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Altas da UTI à noite e desfechos dos pacientes

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 01/02/2009

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Altas de UTI à Noite e Desfechos dos Pacientes

 

Associação entre altas dadas à noite na UTI e desfechos dos pacientes.

Hanane T; Keegan MT; Seferian EG; Gajic O; Afessa B. The association between nighttime transfer from the intensive care unit and patient outcome. Critical Care Medicine 2008; Aug 36 (8): 2232-37. [Link Livre para o PubMed].

 

Fator de Impacto (Critical Care Medicine): 6,283

 

Contexto Clínico

            A demanda por leitos de UTI (o que hoje em dia é um dos fatores que mais causa impacto na superlotação dos pronto-socorros) e um dimensionamento ruim da equipe na terapia intensiva pode impactar em um planejamento errático nas altas para outros setores (enfermarias), mesmo que existam critérios bem estabelecidos de admissão e alta para setores de terapia intensiva, fazendo que muitos pacientes sejam transferidos para enfermarias no período da noite.

            Poderíamos elencar duas grandes causas para essas altas ocorrerem no período noturno:

1-     Uma alta planejada que não se concretiza ao longo do dia porque não há leito disponível, porque a enfermagem não está disponível, ou por problemas burocráticos.

2-     Uma alta não planejada de um paciente que ainda precisaria de monitorização, mas que libera o leito para a vinda de um paciente mais grave (dado embasado em um estudo de Goldfrab e Rowan publicado na Lancet em 2000).

            Muitos estudos prévios, a maior parte deles feito em hospitais públicos que costumam ter pronto-socorros lotados, mostraram maior mortalidade nos pacientes que recebem alta da UTI à noite (Tabela 1). Podemos notar, entretanto, a variabilidade da definição de “período noturno”, o que muitas vezes tem mais relação com os turnos da enfermagem.

 

Tabela 1: Resumo dos Resultados de Estudos que Avaliaram Impacto de Altas da UTI à Noite

País do Estudo

Definição do Período Noturno

RR de Morte (IC 95%)

Reino Unido

22:00 – 06:59

1.46 (1.18 – 1.80)

Reino Unido

20:00 – 07:59

1.68 (1.27 – 2.23)

Canadá

21:00 - 06:59

1.35 (1.23 – 1.49)

Austrália

23:00 – 06:59

15:00 – 22:59

1.77 (1.50 – 2.09)

1.77 (1.59 – 1.97)

Austrália

22:00 – 07:30

1.80 (1.11 – 2.94)

Austrália

22:00 – 06:59

2.09 (1.37 – 3.18)

Finlândia

16:00 – 08:00

1.09 (0.99 – 1.21)

EUA

19:00 – 06:59

1.05 (0.64 – 1.70)

 

            Sendo o local desses estudos diferente do local desse presente estudo, os pesquisadores resolveram avaliar o impacto das altas de UTI no período noturno em uma realidade diferente para averiguar a aplicabilidade desses dados.

           

O Estudo

            Este é um estudo de coorte, retrospectivo, observacional, baseado na revisão de registros dos pacientes em três UTI´s da Clínica Mayo nos EUA (instituição privada). A Clínica Mayo é um hospital-escola de nível terciário com 1900 leitos e 156 leitos de UTI-adulto. A sua taxa de ocupação de UTI varia de 55% a 81%. O critério de inclusão utilizado foi para pacientes que estavam vivos no momento da alta de uma de três UTI´s selecionadas, desde que houvesse registro do APACHE III desses pacientes. Pacientes com múltiplas admissões em UTI durante a mesma internação só tiveram sua primeira admissão considerada. Foram excluídos pacientes que não permitiram uso de seus dados, aqueles que foram transferidos para outra UTI, direto para casa ou para uma casa de repouso, para unidades de pacientes dependentes crônicos de ventilação mecânica ou que morreram durante a internação na UTI.

            O período noturno de alta foi considerado entre as 19:00h e as 06:59h, subdividindo esse período entre precoce (das 19h às 23:59h) e tardio (da 00h às 06:59h). Além do desfecho primário de mortalidade comparada entre as altas de pacientes durante o dia e o período noturno, os desfechos secundários foram: readmissão na UTI e tempo de permanência.

 

Resultados

            Foi estudado um período de 4 anos, e 11.659 pacientes foram incluídos no estudo. Destes, apenas 3,6% receberam alta no período noturno (418). As características demográficas dos pacientes não foram diferentes nos 2 grupos (alta diurna e alta noturna). Dessas 418 altas, 369 foram no período precoce (88,3%) e 49 no período tardio.

            Não houve diferença de mortalidade entre os 2 grupos, entretanto, para altas no período noturno, ocorreram mais readmissões na UTI e o tempo médio de permanência desses pacientes no hospital também foi maior. O resultado de mortalidade se manteve inalterado mesmo após análise multivariada, mesmo quando comparados os períodos precoce e tardio. O resumo dos resultados está na Tabela 2.

 

Tabela 2: Desfechos comparados entre altas no período diurno e noturno

Desfecho

Alta Período Diurno

N=11241

Alta Período Noturno

N=418

p

Mortalidade Hospitalar

506 (4,5%)

22 (5,3%)

0,478

Readmissão na UTI

1009 (9,0%)

51 (12,2%)

0,027

Tempo de Permanência (Média)

7

8

0,013

 

Aplicação para a Prática Clínica

            Este estudo, a despeito de seus anteriores, não mostrou diferença de mortalidade entre pacientes que recebem alta de UTI no período diurno ou noturno. Entretanto os pacientes de alta noturna voltam mais à UTI e permanecem mais tempo internados no hospital, o que pode vir de encontro à idéia de que uma parcela dos pacientes que recebe alta no período noturno pode não estar de fato apta a ir para um ambiente sem monitorização.

            Há muitas divergências entre os diferentes estudos, desde o fato de que são instituições com realidades muitas vezes não comparáveis, e que os critérios para definir período noturno foram arbitrários em cada uma delas. Ao analisarmos a Tabela 1, os resultados da Finlândia e dos EUA, vemos que o intervalo de confiança passa pelo número 1, o que coloca em dúvida se de fato a mortalidade no período noturno desses estudos foi maior. Outro dado interessante: estes dois estudos usam períodos mais amplos para definir o período noturno, um começando às 16h (Finlândia) e outro começando às 19h (EUA), o que os torna mais próximos de comparação com este presente estudo em termos de definição de horário. Isso talvez explique a ausência de maior mortalidade deste presente estudo comparado com outros estudos que iniciaram a definição do período noturno após as 21h ou 22h.

            Infelizmente, dados esses problemas, fica difícil concluir o que de fato acontece, e o quanto este dado é aplicável a uma ou outra UTI da vivência de cada um.

            O que temos de certeza é o seguinte: processos mal-estruturados levam às falhas no sistema de saúde. Se estivermos dentro de um sistema que permita que o paciente entra e saia de um ambiente de terapia intensiva no momento correto (nem a mais, nem a menos), e se tivermos planos de continuidade da assistência em diferentes níveis (como quando o paciente recebe alta para uma enfermaria), não importará o horário que o paciente seja admitido ou receba alta, seu desfecho sempre será previsível, pois o sistema o protege de eventos e desfechos ruins. O mais importante é revermos nossos sistemas e fluxos dentro de nossos hospitais para garantir uma assistência de alto nível que se mantenha do momento que o paciente entra no hospital, até o momento em que ele volta para sua casa.

            Fica aqui um último comentário baseado em um ponto levantado na discussão do artigo: fica claro que um dos maiores determinantes da mortalidade hospitalar é uma boa política de cuidados paliativos e ordens de “Não-Ressucitar”. Porém essa é uma discussão para outros momentos.

 

Bibliografia

1.     Goldfrab C; Rowan K. Consequences of discharges from intensive care at night. Lancet 2000; 355:1138-1142). [Link Livre para o PubMed]

 

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