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Uso de Transfusões na Anemia Falciforme

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 20/07/2015

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Contexto Clínico

 Hemácias de doadores contêm hemoglobina normal (HbA) e a transfusão de glóbulos vermelhos para pacientes com anemia falciforme reduz a porcentagem de eritrócitos circulantes com a hemoglobina anormal (HbS). Embora a transfusão de eritrócitos possa melhorar e até mesmo impedir manifestações da anemia falciforme em determinadas circunstâncias, a transfusão de hemácias não é universalmente benéfica para os pacientes portadores da doença.

Lembrando que hemácias podem ser administradas como transfusão simples (infusão de hemácias do doador sem retirar do receptor) e como transfusão com troca (remoção do sangue do receptor antes ou durante a infusão de hemácias do doador). Há três benefícios da transfusão com troca, relacionados principalmente à remoção de hemácias falciformes do destinatário, que incluem: (1) aumentar o percentual de hemoglobina normal (HbA) remanescente após a transfusão; (2) permitir a transfusão de um maior volume de sangue do doador, sem aumentar o hematócrito para os níveis que elevam excessivamente a viscosidade sanguínea; e (3) reduzir o volume transfundido líquido, o que reduz a sobrecarga de ferro. No entanto, os potenciais riscos de transfusão com troca incluem (1) a exposição a  maior quantidade de sangue de doador e aloimunização subsequente; (2) custos mais elevados; (3) a necessidade de equipamentos especializados; e (4) a necessidade frequente de acesso venoso permanente.

 

O objetivo deste capítulo de diretrizes sobre pacientes com anemia falciforme é apresentar recomendações baseadas em evidências que resumem as indicações, os riscos e os benefícios da terapia de transfusão de hemácias na doença falciforme. Para isso, as diretrizes buscaram responder as seguintes questões:

 

Em pacientes com anemia falciforme submetidos a procedimentos cirúrgicos, há alguma abordagem de transfusão perioperatória (para atingir um nível de hemoglobina pré-determinado ou percentual de HbS) que reduz a mortalidade peri-operatória e complicações?

Em pacientes com anemia falciforme que necessitam de transfusão de glóbulos vermelhos, quais são os protocolos de transfusão mais eficazes que reduzem as complicações transfusionais (incluindo metas de transfusão, abordagens para compatibilidade de fenótipo, estratégias transfusionais)?

Em pacientes com doença falciforme com necessidade de transfusão, quais são as estratégias mais eficazes para reduzir o risco de aloimunização ou autoimunização?

Em pacientes com doença falciforme submetidos à terapia de transfusão crônica, quais são as estratégias eficazes para reduzir a sobrecarga de ferro, e quais são os testes de diagnóstico mais precisos para estimar a sobrecarga de ferro?

Em pacientes com doença falciforme recebendo terapia transfusional, quais são as estratégias mais eficazes para reduzir o risco de hemólise?

Em pacientes com doença falciforme recebendo terapia transfusional, quais são as estratégias mais eficazes para prevenir e tratar hiperviscosidade associada à transfusão?

 

Diretrizes

Indicações para Transfusão Perioperatória Profilática

Em adultos e crianças com anemia falciforme, realizar transfusão de hemácias para trazer o nível de hemoglobina a 10 g/dL antes de passar por um procedimento cirúrgico que envolve anestesia geral (Forte recomendação, evidência de qualidade moderada).

Em pacientes com doença HbSS que necessitam de cirurgia e que já têm um nível de hemoglobina superior a 8,5 g/dL sem transfusão, que estão em terapia crônica com hidroxiureia, ou que necessitam de cirurgia de alto risco (por exemplo, neurocirurgia, uso de anestesia prolongada, bypass cardíaco), consultar um especialista em doença falciforme para orientação quanto ao método de transfusão adequado (Recomendação Forte, evidência de qualidade baixa).

Em adultos e crianças com HbSC ou HbSB+ talassemia, consultar um especialista em doença falciforme para determinar se a transfusão de troca total ou parcial é indicada antes de um procedimento cirúrgico que envolve anestesia geral  (Recomendação Moderada, evidência de qualidade baixa)

 

Manejo / Monitoramento Apropriados

Unidades de concentrado de hemácias que serão transfundidos para indivíduos com anemia falciforme deve incluir avaliação de antígenos C, E, K (Recomendação Moderada, evidência de baixa qualidade).

Em pacientes com anemia falciforme, que não são cronicamente transfundidos e que são, portanto, de risco para hiperviscosidade devido às altas percentagens de circulação de eritrócitos contendo HbS, evitar a transfusão para um alvo de hemoglobina acima de 10 g/dL (Recomendação Moderada, evidência de baixa qualidade).

Nas crianças cronicamente transfundidas com anemia falciforme, o objetivo da transfusão deve ser o de manter um nível de HbS abaixo de 30% imediatamente antes da próxima transfusão (Recomendação Moderada, evidência de qualidade moderada).

O painel de especialistas recomenda que os médicos prescrevam terapia de transfusão crônica seguindo um protocolo de monitoramento pré-estabelecido (Recomendação Moderada, evidência de baixa qualidade). Isso inclui obter história de reações transfusionais prévias, realizar fenótipo dos eritrócitos, verificar hemoglobina e reticulócitos e porcentagem de HbA e HbS antes de transfundir, monitorar função hepática 1 ou 2x por ano pelo risco de sobrecarga de ferro, medir ferritina de 3/3 meses, rastreamento para HIV, hepatites B e C, além de avaliar sobrecarga de ferro a cada 1 ou 2 anos com biópsia ou ressonância de fígado.

 

Manejo e Prevenção de Complicações Transfusionais

Obter história de transfusão do paciente para incluir locais de transfusões prévias e efeitos adversos (Consenso de Especialistas).

Pedir ao banco de sangue para entrar em contato com os hospitais onde o paciente relatou receber terapia de transfusão anterior para obter informações de transfusão (Consenso de Especialistas).

Unidades de concentrado de hemácias que serão transfundidos para indivíduos com doença falciforme devem incluir avaliação de antígenos C, E, K (Recomendação Moderada, evidência de baixa qualidade).

Consulte o banco de sangue para um exame de uma possível reação transfusional hemolítica tardia em um paciente com qualquer um dos seguintes sinais ou sintomas: anemia aguda, dor ou icterícia em até três semanas após uma transfusão de sangue (Forte recomendação, evidência de qualidade moderada).

Em pacientes com anemia falciforme que não são cronicamente transfundidos e que são, portanto, de risco para hiperviscosidade, evitar a transfusão para um alvo de hemoglobina acima de 10 g/dL (a menos que o paciente já esteja em transfusões crônicas ou tenha níveis baixos de porcentagem de HbS) (Recomendação Moderada, evidência de qualidade baixa).

Em pacientes que recebem terapia de transfusão crônica, realizar avaliação seriada da sobrecarga de ferro incluindo métodos de quantificação de ferro no fígado validados, como biópsia hepática ou técnicas de ressonância magnética. A frequência ideal de avaliação não foi estabelecida e será baseada, em parte, nas características individuais do paciente (Forte recomendação, evidência de qualidade moderada).

Administrar terapia quelante de ferro, em consulta com um hematologista, para pacientes com doença falciforme e com sobrecarga de ferro adquirida por transfusão documentada (Recomendação Moderada, evidência de qualidade moderada).

 

Transfusão em Complicações Agudas

Indicação

Como transfundir

Recomendação/Evidência

Síndrome Torácica Aguda com queda de pelo menos 1 ponto na Hb basal

Transfusão Simples

Fraca / Baixa Qualidade

Síndrome Torácica Aguda Grave (saturação < 90% mesmo com oxigênio suplementar)

Transfusão com Troca

Forte / Baixa Qualidade

Sequestro esplênico agudo com anemia grave

Transfusão Simples

Forte / Baixa Qualidade

Acidente Vascular Cerebral

Transfusão Simples ou com Troca

Moderada / Baixa Qualidade

Sequestro Hepático

Transfusão Simples ou com Troca

Consenso de Especialistas

Colestase Intra-hepática

Transfusão Simples ou com Troca

Consenso de Especialistas

Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas

Transfusão Simples ou com Troca

Consenso de Especialistas

Crise Aplástica

Transfusão Simples

Consenso de Especialistas

Anemia Sintomática

Transfusão Simples

Consenso de Especialistas

 

Transfusão em Complicações Crônicas

Indicação

Como transfundir

Recomendação/Evidência

Criança com leitura em Doppler Transcraniano > 200cm/seg

Transfusão Simples ou com Troca

Forte / Alta Qualidade

Adultos e Crianças com Acidente Vascular Cerebral Prévio

Transfusão Simples ou com Troca

Moderada / Baixa Qualidade

 

Situações nas quais NÃO se deve transfundir

Crise álgica não complicada;

Priapismo;

Anemia assintomática;

Injúria renal aguda (exceto em Disfunção de Múltiplos Órgãos e Sistemas);

Sequestro esplênico recorrente.

 

Bibliografia

Yawn BP et al. Management of sickle cell disease: Summary of the 2014 evidence-based report by expert panel members. JAMA 2014 Sep 10; 312:1033 (link para o artigo).

 

Evidence-Based Management of Sickle Cell Disease. Expert Panel Report, 2014. U.S. Department of Health & Human Services. National Institutes of Health. Disponível em: http://www.nhlbi.nih.gov/health-pro/guidelines/sickle-cell-disease-guidelines/

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