade reduzida.

Cápsula colagenosa

A formação de reticulina inicia no terceiro dia.

Surgimento de fibroblastos com formação rápida de reticulina.

Evolução de colágeno maduro.

Cápsula completada ao final da segunda semana.

 

Há descrições de estágios infecciosos específicos a partir do momento em que as bactérias atingem o cérebro. O curso temporal e as consequências patológicas dos abscessos cerebrais foram examinados em um modelo canino de infecção após a inoculação de estreptococos alfa-hemolíticos, em que foram identificados quatro estágios infecciosos [ver a Tabela 2]: cerebrite precoce, cerebrite tardia, formação precoce de cápsulas e formação tardia de cápsulas.53 Esses estágios são arbitrários, podendo ocorrer alguma variação dependendo do modelo animal que tenha sido utilizado e da virulência das bactérias que foram inoculadas no cérebro. No entanto, esses estágios são muito úteis para classificar os abscessos cerebrais, assim como para comparar a virulência entre organismos diferentes na produção de abscessos cerebrais.

Logo após o estabelecimento de uma infecção, as defesas imunes geralmente são inadequadas para controlar o processo infeccioso. A deficiência da opsonização local do cérebro, juntamente com componentes específicos da virulência dessas bactérias, permite que organismos encapsulados, como as espécies Bacteroides fragilis e E. coli não tenham fagocitose eficiente. De acordo com a Tabela 2, a borda ao redor da área inicial de inoculação se compõe de células inflamatórias agudas durante o estágio de cerebrite precoce; a seguir, ocorre o desenvolvimento rápido de um infiltrado perivascular consistindo de neutrófilos, células plasmáticas e células mononucleares.53 Em um modelo experimental de rato com formação de abscesso cerebral, a produção das interleucinas pró-inflamatórias (IL), IL-1 alfa, IL-1 beta, IL-6 e fator alfa de necrose tumoral (TNF alfa, do inglês tumor necrosis factor alpha), ocorreu dentro do período de uma a seia horas após a exposição à espécie S. aureus.66 Esse fato foi acompanhado do aumento na concentração da quimiocina CXC KC, que se correlacionava com o surgimento de neutrófilos no abscesso. A importância dos neutrófilos na contenção inicial do S. aureus no cérebro foi determinada com embasamento em camundongos com depleção transitória de neutrófilos porque, antes da implantação de grânulos com bactérias, tinham cargas bacterianas mais elevadas no SNC, em comparação com os animais de controle.67 Os níveis da proteína inflamatória dos macrófagos (MIP)-2 e da KC/CXCL1, duas quimiocinas CXC que atraem neutrófilos, foram significativamente elevados no cérebro após a exposição ao organismo S. aureus, o que indica a importância dos ligantes CXCR2, MIP2 e KC, assim como dos neutrófilos nas respostas agudas dos hospedeiros. As liberações contínuas de mediadores pró-inflamatórios, por meio de glias ativadas e de células imunes periféricas infiltrativas, podem potencializar o recrutamento e a retenção subsequente de células de recrutação recente e de glias,68 perpetuando, consequentemente, as respostas inflamatórias antibacterianas. Estudos recentes dão suporte a essa ativação imune persistente, associada a abscessos cerebrais experimentais, em que elevações nas concentrações de IL-1 beta, TNF-alfa e MIP-2 foram detectadas no período entre 14 e 21 dias após a exposição ao organismo S. aureus,69 sugerindo que intervenções à base de compostos anti-inflamatórios, subsequentes às neutralizações bacterianas, poderiam minimizar os danos ao parênquima cerebral adjacente, além de ser uma abordagem adjuvante potencial às terapias futuras para tratamento de abscessos cerebrais. Após a progressão para o estágio de cerebrite tardia, as células inflamatórias agudas se misturam com macrófagos e fibroblastos, e a formação de reticulina circunda o centro necrótico. Logo após o início da formação capsular, uma grande quantidade de fibroblastos e de macrófagos infiltra na periferia, sendo que a deposição de colágeno maduro forma uma cápsula. A seguir, as dimensões do centro necrótico continuam a diminuir, enquanto se desenvolve uma gliose acentuada fora da cápsula.

 

Diagnóstico

Manifestações Clínicas

A apresentação clínica dos abscessos cerebrais varia de indolente a fulminante; a maior parte das manifestações se relaciona às dimensões e à localização das lesões que ocupam espaço no interior do cérebro, assim como à virulência do organismo infectante.1,2,7,8,13-17,25,50-53 A Tabela 3 apresenta uma lista dos sinais e sintomas mais comuns. De um modo geral, observa-se a presença de cefaleia em 70 a 75% de pacientes. O agravamento súbito da cefaleia, acompanhado de um novo início de meningismo, possivelmente seja uma indicação de rompimento do abscesso no espaço ventricular.70,71 Em um estudo envolvendo 33 pacientes consecutivos com rompimento intraventricular de abscessos cerebrais, a presença de condições como cefaleias graves e sinais e sintomas de irritação meníngea foi uma descoberta importante antes do rompimento, acompanhadas por uma rápida deterioração clínica no período de 10 dias.72 Aparentemente, o rompimento intraventricular é mais provável em situações em que o abscesso for profundo, multiloculado e muito próximo à parede ventricular.70 Observa-se a presença da tríade clássica de febre, cefaleia e deficits neurológicos focais em menos de 50% de pacientes com abscessos cerebrais. As descobertas neurológicas específicas relacionadas aos abscessos cerebrais também são definidas de acordo com a localização no SNC [ver a Tabela 3].1,52,53,73As descobertas clínicas poderão ser mascaradas por respostas inflamatórias diminuídas em pacientes imunocomprometidos.

A apresentação clínica dos abscessos cerebrais pode também ser definida pelo patógeno infeccioso. Os pacientes com abscessos cerebrais causados por Nocardia possivelmente se apresentam com lesões concomitantes nos pulmões, na pele ou nos músculos;23,24,74 entretanto, de um modo geral, a apresentação no SNC é inespecífica e está associada a condições como febre, cefaleia e deficits neurológicos focais definidos pela localização.

Os pacientes com abscessos cerebrais por Aspergillus geralmente manifestam sinais de uma síndrome de acidente vascular encefálico como resultado de isquemia e/ou de hemorragia intracerebral atribuível às áreas envolvidas do cérebro.35-37 Em geral, os pacientes gravemente imunocomprometidos se apresentam com descobertas inespecíficas um pouco antes da morte, ao passo que os indivíduos menos imunocomprometidos provavelmente tenham cefaleia e deficits neurológicos focais; as evidências de aspergilose em outros sistemas de órgãos geralmente são aparentes. Observa-se um envolvimento intracraniano concomitante em 13 a 16% de pacientes com aspergilose pulmonar; o envolvimento do cérebro ocorre em 40 a 70% de casos entre pacientes com doença disseminada.

Os pacientes com mucormicose rinocerebral inicialmente apresentam descobertas atribuíveis aos olhos ou aos seios paranasais, e queixam-se de cefaleia, dor facial, diplopia, lacrimejamento e rigidez nasal ou epistaxe.35 Nos casos de infecção continuada e de mucormicose rinocerebral disseminada para estruturas contíguas, as lesões necróticas surgem nos turbinados, nariz, pele paranasal ou palato duro; condições como quemose, proptose e oftalmoplegia externa também são comuns. O envolvimento dos nervos cranianos é uma ocorrência provável, sendo que a cegueira poderá acometer o paciente como consequência da invasão do seio cavernoso, da artéria oftálmica e da órbita. A trombose é uma característica marcante da doença, levando-se em consideração que esse tipo de organismo tem uma tendência para invadir os vasos sanguíneos. A doença em estado muito avançado é sugerida por deficits focais como hemiparesia, convulsões ou cegueira monocular. Em pacientes com a forma não rinocerebral, as condições febre, cefaleia e deficits neurológicos focais estão presentes em mais da metade dos casos. Em uma revisão de 22 casos, a metade dos pacientes era usuária de drogas injetáveis, e os gânglios basais foram os sítios mais afetados.38

 

Tabela 3: Sintomas e Sinais que se Apresentam em Pacientes  com Abscessos  Cerebrais52,53

 

Sintomas ou Sinais

Faixa de Frequência (%)

 

Cefaleia

49 a 97

 

Febre

32 a 79

 

Deficits neurológicos focais*

23 a 66

 

Estado mental alterado

28 a 91

 

Convulsões

13 a 35

 

Náusea e vômito

27 a 85

 

Rigidez nucal

5 a 41

 

Papiledema

9 a 51

*Os deficits específicos dependem da localização do abscesso no SNC:

               lobo parietal: cefaleia, deficiências no campo visual (variando de anopia no quadrante inferior a hemianopia homônima), distúrbios endócrinos;

               lobo frontal: cefaleia, sonolência, falta de atenção, mudança na personalidade, deterioração no estado mental, hemiparesia, transtorno motor na fala;

               lobo temporal: cefaleia ipsilateral, afasia ou disfasia (se ocorrer no hemisfério dominante), deficiências no campo visual (variando de quadrantanopia homônima no quadrante superior a hemianopia homônima completa);

               cerebelo: cefaleia, nistagmo, ataxia, vômito, dismetria, meningismo, papiledema;

               tronco cefálico: envolvimento dos nervos cranianos, deficit nos caminhos ascendentes e descendentes.

 

Os abscessos cerebrais produzidos pelo organismo Scedosporium apiospermum tendem a ocorrer em pacientes imunocomprometidos ou em pacientes dentro de um período de 15 a 30 dias após um episódio de quase afogamento.35,39,40 A localização é variável. As descobertas clínicas incluem convulsões, consciência alterada, cefaleia, irritação meníngea, deficits neurológicos focais, comportamento anormal e afasia.

Em pacientes com toxoplasmose no SNC, a apresentação clínica varia de acordo com o grupo de risco: de início agudo com confusão a um processo insidioso que evolui por várias semanas;43,46 os sintomas e sinais iniciais podem ser focais, não focais ou ambos. A tendência do organismo T. gondii é localizar-se nos gânglios basais e no tronco cefálico, produzindo sintomas extrapiramidais (isto é, assemelham-se à doença de Parkinson). Os sintomas e sinais neurológicos não focais incluem fraqueza generalizada, cefaleia, confusão, letargia, alteração no estado mental, mudanças na personalidade e coma; de maneira geral, os pacientes que se apresentam inicialmente com anormalidades não focais desenvolvem sinais de doença focal à medida que infecção progride. A apresentação clínica também poderá variar de acordo com o grupo de risco. Por exemplo, as infecções em pacientes de transplante são doenças difusas e disseminadas, cujos sinais neurológicos focais tendem a ocorrer tardiamente no curso da doença, ou simplesmente não ocorrem. Tipicamente em pacientes com alguma malignidade subjacente – como a doença de Hodgkin –, a distribuição da apresentação clínica é uniforme entre descobertas focais e não focais. Em pacientes portadores de AIDS, a encefalite toxoplásmica geralmente se apresenta na forma subcutânea com sintomas inespecíficos (por exemplo, cefaleia, desorientação, confusão, queixas neuropsiquiátricas e letargia progressiva por um período de duas a oito semanas).46,47 Os pacientes desenvolvem evidências de doença focal no SNC incluindo sintomas de ataxia, afasia, hemiparesia, perda do campo visual e vômito, ou de encefalite mais generalizada (isto é, confusão, demência e estupor). As convulsões são comuns, e podem ser a manifestação de toxoplasmose que se apresenta no SNC em pacientes infectados pelo HIV.

 

Testes Laboratoriais

Estudos de imagens. As imagens por ressonância magnética (IRM) são o procedimento imagiológico diagnóstico de escolha em pacientes com suspeita de abscessos cerebrais; a IRM é mais sensível que a tomografia computadorizada (TC), e oferece vantagens significativas na detecção precoce de cerebrite, de disseminação mais conspícua de inflamação nos ventrículos e no espaço subaracnoide, e na detecção precoce de lesões satélites [ver a Figura 1].1,51-53,75 Com frequência, nas imagens ponderadas T1, geralmente a cápsula do abscesso aparece com uma borda discreta variando de isointensa a levemente hiperintensa. A administração de um sal de um complexo de gadolínio com dietilenetriamina do ácido penta-acético (DTPA, do inglês diethylenetriamine pentaacetic acid) ajuda a diferenciar claramente pontos como abscesso central, bordas circundantes com realce e edema cerebral. Nas imagens ponderadas T2, a zona de edema que circunda o abscesso demonstra uma intensidade marcante de alto sinal, em que a cápsula aparece como uma borda hipointensa mal definida na margem do abscesso. Nas imagens ponderadas em difusão, observa-se uma difusão restrita (sinal brilhante), que ajuda a fazer a distinção entre abscessos e neoplasmas necróticos. A espectroscopia de prótons por ressonância magnética é outra modalidade diagnóstica que facilita a diferenciação entre tumores malignos e abscessos cerebrais. Em combinação com as imagens ponderadas em difusão, a espectroscopia por ressonância magnética aumenta significativamente a precisão diagnóstica da IRM convencional.76 Em pacientes que não puderem fazer IRM, recomenda-se a TC com e sem contraste. Tipicamente, surge um centro hipotenso com realce de um anel periférico uniforme após a injeção intravenosa do material de contraste1,52,53,75; outras descobertas incluem áreas modulares e áreas de baixa atenuação sem realce, e observam-se as áreas de baixa atenuação sem realce no estágio inicial da cerebrite, antes da formação do abscesso. Nos estágios posteriores, o material de contraste não consegue mais fazer a diferenciação do centro reluzente; nesta hipótese, a aparência da TC se assemelha à do estágio inicial da cerebrite.

As descobertas por neuroimagens também são muito sensíveis para definir achados em pacientes com abscessos cerebrais fúngicos.35 Pacientes com aspergilose no SNC possivelmente apresentem evidências de infarto cerebral, que tipicamente se desenvolve em abscessos simples ou múltiplos; em pacientes imunocomprometidos, possivelmente haja pouco ou nenhum realce por contraste na IRM.37 As alterações típicas observadas na IRM em pacientes com mucormicose rinocerebral incluem opacificação sinusal, erosão óssea e obliteração dos planos fasciais profundos, além da presença de trombose no seio cavernoso. A ausência de realce por contraste em pacientes com mucormicose não é um bom sinal prognóstico porque indica a incapacidade dos mecanismos de defesa do hospedeiro para controlar o agente ofensor.

 

 

 

Figura 1: (a) Imagem ponderada T2 axial mostrando o acúmulo de líquido intra-axial no lobo frontal direito. (b) Imagem ponderada T1 axial pós-contraste mostrando o realce anular, sugerindo a presença de um abscesso cerebral. Cortesia de Stanley Lu, MD.

 

Em pacientes aidéticos com encefalite toxoplásmica, as imagens neurológicas e os testes sorológicos facilitam a determinação do diagnóstico, tendo em vista que a doença ocorre como consequência da reativação da infecção latente. Mais de 97% de pacientes aidéticos com encefalite toxoplásmica apresentam titulações séricas do anticorpo imunoglobulina G  (IgG) contra o organismo T. gondii, que poderão variar de 1:8 a mais de 1:1.024; nos Estados Unidos, o valor preditivo dos resultados sorológicos positivos em pacientes com descobertas típicas nas neuroimagens é de aproximadamente 80%.46 Portanto, a presença de anticorpos IgG antitoxoplasma em pacientes com quadro clínico e radiológico compatível leva a maioria dos médicos a iniciar um curso de terapia antimicrobiana apropriada (ver abaixo). A reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês polimerase chain reaction) do LCE também foi estudada como teste diagnóstico para encefalite toxoplásmica;77 embora sua especificidade seja elevada (96 a 100%), a sensibilidade é de apenas 50%. É necessário realizar novos estudos para determinar a utilidade da PCR do LCE no diagnóstico de toxoplasmose no SNC, mesmo que em outras investigações esse método tenha apresentado alta sensibilidade .78

 

Biópsia. Um dos principais avanços para determinar a etiologia em pacientes com abscesso cerebral é a capacidade de fazer aspiração estereotática orientada por TC para facilitar o diagnóstico microbiológico.1,2.52,53 As técnicas atuais permitem que o cirurgião tenha acesso rápido, preciso e seguro virtualmente a qualquer ponto intracraniano, incluindo pontos em áreas profundas críticas do SNC (tronco cefálico, cerebelo e estruturas diencefálicas adjacentes aos ventrículos). Logo após a aspiração, os espécimes devem ser enviados para coloração Gram, culturas aeróbicas e anaeróbicas de rotina, esfregaços modificados resistentes a ácidos, esfregaços e culturas resistentes a ácidos e esfregaços e culturas fúngicas. Em pacientes com descobertas histopatológicas e com coloração Gram sugerindo a presença de abscessos cerebrais bacterianos com culturas negativas, o sequenciamento e a amplificação do gene RNA ribossômico (rRNA) 16S talvez seja um adjuvante importante,79 embora sejam necessários mais dados. Outro estudo descobriu que o uso de múltiplos sequenciamentos do DNA ribossômico (rDNA) 16S aumentava substancialmente o número de agentes infecciosos identificados em pacientes com abscessos cerebrais,80 embora seja difícil saber se todos esses agentes são patógenos autênticos em pacientes com abscessos cerebrais. Em um estudo de acompanhamento, a análise metagenômica de sequenciamentos do rDNA 16S identificou um grande número de taxas bacterianas que ainda não haviam sido identificadas nessas infecções, incluindo um número que não foi cultivado e que não é encontrado com frequência em espécimes polimicrobianos.81 Possivelmente no futuro, essa técnica seja útil para a identificação microbiológica de patógenos em pacientes com abscessos cerebrais.

Em pacientes com abscessos cerebrais causados pelo organismo Aspergillus, cepas apropriadas possivelmente revelem a presença de hifas septadas teciduais com ângulo agudo e ramificação dicotômica.35,52,53 Em contrapartida, esse fato contrasta com a situação de pacientes com mucormicose, em que os espécimes teciduais revelam a presença de hifas irregulares com ramificação em ângulo reto. As preparações histológicas de abscessos cerebrais causados pelo organismo Scedoporium não conseguem fazer a distinção de abscessos cerebrais causados pela espécie Aspergillus.

O diagnóstico definitivo de encefalite toxoplásmica requer a demonstração do organismo em espécimes clínicos.46 Os pseudocistos e os taquizoitos, que são facilmente identificáveis por cepas histopatológicas, talvez não sejam encontrados no centro de lesões necróticas, sendo que sua identificação é mais provável na periferia das lesões ou no interior dos tecidos cerebrais normais. A técnica de imunofluorescência, que usa anticorpos monoclonais antitoxoplasma de preparação dos tecidos do cérebro, é um teste sensível para diagnósticos rápidos.

 

Gerenciamento

Abordagem Inicial

A abordagem inicial ao gerenciamento de pacientes com suspeita de abscesso cerebral é multidisciplinar, envolvendo um neurorradiologista, um neurocirurgião e um especialista em doenças infecciosas.52,53,82 No caso de pacientes não infectados pelo HIV, nos quais sejam encontradas lesões simples ou múltiplas nas imagens neurológicas, é necessário fazer cirurgia e remover ou aspirar com orientação estereotática todas as lesões com mais de 2,5cm; ou, se todas as lesões tiverem diâmetro igual ou inferior a 2,5cm, a lesão com diâmetro maior deverá ser aspirada para possibilitar o diagnóstico definitivo e a identificação do organismo.83 Procedimentos como exame histopatológico, cultura e terapia antimicrobiana deverão ser iniciados logo após a aspiração do material do abscesso e o envio dos espécimes para cepas especiais [ver a Tabela 4].

Em pacientes infectados pelo HIV e com lesões de massa no SNC, a abordagem inicial ao gerenciamento é diferente por causa da grande probabilidade da presença de doença causada pelo organismo T. gondii.46,52 A terapia empírica para tratamento de encefalite toxoplásmica deverá ser iniciada em pacientes com lesões com realce anular na TC ou IRM realçada por contraste e sorologia IgG antitoxoplasma positiva; observa-se uma melhora clínica e radiográfica dentro de um período de 10 a 14 dias, caso o diagnóstico estiver correto. Muitos especialistas ainda administram terapia apropriada para encefalite toxoplásmica e monitoram a resposta dos pacientes nos casos de indivíduos com sorologia IgG antitoxoplasma positiva e apenas uma única lesão com realce na IRM. Outra opção aplicável nesse contexto é considerar a hipótese de fazer uma varredura com TC por emissão de fótons únicos com tálio-201 (201TI-SPECT); embora não seja sensível, as varreduras positivas são altamente específicas para o diagnóstico de linfoma no SNC, e justificam a realização de biópsia estereotáxica  do cérebro. A compilação de estudos publicados sobre o uso dessa modalidade revelou sensibilidade e especificidade médias de 92% e 88% respectivamente, para fazer a distinção entre linfoma no SNC e encefalite toxoplásmica;77 entretanto, outros estudos sugeriram que a precisão dessa abordagem é bastante limitada.84 A precisão da 201TI-SPECT poderá ser afetada por fatores como dimensões da lesão, grau de malignidade, presença de lesões necróticas no tumor e localização da lesão. A biópsia do cérebro é o procedimento ideal em pacientes infectados pelo HIV com uma ou múltiplas lesões de massa e sorologia IgG antitoxoplasma negativa, embora alguns especialistas recomendem a realização de um teste empírico com terapia antitoxoplasma nas situações em que forem encontradas múltiplas lesões nas imagens neurológicas. Entretanto, a biópsia do cérebro deve ser feita em pacientes que não responderem à terapia empírica.

 

Bactérias

Terapia antimicrobiana. A abordagem empírica à terapia antimicrobiana em pacientes com abscessos cerebrais bacterianos fundamenta-se em cepas do espécime aspirado e na patogênese provável da infecção [ver a Tabela 4].1,52,53 Utiliza-se com bastante frequência a combinação de metronidazol e uma cefalosporina de terceira geração; em pacientes em que o organismo S. aureus for um patógeno provável, pode-se adicionar vancomicina, dependendo da identificação do organismo e dos testes de suscetibilidade in vitro. Em pacientes em que a presença de bacilos gram negativos, como os da espécie P. aeruginosa, seja provável, recomenda-se a administração de medicamentos como ceftazidima, cefepima ou meropenem. Por outro lado, em pacientes sem nenhum fator predisponente claro, a administração de uma combinação de vancomicina, metronidazole uma cefalosporina de terceira ou quarta geração é um regime razoável. A terapia antimicrobiana poderá ser modificada para o tratamento ideal logo após o isolamento do patógeno infectante [ver a Tabela 5]. A Tabela 6 apresenta as dosagens recomendadas de agentes em pacientes com funções renais e hepáticas normais.

 

Tabela 4: Condições Predisponentes e Terapia Antimicrobiana Empírica em Pacientes com Suspeita de Abscessos Cerebrais

 

Condição Predisponente

Terapia Antimicrobiana

 

Otite média ou mastoidite

Metronidazol+ uma cefalosporina de terceira geração*

 

Sinusite (frontoetmoidal ou esfenoidal)

Metronidazol+ uma cefalosporina de terceira geração*+ vancomicina†

 

Infecções dentárias

Penicilina+metronidazol

 

Trauma penetrante ou secundário a um procedimento neurocirúrgico

 

Vancomicina+ uma cefalosporina de terceira geração†

 

Abscesso pulmonar, empiema ou bronquiectasia

Penicilina + metronidazol + uma sulfonamida§

 

Endocardite bacteriana

Vancomicina+gentamicina

 

Doença cardíaca congênita

Terceira geração de cefalosporina

 

Condição desconhecida

Vancomicina+metronidazol+uma terceira ou quarta geração de cefalosporina?

 

*Cefotaxima ou ceftriaxona; pode-se usar também cefepima, a quarta geração de cefalosporinas.

Adicionar, nos casos de suspeita de infecção causada por Staphylococcus aureus resistente à meticilina, dependendo dos resultados dos testes de suscetibilidade in vitro.

? Usar ceftazidima ou cefepima nos casos de suspeita de infecção por Pseudomonas aeruginosa.

§Trimetoprima+sulfametoxazol, incluir nos  casos de suspeita de infecção por Nocardia.

 

Os princípios da terapia antimicrobiana para tratamento de abscessos cerebrais bacterianos são os seguintes: usar agentes que sejam capazes de penetrar na cavidade do abscesso e não tenham nenhuma atividade in vitro contra o patógeno isolado.1-3,7,52,53 É também muito importante observar que, dependendo da patogênese, poderão ocorrer infecções mistas mesmo com isolamento de apenas um organismo; é, portanto, necessário usar terapias com mais de um agente antimicrobiano. O metronidazol é um agente importante no tratamento de abscessos cerebrais, tendo em vista que possui excelente atividade in vitro contra anaeróbios estritos, e excelente perfil farmacocinético, com boa absorção oral e penetração nas cavidades dos abscessos cerebrais. No entanto, o metronidazol deve ser usado sempre em combinação com um agente eficaz contra os estafilococos porque as infecções polimicrobianas são comuns em pacientes com abscessos cerebrais bacterianos. A vancomicina também tem excelente penetração no líquido dos abscessos cerebrais depois de terapia prolongada, em concentrações que correspondem a 90% das concentrações séricas. A terceira geração de cefalosporinas também é muito útil, levando-se em consideração sua excelente atividade in vitro contra muitos agentes etiológicos que produzem abscessos cerebrais bacterianos, e o sucesso demonstrado em estudos clínicos de pequeno porte. Um estudo comprovou que, em combinação com metronidazol e com terapia cirúrgica, doses elevadas de cefotaxima foram usadas com eficácia no tratamento de abscessos cerebrais bacterianos.85 O imipenem foi usado com sucesso no tratamento de abscessos cerebrais piogênicos e nocardiais, embora tenha sido associado a um aumento no risco de convulsões, o que limitou sua utilidade em pacientes com abscessos cerebrais. O meropenem foi eficaz em casos isolados de abscessos cerebrais, incluindo um paciente com abscesso causado pelo organismo Enterobacter cloacae, de modo que o uso deste agente é válido especialmente em indivíduos com infecções produzidas por patógenos resistentes. As fluoroquinolonas também foram usadas em casos isolados de abscessos cerebrais devido à sua boa penetração no SNC; porém, a eficácia somente poderá ser comprovada por meio de estudos adicionais.

Embora a abordagem ideal aos abscessos cerebrais bacterianos geralmente exija a combinação de abordagens médicas e cirúrgicas, determinados grupos de pacientes poderão ser tratados somente com terapia médica.73,86,87 Esses grupos incluem indivíduos portadores de condições médicas que aumentam o risco de fatores como cirurgia, abscessos múltiplos, abscessos em locais profundos ou dominantes, presença de meningite ou ependimite coexistente, redução precoce de abscessos com melhora clínica após a terapia antimicrobiana, e abscessos com diâmetro abaixo de 3cm. Entretanto, em uma série, nenhum abscesso maior que 2,5cm chegou a ser solucionado sem terapia cirúrgica.88

Recomenda-se o tratamento com sulfonamida, com ou sem trimetroprima, em pacientes com abscessos produzidos pelo organismo Nocardia.24,89,90 Os agentes alternativos com atividade in vitro contra o organismo Nocardia incluem minociclina, imipenem, amicacina, a terceira geração de cefalosporinas e linezolida,91-94 embora não haja nenhuma correlação entre a atividade in vitro e a eficácia clínica. Em pacientes imunocomprometidos ou em pacientes que respondem normalmente à terapia, deve-se levar em consideração a terapia de combinação com regimes contendo a terceira geração de cefalosporinas ou imipenem, juntamente com sulfonamida ou amicacina.95-99 Em pacientes com abscessos cerebrais causados por Nocardia farcinica – espécie que pode ser altamente resistente a vários agentes antimicrobianos –, o sucesso terapêutico inclui o uso de moxifloxacina isoladamente ou em combinação com algum outro agente.100-102

Terapia cirúrgica. Com frequência, a terapia cirúrgica é imprescindível para abordagens ideais a pacientes com abscessos cerebrais bacterianos.1,19,25,51-53,103 Os procedimentos aplicáveis incluem aspiração após a colocação de orifícios de trepanação ou excisão total após uma craniotomia; ainda não foi feito nenhum teste prospectivo para comparar esses dois procedimentos. A aspiração poderá ser feita por orientação estereotática com neuroimagens. A aspiração estereotáxica é uma abordagem muito útil, mesmo nos casos de abscessos que se localizam em regiões eloquentes ou inacessíveis;104 a repetição de aspirações é uma hipótese a ser considerada nas situações em que a aspiração inicial for comprovadamente ineficaz ou parcialmente eficaz. A orientação intraoperatória com ultrassom também é útil nos casos de aspiração de pequenos abscessos, podendo também delinear as bolsas de abscessos,105 embora se acredite que a aspiração endoscópica seja mais eficaz. Uma série envolvendo 142 pacientes com abscessos cerebrais não apresentou nenhuma diferença significativa nos resultados em indivíduos que haviam sido testados com excisão, craniotomia com drenagem ou drenagem estereotática, indicando que a terapia deve ser individualizada para cada paciente.16 A recorrência de abscessos cerebrais depois da aspiração estereotáxica varia de 0 a 24%. Nos dias atuais, a excisão completa por craniotomia não é executada com muita frequência devido ao grande sucesso da aspiração e das técnicas de drenagem fechada; porém, ainda é necessária em pacientes com abscessos multiloculados nos quais as técnicas de aspiração não tenham sido bem sucedidas, em abscessos contendo gás ou em abscessos que resistem aos tratamentos. De maneira geral, aplica-se a excisão em abscessos pós-traumáticos que contenham corpos estranhos ou com retenção de fragmentos ósseos para evitar recorrências, em abscessos que resultam de comunicações fistulosas (por exmplo, os secundários a trauma ou seios dérmicos congênitos), e abscessos localizados em um dos lobos do cérebro que sejam contíguos a um foco primário.51 Acredita-se que a excisão seja o método preferido de tratamento cirúrgico de abscessos cerebelares em crianças,106,107 considerando que foram observados resultados piores em abscessos que haviam sido tratados somente com aspiração. No caso de pacientes com rompimento intraventricular de algum abscesso cerebral purulento, que desenvolverem ventrículos dilatados e ventriculite,70,72 a evacuação e o desbridamento da cavidade do abscesso, através de craniotomia urgente e drenagem ventricular, devem ser feitas em combinação com administração intravenosa e/ou intratecal apropriada de agentes antimicrobianos adequados.

A craniotomia com excisão total é um procedimento muito difícil para aplicação em pacientes com abscessos cerebrais causados pelo organismo Nocardia, tendo em vista que com frequência esses abscessos são multiloculados.74 Em uma revisão de 11 pacientes com abscessos cerebrais nocardiais, a aspiração aplicada isoladamente foi eficaz em nove pacientes.106 Por outro lado, em outra série envolvendo três pacientes, a cura foi atingida somente após a enucleação neurocirúrgica,109 sugerindo que deveria ter sido aplicada uma abordagem cirúrgica agressiva.

 

Tabela 5: Terapia Antimicrobiana Empírica de Abscessos Cerebrais com Base em Patógenos Isolados

 

Organismo

Terapia Padrão

Terapias Alternativas

 

Bactéria*

 

Espécie Actinomyces

Penicilina

Clindamicina

 

Bacteroides fragilis

Metronidazol

Clindamicina

 

Enterobacteriaceae

Terceira ou quarta geração de cefalosporinas

Aztreonam, meropenem, fluoroquinolona, trimetoprima+sulfametoxazol

 

Espécie Fusobacterium

Penicilina G

Metronidazol

 

Espécie Haemophilus

Terceira geração de cefalosporinas?

Aztreonam, fluoroquinolona, trimetoprima + sulfametoxazol

 

Listeria monocytogenes

Ampicilina§ ou Penicilina G§

Trimetoprima + sulfametoxazol

 

Mycobacterium tuberculosis

Isoniazida + rifampina + pirazinamida + etambutol

 

 

Espécie Nocardia#

Trimetoprima+sulfametoxazol

 

Minociclina, imipenem, meropenem, cefalosporina de terceira geração, amicacina

 

Espécie Prevotella

Metronidazol

Clindamicina, cefotaxima

 

Pseudomonas aeruginosa

Ceftazidima§, cefepima§ ou meropenem§

 

Aztreonam§, fluoroquinolona§

Staphylococcus aureus (sensível à meticilina)

 

Nafcilina ou oxdacilina

Vancomicina

Staphylococcus aureus (resistente à meticilina)

 

Vancomicina

Trimetoprima + sulfametoxazol†#, daptomicina#

 

Grupo da espécie Streptococcus anginosus(milleri); outros estreptococos

Penicilina G

Cefalosporina de terceira geração?, vancomicina

 

Tabela 5: Terapia Antimicrobiana Empírica de Abscessos Cerebrais com Base em Patógenos Isolados

 

Organismo

Terapia Padrão

Terapias Alternativas

 

Fungos

 

Espécie Aspergillus

Voriconazol

Anfotericina B desoxicolato, anfotericina B lipossômica, complexo lipídico de anfotericina B, itraconazol*, posaconazol*

 

Espécie Candida

Anfotericina B desoxicolato**, anfotericina B lipossômica**, complexo lipídico de anfotericina B**

 

Fluconazol

 

Mucorales

Anfotericina B desoxicolato, anfotericina B lipossômica, complexo lipídico de anfotericina B

 

Posaconazol*

 

Espécie Scedosporium

Voriconazol

Itraconazol*, posaconazol*

 

Parasitas

 

Toxoplasma gondii

Pirimetamina+sulfadiazina ou pirimetamina+clindamicina

Trimetoprima+sulfametoxazol, pirimetamina+atovaquona, azitromicina, claritromicina ou dapsona

*Dependendo da patogênese da formação do abscesso cerebral [ver a Tabela 1], a terapia de combinação é uma opção a ser considerada para a possibilidade de infecção mista aeróbica e anaeróbica.

O uso de agentes específicos depende dos testes de suscetibilidade in vitro do organismo isolado.

? Cefotaxima ou ceftriaxona.

§ Adição de um aminoglicosídeo é uma opção a ser considerada.

# A terapia de combinação pode ser necessária em pacientes imunocomprometidos ou em pacientes que não tenham tido sucesso com a terapia padrão (ver o texto).

Não há dados sobre a eficácia desses agentes em pacientes com abscesso cerebral causado pelo organismo S. aureus resistente à meticilina.

*Considerar para uso como terapia de salvamento em pacientes que não apresentarem respostas ou em pacientes intolerantes à terapia com base na anfotericina B.

**A adição de flucitosina é uma opção a ser considerada.

 

Duração da terapia. O tempo ideal de duração das terapias médicas para tratamento de abscessos cerebrais bacterianos não é muito claro. Tradicionalmente administram-se, por um período de seis a oito semanas, doses elevadas de terapia antimicrobiana intravenosa,17,51,53 que geralmente é acompanhada de terapia antimicrobiana oral por dois a três meses, nas situações em que houver agentes apropriados à disposição; entretanto, ainda não se definiu a eficácia e a necessidade de terapia antimicrobiana oral adicional. Em um estudo, os autores perceberam que a combinação de aspiração cirúrgica ou remoção de abscessos com mais de 2,5cm de diâmetro dentro de seis semanas ou mais após a terapia antimicrobiana, juntamente com neuroimagens semanais para documentar a resolução do abscesso, poderá aumentar as taxas de cura para mais de 90%.110 Cursos de três a quatro semanas de terapia antimicrobiana possivelmente sejam adequados para pacientes que tenham feito excisão cirúrgica dos abscessos cerebrais, ao passo que cursos mais prolongados (até 12 semanas) possivelmente sejam necessários em pacientes tratados apenas com terapia antimicrobiana. O órgão Infection in Neurosurgery Working Party of the British Society for Antimicrobial Therapy recomenda o uso de terapia intravenosa por 1 a 2 semanas para abscessos cerebrais bacterianos;111 dependendo da resposta clínica, recomenda-se considerar a hipótese de mudar para o regime oral.50,112,113 Embora tenha sido usado em diversas séries, esse tipo de abordagem não poderá ser considerado como terapia padrão na maior parte dos pacientes com abscessos cerebrais bacterianos. Estudos repetidos de imagens neurológicas em intervalos quinzenais por até três meses após a conclusão da terapia foram sugeridos para monitorar novas expansões dos abscessos ou por causa da impossibilidade de resolução.51-53,82 O tempo de duração da terapia em pacientes com abscessos cerebrais nocardiais varia de 3 a 12 meses,24,114 e provavelmente chegue a um ano em pacientes imunocomprometidos. É necessário um acompanhamento rigoroso para monitorar eventuais recidivas.

 

Fungos

Os abscessos cerebrais fúngicos, especialmente em pacientes imunocomprometidos, apresentam altas taxas de mortalidade a despeito da combinação de terapias médica e cirúrgica. Em pacientes com abscessos cerebrais produzidos pelo organismo Candida, a terapia recomendada é uma preparação de anfotericina B e 5-flucitosina.35 A eficácia da flucitosina ainda não foi avaliada; porém, em casos isolados, esse agente tem sido usado com sucesso em terapias de combinação.

 

Tabela 6: Dosagens Recomendadas de Agentes Antimicrobianos em Adultos com Abscesso Cerebral e Funções Hepática e Renal Normais*

Agente Antimicrobiano

Dosagem Diária Total (intervalo de dosagem em horas)

Amicacina†

15mg/Kg (8)

 

Anfotericina B desoxicolato?

0,6-1mg/Kg (24)

 

Complexo lipídico de anfotericina B

5 mg/Kg (24)

 

Ampicilina

12g (4)

 

Aztreonam

6-8g (6-8)

 

Cefepima

6g (8)

 

Cefotaxima

8-12g (4-6)

 

Ceftazidima

6g (8)

 

Ceftriaxona

4g (12-24)

 

Ciprofloxacina

800-1200mg (8-12)

 

Clindamicina

2400-4800mg (6)

 

Etambutol§

15 mg/Kg (24)

 

Fluconazol

400-800mg (24)

 

Flucitosina§?

100mg/Kg (6)

 

Gentamicina

5mg/Kg (8)

 

Isoniazida§

300mg (24)

 

Intraconazol

400-800mg (12)

 

Anfotericina B lipossômica

5mg/Kg (24)

 

Meropenem

6g (8)

 

Metronidazol

30mg/Kg (6)

 

Nafcilina

9-12g (4)

 

Oxacilina

9-12g (4)

 

Penicilina

24 milhões de unidades (4)

 

Posaconazol§

800mg (6-12)

 

 

Tabela 6: Dosagens Recomendadas de Agentes Antimicrobianos em Adultos com Abscesso Cerebral e Funções Hepática e Renal Normais*

Agente Antimicrobiano

Dosagem Diária Total (intervalo de dosagem em horas)

Pirazinamida§

15-30mg/Kg (24)

 

Pirimetamina§

 

25-100mg (24)

Rifampina§

600 (24)

 

Sulfadiazina

4-6g (6)

 

Tobramicina

5mg/Kg (8)

 

Trimetoprima + sulfametoxazol*

10-20mg/Kg (6-12)

 

Vancomicina**

30-45mg/Kg (8-12)

 

Voriconazol††

8mg/Kg (12)

 

*Excetuando-se indicações específicas, a terapia deverá ser administrada por via intravenosa.

É necessário monitorar os níveis máximos e mínimos das concentrações séricas.

? A administração de doses até 1,5mg/Kg/dia poderá ser necessária em pacientes com aspergilose ou mucormicose.

§ Administração por via oral.

? Manter concentrações séricas de 50 a 100µg/mL.

Usar doses mais elevadas em pacientes portadores de AIDS com encefalite toxoplásmica.

**É necessário monitorar as concentrações séricas mínimas (manter em 15 a 20µg/mL).

†† Carregar com 6mg/Kg a cada 12 horas por duas doses.

 

O uso de voriconazol é a terapia de escolha para abscessos cerebrais produzidos pela espécie Aspergillus.115 Em uma revisão que incluiu 19 pacientes com aspergilose e doença cerebral, três pacientes apresentaram respostas parciais ao tratamento.116 Em séries mais recentes, a taxa de resposta foi de aproximadamente 35%.37,115 Os agentes alternativos incluem uma preparação de anfotericina B, posaconazol e itraconazol.117-119 Embora o itraconazol tenha atividade in vitro contra a espécie Aspergillus e a terapia com doses elevadas tenha sido bem sucedida em alguns pacientes, a absorção pouco confiável e a experiência modesta no tratamento de pacientes com abscessos cerebrais por Aspergillus tornam o uso desse medicamento mais promissor como extensão de tratamentos bem sucedidos, e não como terapia primária. Um paciente com abscesso cerebral por Aspergillus foi tratado com êxito com uma preparação de anfotericina B, itraconazol e interferon-?, sendo que o uso da anfotericina B foi descontinuado três semanas após o início da terapia.119 As terapias de combinação que  são comprovadamente eficazes em relatos de casos isolados são voriconazol em combinação com caspofungina ou anfotericina B.120-122 Procedimentos como cirurgia excisional ou drenagem são fatores importantes para o gerenciamento bem sucedido de aspergilose no SNC.33,35,37

Os pacientes com mucormicose no SNC devem ser tratados com deoxicolato de anfotericina B ou com uma formulação lipídica de anfotericina B; 35,123a correção dos distúrbios metabólicos subjacentes e o desbridamento cirúrgico agressivo também são importantes para o sucesso da terapia. A invasão dos vasos sanguíneos pelos agentes etiológicos da mucormicose provoca infarto tecidual que, por sua vez, prejudica a liberação de agentes antifúngicos para o sítio da infecção, geralmente deixando a cirurgia como a única modalidade de tratamento que elimina efetivamente o microrganismo infectante. Em pacientes que não respondem à formulação de anfotericina B ou intolerantes a esse medicamento, o posaconazol poderá ser usado como terapia de salvamento.124 Além da cirurgia, a oxigenoterapia hiperbárica é um adjuvante muito útil,125,126 embora ainda não tenha sido realizado nenhum estudo prospectivo randomizado para avaliar sua eficácia.

A cirurgia é o grande pilar terapêutico no tratamento de abscessos cerebrais causados pela espécie Scedosporium.39 O voriconazol é o agente de escolha considerando a resistência inerente desse organismo à anfotericina B.127 Em uma revisão que incluiu 21 pacientes com doença no SNC causada pela espécie Scedosporium, 43% apresentaram respostas terapêuticas.128 A terapia de combinação com voriconazol e terbinafina também foi bem sucedida em um paciente com doença granulomatosa crônica e um abscesso cerebral produzido pela espécie Scedosporium prolificans.129 Um paciente com linfoma linfoblástico agudo e múltiplos abscessos cerebrais causados pelo organismo S. apiospermum, que não respondia à combinação de intraconazol, anfotericina B e cetoconzol com drenagem neurocirúrgica, foi tratado com grande êxito com posaconazol.130

 

Parasitas

A combinação de pirimetamina e sulfadiazina é o grande pilar da terapia para tratamento de encefalite toxoplásmica;43,46 esses medicamentos agem de forma sinergística bloqueando o metabolismo do ácido fólico. As recomendações atuais de dosagem são administrar uma dose de carga de 200mg de pirimetamina, seguida de 50 a 75mg/dia nas primeiras três a seis semanas de terapia em pacientes aidéticos com encefalite toxoplásmica; e por um período mínimo de quatro a seis semanas a uma dose de 25 a 50mg/dia em outros pacientes imunodeficientes. A sulfadiazina deve ser administrada a uma dose de 4 a 6g/dia por via oral, em doses divididas. A terapia deverá prosseguir até se atingir a imunidade adequada mediada por células; caso não seja possível atingi-la, a terapia de manutenção deverá continuar por toda a vida do paciente. A toxicidade significativa desse tipo de combinação (em especial a toxicidade hematológica induzida por medicamentos) requer a administração frequente de ácido folínico nas situações em que esses medicamentos forem usados em combinação, na tentativa de diminuir os efeitos colaterais hematológicos. A combinação de pirimetamina e clindamicina, cuja toxicidade é menor que a combinação de pirimetamina e sulfadiazina, foi usada com um bom nível de sucesso.

A preparação de trimetoprima+sulfametoxazol foi sugerida como uma boa alternativa para a combinação de pirimetamina e sulfadiazina em pacientes aidéticos com encefalite toxoplásmica, e aparentemente é uma ótima terapia alternativa em ambientes com poucos recursos. A pirimetamina em combinação com atovaquona, claritromicina, azitromicina ou dapsona também pode ser considerada como regime alternativo; porém, são necessários estudos complementares para determinar a eficácia e o nível de toxicidade desses regimes.

 

Terapia Adjuvante

A terapia à base de corticosteroides é uma opção a ser considerada em pacientes com abscessos cerebrais que tenham associação concomitante de edema e efeito de massa, deterioração neurológica progressiva ou herniação cerebral iminente.1,2,51-53 O uso de corticosteroides – embora ainda não tenha sido estudado em testes randomizados bem controlados, possa resultar na redução dos mecanismos de defesa dos hospedeiros e diminuir a penetração de alguns agentes antimicrobianos no interior das cavidades dos abscessos cerebrais – pode melhorar os sintomas e os sinais neurológicos. De maneira geral, administram-se inicialmente doses elevadas de terapia corticosteroide (por exemplo, 10mg de dexametasona em intervalos de seis horas), que são reduzidas gradualmente após a estabilização dos pacientes. O uso de cursos prolongados de corticosteroides não é recomendável. Além disso, esses medicamentos possivelmente diminuam o realce com contraste da cápsula do abscesso nos estágios iniciais da infecção, transformando-se, consequentemente, em um falso indicador de melhora radiológica.

 

Prognóstico

Na era pré-antibiótica e nos anos 1970, as taxas de mortalidade em pacientes com abscessos cerebrais eram inaceitavelmente elevadas e variavam de 30 a 80%.1,3,52,53 A partir da década de 1970, a relação entre caso e fatalidade passou a variar de 0 a 24%, e foi atribuída à maior disponibilidade de terapias antimicrobianas e de estudos de neuroimagens mais eficazes (i.e., varreduras por TC), que permitiram agilizar a obtenção dos diagnósticos e monitorar as respostas às terapias. Em séries recentes, as taxas de mortalidade passaram a variar de 8 a 25%.8,13-17,50,51,83 Os fatores associados aos maus prognósticos incluem baixa pontuação na Glasgow Coma Scale, presença de determinadas doenças subjacentes e de outras condições comórbidas. Resultados mais favoráveis foram observados em um estudo envolvendo 142 pacientes nas situações em que a pontuação nessa escala estava acima de 12, e os pacientes não apresentavam evidências de sepse.15 O rompimento intraventricular de abscessos, em que as taxas de mortalidade variaram de 27 a 85%, é uma complicação importante associada aos maus resultados.70 Nesse estudo, nas situações em que os pacientes sobreviveram ao episódio de abscesso cerebral, a incidência de sequelas neurológicas variou de 20 a 70%; nessas circunstâncias, o prognóstico é determinado pela rapidez da progressão da doença e pelo estado mental do paciente no momento da apresentação.131 As sequelas de longo prazo incluem hemiparesia, defeitos persistentes no campo visual, disfunção cognitiva, transtornos de aprendizagem, hidrocefalia e convulsões; as convulsões correspondem a um risco de longo prazo de aproximadamente 30 a 50% em pacientes com abscessos cerebrais.

 

Empiema Craniano Subdural e Abscesso Epidural

Epidemiologia e patogênese

As condições predisponentes mais comuns para empiema craniano subdural e abscesso epidural são infecções otorrinológicas, principalmente nos seios paranasais (40 a 80% de pacientes).132-135 O mastoide e o ouvido médio são afetados em 10 a 20% de pacientes; essas infecções ocorrem em regiões geográficas onde os indivíduos com otite média não são tratados de forma adequada. Outras condições predisponentes são traumatismo craniano, procedimentos neurocirúrgicos e infecções de hematomas subdurais pré-existentes.136 Em uma revisão de casos de vinte anos envolvendo empiemas subdurais em crianças, aproximadamente  20% de pacientes desenvolveram empiema subdural depois de traumatismo craniano ou de procedimentos neurocirúrgicos.137 As infecções são metastáticas em 5% de casos, usualmente a partir de alguma fonte pulmonar. A meningite é uma condição predisponente importante em lactentes com empiema craniano subdural, e ocorre em 2 a 10% de indivíduos com meningite bacteriana.134

 

Etiologia

De maneira geral, os agentes etiológicos em pacientes com empiema craniano subdural são provenientes da flora microbiana de indivíduos com sinusite crônica, e incluem estreptococos aeróbicos (25 a 45%), estafilococos (10 a 15%), bacilos aeróbicos gram-negativos (3 a 10%) e estreptococos anaeróbicos e outros anaeróbios (33 a 100%) em algumas séries em que haviam sido feitas culturas cuidadosas de anaeróbios.132-134 Nas situações em que as condições predisponentes forem pós-operatórias ou pós-traumáticas, os patógenos usuais são os estafilococos e os bacilos aeróbicos gram-negativos. Observa-se a presença de organismos semelhantes em pacientes com abscesso craniano epidural. A espécie Propionibacterium acnes pode ser isolada em pacientes depois de traumas, procedimentos neurocirúrgicos ou uso de aloenxertos durais.138-140 Os relatos indicam que as culturas operatórias são negativas em 7 a 53% de pacientes.135

 

Diagnóstico

Manifestações Clínicas

A apresentação clínica em pacientes com empiema craniano subdural poderá progredir rapidamente, com sintomas e sinais relacionados a elevações na PIC, irritação meníngea ou inflamação cortical focal.132-135,141 A maior parte dos pacientes se apresenta com febre e cefaleia; a incidência de vômito é comum na medida em que a PIC se eleva. É muito comum ocorrer alteração no estado mental, que poderá progredir rapidamente para obtundação e coma, caso a infecção não seja tratada. Sinais neurológicos focais (hemiparesia e hemiplegia, paralisias oculares, disfasia, hemianopsia homônima, pupilas dilatadas e sinais cerebelares) surgem dentro de um período de 24 a 48 horas, e progridem rapidamente envolvendo finalmente todos os hemisférios centrais. Entretanto, em uma série, não foi observado nenhum sinal focal em 41% de 699 pacientes.134Observa-se a presença de convulsões em 25 a 80% de pacientes.135Sinais de irritação meníngea são observados em aproximadamente 80% de pacientes. A deterioração neurológica é extremamente rápida em indivíduos que não forem tratados, que apresentem sinais de elevação na PIC e de herniação central. Essa apresentação possivelmente não seja observada em pacientes que desenvolvem empiema subdural depois de cirurgia ou traumatismo craniano, em pacientes que tenham recebido terapia antimicrobiana, em pacientes com hematomas subdurais infectados ou com infecção metastática no espaço subdural.

A apresentação clínica dos abscessos cranianos epidurais pode ser insidiosa, e usualmente é mascarada pelo foco primário da infecção (i.e., sinusite ou otite média).142 A apresentação clínica é insidiosa porque a dura-máter se opõe diretamente à superfície interna do crânio, de modo que o abscesso geralmente cresce muito lentamente para produzir o início rápido de deficits neurológicos importantes, a não ser que haja uma extensão craniana mais profunda. As queixas usuais são febre e cefaleia, embora o paciente possa não parecer gravemente enfermo, levando a um atraso na obtenção do diagnóstico. Entretanto, ao final, os pacientes poderão desenvolver sinais neurológicos e convulsões; e, na medida em que o abscesso aumenta de volume, os indivíduos não tratados poderão desenvolver papiledema e sinais de elevação na pressão intracraniana. Nas situações em que o abscesso epidural se localizar nas proximidades do osso petroso, o paciente poderá desenvolver a síndrome de Gradenigo, que se caracteriza pelo envolvimento dos nervos cranianos V e VI, e poderá se manifestar clinicamente como dor facial unilateral e fraqueza no músculo reto lateral.

 

Testes Laboratoriais

A suspeita de diagnóstico de empiema craniano subdural ocorre em qualquer paciente que se apresentar com sinais meníngeos e algum deficit neurológico focal.132-134 A IRM é o procedimento imagiológico diagnóstico de escolha, e usualmente mostra a presença de uma área de hipodensidade crescente ou elíptica abaixo da abóboda craniana ou adjacente à foice cerebral [ver as Figuras 2 e 3];132,135,141 e, dependendo da extensão da doença, possivelmente ocorra algum efeito de massa associado, com deslocamento das estruturas na linha média. A IRM é superior à TC porque apresenta mais claramente os detalhes morfológicos e pode detectar a presença de empiemas subdurais que não são vistos na TC; além disso, é particularmente útil para detectar empiemas subdurais na base do crânio, juntamente com a foice cerebral, ou na fossa posterior.

A IRM é também o procedimento imagiológico diagnóstico de escolha para uso em pacientes com abscessos cranianos epidurais; e, de maneira geral, mostra uma área circunscrita superficial de intensidade reduzida com realce paquimeníngeo [ver as Figuras 4 e 5].142 As varreduras por TC são usadas na obtenção de imagens ósseas ou em situações em que a IRM não estiver à disposição, embora as imagens por ressonância magnética sejam superiores na identificação e no delineamento, além de serem capazes de fazer a distinção entre abscessos epidurais e efusões estéreis ou hematomas que poderão estar presentes em pacientes que se submeteram à cirurgia craniana ou que sofreram algum traumatismo na cabeça.

 

Gerenciamento

O empiema craniano subdural é uma emergência cirúrgica, tendo em vista que a terapia antimicrobiana isoladamente não o esteriliza de forma confiável. As metas da terapia cirúrgica são atingir uma descompressão adequada do cérebro e evacuar completamente o empiema.132,141,143,144 Ao comparar a drenagem por craniotomia com a drenagem mediante colocação de orifícios de trepanação, alguns estudos demonstraram que a mortalidade é mais baixa em pacientes que fizeram craniotomia – embora, na realidade, os pacientes que fizeram drenagem através de orifícios de trepanação estavam mais enfermos e apresentavam maior risco cirúrgico. A drenagem através de orifícios de trepanação exige múltiplos orifícios para permitir maior abrangência da irrigação. Os casos de craniotomia requerem uma exposição ampla para permitir a exploração cirúrgica de todas as áreas com suspeita de empiema. Uma grande série envolvendo 699 pacientes analisou a eficácia de drenagens feitas após TC orientada por orifícios de trepanação, em comparação com craniectomia ou drenagem por craniotomia. Como resultado, as taxas de mortalidade foram mais elevadas em pacientes que haviam sido tratados apenas com drenagens através de orifícios de trepanação (23,3%), em comparação com pacientes que haviam feito craniectomia (11,5%) ou craniotomia (8,4%).145 Os pacientes que haviam feito drenagens através de orifícios de trepanação ou craniectomia precisaram fazer operações mais frequentes para drenar o pus recorrente ou remanescente, e apresentaram taxas de mortalidade mais elevadas e resultados piores. Portanto, as drenagens através de orifícios de trepanação ou craniectomia são recomendadas somente para aplicação em pacientes com choque séptico ou com acúmulos parafalcinos localizados, assim como em crianças com empiema subdural secundário à meningite, tendo em vista que usualmente não há inchaço cerebral, e o pus é de consistência fina. Entretanto, a despeito da abordagem cirúrgica, foi necessário repetir a operação na metade dos pacientes que haviam sido tratados com drenagem através de orifícios de trepanação e em um quinto dos pacientes que haviam sido inicialmente tratados com craniotomia.

Seja qual for o método de drenagem, logo após a aspiração do material purulento a terapia antimicrobiana deverá embasar-se nos resultados da coloração Gram e na patogênese da infecção.132,135,141 Nas situações em que houver suspeita da presença do organismo S. aureus, deve-se iniciar a terapia à base de vancomicina, e em seguida, mudar para nafcilina, se o organismo for suscetível à meticilina. Nos casos de suspeita da presença de anaeróbios, recomenda-se o uso de metronidazol. Nas suspeitas de bacilos aeróbicos gram-negativos, talvez a melhor opção seja a terapia empírica com cefatizidima, cefepima ou meropenem. As culturas (aeróbicas e anaeróbicas) ajudam a orientar a escolha da terapia antimicrobiana específica. Dependendo da resposta clínica, o tempo de duração da terapia antimicrobiana deverá se prolongar por três a quatro semanas após o procedimento de drenagem; períodos terapêuticos mais longos (terapia intravenosa ou oral) possivelmente sejam necessários nos casos em que o paciente tiver osteomielite concomitante. A terapia antimicrobiana isoladamente é uma hipótese a ser considerada nos casos de pacientes com empiema craniano subdural com danos mínimos ou nenhum dano de consciência, sem deficit neurológico, extensão limitada do empiema sem nenhum desvio na linha média, e melhoria precoce com a terapia antimicrobiana.133,143 Cabe lembrar que esses pacientes precisam de monitoramento rigoroso, clínico e com neuroimagens, assim como poderão necessitar de cursos mais longos de terapia antimicrobiana.

O gerenciamento de abscessos cranianos epidurais também requer a combinação de abordagens médicas e cirúrgicas.142,143,146 A terapia antimicrobiana empírica se assemelha à terapia para tratamento de empiema craniano subdural. De maneira geral, a drenagem cirúrgica é feita preferencialmente por craniotomia ou craniectomia, em comparação com os orifícios de trepanação ou com a aspiração de material purulento através do couro cabeludo. Geralmente, a terapia antimicrobiana deverá continuar por um período de três a seis semanas após a drenagem, ou por mais tempo (seis a oito semanas) nas situações em que o paciente ainda tiver osteomielite subjacente.

 

Figura 2: (a) Recuperação de inversão de imagem axial atenuada por líquido mostrando um acúmulo de líquido subdural (seta). (b) Imagem axial ponderada T1 pós-contraste mostrando o realce da borda da coleção (seta), sugerindo a presença de um processo infeccioso. Cortesia de Stanley Lu, MD.

 

 

 

 

  

Figura 3: (a) Imagem coronal ponderada T1 pós-contraste mostrando um empiema subdural com realce anular (seta); observa-se uma extensão ao longo da foice cerebral. Cortesia de Stanley Lu, MD.

 

 

 

 

Prognóstico

Na era moderna, as taxas de sobrevida entre pacientes com empiema craniano subdural são superiores a 90% para aqueles que permanecerem acordados e alertas no momento da apresentação; porém, são inferiores a 50% em pacientes que não apresentarem nenhuma resposta à dor.141 Além disso, entre 10 a 44% de pacientes possivelmente apresentem deficits neurológicos.133,134 Outras complicações potenciais incluem trombose venosa séptica, cerebrite localizada e abscessos cerebrais.

 

Abscesso Espinhal Epidural e Empiema Subdural

Epidemiologia e patogênese

Os abscessos espinhais epidurais são geralmente secundários à disseminação hematógena para o espaço epidural ou por extensão local a partir de algum foco localizado em outro ponto do corpo.132,142,147-155 A maior parte dos pacientes apresenta uma ou mais condições predisponentes, uma anormalidade ou intervenção espinhal, ou uma fonte local ou sistêmica de infecção. A bacteremia possivelmente seja um fator predisponente importante, tendo em vista que a incidência é expressiva em pacientes que usam medicamentos injetáveis, que usam cateteres intravenosos ou que tenham endocardite infecciosa. O diabetes melito foi identificado como uma condição subjacente em até 50% de pacientes; outras condições predisponentes incluem uso de terapia imunossupressiva, infecção pelo HIV, malignidades, insuficiência renal e alcoolismo. A disseminação hematógena ocorre em 25 a 50% de casos, depois de condições como infecções na pele (por exemplo, furúnculos, celulite, acne infectada) ou no trato urinário, abscessos periodontais, faringite, pneumonia ou mastoidite. Em torno de 15 a 35% de pacientes apresentam histórico de trauma contuso leve; este fato poderá produzir sítios desvitalizados suscetíveis à bacteremia transitória, embora não esteja suficientemente claro se isso representa um fator de risco real para o desenvolvimento subsequente da doença. Há também relatos de infecção depois de lesões penetrantes, extensão de úlceras de decúbito ou de abscessos paraespinhais, cirurgia nas costas, punção lombar, biópsias com agulha orientada por TC e administração de anestesia ou analgesia epidural. As fontes primárias não chegam a ser identificadas em 20 a 40% de pacientes.

 

 

 

Figura 4: (a,b) Duas imagens axiais adjacentes ponderadas T1 pós-contraste que mostram um abscesso epidural elevando a foice cerebral; observa-se a presença de doença no seio frontal. Cortesia de Stanley Lu, MD.

 

 

Etiologia

S. aureus é o microrganismo infectante em 50 a 90% de pacientes com abscessos espinhais epidurais;132,142,147-157 a proporção de casos produzidos por cepas resistentes à meticilina está aumentando cada vez mais. Outros isolados incluem estreptococos aeróbicos e anaeróbicos (8 a 17% de casos) e bacilos aeróbicos gram-negativos (10 a 17% de casos), em especial as espécies E. coli e P. aeruginosa. Uma série recente de casos documentou o aumento na incidência de casos produzidos por bacilos aeróbicos gram-negativos, estreptococos e anaeróbios. Observa-se a incidência de infecção polimicrobiana em 5 a 10% de pacientes.132,142 O isolamento de estafilococos coagulase negativos foi associado a procedimentos espinhais, como colocação de catéteres para analgesia, injeções de glicorticoides ou cirurgias. As infecções epidurais podem também ser causadas por Nocardia, Actinomyces, M. tuberculosis e fungos.132,158-161

O organismo S. aureus é o isolado microbiano mais frequente em pacientes com empiema espinhal subdural, sendo menos frequente a presença espécies como estreptococos, estafilococos coagulase negativos e bacilos gram-negativos.141

 

 

 

Figura 5: (a) Recuperação de inversão de imagem axial atenuada por líquido mostrando um grande acúmulo de líquido epidural com desvio na linha média. (b) Imagem axial ponderada T1 por difusão demonstrando a restrição à difusão, sugerindo a presença de um abscesso. Cortesia de Stanley Lu, MD.

 

 

 

 

Diagnóstico

Manifestações Clínicas

O desenvolvimento de descobertas clínicas em pacientes com abscessos espinhais epidurais possivelmente ocorra dentro de um período de tempo variando de algumas horas a alguns dias (usualmente após a inoculação hematógena), ou o curso poderá ser mais crônico, ou seja, de semanas a meses (geralmente em associação com osteomielite vertebral ou algum outro foco contíguo de infecção).132,142,147-156 De maneira geral, a apresentação progride através dos seguintes estágios: dor lombar e dor vertebral focal, com sensibilidade no exame; dor nas raízes nervosas, que se manifesta por meio de radiculopatia ou parestesias, ou ambas; disfunção na medula espinhal, tipificada por defeitos motores, sensoriais ou na função do esfíncter; e paralisia total. A dor é o sintoma mais consistente (70 a 90% de casos), e na maior parte das vezes é acompanhada de sensibilidade local no nível afetado. Observa-se a presença de febre em 60 a 70% de casos, embora um estudo tenha apresentado incidência de febre em apenas 32% dos pacientes.148 Os sinais neurológicos específicos dependem do nível de envolvimento da medula espinhal.

A apresentação clínica dos empiemas espinhais subdurais geralmente se caracteriza pela presença de dor radicular e sintomas de compressão na medula espinhal, que poderá ocorrer em diversos níveis.141 É muito difícil fazer a distinção da apresentação clínica dos abscessos espinhais epidurais.

 

Testes Laboratoriais

A IRM é o procedimento diagnóstico de escolha para pacientes com abscessos espinhais epidurais [ver a Figura 6] e empiemas espinhais subdurais.132,142,148,149,155-157 A IRM é superior à TC porque gera uma melhor visualização da medula espinhal e do espaço epidural tanto na seção sagital como na seção transversal, assim como possibilita identificar condições concomitantes como osteomielite, lesões intramedulares na medula espinhal e disquite. A massa pode ser isointensa ou hipointensa nas imagens ponderadas T1, e hiperintensas nas imagens ponderadas T2. Tipicamente, o realce com gadolínio mostra um realce linear ao redor do material purulento sem realce, ou do material necrótico. A mielografia por TC é uma alternativa que poderá ser usada nas situações em que a IRM não estiver à disposição ou for contraindicada.

 

 

 

  

Figura 6: (a) Imagem ponderada T2 sagital mostrando uma coleção epidural dorsal. (b) Imagem ponderada T1 pós-contraste mostrando realce anular loculado, sugerindo a presença de um abscesso epidural (seta); observa-se o realce do corpo vertebral L5, que poderia representar uma osteomielite associada. Cortesia de Stanley Lu, MD.

 

 

Gerenciamento

A terapia antimicrobiana empírica para tratamento de abscessos espinhais epidurais inclui aplicação de um agente antiestafilocócico de primeira linha (vancomicina, dependendo da identificação do organismo e do teste de suscetibilidade in vitro) mais a cobertura para bacilos aeróbicos gram-negativos (por exemplo, cefepima, ceftazidima ou meropenem), em especial para qualquer paciente com histórico de procedimentos espinhais ou de uso de drogas injetáveis.132,154A terapia antimicrobiana poderá ser alterada com teste de suscetibilidade in vitro logo após a identificação do patógeno através de culturas ou drenagem cirúrgica, aspiração orientada por TC ou sangue. Geralmente, o tempo de duração da terapia varia entre seis semanas, e seis a oito semanas em indivíduos com osteomielite contígua. Cabe ressaltar, no entanto, que um estudo sugeriu que a probabilidade de recidiva é menor em pacientes que tenham recebido pelo menos oito semanas de terapia antimicrobiana.

Os pacientes portadores de disfunção neurológica precisam fazer drenagem cirúrgica com descompressão e drenagem como parte de uma emergência cirúrgica, para minimizar a probabilidade de sequelas neurológicas permanentes.132,142,147-155 Com embasamento na localização e na extensão, as abordagens deverão incluir laminectomia, hemilaminectomia ou fenestração interlaminar.155 A microcirurgia primária com descompressão no sítio de compressão medular máxima, com remoção do abscesso e/ou do tecido de granulação, também foi usada com muito sucesso.161 A aspiração orientada por TC é uma alternativa para a laminectomia em pacientes selecionados,162 embora não haja dados suficientes que confirmem que esse tipo de abordagem diminui a necessidade de novas intervenções cirúrgicas. Não há nenhum teste prospectivo randomizado que tenha feito a comparação entre a eficácia da terapia antimicrobiana mais cirurgia e a eficácia da terapia antimicrobiana aplicada isoladamente. Uma revisão da literatura que envolveu 39 pacientes que haviam sido tratados somente com terapia antimicrobiana mostrou que 23 indivíduos recuperaram, dois morreram, um piorou e o restante permaneceu na mesma situação, ou apresentou uma pequena melhora.163 Uma análise retrospectiva de 57 casos revelou que os pacientes poderiam ter sido tratados de forma segura e eficaz com terapia antimicrobiana intravenosa prolongada ou em combinação com drenagem feita com agulha percutânea, independente da anormalidade neurológica no momento da apresentação,164 embora o número de pacientes nos subgrupos de resultados fosse muito pequeno. Em outro estudo retrospectivo de 52 pacientes sem evidências de sepse sistêmica, cujo exame neurológico foi normal ou estável (definido como radiculopatia ou sinais da presença de compressão medular parcial por mais de 72 horas antes da admissão e sem deterioração clínica), 24 entre 29 pacientes que haviam sido tratados apenas com terapia médica apresentaram resultados neurológicos bons ou excelentes.165

Com embasamento nesses estudos, aparentemente a terapia antimicrobiana é uma opção a ser considerada em pacientes com dor localizada ou com sintomas radiculares e sem descobertas no trato longo. Entretanto, esses pacientes precisam fazer exames neurológicos frequentes e IRMs seriais para demonstrar a resolução do abscesso. A descompressão cirúrgica de emergência deve ser feita em qualquer paciente com aumento no deficit neurológico, dor grave persistente ou elevação da febre ou na contagem periférica de leucócitos.166 Provavelmente, a cirurgia não seja uma opção terapêutica viável em pacientes que tenham sofrido paralisia total por mais de 24 a 36 horas;147,154 há, porém, alguns especialistas que prefirem fazer a cirurgia nas situações em que a paralisia total tenha duração inferior a 72 horas.150 A terapia cirúrgica também poderá ser necessária para tratar infecções epidurais e para fazer gerenciamento de controle. O gerenciamento não cirúrgico talvez seja apropriado em pacientes com infecção panespinhal ou em pacientes com risco cirúrgico muito elevado.154

A terapia antimicrobiana empírica em pacientes com empiema espinhal subdural deverá ser direcionada contra estafilococos, estreptococos e bacilos aeróbicos gram-negativos,141com ajustes de acordo com os resultados das culturas. O uso de laminectomia também é imprescindível para drenar esse tipo de infecção.

 

Prognóstico

Em séries recentes, as taxas de mortalidade entre pacientes com abscesso espinhal epidural variam de 5 a 32%;132,147-149,151,161  a paralisia irreversível continua afetando 4 a 22% de indivíduos.154 O resultado neurológico final se relaciona à gravidade dos danos neurológicos antes do início da terapia apropriada, em especial antes da descompressão cirúrgica.132,147-149,154,155,167 A recuperação total, com recuperação completa da função neurológica, é mais provável nas situações em que a presença dos sinais neurológicos for inferior a 24 horas antes do início do procedimento terapêutico; a recuperação completa é menos provável nas situações em que os sintomas persistirem por mais de 36 a 48 horas. Resultados piores foram observados em pacientes com múltiplos problemas médicos, idade avançada, cirurgia espinhal prévia, localização cervical ou torácica, contagem de leucócitos acima de 14.000/µL no momento da admissão, trombocitopenia inferior a 100.000/µL, nível sérico elevado de proteína C reativa no decorrer da segunda semana pós-operatória, isolamento de estafilococos resistentes à meticilina, e grau de compressão no saco tecal (> 50% de envolvimento do canal espinhal). O resultado neurológico final e a capacidade funcional devem ser avaliados pelo menos um ano depois do tratamento, tendo em vista que até então os pacientes poderão continuar recuperando alguma função neurológica.

 

Os autores não mantêm nenhuma relação comercial com os fabricantes dos produtos ou com os fornecedores de serviços mencionados neste capítulo.

 

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