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Hiperuricemia em adolescentes

Autor:

Carlos Eduardo Marcello

Médico Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).

Última revisão: 26/08/2012

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Hiperuricemia em adolescentes: prenúncio de síndrome metabólica1

 

Área de atuação: Medicina Ambulatorial

 

Especialidade: Medicina de Família, Clínica Médica

 

Resumo

Este estudo avaliou o risco de desenvolvimento de síndrome metabólica em adolescentes de acordo com seus níveis séricos de ácido úrico.

 

Contexto clínico

Os humanos são os únicos mamíferos que desenvolvem hiperuricemia e gota espontânea, provavelmente porque se tratam da única espécie, juntamente com os grandes macacos, cujo gene da uricase (enzima que degrada o ácido úrico em alantoína) foi desativada durante o Mioceno.2

Apesar de o ácido úrico ter sido implicado como causa de hipertensão arterial tão cedo como nos fins do século XIX, diversos estudos epidemiológicos utilizando análises multivariadas e a falta de uma explicação mecanicista tornaram o ácido úrico  somente um marcador substituto de outros fatores de risco cardiovascular mais importantes, como hipertensão, obesidade, diabetes e doença renal crônica. No início do século XXI, entretanto, estudos que propuseram um mecanismo de como o ácido úrico pode levar à hipertensão arterial, além dos resultados de estudos epidemiológicos mais recentes, levaram a um dramático aumento no número de publicações sobre pesquisa nesse tema, reacendendo a possibilidade de que o ácido úrico elevado no sangue possa ser um precursor, a partir da adolescência, de diversas condições que aumentam o risco cardiovascular.3

 

O estudo

Com a finalidade de avaliar a associação entre ácido úrico elevado e síndrome metabólica em adolescentes, investigadores de Taiwan selecionaram aleatoriamente 613 adolescentes do sexo masculino (idades de 10 a 15 anos) que foram acompanhados por um tempo médio de 2,7 anos. Foram aferidos periodicamente: nível de ácido úrico, circunferência abdominal (CA), pressão arterial (PA), índice de massa corpórea (IMC), glicemia de jejum e níveis do colesterol. Adolescentes com síndrome metabólica, diabetes tipo 1, hipertensão arterial ou dislipidemia foram excluídos no início do estudo. Síndrome metabólica foi definida sob os critérios da International Diabetes Federation (presença de 3 ou mais das seguintes alterações: CA acima do percentil 90, triglicérides = 150 mg/dL, HDL-colesterol < 40 mg/dL, PA = 130x85 e glicemia = 100 mg/dL).

Os adolescentes foram divididos em quartis de acordo com os níveis do ácido úrico, variando do mais baixo (média 5,2 mg/dL) ao mais alto (média 8,9 mg/dL). Dezenove adolescentes (3,1%) desenvolveram síndrome metabólica. O risco de desenvolver síndrome metabólica foi significativamente maior nos adolescentes do quartil superior em relação aos do quartil inferior (razão de chances de 6,39). O valor preditivo positivo de uma medida inicial de ácido úrico maior que 7,6 mg/dL para o desenvolvimento de síndrome metabólica foi de 79% e o valor preditivo negativo foi de 94%. Valores elevados de ácido úrico, CA e PA foram previsores independentes de síndrome metabólica durante o seguimento.

 

Comentários

A hipótese que está sendo avaliada em diversos estudos é a de que alimentação rica em carnes gordurosas, produtos marinhos, baixa ingestão de produtos lácteos, consumo excessivo de frutose (sacarose = glicose + frutose) e obesidade elevam a uricemia. Ocorre uma vasoconstrição renal por estimulação do sistema da renina-angiotensina mediada pela hiperuricemia, que também diminui os níveis de óxido nítrico, associadamente a uma ação oxidante e pró-inflamatória do próprio ácido úrico. Desse modo, a hiperuricemia poderia ser um fator importante na gênese da hipertensão arterial e da síndrome metabólica.4 Apesar de este estudo ser relativamente pequeno e os níveis de ácido úrico surpreendentemente elevados, a uricemia em adolescentes parece ser um marcador de futura síndrome metabólica.

 

Glossário

Marcador substituto ou “surrogate marker”: expressão que bem demonstra a necessidade do método científico estabelecer o tipo de relações entre diversos fenômenos estudados.

 

Exemplo 1

Um fenômeno A pode não ter absolutamente nada a ver com um fenômeno B, sendo que os dois, em seu comportamento, não apresentam nenhuma relação ou paralelismo. Ou seja, são totalmente independentes entre si. Por exemplo: relação entre peso ao nascimento e cor dos olhos.

 

Exemplo 2

Um fenômeno A pode estar relacionado com um fenômeno B de forma causal, seja parcial ou total, direta ou indireta. Nesse caso, algum comportamento de A deve acontecer antes de uma mudança de comportamento de B, pois a causa deve vir antes da consequência. Isso parece ser verdade nas grandezas estudadas na biologia. Nas grandezas do espaço extraterrestre e nas subatômicas, pode haver alguma confusão nesses conceitos. Por exemplo, a obstrução total e súbita de uma artéria coronária é causa do infarto agudo do miocárdio.

 

Exemplo 3

Um fenômeno A pode estar relacionado com um fenômeno B de forma consequencial, seja parcial ou total, direta ou indireta. O fenômeno B causa o fenômeno A. Esta é a inversão do exemplo anterior, mas trata-se do mesmo caso. Por exemplo, há uma associação entre cefaleia e pressão arterial elevada. Tradicionalmente, ainda há um conceito difuso na sociedade de que a pressão elevada é causadora de cefaleia. Apesar de eventualmente isso poder ser verdade em algumas circunstâncias, na imensa maioria das situações é a cefaleia que desencadeia uma reação de alerta, com aumento do tônus simpático, causando a elevação da pressão arterial. Causa ou consequência? Na etiopatogenia e na fisiopatologia das doenças, essa é, muitas vezes, uma grande questão e de difícil resposta. O caso do ácido úrico frequentemente é colocado aqui: ele seria uma consequência da doença renal hipertensiva e não sua causa. Nesse caso, o ácido úrico seria um marcador substituto.

 

Exemplo 4

Um fenômeno A pode estar relacionado com B porque ambos são causados por um terceiro fenômeno C, ainda desconhecido. Nessas situações, há frustração nas tentativas de colocar A e B como causa ou consequência um do outro. Aqui também poderia ser colocado o caso do ácido úrico. Ele pode não ser causa de nada e pode não ser consequência da doença hipertensiva. Pode ser somente a consequência de um fator ainda desconhecido que conduz à doença hipertensiva e aumenta os níveis de ácido úrico por mecanismos ainda misteriosos. Nessa situação, o ácido úrico também seria um marcador substituto da(s) causa(s) da hipertensão arterial.

 

Exemplo 5

Aqui é uma digressão sobre os exemplos 2 e 3. Um fenômeno A pode ser considerado como uma fase inicial, um fator causal, e, portanto, necessário na ocorrência de um fenômeno B. A é o início de B, ou seja, sem a antecedência de A, não há o fenômeno B. Por exemplo, o fenômeno A pode ser a calcificação de artérias coronárias que pode acontecer na aterosclerose inicial e pode ser um fenômeno indicativo de um fenômeno B posterior: alguma das manifestações clínicas da cardiopatia isquêmica.

 

Bibliografia

1.   Wang JY, Chen YL, Hsu CH, Tang SH, Wu CZ, Pei D. Predictive value of serum uric acid levels for the diagnosis of metabolic syndrome in adolescents. J Pediatr 2012 May 11 [link para o artigo]

2.   Johnson RJ, Rideout BA. Uric acid and diet – Insights into the epidemic of cardiovascular disease. N Engl J Med 350(11): 1071-3. [link para o artigo]

3.   Feig DI. The role of uric acid in the pathogenesis of hypertension in the young. J Clin Hipertens (Greenwich) 2012; 14(6): 346-52. [link para o artigo]

4.   Feig DI, Kang D-H, Johnson RJ. Review Article. Uric acid and cardiovascular risk. N Engl J Med 2008; 359: 1811-21. [link para o artigo]

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