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Diarreia Aguda Não Inflamatória

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/08/2010

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QUADRO CLÍNICO

Paciente do sexo masculino, com 38 anos de idade, apresenta quadro de diarreia com 6 evacuações líquidas por dia.

 

Exame Físico

Pressão arterial: 100 x 60 mmHg.

Frequência cardíaca: 105 bpm.

Temperatura: 37,7°C.

 

COMENTÁRIOS

Diarreia aguda é definida como o aumento do número de evacuações ou a diminuição da consistência de fezes, sendo necessário um mínimo de 3 evacuações diárias. Algumas definições de diarreia utilizam o peso das fezes, considerando o volume fecal maior que 200 a 250 g/dia como compatível com quadro de diarreia. Entretanto, do ponto de vista prático, tla definição é difícil, preferindo-se a definição clínica.

A duração do quadro deve ser menor que 2 semanas. Pacientes com diarreia por períodos maiores que este apresentam a chamada diarreia persistente; já períodos maiores que 4 a 8 semanas definem diarreia crônica.

Em 90% dos casos, a diarreia aguda apresenta uma causa infecciosa, sendo a ingestão de água e alimentos contaminados com micro-organismos patogênicos a principal fonte de transmissão da doença. No caso de diarreia aguda não infecciosa, é notável a ausência de sintomas constitucionais.

As causas mais frequentes de diarreia aguda são comentadas a seguir.

 

Causas Não Infecciosas

      Medicações ou uso de outras substâncias osmóticas;

      substâncias contendo magnésio;

      síndrome de má absorção;

      medicações que causam diarreia por outros meios (sobretudo antibióticos como clavulonato).

 

Causas Infecciosas

Vírus

      Calicivírus, entre eles os norovírus (antes denominado de Norwalk);

      rotavírus.

 

Bactérias

      Vibrio cholera;

      Escherichia coli;

      Shigella;

      Salmonella;

      Campylobacter;

      Yersinia enterocolitica.

 

Toxinas

      Staphylococcus;

      Clostridium;

      Bacillus cereus;

      E. coli.

 

No paciente deste caso, o início do quadro ocorreu cerca de 30 minutos após terminar o seu café da manhã. O quadro iniciou com náuseas e vômitos que ocorreram profusamente; diarreia e febre apareceram cerca de 12 horas depois.

O tempo de aparecimento da diarreia aguda pode sugerir o diagnóstico. Por exemplo, instalação abrupta sugere a possibilidade de toxinas, conforme segue:

 

      em até 6 horas: toxina pré-formada S. aureus e Bacillus cereus; o norovírus pode apresentar quadro superagudo de vômitos com diarreia, aparecendo horas depois;

      8 a 16 horas: vírus e Clostridium perfringens;

      mais de 16 horas: infecções virais e bacterianas;

      evolução com sintomas sistêmicos incluindo rigidez de nuca: listeriose, lembrando que gestantes que fizeram consumo de leite pasteurizado apresentam possibilidade 20 vezes maior de desenvolver infecção por listéria.

 

No caso do paciente, há uma apresentação aguda com quadro de náuseas e vômitos que sugere a possibilidade de infecção por norovírus. As infecções por este agente são mais frequentes no inverno, com transmissão via alimentar e pessoa-pessoa, e taxa de ataque alta (acima de 50%). É comum os pacientes apresentarem resolução completa dos sintomas em 3 dias. Os norovírus usualmente acometem crianças com mais de 4 anos de idade e adultos jovens.

O rotavírus são outra causa de diarreia por vírus, podendo causar quadro semelhante, mas, por vezes, mais proeminente. Tipicamente, dissemina-se em meses de inverno e contamina crianças de 4 meses a 4 anos de idade; muitos dos adultos infectados são assintomáticos ou oligossintomaticos.

Outra possibilidade diagnóstica atraente é a de diarreia causada por toxina, em particular a do S. aureus. Nestes casos, a apresentação é usualmente aguda, com quadro inicial de dor abdominal em cólica e vômitos, com evolução rápida para diarreia. Febre pode aparecer, mas costuma ser baixa. O período de recuperação usual é de 12 a 48 horas, e uma fonte comum desta toxina é a dieta rica em proteínas, como churrascos, maionese, ovos e saladas.

A salmonelose tem curso subagudo, com febre por 1 a 2 dias e curso com diarreia por 5 a 7 dias. Na maioria dos casos, os pacientes apresentam gastroenterite simples, mas podem evoluir ainda com diarreia inflamatória. Em casos eventuais, a febre pode ser alta. A Salmonella pode ser transmitida por quase todos os alimentos, além de transmissão interpessoal. Os pacientes com prótese valvar ou riscos de bacteriemia podem se beneficiar do uso de antibióticos.

No caso deste paciente, parece razoável fazer hidratação inicialmente por via oral ou usar soluções por via oral como Rehidrate®. Em casos de diarreia mais pronunciada, pode-se considerar o uso de hidratação endovenosa, antieméticos como metoclorpramida e ondasentrona, antiespasmódicos e analgésicos. Neste caso, o paciente não apresentou quadro de diarreia inflamatória e, portanto, não necessitou de antibióticos nem investigação complementar.

O uso de antidiarreicos como a loperamida é opcional, e estudos demonstraram a segurança em seu uso em pacientes sem diarreia inflamatória. O racecadotril pode ser utilizado, pois, como inibidor da encefalinase, pode diminuir a quantidade de água em cada evacuação. Contudo, a medicação é cara e com benefício sintomático mínimo. Apesar de disseminado, o uso de probióticos tem benefício questionável e não deve ser feito rotineiramente.

No paciente em questão, foi iniciado o uso de sintomáticos e hidratação por via oral, mas o paciente iniciou o uso de antibióticos por conta própria, obtendo melhora 24 horas após seu início. Fez uso de antibióticos por 5 dias com melhora importante, mas, 5 dias depois, voltou a apresentar diarreia (3 a 4 evacuações diárias), eructações e sensação de abdome distendido. Nega quaisquer sintomas sugestivos de doença inflamatória.

Após quadros de diarreia aguda, podem ocorrer casos transitórios de deficiência de lactase, particularmente na população asiática. A deficiência parcial ou total da lactase é frequente, mas, mesmo na população caucasiana, em que sua deficiência é mais rara, é descrita em 25% dos adultos. Nesses quadros, tal deficiência pode ser piorada. Em geral, a deficiência de lactase apresenta-se como sintoma crônico, mas após diarreia aguda, sempre recomenda-se evitar lacticínios, com retorno destes após 2 semanas.

Outra possibilidade diagnóstica é a de diarreia associada ao uso de antibióticos, que pode evoluir ou não com enterocolite. Os principais antibióticos associados são clindamicina, cefalosporinas, amoxicilina/clavulanato. Quando a diarreia não é causada pelo Clostridium difficile, costuma ser um quadro leve e autolimitado, ocorrendo durante ou imediatamente após o curso de antibioticoterapia. Nesses pacientes, o uso de probióticos poderia ter algum benefício, embora ainda sem evidência para que se faça uma recomendação formal.

O Clostridium difficile é a principal causa de colite infecciosa em pacientes hospitalizados, mas de apenas 10 a 20% dos casos de diarreia associada a antibióticos. A transmissão nosocomial desta infecção ocorre pelas mãos de funcionários ou entre os próprios pacientes. A doença só ocorre após a administração de antibióticos, que reduzem a flora intestinal normal, possibilitando a proliferação do C. difficile, que passa a produzir toxinas citopáticas. Estas, em quantidade suficiente, causam a denominada colite pseudomembranosa. Em geral, ocorre precocemente após o uso de antibióticos, mas é descrita até 6 meses após seu uso.

A diarreia pode ser aquosa ou sanguinolenta e costuma vir acompanhada de dores abdominais e febre. Leucócitos e eritrócitos nas fezes são positivos. À endoscopia, a mucosa aparece hiperemiada, edemaciada, com placas branco-amareladas aderidas sobre a mucosa, de forma não contínua, acometendo qualquer parte do cólon, sobretudo o retossigmoide. A presença de pseudomembranas na colonoscopia é praticamente diagnóstica. O diagnóstico definitivo é feito pela pesquisa das toxinas A e B do Clostridium nas fezes. A pesquisa pelo teste Elisa tem uma sensibilidade de 92% e especificidade de quase 100%. As culturas não devem ser utilizadas para diagnóstico, pois podem detectar Clostridium sem toxina funcional.

Outra possibilidade diagnóstica para o paciente deste caso é de giardíase que, em geral, aparece com quadro crônico, mas eventualmente pode se apresentar com quadro agudo ou subagudo. Quase todos casos decorrem do consumo de água contaminada. Sintomas como perda de peso e dor abdominal são frequentes, mas febre é incomum e a diarreia não costuma ser inflamatória. O diagnóstico pode ser feito por exame protoparasitológico de fezes ou sorologia. O tratamento de escolha é o metronidazol 500 mg EV a cada 8 horas, por 5 a 7 dias.

O paciente foi orientado a evitar leite e derivados, sendo medicado com loperamida e sintomáticos. Apresentou melhora paulatina dos sintomas com resolução completa em 3 a 4 dias. Os derivados do leite foram reintroduzidos paulatinamente por 2 semanas sem apresentar efeitos adversos, o que torna provável a possibilidade de intolerância à lactase pós-diarreia infecciosa.

 

MEDICAÇÕES

Loperamida

Modo de Ação

A loperamida age diminuindo a motilidade intestinal por efeito direto na musculatura local.

 

Indicações

Tratamento sintomático de diarreia em pacientes sem sinais de diarreia inflamatória.

 

Posologia e Modo de Uso

Dose inicial de 4 mg, seguida por 2 mg a cada dejeção com fezes não formadas. A dose diária não deve exceder 16 mg/dia.

 

Efeitos Adversos

Dor e distensão abdominal, náuseas, vômitos e constipação são descritos. É difícil atribuir efeitos colaterais à medicação de maneira apropriada, pois muitos dos sintomas fazem parte da síndrome diarreica.

 

Apresentações Comerciais

Imosec® em comprimidos de 2 mg.

 

Monitoração

Sem recomendações específicas de monitoração.

 

Classificação na Gravidez

Classe B.

 

Interações Medicamentosas

Sem interações significativas descritas.

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