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Febre Tifóide

Última revisão: 03/07/2009

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Reproduzido de:

Guia de Vigilância Epidemiológica – 6ª edição (2005) – 2ª reimpressão (2007)

Série A. Normas e Manuais Técnicos [Link Livre para o Documento Original]

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Secretaria de Vigilância em Saúde

Departamento de Vigilância Epidemiológica

Brasília / DF – 2007

 

Febre Tifóide

CID 10: A01.0

 

CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS

Descrição

Doença bacteriana aguda, de distribuição mundial, associada a baixos níveis socioeconômicos, principalmente, com situações de precárias condições de saneamento, higiene pessoal e ambiental. Com tais características, praticamente encontra-se eliminada em países onde estes problemas foram superados. No Brasil, a Febre Tifóide ocorre sob a forma endêmica, com superposição de epidemias, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, refletindo as condições de vida de suas populações.

 

Agente Etiológico

A Salmonella typhi, bactéria gram-negativa da família Enterobacteriaceae. O tempo de sobrevida deste agente varia de acordo com o meio em que se encontra, e o conhecimento desta informação é importante para o controle da doença.

Tempo de sobrevida do agente nos diferentes meios:

      água – em condições ótimas, a sobrevida nunca ultrapassa 3 a 4 semanas. Entretanto, varia consideravelmente com a temperatura (temperaturas mais baixas levam a uma maior sobrevida), com a quantidade de oxigênio disponível (as salmonelas sobrevivem melhor em meio rico em oxigênio) e com o material orgânico (águas poluídas, mas não a ponto de consumir todo o oxigênio, são melhores para a sobrevida do agente);

      esgoto – em condições experimentais, quase 40 dias;

      água do mar – não é um bom meio, sendo necessária uma altíssima contaminação;

      ostras, mariscos e outros moluscos – sobrevida demonstrada de até 4 semanas;

      leite, creme e outros laticínios – constituem um excelente meio, chegando a perdurar até por dois meses na manteiga, por exemplo;

      carnes e enlatados – são raros os casos adquiridos através destes alimentos, provavelmente porque o processo de preparo dos mesmos é suficiente para eliminar a Salmonella. Mas, uma vez preparada a carne ou aberta a lata, a sobrevida do agente é maior do que a vida útil destes alimentos.

 

Ostras e outros moluscos, assim como leite e derivados, são os principais alimentos responsáveis pela transmissão da Febre Tifóide. Praticamente todos os alimentos, quando manipulados por portadores, podem veicular a Salmonella typhi.

 

Reservatório

O homem (doente ou portador).

 

Modo de Transmissão

Ocorre, principalmente, de forma indireta através da ingestão de água e alimentos, em especial o leite e derivados, contaminados com fezes ou urina de paciente ou portador. A contaminação de alimentos geralmente acontece pela manipulação por portadores ou oligossintomáticos, razão pela qual a Febre Tifóide é também conhecida como a doença das mãos sujas. Raramente as moscas participam da transmissão. O congelamento não destrói a bactéria, de modo que sorvetes, por exemplo, podem ser veículos de transmissão. Todavia, só uma grande concentração de bactérias – inoculo – torna possível a infecção. Por isso, não se costuma verificar com muita freqüência surtos de Febre Tifóide após enchentes, quando provavelmente há maior diluição do agente etiológico no meio ambiente e menor possibilidade de sua ingestão em número suficiente para causar a doença. A carga bacteriana infectante, experimentalmente estimada, é de 106 a 109 bactérias. Infecções subclínicas podem ocorrer com a ingestão de um número bem menor de bactérias.

Em geral, a Febre Tifóide transmitida por alimentos ocorre quando nestes são encontradas bactérias em quantidade suficiente para sobreviver aos processos a que são submetidos quando de sua produção. A concentração de bactérias necessárias para causar a doença é denominada de dose infectante mínima (DIM). Nesse particular, a Salmonella typhi inclui-se no grupo das bactérias que necessitam de DIM. considerada baixa para produzir a doença, ou seja, 102/ml. Por outro lado, alguns alimentos possuem características específicas que influenciam de modo significativo na proliferação e sobrevivência do agente etiológico da Febre Tifóide. Por exemplo, sabe-se que o crescimento desta bactéria se dá em meios com pH entre 4,5 a 7,8, valores que também correspondem à faixa do pH de alguns alimentos, tais como leite (6,5-6,7), manteiga (6,1-6,4), queijo (4,9-5,9) e pescado (6,6-6,8).

Fatores extrínsecos aos alimentos, com destaque para aqueles relacionados com o meio ambiente, tais como temperatura e umidade existentes nos sítios de conservação, armazenamento, produção, comercialização e forma de consumo, também interferem de modo significativo no crescimento e viabilidade das Salmonella typhi.

 

Classificação de Alguns Alimentos, segundo Risco de Contaminação pela Salmonella typhi

Alto risco – leite cru, moluscos, mexilhões, ostras, pescados crus, hortaliças, legumes e frutas não lavadas.

Médio risco – alimentos intensamente manipulados logo após o cozimento ou requentados e massas.

Baixo risco – alimentos cozidos ou assados que são consumidos imediatamente, verduras fervidas e alimentos secos.

 

Período de Incubação

Freqüentemente, de 1 a 3 semanas (em média, 2 semanas), a depender da dose infectante.

 

Período de Transmissibilidade

A transmissão ocorre enquanto os bacilos estiverem sendo eliminados nas fezes ou urina, o que geralmente se dá desde a primeira semana da doença até o fim da convalescença. Após essa fase o período varia, dependendo de cada situação. Sabe-se que cerca de 10% dos pacientes continuam eliminando bacilos até 3 meses após o início da doença e que 2% a 5% (geralmente mulheres adultas) transformam-se em portadores crônicos após a cura, o que os torna de extrema importância por seu potencial de disseminação da doença. Tanto entre os doentes quanto entre os portadores, a eliminação da Salmonella typhi costuma ser intermitente.

 

Susceptibilidade e Imunidade

A susceptibilidade é geral e maior nos indivíduos com acloridria gástrica. A imunidade adquirida após a infecção ou vacinação não é definitiva.

 

ASPECTOS CLÍNICOS E LABORATORIAIS

Manifestações Clínicas

A sintomatologia clínica clássica consiste em febre alta, dores de cabeça, mal-estar geral, falta de apetite, bradicardia relativa (dissociação pulso-temperatura), esplenomegalia, manchas rosadas no tronco (roséola tífica – raramente observada), obstipação intestinal ou diarréia e tosse seca. Atualmente, o quadro clássico completo é de observação rara, sendo mais freqüente aquele em que a febre é a manifestação mais expressiva, acompanhada por alguns dos demais sinais e sintomas citados anteriormente. Nas crianças, a doença costuma ser mais benigna que nos adultos e a diarréia é mais freqüente. Como, apesar de ser aguda, a doença evolui gradualmente, a pessoa afetada muitas vezes é medicada com antimicrobianos simplesmente por estar apresentando uma febre de etiologia não conhecida. Dessa forma, o quadro clínico fica mascarado e a doença deixa de ser diagnosticada precocemente.

A salmonelose septicêmica é uma síndrome em cuja etiologia está implicada a associação de salmonelose com espécies de Schistosoma (no Brasil, o Schistosoma mansoni). Nessa condição, o quadro clínico caracteriza-se por febre prolongada (vários meses), acompanhada de sudorese e calafrios. Observa-se ainda anorexia, perda de peso, palpitações, epistaxe, episódios freqüentes ou esporádicos de diarréia, aumento do volume abdominal, edema dos membros inferiores, palidez, manchas hemorrágicas e hepatoesplenomegalia. A Salmonella typhi não é o agente mais freqüentemente associado à salmonelose septicêmica prolongada.

 

A bacteremia recorrente por Salmonella é uma das condições clínicas marcadora da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Em regiões onde a Salmonella typhi é endêmica, a incidência de Febre Tifóide pode ser de 25 a 60 vezes maior entre indivíduos HIV positivos que em soronegativos. Os HIV positivos assintomáticos podem apresentar doença semelhante ao imunocompetente e boa resposta ao tratamento usual. Doentes com aids (doença definida) podem apresentar Febre Tifóide particularmente grave e com tendência a recaídas.

 

A hemorragia intestinal, principal complicação da Febre Tifóide, é causada pela ulceração das placas de Peyer, que às vezes leva à perfuração intestinal. Todavia, quando a Febre Tifóide evolui com bacteremia, qualquer órgão pode ser afetado. Outras complicações menos freqüentes são retenção urinária, pneumonia e colecistite.

 

Diagnóstico Diferencial

A Febre Tifóide tem manifestações clínicas semelhantes a de várias outras doenças entéricas como, por exemplo, a Salmonella paratyphi A, B, C, e mesmo de diversas etiologias como a Yersinia enterocolítica, que pode produzir uma enterite com febre, diarréia, vômito, dor abdominal e adenite mesentérica. Há também outras doenças que apresentam febre prolongada e devem ser consideradas, tais como pneumonias, tuberculoses (pulmonar, miliar, intestinal, meningoencefalite e peritonite), meningoencefalites, septicemia por agentes piogênicos, colecistite aguda, peritonite bacteriana, forma toxêmica de esquistossomose mansônica, mononucleose infecciosa, febre reumática, doença de Hodgkin, abscesso hepático, abscesso subfrênico, apendicite aguda, infecção do trato urinário, leptospirose, malária, toxoplasmose, doença de Chagas aguda e endocardite bacteriana.

 

Diagnóstico Laboratorial

Baseia-se, primordialmente, no isolamento e identificação do agente etiológico, nas diferentes fases clínicas, a partir do sangue (hemocultura), fezes (coprocultura), aspirado medular (mielocultura) e urina (urocultura).

Hemocultura – apresenta maior positividade nas duas semanas iniciais da doença (75% aproximadamente), devendo o sangue ser colhido, de preferência, antes que o paciente tenha tomado antibiótico. Recomenda-se a coleta de 2 a 3 amostras, não havendo necessidade de intervalos maiores que 30 minutos entre as mesmas.

Coprocultura – a pesquisa da Salmonella typhi nas fezes é indicada a partir da segunda até a quinta semanas da doença, bem como no estágio de convalescença e pesquisa de portadores. No estado de convalescença, é indicada a coleta de amostras do material com intervalos de 24 horas. No caso de portadores assintomáticos, particularmente aqueles envolvidos na manipulação de alimentos, recomenda-se a coleta de 7 amostras seqüenciadas.

Mielocultura – trata-se do exame mais sensível (90% de sensibilidade). Tem também a vantagem de se apresentar positiva mesmo na vigência de antibioticoterapia prévia. As desvantagens são o desconforto para o doente e a necessidade de pessoal médico com treinamento específico para o procedimento de punção lombar.

Urocultura – tem valor diagnóstico limitado e a positividade máxima ocorre na terceira semana de doença.

 

O método de reação de Widal: embora ainda muito utilizado em nosso meio, é passível de inúmeras críticas quanto à sua padronização, cepa de Salmonella envolvida e possível interferência de vacinação prévia. Atualmente, não é indicado para fins de vigilância epidemiológica, pois não é suficiente para confirmar ou descartar um caso.

 

Tratamento

O paciente deve ser tratado no nível ambulatorial, pois só excepcionalmente necessita de internação.

 

Tratamento Específico

Drogas de primeira escolha

      Cloranfenicol – dose

Adultos: 50 mg /kg/dia, dividida em 4 tomadas (6/6 horas) até a dose máxima de 4 g/dia.

Crianças: 50 mg/kg/dia, dividida em 4 tomadas (6/6 horas) até a dose máxima de 3 g/dia.

 

A via de administração preferencial é a oral. Quando os doentes tornam-se afebris, o que em geral ocorre a partir do quinto dia de tratamento, as doses do cloranfenicol devem ser reduzidas para 2 g/dia (adultos) e 30mg/kg/dia (crianças). O tratamento é mantido por 15 dias após o último dia de febre, perfazendo um máximo de 21 dias. Nos doentes com impossibilidade de administração por via oral, utilizar a via parenteral.

Efeitos colaterais – há possibilidade de toxicidade medular que pode se manifestar sob a forma de anemia (dose-dependente) ou mesmo anemia aplástica (reação idiossincrásica) – a qual, felizmente, é rara.

Quanto à resistência da Salmonella typhi ao cloranfenicol, apesar de amplamente discutida na literatura, não parece ser problema no Brasil até o momento. Os insucessos terapêuticos não devem ser atribuídos à resistência bacteriana, sem comprovação laboratorial e sem antes afastar outras causas.

 

Drogas de segunda escolha

      Ampicilina – dose

Adultos: 1 mil a 1.500 mg/dose, via oral, em 4 tomadas (6/6 horas) até a dose máxima de 6 g/dia.

Crianças: 100 mg/kg/dia, via oral, dividida em 4 tomadas (6/6 horas).

A administração oral é preferível à parenteral. A duração do tratamento é de 14 dias.

 

      Sulfametoxazol + trimetoprima – dose

Adultos: 800 a 1.600 mg de sulfametoxazol/trimetoprima, via oral, dividida em 2 tomadas (12/12 horas).

Crianças: 30 a 50 mg/kg/dia de sulfametoxazol/trimetoprima, por via oral, dividida em 2 tomadas (12/12 horas).

A duração do tratamento é de 14 dias.

 

      Amoxicilina –dose

Adultos: 3 g/dia, via oral, dividida em 3 tomadas (8/8 horas) até a dose máxima de 4 g.

Crianças: 100 mg/kg/dia, via oral, dividida em 3 tomadas (8/8 horas).

A duração do tratamento é de 14 dias. Com o uso deste antimicrobiano, pode haver maior freqüência de intolerância gastrointestinal.

 

      Quinolonas – há pelo menos duas quinolonas com eficácia comprovada contra a Salmonella typhi: a ciprofloxacina e a ofloxacina. São drogas pouco tóxicas, mas têm como principal desvantagem a contra-indicação para uso em crianças e gestantes e, como fator limitante, o preço elevado. Em nosso país, estão particularmente indicadas para casos comprovados de resistência bacteriana aos antimicrobianos tradicionalmente utilizados. Provavelmente são as melhores opções para os portadores de HIV ou aids.

»     Ciprofloxacina – dose: 500mg/dose, via oral, em duas tomadas (12/12 horas) durante 10 dias. Caso não seja possível a via oral, utilizar a endovenosa na dose de 200mg, de 12/12 horas.

»     Ofloxacina – dose: 400mg/dose, via oral, em duas tomadas (12/12 horas) ou 200 a 400mg/dose, via oral, em 3 tomadas (8/8 horas).

A duração do tratamento é de 10 a 14 dias.

 

      Ceftriaxona – trata-se de uma droga com boa atividade contra a Salmonella typhi, constituindo-se em outra alternativa ao tratamento.

 

Os pacientes devem receber adequado tratamento de suporte. Atentar para o aparecimento de complicações graves como hemorragia e perfuração intestinal, pois, para a última, a indicação cirúrgica é imediata.

 

      Tratamento específico para o estado de portador – ampicilina ou amoxicilina nas mesmas doses e freqüência para tratamento do caso clínico.

 

Sete dias após o término do tratamento, iniciar a coleta de três coproculturas, com intervalo de 30 dias entre cada uma. Caso uma delas seja positiva, essa série pode ser suspensa e o indivíduo deve ser novamente tratado, de preferência com quinolona (ciprofloxacina, 500 mg, via oral, de 12/12 horas durante 4 semanas) e esclarecido quanto ao risco que representa para os seus comunicantes íntimos e para a comunidade em geral. O tempo ideal de tratamento para portadores crônicos ainda não está bem definido. Pacientes com litíase biliar ou anomalias biliares, que não respondem ao tratamento com antimicrobianos, devem ser colecistectomizados. Na salmonelose septicêmica prolongada, as salmonelas têm nos helmintos um local favorável para sua proliferação. De modo geral, o tratamento antiesquistossomótico, ao erradicar a helmintíase, faz cessar a septicemia e promove a cura da salmonelose.

 

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

A Febre Tifóide não apresenta sazonalidade ou outras alterações cíclicas que tenham importância prática, bem como distribuição geográfica especial. Sua ocorrência está diretamente relacionada às condições de saneamento existentes e aos hábitos individuais. Em áreas endêmicas, acomete com maior freqüência indivíduos de 15 a 45 anos e sua taxa de ataque diminui com a idade. No Brasil, nas últimas décadas, constata-se uma tendência de declínio nos coeficientes de morbimortalidade por Febre Tifóide. Entretanto, estes dados devem ser vistos com cautela quanto à sua representatividade e fidedignidade, pelas seguintes razões:

 

      20% do total de óbitos têm causa básica ignorada;

      dificuldades quanto ao diagnóstico laboratorial necessário para a identificação do agente etiológico;

      precariedades do sistema de informação (comparando-se os dados de Febre Tifóide de fontes distintas, observam-se disparidades entre eles).

 

Estes indicadores apresentam importantes variações quando analisados por regiões e unidades da Federação. As regiões Norte e Nordeste registram sempre números mais elevados devido à precariedade de suas condições sanitárias, onde menos de 50% de sua população dispõe de algum tipo de abastecimento de água.

 

VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA

Objetivos

      Reduzir a incidência e a letalidade.

      Impedir ou dificultar a propagação da doença.

      Controlar surtos.

 

Definição de Caso

Suspeito

Indivíduo com febre persistente, acompanhada ou não de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas: cefaléia, mal-estar geral, dor abdominal, anorexia, dissociação pulso-temperatura, constipação ou diarréia, tosse seca, roséolas tíficas (manchas rosadas no tronco – achado raro) e esplenomegalia.

 

Confirmado

Critério clínico-laboratorial – indivíduo que apresente achados clínicos compatíveis com a doença e houver isolamento da Salmonella typhi ou detecção pela técnica de PCR.

Critério clínico-epidemiológico – indivíduo com quadro clinicamente compatível e epidemiologicamente associado com um caso confirmado por critério laboratorial.

 

Portador

Indivíduo que, após ter a doença na forma clínica ou subclínica, continua eliminando bacilos por vários meses. Tem particular importância para a vigilância epidemiológica porque mantém a endemia, podendo dar origem a surtos epidêmicos.

 

Descartado

Caso que não preenche os requisitos postulados para a sua confirmação.

 

Notificação

A notificação é feita por meio de instrumentos padronizados: ficha individual de notificação e ficha de investigação da Febre Tifóide do Sistema de Informação Nacional de Agravos de Notificação (Sinan). Do completo preenchimento destes instrumentos depende a representatividade do sistema, ou seja, a sua capacidade de descrever com relativa exatidão a ocorrência do evento no tempo e no espaço e segundo atributos do indivíduo e da população. Da agilidade da execução da notificação depende a oportunidade da intervenção, que é o intervalo entre a ocorrência de um evento e o cumprimento das etapas previstas no sistema: notificação, identificação de tendências e desencadeamento das medidas de controle.

Apesar da importância desta fonte de dados, a exemplo de outras doenças existe grande subnotificação da Febre Tifóide no país. As razões são várias e incluem:

 

      inúmeros casos da doença não são diagnosticados;

      dificuldades de acesso aos serviços de saúde;

      não reconhecimento do caso suspeito;

      uso precoce de antimicrobianos em situações clínicas indefinidas.

 

PRIMEIRAS MEDIDAS A SEREM ADOTADAS

Assistência Médica ao Paciente

O tratamento é sempre ambulatorial. Só excepcionalmente, quando o estado do paciente está muito comprometido, indica-se a internação.

 

Qualidade da Assistência

É importante que a rede assistencial esteja preparada para prestação de uma assistência adequada ao paciente, principalmente para uma pronta atuação em caso de aparecimento de complicações.

 

Proteção Individual

      O isolamento do paciente não é necessário.

      Orienta-se a adoção de medidas de precauções entéricas – nas unidades assistenciais, além das medidas básicas de higiene, recomenda-se a utilização de luvas para a manipulação de material contaminado e de batas, caso haja a possibilidade de contaminação.

      Desinfecção dos objetos que tiveram contato com excretas.

      Tratamento clínico adequado.

      Autocuidado do paciente voltado para a sua higiene pessoal, especialmente a lavagem das mãos.

      O paciente deve ser afastado das atividades habituais até a cura, quando oferecer risco de disseminação.

      Orientação sobre a importância do saneamento (domiciliar e peridomiciliar) pela incorporação de hábitos saudáveis para a superação dos fatores de risco.

 

Confirmação Diagnóstica

Coletar material para diagnóstico laboratorial.

 

Proteção da População

      Destino adequado dos dejetos e águas servidas.

      Destino adequado dos resíduos sólidos.

      Proteção dos mananciais de água para consumo humano e garantia de potabilização adequada.

      Cuidados com os alimentos em todas as fases, da produção ao consumo, principalmente aqueles mais implicados com o agravo.

      Orientar pacientes, portadores e convalescentes sobre os cuidados de higiene pessoal.

      Realizar vigilância dos portadores e garantir o afastamento dos mesmos de atividades que envolvam a manipulação de alimentos.

 

Investigação

Tem por objetivo obter informações sobre as características epidemiológicas da doença, definir as tendências do seu comportamento e permitir a proposição de alternativas para sua prevenção e controle.

 

ROTEIRO DA INVESTIGAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA

Identificação do Paciente

Preencher todos os campos relativos a dados gerais, notificação individual e residência constantes da ficha de investigação epidemiológica do Sinan.

 

Coleta de Dados Clínicos e Epidemiológicos

Para Confirmar a Suspeita Diagnóstica

      Anotar na ficha de investigação os dados da história e manifestações clínicas.

      Caracterizar clinicamente o caso.

      Verificar se já foi coletado e encaminhado material para exame diagnóstico (fezes, sangue, urina), observando se houve uso prévio de antibiótico.

      Hospitalizar o paciente, se necessário; sugere-se fazer uma cópia do prontuário com análises e também para que as informações possam servir como instrumento de aprendizagem dos profissionais do nível local.

      Determinar as prováveis fontes de infecção.

      Acompanhar a evolução dos pacientes e os resultados dos exames laboratoriais específicos.

 

Para Identificação da Área de Transmissão

      Pesquisar a existência de casos semelhantes no domicílio, local de trabalho, de estudo, etc.

      Proceder a busca ativa de casos na área.

      Identificar os comunicantes e, entre esses, pesquisar portadores mediante realização de coprocultura.

 

Muitas vezes, os portadores trabalham em condições adequadas de higiene, mas a contaminação ocorre por quebra acidental e momentânea das normas.

A contaminação pode, também ocorrer através de portador que não é manipulador habitual de alimentos.

Na evidência de um caso isolado será muito difícil estabelecer a fonte de contaminação, mas não se deve deixar de examinar e submeter a testes laboratoriais todos os comunicantes.

 

Para determinação da extensão da área de transmissão – diante da ocorrência de um caso ou surto de Febre Tifóide, faz-se necessário estabelecer, criteriosamente, a cronologia e distribuição geográfica. Pela cronologia pode-se observar duas situações relativas à distribuição dos casos: muitas vezes, os portadores trabalham em condições adequadas de higiene, mas a contaminação ocorre por quebra acidental e momentânea das normas; a contaminação pode também ocorrer através de portador que não é manipulador habitual de alimentos.

Na evidência de um caso isolado será muito difícil estabelecer a fonte de contaminação, mas não se deve deixar de examinar e submeter a testes laboratoriais todos os comunicantes.

      Grande aglomeração de casos em um curto período de tempo, sugerindo intensa contaminação por fonte única, provavelmente circulação hídrica: dirigir a observação para as fontes de abastecimento de água ou locais disponíveis onde a população se abastece.

      Pequenos aglomerados de casos distribuídos ao longo do tempo, sugerindo contaminação de alimentos por portadores: a atenção deve ser dirigida para alimentos e sua manipulação. No entanto, quando a contaminação através de alimentos manipulados por portadores se faz num único momento, fica difícil a distinção com a distribuição dos casos por contaminação hídrica.

 

Pode-se esclarecer, com maior facilidade, a origem da contaminação a partir da distribuição geográfica dos casos, utilizando-se um mapa da localidade, considerando, a seguir, os atributos pessoais dos doentes.

 

Coleta e Remessa de Material para Exames

Deve ser providenciada a coleta de amostras clínicas, de água e alimentos suspeitos o mais precocemente possível. É da responsabilidade dos profissionais da vigilância epidemiológica e/ou dos laboratórios centrais ou de referência viabilizar, orientar ou mesmo proceder estas coletas.

 

Não se deve aguardar os resultados dos exames para o desencadeamento das medidas de controle e outras atividades da investigação, embora sejam imprescindíveis para a confirmação de casos e nortear o encerramento das investigações.

 

Análise de Dados

Os dados deverão ser analisados de modo a permitir o acompanhamento da tendência da doença. Essa análise compreende os seguintes aspectos principais:

 

      distribuição semanal e anual de casos e óbitos;

      coeficiente de incidência por atributos pessoais (idade, sexo e outros) e área geográfica;

      letalidade por grupos etários e área geográfica;

      percentual de casos notificados que foram investigados;

      percentual de casos de Febre Tifóide diagnosticados por laboratório.

 

Encerramento de Casos

As fichas epidemiológicas de cada caso devem ser analisadas visando definir qual o critério utilizado para o diagnóstico, considerando as seguintes alternativas:

 

      Confirmado por critério clínico-laboratorial – caso que preencha os requisitos postulados na definição de caso confirmado.

      Confirmado por critério clínico-epidemiológico – caso que preencha os requisitos postulados na definição de caso confirmado.

      Óbito – será considerado óbito por Febre Tifóide aquele em que os achados clínicos forem compatíveis com a doença e houver isolamento da Salmonella typhi ou detecção pela técnica de PCR; ou o caso clinicamente compatível e epidemiologicamente associado, ou seja, com forte vínculo com um caso confirmado por critério laboratorial.

      Caso descartado – caso notificado como Febre Tifóide que, após investigação epidemiológica, não tenha preenchido os requisitos para a confirmação pelo critério laboratorial ou clínico-epidemiológico.

 

Relatório Final

Deverá conter uma descrição das etapas da investigação e ações desenvolvidas, bem como apontar as conclusões e recomendações pertinentes para a prevenção de eventos futuros.

 

INSTRUMENTOS DISPONÍVEIS PARA CONTROLE

Imunização

A vacina contra a Febre Tifóide não é a principal arma para seu controle. Esta doença exige a concentração de esforços nas medidas de higiene individual e na melhoria do saneamento. A vacina, portanto, não apresenta valor prático para o controle de surtos, não sendo também recomendada em situações de calamidade. A experiência tem demonstrado que quanto maior a diluição das salmonelas, menor o risco de adquirir a doença. Esse fato parece estar de acordo com a observação geral de que, embora temida pelas autoridades sanitárias durante as enchentes, a Febre Tifóide não costuma produzir surtos nessas ocasiões, provavelmente em razão da maior diluição de bactéria no meio hídrico.

Além disso, sabe-se que a vacina atualmente disponível não possui um alto poder imunogênico e que esta imunidade é de curta duração, sendo indicada apenas para pessoas sujeitas a exposições excepcionais, como os trabalhadores que entram em contato com esgotos; para aqueles que ingressem em zonas de alta endemicidade, como por ocasião de viagem; e para quem vive em áreas onde a incidência é comprovadamente alta. Com a exceção de recrutas, não há recomendação atual da vacina contra a Febre Tifóide em massa ou rotineiramente, em populações circunscritas.

 

Atualmente, utilizam-se dois tipos de vacina contra a Febre Tifóide:

      a vacina composta de bactéria viva atenuada, apresentada em frasco unidose contendo três cápsulas;

      a vacina polissacarídica, apresentada em frasco de uma, 20 ou 50 doses (depende do laboratório produtor).

 

O esquema básico de vacinação, quando indicado, compreende:

      vacina contra Febre Tifóide composta de bactéria viva atenuada – corresponde a uma dose, ou seja, três cápsulas, a partir dos cinco anos de idade. Cada cápsula é administrada via oral, sob supervisão, em dias alternados – no primeiro, terceiro e no quinto dias. A cada cinco anos é feita uma dose de reforço;

      vacina polissacarídica – consiste de uma dose de 0,5 ml, subcutânea, a partir dos dois anos de idade. Nas situações de exposição contínua, revacinar a cada dois anos.

 

Eventos adversos pós-vacinação:

      vacina contra a Febre Tifóide composta de bactéria viva atenuada – desconforto abdominal, náuseas, vômitos, febre, dor de cabeça e erupções cutâneas;

      vacina polissacarídica – febre, dor de cabeça e eritema no local da aplicação.

 

Reações locais e sistêmicas são relativamente comuns, manifestando-se nas primeiras 24 horas e regredindo geralmente nas primeiras 48 horas depois da aplicação da vacina.

As vacinas contra a Febre Tifóide são conservadas entre +2ºC e +8ºC. O congelamento provoca a perda de potência.

 

Ações de Educação em Saúde

Destacar os hábitos de higiene pessoal, principalmente a lavagem correta das mãos. Este aspecto é fundamental entre pessoas que manipulam alimentos e trabalham na atenção de pacientes e crianças. Observar cuidados na preparação, manipulação, armazenamento e distribuição de alimentos, bem como na pasteurização ou ebulição do leite e produtos lácteos. As moscas podem transportar mecanicamente para os alimentos as bactérias presentes nas dejeções dos doentes e portadores, embora não desempenhem papel importante na propagação da doença. Faz-se necessário proteger os alimentos do seu contato, adotar cuidados com relação ao lixo, telar portas e janelas, etc.

 

Estratégias de Prevenção

Medidas de saneamento – sendo a Febre Tifóide uma doença de veiculação hídrica, seu controle está intimamente relacionado ao desenvolvimento de adequado sistema de saneamento básico, principalmente de fornecimento de água em quantidade suficiente, de boa qualidade, e à adequada manipulação dos alimentos. Não havendo rede pública de água e esgoto, a população deve ser orientada sobre como proceder em relação ao abastecimento de água e destino de dejetos.

 

Sistema público de abastecimento de água

      Caso não haja desinfecção do sistema, proceder sua imediata implantação mantendo a dosagem mínima de 0,2 mg/l de cloro residual livre nas pontas da rede de distribuição.

      Realizar a limpeza e desinfecção dos reservatórios de distribuição, sempre que necessário.

      Manter pressão positiva na rede de distribuição de água.

      Reparar possíveis pontos de contaminação (rachaduras, canalizações abertas, etc).

      Realizar, periodicamente, análise bacteriológica da água.

 

Sistema individual de abastecimento de água (poços, cisternas, minas, etc.)

      Proceder a limpeza e desinfecção do sistema, fazendo a desinfecção da água.

      Orientar sobre como realizar a proteção sanitária dessas fontes de abastecimento de água.

 

Medidas gerais

      Proceder a limpeza e desinfecção periódica das caixas de água de instituições públicas (escolas, creches, hospitais, centros de saúde, asilos, presídios, etc.), a cada seis meses ou com intervalo menor, se necessário.

      Orientar a população para proceder a limpeza e desinfecção das caixas de água domiciliares, a cada seis meses ou com intervalo menor, se necessário.

      Em locais onde a água for considerada suspeita, orientar a população para ferver ou clorar a água.

 

Medidas referentes aos dejetos

      Proceder a limpeza e reparo de fossas, se necessário.

      Orientar a população quanto ao uso correto de fossas sépticas e poços absorventes, em locais providos de rede de água.

 

Medidas referentes aos alimentos – alguns procedimentos devem ser adotados para evitar a transmissão da Febre Tifóide a partir da ingestão de alimentos contaminados. Dentre eles, destacam-se:

 

      a origem da matéria-prima ou do produto alimentício (datas de produção e validade devem ser conhecidas);

      o armazenamento do alimento deve ocorrer em condições que lhe confira proteção contra sua contaminação e reduza, ao mínimo, a incidência de danos e deteriorização;

      a manipulação do alimento deve ocorrer em ambientes saudáveis e por indivíduos possuidores de bons hábitos de higiene e que não estejam com doença infectocontagiosa;

      o preparo deverá envolver processos e condições que excluam toda e qualquer possibilidade da presença de Salmonella typhi no alimento pronto para consumo;

      os utensílios e equipamentos que interagem com os alimentos devem estar cuidadosamente higienizados para evitar a contaminação do produto;

      a conservação do produto alimentício acabado e pronto para consumo deve ocorrer em ambientes especiais (refrigeração), para que sejam mantidas as suas características e não seja facultada a proliferação de microrganismos;

      o alimento pronto para consumo deverá ser armazenado e transportado em condições tais que excluam a possibilidade de sua contaminação.

 

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