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Doenças renais na atenção primária

Autor:

Euclides F. de A. Cavalcanti

Médico Colaborador da Disciplina de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 25/09/2009

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Artigo de revisão: 10 principais conhecimentos que os nefrologistas desejariam que todos os médicos de atenção primária soubessem.

 

Os 10 principais conhecimentos que os nefrologistas desejariam que todos os médicos de atenção primária soubessem.1 [Link para o artigo completo]

 

Fator de impacto da revista (Mayo Clin Proc): 4,362

 

Contexto Clínico

            A doença renal crônica (DRC) é um grave problema de saúde pública e associado a morbi-mortalidade significativas, incluindo evolução para insuficiência renal dialítica, doença cardiovascular e morte prematura.

            O objetivo das recomendações é ajudar os médicos de atenção primária a reconhecer a doença renal crônica em estágios iniciais de forma a adotar medidas que previnam a progressão da doença e suas complicações, além de ajudar a guiar a decisão de encaminhar para o nefrologista. Resumimos aqui as principais diretrizes deste artigo de revisão.

 

Resumo dos 10 tópicos

 

1 – Uma creatinina dentro da faixa da normalidade não necessariamente significa que a função renal é normal.

            O artigo cita um exemplo de um homem de 66 anos com creatinina sérica de 1,4mg/dL. A taxa de filtração glomerular (FG) estimada é 54 mL/min/1,73 m2, o que representa DRC estágio 3 (FG  30 a 59 mL/min/1,73m2). Da mesma forma, um aumento na creatinina, mesmo que ainda se mantenha em valores normais, pode representar doença renal. Um homem de 66 anos com 0,8 mg/dL de creatinina (FG estimada de 103mL/min) terá tido redução da função renal em 40% se a creatinina se estabilizar em 1,2 mg/dL (FG estimada de 64 mL/min1,73m2). Reconhecer doença renal crônica é importante de forma a tratar causas preveníveis e evitar progressão e complicações associadas.

 

2 – Algumas medicações aumentam a creatinina sem piorar a função renal

            Algumas drogas podem aumentar a creatinina sem levar a piora concomitante da função renal, através da diminuição da secreção de creatinina (p. ex., sulfametoxazol-trimetroprin e cimetidina e, em menor grau, famotidina e ranitidina) ou por interferir nos métodos colorimétricos usados para medir a creatinina (p. ex., cefoxitina). Podem causar elevação na creatinina em até 0,4 a 0,5 mg/dL mas, nestes casos, não haverá aumento concomitante da uréia plasmática. Elevações concomitantes da uréia, portanto, sugerem perda de função renal em pacientes utilizando estas medicações.

 

3 – Pacientes com diminuição da função renal ou com proteinúria devem ser avaliados para determinar a causa. Urinálise demonstrando proteinúria deve ser seguida de proteína urinária/creatinina plasmática em amostra isolada.

            Mesmo os pacientes com FG normal (> 60 mL/min/1,73 m2) podem ter doença renal subjacente se tiverem hematúria ou proteinúria de origem renal de forma persistente. Quando houver proteinúria, é necessário quantificá-la e o método preferencial é amostra isolada de proteína na urina/creatinina urinária, pois é um método mais conveniente do que a coleta de 24 horas. Este exame também é útil em pacientes em risco de proteinúria, tais como os pacientes diabéticos, e quando o resultado for superior a 1, o risco de progressão para DRC é maior. Pacientes com proteinúria importante ou sedimento ativo, especialmente se associados a perda de função renal devem ser encaminhados ao nefrologista.

 

4 – Em pacientes com doença renal crônica em fase inicial, existem intervenções que podem diminuir a progressão de doença renal e suas complicações.

            Em pacientes com DRC as drogas nefrotóxicas tais como aminoglicosídeos, contraste e antiinflamatórios devem ser evitados e a pressão arterial alvo deve ser menor do que 130/80 mmHg. Níveis pressóricos ainda mais baixos devem ser considerados em pacientes com doença renal crônica associada a proteinúria. Inibidores de enzima conversora de angiotensinogênio (IECA) ou bloqueadores de receptores de angiotensina II (BRA) podem diminuir a progressão da doença renal crônica, especialmente em pacientes com proteinúria, mas os pacientes em uso destas medicações devem ser monitorados de perto para aumentos em creatinina e potássio.

            Os pacientes com doença renal crônica têm risco para osteodistrofia renal, e devem ser monitorados fósforo, cálcio e PTH em todos os pacientes com doença renal estágios 3 e 4. Alterações devem ser tratadas com diminuição do fosfato na dieta, quelantes de fosfato e/ou administração de vitamina D.

            Os pacientes têm maior risco de doença cardiovascular e aspirina em baixas doses e estatinas devem ser consideradas, com meta de LDL abaixo de 100 mg/dL. Se houver doença coronariana estabelecida considerar meta do LDL abaixo de 70 mg/dL.

            Encaminhamento precoce ao nefrologista deve ser considerado se houver progressão da disfunção renal, complicações, proteinúria nefrótica, hipertensão não controlada, hiperparatireoidismo secundário não controlado, se houver sedimento ativo e em doença renal estágio 3 (FG  30 a 59 mL/min/1,73m2), sendo mandatória em pacientes com FG < 30 mL/min/1,73m2 (estágios 4 e 5).

 

5 – Não descontinhar automaticamente um IECA ou BRA devido a pequenos incrementos na creatinina ou potássio plasmáticos.

            Estas medicações são importantes não apenas para o controle pressórico, mas diminuem os níveis de proteinúria e são as drogas de escolha para prevenir progressão da disfunção renal em pacientes com DRC proteinúrica. Aumentos de 20% a 30% na creatinina plasmática são aceitáveis, mas é importante confirmar que os níveis se estabilizaram em um maior patamar e não continuam a se elevar. Potássio sérico de até 5,5mEq/L é aceitável desde que estável e que o paciente diminua as fontes de potássio da dieta e não passe a utilizar outras medicações que aumentem o potássio plasmático (p. ex., espironolactona). Creatinina e potássio de controle devem ser solicitados após uma semana de introdução ou incremento da dose. Naqueles com elevação da creatinina superior a 20% a 30% ou com hipercalemia estas medicações devem ser descontinuadas ou usadas em menor dose. Diuréticos (p. ex., furosemida) podem ser usados para controlar a hipertensão e hipercalemia, mas tornam o paciente mais susceptível a elevação nos níveis de creatinina pela depleção de volume.

 

6 – Anemia em pacientes com DRC deve ser tratada com agentes estimuladores de eritrócito tais como a eritropoietina recombinante humana, mas não deve ser tratada em excesso.

            Recomenda-se que a alvo seja hemoglobina entre 11 e 12 g/dL, que não deve exceder 13g/dL. A eritropoietina deve ser descontinuada em pacientes com hemoglobina de 13g/dL, pois a correção para valores próximos ao normal se associa a maior risco de eventos cerebrovasculares, trombose e hipertensão. Todos os pacientes com anemia devem ser avaliados para outras causas reversíveis, tais como deficiência de ferro, vitamina B12 e folato. A avaliação inclui dosagem de reticulócitos, vitamina b12, folato, ferro sérico, ferritina e capacidade de ligação de ferro e as deficiências devem ser corrigidas. Pacientes com deficiência de ferro devem ser investigados para perdas gastrointestinais.

 

7 – Usar preparo de colon contendo fosfato com cautela.

            Estes agentes podem causar nefropatia por fosfato, que pode levar a piora da função renal nos pacientes com DRC. Nestes pacientes é recomendado o uso de polietileno glicol, que não se associa a anormalidades hidroeletrolíticas e perdas de volume.

 

8 – Pacientes com DRC severa devem evitar preparações orais contendo magnésio ou alumínio.

            Em pacientes com DRC severa os antiácidos contendo alumínio ou magnésio devem ser evitados, assim como o citrato de magnésio (catártico). O uso indiscriminado destes agentes pode levar a hipermagnesemia severa ou intoxicação por alumínio. Pacientes em uso de citrato (p. ex., para evitar nefrolitíase) tem um risco de toxicidade por alumínio ainda maior, devendo ser evitado o uso concomitante. Como estas medicações são amplamente disponíveis, os pacientes devem ser avisados dos riscos relacionados a elas.

 

9 – Embora a maior parte dos pacientes não deva ser rastreado para hipertensão secundária, algumas pistas podem sugerir a presença de uma causa subjacente que, quando abordadas, podem resolver ou melhorar a hipertensão do paciente.

            Apenas 5% dos pacientes hipertensos têm hipertensão secundária. Pistas que podem sugerir hipertensão secundária são: 1) hipertensão refratária; 2) de início súbito; 3) hipocalemia – sugere hiperaldosteronismo; 4) cefaléia, palpitações, sudorese – pode sugerir feocromocitoma; 5) face em lua cheia, estrias – pode sugerir Síndrome de Cushing; 6) obesidade e roncos – pode sugerir apnéia do sono; 7) sopro abdominal, outros problemas vasculares ou piora da função renal após se iniciar IECA ou BRA – podem sugerir estenose de artéria renal.

            Outras causas corrigíveis são hipotireoidismo e hiperparatireoidismo. Podem contribuir com a hipertensão má aderência à dieta ou uso de medicações tais como antiinflamatórios.

 

10 – Em pacientes com litíase renal recorrente é necessária avaliação metabólica para identificar fatores de risco tratáveis.

            O artigo sugere que pacientes com histórico familiar de litíase, doença inflamatória intestinal concomitante, com infecções urinárias de repetição ou história de nefrocalcinose devem ser direcionados a um nefrologista para avaliação. Pacientes sem estes fatores de risco podem ser avaliados de forma simplificada com verificação da dieta, revisão das medicações, urinálise e dosagem de cálcio, fósforo, eletrólitos e ácido úrico, além de análise da composição da pedra. Um primeiro episódio de cálculo renal contendo cálcio em paciente sem histórico familiar e com esta avaliação simplificada normal pode ser tratado aumentando-se a ingestão de líquidos para manter diurese ao redor de 2 litros ao dia.

            Em pacientes com cálculo de ácido úrico ou cistina, naqueles em que não foi possível recuperar o cálculo ou naqueles com múltiplos cálculos contendo cálcio é necessária avaliação mais aprofundada com avaliação metabólica de urina de 24 horas.

 

Conclusão

            Doença renal é encontrada frequentemente por médicos de atenção primária. Reconhecimento precoce, avaliação e tratamento adequados, além de direcionamento ao nefrologista quando necessário pode diminuir a morbidade e mortalidade associadas às doenças do rim.

 

Bibliografia

1. Paige NM et al. The Top 10 Things Nephrologists Wish Every Primary Care Physician Knew. Mayo Clin Proc. 2009;84(2):180-186

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