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Prevalência de hiperaldosteronismo na hipertensão

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 28/09/2008

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Prevalência de hiperaldosteronismo primário na hipertensão refratária

 

Prevalência de hiperaldosteronismo primário na hipertensão refratária: um estudo observacional retrospectivo.

Prevalence of primary hyperaldosteronism in resistant hypertension: a retrospective observational study. Lancet 2008; 371:1921-1926 [Link para o abstract].

 

Fator de impacto da revista (The Lancet): 25,800

 

Contexto Clínico

            Vários estudos publicados desde 1999 têm sugerido que o hiperaldosteronismo primário (HAP) afeta mais de 10% dos pacientes hipertensos. Entretanto outros estudos têm criticado as metodologias dos estudos que encontraram uma prevalência tão elevada de HAP. A grande maioria dos estudos que apresentaram prevalências elevadas de HAP utilizavam apenas a razão aldosterona/atividade de renina (RAR) para diagnóstico e/ou avaliavam pacientes que haviam sido encaminhados para clínicas especializadas em hipertensão, introduzindo um sério viés de seleção (vide Dicas de Medicina baseada em Evidência) na avaliação das prevalências. Vários autores concordam que a hipertensão refratária apresenta a mais alta prevalência de HAP com base em pequenos estudos. O presente estudo avaliou a prevalência de hiperaldosteronismo primário em um grande grupo de pacientes com hipertensão refratária.

 

O Estudo

            Foi um estudo observacional transversal (estudo de prevalência) que avaliou 1616 pacientes com hipertensão refratária (PA > 140 x 90 mmHg a despeito de um esquema com três anti-hipertensivos incluindo um diurético) atendidos num ambulatório de especialidade para a presença de HAP. Foram avaliadas a aldosterona sérica e a atividade de renina plasmática (ARP) e a razão aldosterona/ARP (RAR) foi calculada. Pacientes com um teste positivo (RAR > 65,16 e concentração de aldosterona > 416 pmol/L) foram submetidos a um teste de supressão salina com soro fisiológico intravenoso e fludrocortisona. O diagnóstico de HAP foi adicionalmente confirmado pela resposta ao tratamento com espironolactona.

 

Resultados

            Dos 1616 pacientes com hipertensão arterial refratária estudados, 338 (20,9%) apresentaram uma razão aldosterona/ARP > 65,16 e concentração de aldosterona > 416 pmol/L. Destes, 182 pacientes (11,3%) apresentaram teste de supressão salina positivo e resposta ao tratamento com espironolactona, confirmando o diagnóstico de HAP. Hipocalemia foi observada em apenas 83 pacientes (45,6%) com HAP.

            Embora a prevalência de HAP em pacientes com hipertensão refratária tenha sido elevada (11,3%), ela foi consideravelmente mais baixa do que relatos prévios, que em geral mostravam prevalências de HAP em hipertensos refratários em torno de 18 – 23%. Estes estudos eram, em sua maioria, estudos pequenos com média de 100 pacientes recrutados de clínicas especializadas (sujeitos a viés de seleção – mesmo se estudamos hipertensão refratária, hipertensos refratários encaminhados para um ambulatório especializado em hipertensão são diferentes de hipertensos refratários acompanhados em ambulatório geral) (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências). Os autores realizaram uma metanálise unindo seus dados de prevalência com as prevalências encontradas nos outros cinco estudos que avaliaram HAP na hipertensão refratária (n=418) e encontraram uma prevalência estimada, usando o modelo de efeito fixo, de 12,3% (IC 95% 10,8 – 13,6%). Como os estudos apresentavam alta heterogeneidade os autores também realizaram uma estimativa utilizando o modelo de efeito randômico – 15,75% (IC 95% 11,6 – 19,9%). Com base nos achados do presente estudo os autores concluem poderem assumir que a prevalência de HAP na população geral não selecionada de pacientes hipertensos é muito menor que a atualmente descrita, não se sustentando a hipótese de uma epidemia de HAP. hipertensão refratária verdadeira ocorre em cerca de 10% dos hipertensos, se a prevalência de HAP é de cerca de 10% entre os hipertensos verdadeiramente refratários, então a prevalência de HAP na população geral de hipertensos não selecionados estaria em torno de 1%. Os autores, espirituosamente, argumentam que o HAP está mais para uma endemia terciária (alta prevalência em centros especializados de hospitais terciários) do que para uma epidemia primária.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            Sabemos que a aldosterona produz um sem número de efeitos deletérios, aumentando sobremaneira o risco cardiovascular. Indivíduos com HAP apresentam, desta forma, um risco cardiovascular mais elevado que hipertensos essenciais. Entretanto, em virtude da baixa prevalência de HAP na população de hipertensos não selecionada, não se justifica o rastreamento de HAP de rotina. A busca ativa de casos deve ser realizada somente em hipertensos refratários verdadeiros (aqueles nos quais causas mais comuns de não controle pressórico, na vigência de três anti-hipertensivos em doses adequadas incluindo um diurético, já foram descartadas) e em hipertensos com Hipocalemia espontânea (não associada ao uso de diuréticos).

 

Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências

Viés ou Erro Sistemático2

            Os vieses são erros sistemáticos que podem ocorrer em todos os tipos de desenhos de estudo. Ao contrário do erro aleatório que sempre ocorrerá quando estudamos amostras de pacientes, o viés ou tendenciosidade pode ser eliminado, ou muito minimizado, através da utilização de metodologias válidas no desenho e condução do estudo. Na discussão do estudo acima foi mencionado o viés de seleção que poderia ter ocorrido no caso de alguns dos estudos que recrutaram pacientes de ambulatórios de especialidade. Em estudos observacionais de prevalência quando queremos estimar a prevalência de determinada doença na população geral devemos ter o cuidado de estudar pessoas representativas desta população geral a que nos referimos, sob o risco de não podermos generalizar os resultados do estudo para a população de referência. Nos exemplos citados, quando queremos saber qual a prevalência de HAP entre os hipertensos de uma maneira geral, devemos estudar indivíduos representativos do grupo de hipertensos de uma maneira geral. Portanto os participantes deveriam ser indivíduos hipertensos da comunidade que representem, de fato, o que ocorre na realidade – uma maioria de hipertensos leves, alguns moderados e poucos graves. Se procurarmos nossos participantes numa clínica especializada em hipertensão provavelmente selecionaremos mais hipertensos graves do que, de fato, existem na comunidade, uma vez que nestas clínicas são tratados geralmente pacientes mais graves que já foram encaminhados para lá por algum motivo (e.g. hipertensos refratários, hipertensos com insuficiência renal, hipertensos mais jovens sem história familiar, etc). Tais motivos são geralmente situações em que a prevalência de HAP é maior. Portanto concluir sobre a prevalência de HAP na população geral de hipertensos com base em estudos que avaliaram hipertensos provenientes de clínicas especializadas é um equívoco, e a inclusão de tais indivíduos em estudos com outro propósito é um viés de seleção. O presente estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de HAP em hipertensos refratários e não em hipertensos não selecionados da comunidade, por isso a seleção foi feita numa clínica especializada.

 

Bibliografia

1. Douma S, Konstantinos P, Doumas M, et al. Prevalence of primary hyperaldosteronism in resistant hypertension: a retrospective observational study. Lancet 2008; 371: 1915–20. [Link para o abstract]

2.Benseñor IM, Lotufo PA. “Tipos de vieses”. In “Epidemiologia – Abordagem Prática”. Sarvier, 1ª Edição, 2005.

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