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Dabigatrana para Prevenção de Acidente Vascular Cerebral Após a Ocorrência de Acidente Vascular Cerebral Embólico de Fonte Indeterminada

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 13/01/2020

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Contexto Clínico

 

Os acidentes vascularescerebrais (AVCs) isquêmicos são o tipo mais comum de AVC. Em 20 a 30% dospacientes, não é possível identificar uma causa específica para o AVC isquêmico(AVCi), sendo, assim, classificados como criptogênicos. Uma parcelasignificativa desses pode ser classificada como AVCi embólico de fonteindeterminada, quando um exame de imagem cerebral sugere etiologia embólica quenão pode ser identificada após a investigação etiológica minuciosa.

As principais diretrizesinternacionais atuais para a prevenção de AVC recomendam o uso de agentesantiplaquetários para profilaxia secundária em pacientes que tiveram um AVCicriptogênico. O ácido acetilsalicílico (AAS) é o agente antiplaquetário maiscomumente utilizado com esse propósito. Anticoagulantes orais, como a dabigatrana,são capazes de reduzir a ocorrência de AVC em pacientes de alto risco deeventos cardioembólicos, como portadores de fibrilação atrial. O objetivo do RE-SPECT ESUS Trial foi comparara eficácia e a segurança da dabigatrana em relação ao AAS para prevenção derecorrência de AVC em pacientes com história de AVCi embólico de fonteindefinida.

 

O Estudo

 

O RE-SPECT ESUS Trial foi um ensaio clínico randomizado,duplo-cego e placebo controlado. Foram incluídos pacientes com 60 anos ou maisque tivessem história de AVCi embólico de fonte indeterminada nos últimos 3meses ou, pelo menos, um fator de risco vascular (insuficiência cardíaca comsintomas leves a moderados, diabetes melito, hipertensão, forame oval patente,história de AVC ou AIT antes do AVC atual ou CHA2DS2-VAScmaior ou igual a 3) nos últimos 6 meses. Foram incluídos também pacientes comidade entre 18 e 59 anos com história de AVCi embólico de fonte indeterminadanos últimos 3 meses e, pelo menos, um fator de risco vascular adicional.

O AVCi embólico de fonteindeterminada foi definido como AVCi não lacunar em um paciente sem estenosesuperior a 50% nas artérias que irrigam o território vascular no qual o AVCocorreu em estudo de vasos intra e extracranianos, sem história de FA comduração superior a 6 minutos em exame de monitoramento de ritmo cardíaco comduração de 20 horas ou mais, sem trombos intracardíacos em ecocardiografia esem outra causa específica de AVC identificável.

Os pacientes foram randomizadospara receber dabigatrana, 150mg, 2x/dia, reduzida para 110mg, 2x/dia, se idadesuperior a 75 anos ou TFG estimada entre 50mL/min/1,73m² e 30mL/min/1,73m², eplacebo ou AAS, 100mg, 1x/dia, e placebo (estratégia double-dummy). O desfecho primário de eficácia foi recorrência deAVCi, hemorrágico ou não especificado. Os desfechos secundários chave foram AVCie um composto de morte por causas cardiovasculares, AVC não fatal e infartoagudo do miocárdio não fatal (MACE). Outros desfechos secundários foram AVCincapacitante (Rankin de 4 ou mais após 3 meses do evento) e morte por todas ascausas.

O desfecho primário de segurançafoi sangramento maior, conforme definido pela Internacional Society on Thrombosis and Hemostasis (ISTH). Osdesfechos secundários de segurança foram sangramento não maior clinicamenterelevante e um composto de sangramento maior e sangramento não maiorclinicamente relevante. A análise estatística foi feita pela estratégia deintenção de tratar. Análise estatística hierarquizada foi utilizada para ajustedos desfechos secundários de eficácia chave para múltiplas comparações, sem ajustepara os demais desfechos secundários e terciários. Análise de sensibilidade (on-treatment) e de múltiplos subgrupospré-especificados também foi realizada.

No RE-SPECT ESUS Trial, foram incluídos 5.390 pacientes. A idademédia dos pacientes foi de 64,2 anos, com predominância do sexo masculino (63,1%).Dos pacientes, 18% tinham história prévia de AVC ou AIT antes do evento quelevou à inclusão no estudo. A maioria dos pacientes tinha hipertensão arterialsistêmica (74%) e hiperlipidemia (56%). Forame oval patente estava presente em12,6% dos pacientes; 8% tinham TFG estimada menor que 50mL/min/1,73m².

A mediana de tempo decorridoentre o evento índice e a randomização foi de 44 dias. No momento darandomização, a maioria dos pacientes tinha boa funcionalidade conformedenotado pela mediana da escala de Rankin modificada de 1. O tempo mediano deseguimento foi de 19 meses. Nesse período, o uso do tratamento alocado foidescontinuado em 24,9% dos pacientes no grupo dabigatrana e em 21,1% no grupoAAS por ocorrência de eventos adversos.

O desfecho primário de eficáciade AVC recorrente de qualquer tipo ocorreu em 6,6% dos pacientes do grupo dabigatranae em 7,7% dos pacientes do grupo AAS, sem diferenças significativas entre osgrupos (HR: 0,85/IC 95%: 0,69 a 1,03/p = 0,10). Também não houve diferençasignificativa entre os grupos para os desfechos secundários de eficácia chave deAVCi (HR: 0,84/IC 95%: 0,68 a 1,03) ou MACE (HR: 0,88/IC 95%: 0,73 a 1,06). Aanálise dos demais desfechos secundários de eficácia sugere que poderia haveruma redução significativa de AVC incapacitante (0,6% versus 0,9%/HR: 0,59/IC95%: 0,36 a 0,96/RAR: 0,3%/NNT = 333), sem diferença significativa na morte portodas as causas.

Na análise dos desfechos desegurança, não houve diferença significativa para o desfecho primário desangramento maior entre os grupos (HR: 1,19/IC 95%: 0,85 a 1,66), com aumento considerávelde sangramento não maior clinicamente relevante (1,6% versus 0,9%/HR: 1,73/IC95%: 0,17 a 2,54/AAR: 0,7%/NNT = 143). Hemorragia intracraniana, hemorragiafatal ou hemorragia que ameace a vida também não diferiram de forma significativaentre os grupos. A análise de sensibilidade, assim como a maioria das análisesde subgrupos pré-definidos, foi consistente com o resultado principal. Aanálise dos subgrupos por idade sugere que dabigatrana poderia ser mais efetivaem pacientes maiores de 75 anos (HR: 0,63/IC 95%: 0,43 a 0,94).

 

Aplicação Prática

 

O RE-SPECT ESUS Trial concluiu que a dabigatrana não foi superiora AAS para profilaxia de recorrência de AVC em pacientes com história prévia deAVCi embólico de fonte indeterminada e aumentou significativamente a incidênciade sangramento não maior clinicamente relevante. Esse resultado é consistentecom o resultado do estudo NAVIGATEESUS, que não encontrou diferenças significativas de eficácia entrerivaroxabana e AAS para profilaxia secundária de AVC em pacientes com históriade AVCi embólico de fonte indeterminada, e foi interrompido precocemente poraumento de sangramento. Dessa forma, o RE-SPECTESUS reforça as recomendações atuais de que o AAS é a medicação deescolha, em associação à terapia hipolipemiantes para profilaxia de AVC nessasituação.

Contudo, é importante observarque AVCi embólico de fonte indeterminada é um grupo muito heterogêneo dedoenças, com potenciais etiologias subjacentes com mecanismos de embolizaçãomuito distintos. Isso pode ter contribuído para o resultado negativo dessesestudos, e não permite excluir completamente a possibilidade de benefício paraalguns subgrupos de pacientes. Por exemplo, pacientes com etiologias subjacentespara os eventos embólicos como doença atrial e cardiopatia estrutural poderiam vira se beneficiar de anticoagulação.

Já os pacientes que tenham comocausa subjacente embolia de placas de ateroma aórticas ou de vasos cervicais comestenose inferior a 50% provavelmente não se beneficiarão de anticoagulação,tendo nos antiagregantes plaquetários a melhor estratégia para prevenção denovos eventos. Tal hipótese é suportada pelos resultados do estudo COMPASS, no qual a associação derivaroxabana em baixas doses (2,5mg, 2x/dia) a AAS, 100mg/dia, foi capaz dereduzir bastante a incidência de AVCi em pacientes com doença arterialcoronariana ou doença arterial oclusiva periférica em comparação à rivaroxabanaem baixas doses ou AAS isoladamente. É possível que um efeito similar tambémpossa ser encontrado em investigações futuras para a população de pacientes comAVCi embólico de origem indeterminada.

Por isso, novos estudos sãonecessários para avaliar os efeitos da anticoagulação oral nos subgrupos depacientes com AVCi embólico de origem indeterminada que mais provavelmente sebeneficiariam dela. Um exemplo é o ARCADIATrial, que está em andamento e irá avaliar se pacientes com história deAVC criptogênico e cardiopatia atrial, que têm alto risco de desenvolverfibrilação atrial, se beneficiariam de anticoagulação para profilaxia darecorrência de AVC.

 

Bibliografia

 

1.            Diener,HC et. al. Dabigatran for Prevention of Stroke after Embolic Stroke ofUndetermined Source. N Engl J Med 2019;380:1906-17. DOI: 10.1056/NEJMoa1813959

2.            PiciaroniM, Kamel H. Do the Results of RE-SPECT ESUS Call for a Revision of the EmbolicStroke of Undetermined Source Definition? Stroke. 2019;50:00-00. DOI:10.1161/STROKEAHA.118.024160.

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