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Editorial do estudo Júpiter

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 25/10/2009

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Editorial sobre o Estudo JUPITER

 

Expandindo a órbita da prevenção primária – indo além de JUPITER.

Expanding the Orbit of Primary Prevention — Moving beyond JUPITER. N Engl J Med 2008; 359:2280-2282 [Link livre para o editorial completo].

 

Fator de impacto da revista (NEJM): 52,589

            O estudo JUPITER2 (Justification for the Use of statins in Primary prevention: an Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin) publicado na última edição do New England Journal of Medicine veio acompanhado de um editorial1 assinado pelo Dr.Mark A. Hlatky. O estudo havia sido publicado on-line uma semana antes (early release) devido à sua importância. Hlatky faz considerações importantes acerca do impacto, da importância e das implicações do estudo JUPITER. Transcrevo a seguir o primeiro parágrafo do referido editorial:

 

“O aforismo ‘prevenção é melhor que cura’ faz muito sentido quando aplicado a hábitos de vida saudáveis tais como seguir uma dieta sensata, manter um peso ideal, exercitar-se regularmente e não fumar. Mas de modo crescente, a prevenção de doenças cardiovasculares tem incluído intervenções farmacológicas, particularmente o uso de estatinas para reduzir o colesterol. As estatinas foram inicialmente testadas em indivíduos sob alto risco para eventos coronarianos, e os limites de tratamento foram subseqüentemente expandidos de modo a incluir indivíduos com risco progressivamente menor. Os resultados do Estudo JUPITER podem empurrar a órbita da terapia com estatinas ainda mais para fora para incluir mais indivíduos da população geral, com risco cada vez menor. Antes que as intervenções farmacológicas para prevenção primária sejam ainda mais expandidas, as evidências devem ser examinadas criticamente.”

 

            Depois desta introdução ao tema de forma simples e objetiva, Hlatky enumera alguns tópicos relacionados à metodologia do estudo e observações sobre a aplicação dos resultados que devem ser avaliados criticamente antes de sair prescrevendo rosuvastatina para prevenção primária, de maneira análoga ao que, de certa forma, ocorreu com o ramipril porventura da publicação do estudo HOPE3. Dentre estas considerações o autor menciona a questão da clara significância das reduções de risco relativo (RRR) no estudo, mas nos alerta para a maior importância clínica da avaliação das reduções absolutas de risco e do número necessário para tratar (NNT) nas decisões de recomendar ou não uma intervenção farmacológica. É importante lembrar que relatos de resultados de estudos utilizando somente os riscos relativos passam a impressão de um benéfico maior que o de fato ocorrido. Como exemplo no estudo JUPITER, a proporção de participantes com eventos cardiovasculares maiores (IAM, AVC ou morte cardiovascular) foi reduzida de 1,76% no grupo placebo para 0,93% no grupo da rosuvastatina, o que representa uma redução do risco relativo (RRR) de 47% (1 – 0,93/1,76), mas se optarmos pela redução de risco absoluto (RRA), ela é de apenas 0,83% (1,76 – 0,93), valor que tem uma importância clínica muito maior, e que significa que 120 pacientes (NNT = 100/RRA) foram tratados por uma média de 1,9 anos (média de seguimento do estudo) para prevenir um destes eventos. Outra observação do autor do editorial se refere à maior incidência de diabetes mellitus e de uma elevação significativamente maior dos níveis de hemoglobina glicosilada no grupo da rosuvastatina, efeito este que pode levar a outros desfechos deletérios no longo prazo. Além disso, também não há dados de longo prazo sobre a segurança de se reduzir o LDL colesterol para níveis de cerca de 55 mg/dl, como os atingidos no estudo. Dados de segurança no longo prazo são imprescindíveis quando se está considerando tratar pessoas saudáveis de baixo risco por 10, 20 ou mais anos com tratamento farmacológico. Outra questão importante a ser discutida, particularmente num país em desenvolvimento como o nosso, é o custo da rosuvastatina (cerca de US$3,5/dia de acordo com o autor), que é muito maior que o das estatinas genéricas. Só para se ter uma idéia, no Brasil a rosuvastatina cálcica (Crestor®) de 20 mg sai por 186,78 reais por mês, enquanto que a sinvastatina genérica sai por 23,71 reais por mês, sem contar que há sinvastatina genérica gratuitamente na rede pública quando indicado e na farmácia popular a sinvastatina de 20 mg sai por 11,40 reais por mês (ou seja 16 vezes mais barata que a rosuvastatina). Hlatky ainda comenta sobre a questão de como utilizar a proteína C reativa na predição de risco cardiovascular, um problema ainda não definido (as diretrizes atuais recomendam uma avaliação seletiva da PCR em pacientes de risco intermediário, e não uma avaliação rotineira da PCR independente de outros fatores de risco). Esta questão ainda engloba a questão do custo final desta abordagem, pois solicitações rotineiras de PCR para pacientes de baixo risco cardiovascular aumentariam ainda mais os custos. Por último, o autor comenta sobre o potencial exagero dos resultados causados pelo término precoce do estudo. Há evidências importantes4 de que estudos terminados precocemente em virtude de benefício observado em análise interina sistematicamente superestimam os efeitos do tratamento, algumas vezes de forma muito substancial.

            Por último ainda vale lembrar que este estudo foi financiado pela indústria farmacêutica (AstraZeneca – fabricante da rosuvastatina) e que todos os autores já trabalharam e/ou trabalham direta e indiretamente para várias indústrias farmacêuticas, dentre as quais a AstraZeneca, e que o Dr. Ridker (primeiro autor) além de trabalhar para a AstraZeneca está listado como co-inventor nas patentes detidas pelo Brigham and Women’s Hospital relacionadas ao uso de marcadores inflamatórios em doença cardiovascular, incluindo o uso da proteína C reativa ultra-sensível na avaliação de risco cardiovascular, e que estas patentes foram licenciadas para a  Dade Behring e AstraZeneca.

            A partir destas considerações do editorial de Hlatky devemos ter uma visão bastante crítica em relação aos achados deste importante estudo. Mesmo se todas as considerações sobre possíveis fontes de viés interpretativo e na condução do estudo estivessem equivocadas, mesmo se todos os conflitos de interesse listados acima não tivessem tido qualquer impacto, por menor que seja, sobre os resultados do estudo, e mesmo se considerássemos um efeito de classe e pudéssemos usar uma estatina 16 vezes mais barata que a rosuvastatina e seus efeitos deletérios em longo prazo fossem mínimos, ainda restaria uma questão de suma importância a ser debatida, a questão da medicalização da vida5,6. Ou seja, taxar pessoas saudáveis de doentes e instituir-lhes um tratamento farmacológico permanente. O impacto que esta abordagem pode ter sobre a vida das pessoas ainda está por ser esclarecido.

 

Bibliografia

1. Hlatky MA. Expanding the Orbit of Primary Prevention — Moving beyond JUPITER. N Engl J Med 2008; 359:2280-2282. [Link livre para o editorial completo]

2. Ridker PM, Danielson E, Fonseca FAH, et al. Rosuvastatin to prevent vascular events in men and women with elevated C-reactive protein. N Engl J Med 2008;359:2195-2207. [Link Livre para o Artigo Original]

3.  The Heart Outcomes Prevention Evaluation Study Investigators. Effects of an angiotensin-converting-enzyme inhibitor, ramipril, on cardiovascular events in high-risk patients. N Engl J Med 2000;342:145-53

4.Bassler D, Montori VM, Briel M, Glasziou P, Guyatt G. Early stopping of randomized trials for overt efficacy is problematic. J Clin Epidemiol 2008;61:241-6.

5. Palestra de Suely Rozenfeld. Globalização e medicalização: a quem interessa? [Link livre para resumo].

6. PLoS Medicine Issue, April 11, 2006. Vários artigos que abordam o tema do “disease mongering” (fabricação de doenças) – tema intimamente relacionado à medicalização da vida [Link livre para artigos].

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