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Trombólise Guiada por Imagem de Perfusão Até 9 Horas Após o Início dos Sintomas de um Acidente Vascular Cerebral

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 14/01/2020

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Contexto Clínico

 

Afibrinólise é a terapia de escolha para o tratamento de um acidente vascular cerebralisquêmico (AVCi). Ela pode ser realizada em pacientes que se apresentam aoserviço de emergência até 4,5 horas após o início dos sintomas. Essa janelaterapêutica é baseada sobretudo em dados de metanálises de ensaios clínicos queutilizaram a tomografia computadorizada (TC) não contrastada como método para seleçãode pacientes para a fibrinólise.

Estudosde perfusão cerebral por TC ou ressonância nuclear magnética (RNM) são capazesde identificar tecido cerebral potencialmente viável após a janela inicial de 4,5horas do início dos sintomas de AVCi. Estudos recentes demonstraram que os pacientescom tecido cerebral potencialmente recuperável poderiam se beneficiar de terapiade reperfusão cerebral por fibrinólise com melhora dos desfechos funcionais.

Oobjetivo do EXTEND Trial foiavaliar se a realização de fibrinólise com alteplase, guiada por estudos deperfusão cerebral, em pacientes com sintomas de AVCi iniciados entre 4,5 e 9horas ou após o despertar, poderia resultar em benefícios funcionais parapacientes com um infarto cerebral de pequeno volume que tivessem uma áreadesproporcionalmente maior de hipoperfusão ao estudo de imagem.

 

O Estudo

 

OEXTEND Trial foi um ensaio clínicorandomizado, multicêntrico e placebo controlado. Foram incluídos pacientes com18 anos ou mais, com funcionalidade prévia ótima (definida como escore de 2 oumenos na escala de Rankin modificada), que tivessem um AVCi com escore degravidade clínica entre 4 e 26 pela NationalInstitute of Health Stroke Scale (NIHSS),tivessem um pequeno volume de tecido com lesão isquêmica irreversível (estimadopela presença de um fluxo sanguíneo menor que 30% daquele das áreas cerebraisnormais) e uma área adjacente de tecido cerebral criticamente hipoperfundido noestudo de perfusão cerebral por TC ou RNM (captação tardia do meio de contraste).Foram excluídos pacientes considerados candidatos à terapia endovascular paratrombectomia.

Ospacientes incluídos foram randomizados para receber alteplase ? na dose de 0,9mg/kg(máximo de 90mg) com 10% da dose administrada em bolo e 90% administrada eminfusão lenta em 1 hora ? ou placebo. Adicionalmente, os pacientes receberam asdemais medidas terapêuticas preconizadas nas diretrizes atuais que orientam otratamento do AVCi.

Odesfecho primário de eficácia foi um escore de 0 ou 1 na escala de Rankinmodificada após 90 dias da intervenção, o que indica ter um excelente resultadofuncional com retorno a todas as atividades usuais do paciente. Os desfechossecundários e terciários de eficácia incluíram o escore na escala de Rankinmodificada após 90 dias (0 a 6), um escore de 0 a 2 na escala de Rankinmodificada em 90 dias (indicativo de independência funcional), reperfusão de,pelo menos, 50 após 24 horas, reperfusão de, pelo menos, 90% após 24 horas,recanalização de vaso ocluído após 24 horas, dentre outros.

Osdesfechos de segurança foram mortalidade em 90 dias e AVC hemorrágicosintomático, definido como a presença de hematoma intraparenquimatoso tipo 2 (coágulode sangue confluente ocupando mais de 30% da área de infarto com efeito demassa substancial) e aumento de, pelo menos, 4 pontos no NIHSS em relação aobasal após 36 horas da intervenção.

Opresente estudo foi interrompido precocemente em junho de 2018 por recomendaçãodo comitê de segurança após a publicação do WAKE-UP Trial (já comentado previamente) por perda do princípioda equipolência (equipoise). Issosignifica que, como o WAKE-UP demonstroumelhora significativa no desfecho funcional com uso de alteplase em relação aoplacebo, não seria ético continuar o EXTEND,que, por isso, foi finalizado.

Noperíodo entre agosto de 2010 e junho de 2018, foram incluídos 225 pacientes,75% dos 310 inicialmente planejados. A idade média da população variou entre 71e 73 anos, com predominância do sexo masculino. O NIHSS mediano foi de 12 no grupoalteplase e 10 no grupo placebo. Mais de 30% dos pacientes tinham fibrilaçãoatrial. Dentre os pacientes incluídos, 65% dos pacientes apresentaram sintomasde AVCi ao despertar, 10% entre 4,5 e 6 horas, 25% entre 6 e 9 horas antes daadmissão. Cerca de 70% dos pacientes tinham oclusão de um grande vaso nosestudos de perfusão cerebral, definida como oclusão da carótida interna,primeira divisão da artéria cerebral média (M1) ou porção proximal da segundadivisão da cerebral média (M2).

Ospacientes do grupo alteplase alcançaram significativamente mais o desfechoprimário de eficácia de escore de 0 ou 1 na escala de Rankin modificada após 90dias (35,4%) que os pacientes do grupo placebo (29.5%), com risk ratio ajustado para idade e NIHSSbasal de 1,44 (IC 95%: 1,01 a 2,06/p = 0,04). Não houve diferença significativaentre os grupos na análise não ajustada do desfecho primário de eficácia.

Aanálise dos desfechos secundários e terciários sugere que o tratamento comalteplase também poderia estar associado com alcançar maior independênciafuncional em 90 dias (Rankin de 0 a 2), percentual de reperfusão maior que 50%ou 90% após 24 horas, maior taxa de recanalização após 24 horas e melhorianeurológica significativa em 24 horas (redução do NIHSS maior ou igual a 8pontos ou escore de 0 ou 1 após 24 horas). Não houve diferença significativaentre os grupos para os desfechos de melhora neurológica significativa em 72horas ou 90 dias.

Naanálise dos desfechos de segurança, não houve diferença significativa namortalidade em 90 dias entre os grupos alteplase (11,5%) e placebo (8,9%), com risk ratio de 1,17 (IC 95%: 0,57 a 2,4/p= 0,67). O uso de alteplase foi associado a um aumento não significativo dehemorragia intracraniana sintomática após 36 horas da intervenção em relação aogrupo placebo (6,2% versus 0,9%/riskratio: 7,22/IC 95%: 0,97 a 53,54/p = 0,053).

 

Aplicação Prática

 

OEXTEND Trial concluiu que o usode alteplase em pacientes com perfil favorável nos estudos de perfusão cerebralpor TC ou RNM, que se apresentem após 4.5 a 9 horas do início dos sintomas deAVCi ou que tenham sintomas de AVCi ao despertar resultou em melhor desfechofuncional em 90 dias (nenhum ou mínimo déficit neurológico) que o uso doplacebo. Essa conclusão está de acordo com os resultados previamente comentadosdo WAKE-UP Trial. Este demonstrouque o uso de alteplase está associado a melhor desfecho funcional em 90 dias empacientes que apresentam AVCi com tempo de início desconhecido e mismatch na RNM.

Éimportante ressaltar que as populações e os métodos de seleção de pacientes porestudos de imagem diferiram nos dois estudos. O EXTEND Trial incluiu pacientes de maior gravidade (NIHSS medianomaior que no WAKE-UP) e queprovavelmente tinham maior tempo decorrido desde o início dos sintomas, uma vezque, no WAKE-UP, foram incluídospacientes com início de sintomas desconhecidos (acordaram com déficit) que provavelmenteestariam dentro da janela de 4,5 horas do início dos sintomas que autorizaria otratamento, conforme sinalizado pela presença de mismatch na RNM.

Deforma análoga ao WAKE-UP Trial,a maior limitação do EXTENDestá na interpretação dos desfechos de segurança. O WAKE-UP não identificoudiferença significativa entre os grupos para os desfechos de mortalidade geral ouhemorragia intracraniana sintomática, apesar de haver aumento numérico dessesdesfechos com o uso de alteplase e aumento considerável de hemorragia intraparenquimatosado tipo 2. O EXTEND nãoidentificou diferenças significativas para os desfechos de mortalidade ouhemorragia intracraniana sintomática, apesar de também haver aumento numéricode ambos os desfechos no grupo alteplase. Como ambos foram interrompidosprecocemente, são mais suscetíveis a erro tipo 2 (não detectar uma diferençasignificativa que exista de fato na população).

Dessaforma, os resultados do EXTENDreforçam a ideia de que seria possível que o aumento numérico dos desfechos demortalidade e sangramento intracraniano sintomático observado no grupoalteplase em ambos se tornasse significativo caso a amostra fosse aumentada.Caso isso ocorresse, o benefício funcional observado com o uso do alteplasepoderia ser contrabalanceado pelo potencial aumento de eventos adversos, compossível redução do benefício líquido. O resultado do EXTEND Trial reforça, assim, a necessidade de estudos adicionaispara estabelecer a real segurança e qual seria o benefício líquido dafibrinólise nesse grupo de pacientes.

 

Bibliografia

 

1. Ma. H et. al.Thrombolysis Guided by Perfusion Imaging up to 9 Hours after Onset of Stroke. N Engl J Med 2019;380:1795-803. DOI:10.1056/NEJMoa1813046

2. Thomalla, G. el al.MRI-Guided Thrombolysis for Stroke with Unknown Time of Onset. N Engl J Med 2018;379:611-22. Disponível em:https:/www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1804355

3. Jovin, TG.MRI-Guided Intravenous Alteplase for Stroke - Still Stuck in Time. N Engl J Med 2018;379:611-22. Disponível em:https:/www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMe1805796?query=recirc_curatedRelated_article

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