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Síndrome de abstinência alcoólica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 27/09/2012

Comentários de assinantes: 3

Quadro clínico

Paciente do sexo masculino, 46 anos de idade, com quadro de tremores, agitação e sudorese há 2 dias. Há algumas horas com alucinações visuais; fora isso, a consciência está preservada. Apresenta ainda dor em membro inferior esquerdo há 4 dias com hiperemia local, além de história de trauma leve no local há alguns dias. Antecedente de etilismo diário pelo menos 4 doses de álcool/dia.

 

Exame físico

       BEG, corado, hidratado, anictérico, acianótico;

       pressão arterial: 155 x 90 mmHg;

       temperatura: 37,2 °C;

       frequência cardíaca: 120 bpm;

       sudoreico, agitado com tremores;

       ausculta respiratória e cardiovascular normais;

       hiperemia em membro inferior esquerdo com edema local, sugestivo de erisipela.

 

O quadro de agitação, tremores, ansiedade, sudorese e alucinações deste paciente, que também é etilista pesado com cessação de consumo há 2 dias, sugere quadro de abstinência alcoólica. A interrupção do consumo foi associada com aparecimento de erisipela.

 

Comentários

O alcoolismo é uma condição comum que afeta de 8 a 15 milhões de pessoas nos Estados Unidos, com cerca de 500.000 episódios anuais de abstinência alcoólica. No Brasil, acredita-se que cerca de 6% da população apresente dependência ao álcool, sen­do esta a se­gun­da cau­sa de interna­ções psi­quiá­tri­cas. Algumas estimativas interessantes concluem que o álcool é responsável por:

 

       86% dos ho­mi­cí­dios;

       60% das agres­sões se­xuais;

       57% das agres­sões fa­mi­lia­res;

       64% dos in­cên­dios e quei­ma­du­ras;

       50% das mor­tes no trân­si­to;

       20% dos sui­cí­dios.

 

Quando se discute alcoolismo, alguns conceitos importantes devem ser citados:

 

1.      Abu­so de ál­cool: pa­drão de­sa­dap­ta­do de con­su­mo que leva a pre­juízo ou pro­ble­ma clini­ca­men­te sig­ni­fi­cativo, ma­ni­fes­ta­do por 12 me­ses como fa­lha em rea­li­zar obri­ga­ções profissionais ou pessoais, uso re­cor­ren­te em si­tua­ções pe­ri­go­sas, pro­ble­mas le­gais rela­cio­na­dos ao álcool, uso con­tinuado a des­pei­to de pro­ble­mas pes­soais ou so­ciais relacionados.

2.      De­pen­dên­cia do ál­cool: pa­drão de­sa­dap­ta­do de con­su­mo que le­va a pre­juí­zo ou problemas cli­ni­ca­men­te sig­ni­fi­cativos, manifes­ta­dos por 12 me­ses por 3 ou mais dos seguin­tes mo­ti­vos:

  to­le­rân­cia (uso de do­ses pro­gres­si­va­men­te maio­res ou efei­to re­du­zi­do com a mes­ma dose);

  abs­ti­nên­cia (sin­to­mas de abs­ti­nên­cia ou uso para ali­viar ou evi­tar os sinto­mas);

  uso de do­ses maio­res e por pe­río­dos mais pro­lon­ga­dos que o planejado;

  de­se­jo per­sis­ten­te ou ten­ta­ti­vas sem su­ces­so de parar ou re­du­zir o uso;

  gran­de tem­po despendido na ob­ten­ção, no uso ou na re­cu­pe­ra­ção do uso;

  redução ou não realização de ati­vi­da­des so­ciais, re­crea­cio­nais ou ocupacio­nais importan­tes;

  uso con­ti­nua­do a des­pei­to do co­nhe­ci­men­to dos pro­ble­mas fí­si­cos e psi­co­ló­gicos asso­cia­dos ao ál­cool.

 

A síndrome de abstinência alcoólica é o conjunto de manifestações causadas pela suspensão abrupta do consumo de álcool em pacientes com uso crônico deste, levando a sinais e sintomas específicos.

 

Fisiopatologia

A fisiopatologia não é completamente entendida, mas é dependente de neurotransmissores ligados ao uso contínuo de álcool. A ingestão aguda de álcool leva inicialmente a uma liberação de opioides endógenos causando euforia e reforço para o uso contínuo. E m seguida, há ativação dos receptores inibitórios GABA tipo A, que causam efeitos sedativos, ansiolíticos e alteração da coordenação e inibição dos receptores excitatórios glutamato tipo NMDA (N-metil-D-aspartato), causando mais sedação, intoxicação e distúrbios cognitivos. Em longo prazo, o uso crônico do álcool altera o número e a função dos receptores como uma resposta compensatória aos efeitos depressivos do álcool. Assim, há uma diminuição (down regulation) nos receptores GABA tipo A e um aumento (up regulation) nos receptores glutamato tipo NMDA. Tal adaptação crônica na ausência aguda do álcool leva ao estado de hiperexcitabilidade da síndrome de abstinência alcoólica. A síndrome ainda está associada à alteração nos níveis de liberação de noradrenalina e dopamina. A hiperestimulação adrenérgica deve-se a uma redução da atividade de adrenorreceptores inibitórios pré-sinápticos do subtipo, um fenômeno conhecido como down-regulation.

A hiperatividade de receptores NMDA (N-mMetil-D-aspartato) também está relacionada ao aumento da liberação noradrenérgica no locus ceruleus de ratos, observada após a retirada do álcool. Assim, algumas reações que podem ocorrer incluem taquicardia, hipertensão, náuseas, vômitos, midríase, tremores pela facilitação da neurotransmissão muscular e febre. Não é claro, porém, o motivo de alguns pacientes apresentarem sintomas muito mais pronunciados que outros; predisposição genética parece apresentar papel. Também está demonstrado que o uso sustentado crônico apresenta maior risco que o uso por curtos períodos. Esses sintomas não ocorrem na maior parte da população que bebe álcool ocasionalmente, pois parece ser necessário manter níveis séricos de álcool aumentados para ocorrer a abstinência com a suspensão abrupta do consumo.

 

Achados clínicos

O diagnóstico depende da história de cessação ou redução do uso de álcool em paciente que costuma usar grandes quantidades dessa substância. A história de cessação de álcool e mais 2 dos sintomas a seguir são suficientes para o diagnóstico:

 

       hiperatividade autonômica, evidenciada por taquicardia, sudorese e hipertensão;

       tremores;

       insônia;

       náuseas e vômitos;

       alucinações;

       ansiedade;

       agitação;

       crises convulsivas (tônico-clônicas generalizadas).

 

Os sintomas costumam aparecer após 6 a 24 horas da última ingesta de álcool. O uso de benzodiazepínicos pode retardar o aparecimento da síndrome. Em alguns bebedores pesados, a simples diminuição da ingesta é suficiente para desencadear sintomas de abstinência. Na maioria dos casos, o curso é benigno e se resolve em 2 a 3 dias.

Os sintomas menores de abstinência incluem tremores, ansiedade, cefaleia, anorexia e palpitações. Podem ainda ocorrer sintomas gastrintestinais, como náuseas, vômitos, anorexia e dispepsia, decorrentes de retardo do esvaziamento gástrico associado a aumento da atividade autonômica. Aumento de temperatura também pode ocorrer. Os sintomas menores ocorrem de 6 a 36 horas após a última dose de álcool.

Convulsões associadas à abstinência ocorrem de 12 a 48 horas após a última ingesta, mas podem ocorrer até 2 horas após ingestão alcoólica. São crises tônico-clônicas generalizadas, normalmente como crise única, embora possam ocorrer até 6 crises convulsivas, sobretudo em pacientes que não recebem benzodiazepínicos no início do tratamento. Os estudos são controversos quanto à incidência de convulsões na síndrome de abstinência. Algumas séries referem 5% dos pacientes evoluindo com convulsão, outras mostram entre 15 e 33%. Nessas condições, estado de mal epiléptico é raríssimo.

A alucinose alcoólica é outra manifestação importante e não deve ser considerada sinônimo de delirium tremens. Ocorre em 12 a 48 horas após a última ingestão de álcool e não está associada com importante alteração de sensório, o que ocorre em pacientes com delirium tremens. As alucinações costumam ser visuais, mas em até 25% dos pacientes com síndrome de abstinência elas podem ser também auditivas e táteis.

A manifestação mais grave da síndrome de abstinência é o delirium tremens, que ocorre 48 a 96 horas após a última ingesta de álcool e dura 3 dias, mas pode persistir até 14 dias. As manifestações incluem:

 

       desorientação e confusão mental importantes;

       extrema agitação com necessidade, na maioria dos casos, de restrição mecânica;

       tremores grosseiros;

       instabilidade autonômica, com taquicardia importante, aumento de PA e alterações hidreletrolíticas;

       ideação paranoide;

       acentuada resposta a estímulos externos;

       alucinações visuais, mas podem ser de qualquer forma.

 

Alguns fatores de risco para desenvolver delirium tremens são bem definidos na literatura:

 

       uso sustentado de álcool;

       história prévia de delirium tremens;

       idade maior que 30 anos;

       presença de doença precipitante;

       alcoolemia elevada (raramente disponível no Brasil);

       tempo de última dose de álcool maior que 2 dias.

 

A mortalidade do delirium tremens é de até 5%, mas depende de seu manejo adequado. A morte ocorre por arritmias, distúrbios hidreletrolíticos ou condições associadas como pneumonia.

Os principais achados da síndrome de abstinência alcoólica são sumarizados na Tabela 1.

 

Tabela 1. Manifestações da síndrome de abstinência alcoólica

Síndrome

Achados

Tempo de aparecimento

Sintomas menores

Tremores, ansiedade, cefaleia, anorexia, palpitações

6 a 36 horas

Crises convulsivas

Crises tônico-clônicas generalizadas, em geral únicas ou até 6 episódios

6 a 48 horas

Alucinose

Visuais ou auditivas, mas senso de orientação preservado

12 a 48 horas

Delirium tremens

Delirium, agitação, taquicardia, febre, diaforese, crise hipertensiva

48 a 96 horas

 

A Figura 1 mostra a relação temporal das manifestações.

 

Figura 1. Relação temporal e manifestações da síndrome de abstinência alcoólica (SAA).

 

Avaliação

A monitoração próxima e repetida destes pacientes é importante, e o uso de escalas objetivas pode auxiliar o tratamento. Uma das escalas mais utilizadas é a CIWA-Ar – Revised Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol Scale, desenvolvida para avaliar e monitorar a terapêutica dirigida por sintomas nestes pacientes (Tabela 2).

 

Tabela 2. Escala CIWA-Ar

Náuseas e vômitos

0 sem náuseas, sem vômitos

1 náuseas leves sem vômitos

2

3

4 náuseas intermitentes com esforço seco de vômitos

5

6

7 náuseas constantes, esforço seco de vômito e vômitos frequentes

Distúrbios táteis

0 nenhum

1 prurido, agulhadas, dormência ou queimação muito leves

2 prurido,agulhadas, dormência leves

3 prurido, agulhadas, dormência moderados

4 alucinações moderadamente graves

5 alucinações graves

6 alucinações muito graves

7 alucinações contínuas

Tremor

0 sem tremor

1 não visível, mas pode ser sentido com ponta dos dedos

2

3

4 moderado com os braços estendidos

5

6

7 grave mesmo com os braços não estendidos

Distúrbios auditivos

0 ausentes

1 muito pouco assustadores

2 pouco assustadores

3 moderadamente assustadores

4 alucinações moderadamente graves

5 alucinações graves

6 alucinações muito graves

7 alucinações contínuas

Sudorese

0 sem sudorese visível

1 sudorese muito leve, mãos úmidas

2

3

4 gotas de suor visíveis na fronte

5

6

7sudorese intensa

Distúrbios visuais

0 nenhum

1 sensibilidade muito leve

2 sensibilidade leve

3 sensibilidade moderada

4 alucinações moderadamente graves

5 alucinações graves

6 alucinações muito graves

7 alucinações contínuas

 

Ansiedade

0 sem ansiedade

1 ansiedade leve

2

3

4 moderadamente ansioso

5

6

7 equivalente a estados agudos de pânico

Cefaleia ou cabeça pesada

0 ausente

1 muito leve

2 leve

3 moderada

4 moderadamente grave

5 grave

6 muito grave

7 extremamente grave

Agitação

0 atividade normal

1 algo mais que atividade normal

2

3

4 moderadamente impaciente e incomodado

5

6

7 agitação e inquietude extremas

Orientação

0 orientado e pode realizar somas seriadas

1 não pode realizar somas seriadas ou incerteza sobre a data

2 desorientado para data por não mais de dois dias

3 desorientado para data por mais de dois dias

4 desorientado espacialmente e/ou para pessoas

 

A síndrome de abstinência pode ser classificada conforme a escala da seguinte forma:

 

       leve: < 15 pontos;

       moderada: 16 a 20 pontos;

       grave: > 20 pontos.

 

Escores elevados são indicação de tratamento sob internação e uso de benzodiazepínicos; já as crises leves podem ser manejadas ambulatorialmente. Um estudo brasileiro de 114 pacientes com abstinência leve a moderada mostrou a plausibilidade do tratamento ambulatorial de pacientes com abstinência por enfermeira especializada. Apenas 20% dos pacientes necessitaram de avaliação clínica, 92% fizeram uso de benzodiazepínicos ambulatorialmente e somente 5% necessitaram de internação hospitalar.

 

Exames complementares

O diagnóstico da síndrome é clínico e exige a exclusão de diagnósticos, como infecções, exemplo da meningite, crise tireotóxica, entre outras condições. Os exames são importantes ainda para avaliar condições que podem ter precipitado a interrupção de álcool e pioram o prognóstico destes pacientes. Tais exames incluem:

 

       hemograma;

       glicemia;

       ureia, creatinina, sódio, potássio, magnésio, cálcio;

       enzimas hepáticas;

       tempo de protrombina;

       amilase e lipase;

       eletrocardiograma;

       radiografia de tórax;

       urina tipo 1;

       tomografia computadorizada de crânio.

 

A tomografia é indicada apenas em pacientes confusos, com convulsões parciais ou convulsões generalizadas reentrantes, história de TCE, déficit neurológico focal no exame físico ou primeiro episódio convulsivo. Outros exames complementares, como coleta de líquido cefalorraquidiano, têm indicação conforme a apresentação clínica.

 

Tratamento

Os pacientes devem ser alocados em ambiente tranquilo e com pouco barulho. Orientação constante pela equipe ajuda o paciente a melhorar, sendo restrição mecânica necessária em boa parte dos pacientes com delirium tremens.

Desidratação e déficits eletrolíticos são importantes nestes pacientes. Assim, atenção especial deve ser dada à hidratação, realizada de preferência com soluções fisiológicas. Em pacientes com delirium tremens, a reposição usual é de 2 L/dia, podendo chegar até 5 L/dia.

Um problema potencial é o risco de desenvolver encefalopatia de Wernicke durante a reposição com solução glicosada. A encefalopatia de Wernicke é uma condição associada à deficiência de tiamina e é caracterizada por confusão mental, ataxia e oftalmoplegia. Uma de suas principais causas é o alcoolismo crônico. A tiamina é uma enzima envolvida em múltiplas fases do metabolismo energético e suas necessidades são maiores em momento de maior demanda, como após infusão de glicose. Por este motivo, pode precipitar-se a encefalopatia de Wernicke em pacientes com história importante de etilismo. Critérios clínicos para seu diagnóstico foram propostos, sendo os de Caine os mais aceitos. A presença de 2 desses critérios é suficiente para o diagnóstico:

 

       déficit nutricional;

       alterações cerebelares;

       alterações oculomotoras;

       alterações de estado mental ou memória.

 

Além da tríade clássica, outros sintomas como disfunção vestibular e neuropatia periférica podem ocorrer. O tratamento é pouco baseado em evidências, mas um esquema em geral sugerido é de tiamina 500 mg EV ou IM 3 vezes/dia por 2 dias e, posteriormente, 1 vez/dia por 5 dias. Para profilaxia do aparecimento de encefalopatia de Wernicke, como no caso de pacientes com síndrome de abstinência, o esquema é 100 a 200 mg IM 1 a 2 vezes/dia. Apesar da tiamina oral não ser recomendada para tratamento da síndrome de Wernicke, ela pode ser utilizada para profilaxia em dose de 100 a 300 mg/dia VO.

Hipomagnesemia é frequente em etilistas, mas a reposição de magnésio é controversa. Seu uso na abstinência alcoólica não teve benefício em um estudo, porém, caso os níveis estejam baixos, a reposição de 1 a 2 g diluídas em 100 mL de salina fisiológica é recomendada.

O esteio do tratamento é o uso de benzodiazepínicos. A dose e a via de administração dependem de vários fatores: capacidade de ingestão oral, gravidade da abstinência, idade e doenças de base. Em geral, as doses são maiores e mais frequentemente aplicadas em pacientes mais graves.

Em pacientes com abstinência leve a moderada, a literatura validou o tratamento ambulatorial. Nesse caso, um benzodiazepínico pode ser prescrito por poucos dias, por exemplo o diazepam 5 a 10 mg via oral a cada 6 a 8 horas, com ajustes após as primeiras doses. As doses são rapidamente diminuídas (5 mg/dia) nos dias seguinte até descontinuação.

Em paciente com abstinência grave, com mais de 20 pontos na Classificação CIAW, que se encontra muito agitado e com vômitos, a melhor opção é internar para manejar esse paciente, e a via de escolha do benzodiazepínico é parenteral. Com o diazepam, pode-se iniciar com 5 a 10 mg IV lentamente; dependendo da resposta, pode-se repetir várias vezes, até a cada 30 minutos ou a cada hora. O objetivo é deixar o paciente calmo, evitando deixá-lo rebaixado (aumenta o risco de complicações e aspiração). Esquemas com doses fixas orais podem ser utilizado, mas estudos demonstraram que esquemas baseados em sintomas diminuem estes mais rapidamente e utilizam doses muito menores de benzodiazepínicos para controle dos sintomas.

O diazepam não deve ser utilizado via IM; a opção seria o uso do lorazepam. A melhor conduta é a avaliação contínua do paciente, sobretudo, após cada dose de diazepam.

Em pacientes com abstinência grave e capazes de ingerir por via oral, pode-se iniciar com lorazepam (1 a 4 mg) ou diazepam (5 a 10 mg) a cada hora e com espaçamento progressivo, de acordo com as reavaliações. Da mesma forma que se usam os critérios de pontuação (10 critérios), pode-se usá-los para avaliação contínua, como critério de melhora.

Em pacientes com delirium tremens, o uso de benzodiazepínicos pode não ser suficiente para sedar o paciente. Em algumas ocasiões pode ser necessário o uso de midazolam endovenoso contínuo, com dose inicial de 5 mg em bolus e depois 2 mg por hora com adequação da dose. É necessário monitoração respiratória destes pacientes.

Caso o paciente ainda esteja agitado e com alucinações, o uso de neurolépticos pode ser necessário. Por outro lado, os neurolépticos aumentam a incidência de convulsões, devido à redução do limiar convulsivo, sendo contraindicados como monoterapia. Podem ser usados em associação com os diazepínicos em pacientes extremamente agitados e com muitas alucinações, sobretudo após as primeiras 24 a 48 horas da abstinência, quando diminuem as chances de convulsão. A olanzapina é uma opção em dose inicial de 10 mg; o haloperidol também pode ser utilizado em doses de 5 mg IM, embora menos recomendado; as fenotiazidas, por sua vez, devem ser evitadas.

 

Outras opções

Betabloqueadores

Podem reduzir algumas manifestações da abstinência do álcool, como taquicardia e tremores. Não há evidências de redução de convulsões e podem piorar delirium. Em geral, não são indicados, com uso restrito na abstinência associada a comorbidades que necessitem de betabloqueadores, como doença coronariana, hipertensão ou taquicardia intensos.

 

Anticonvulsivantes

Não são indicados para profilaxia de crises convulsivas. O hidantal em particular não deve ser utilizado em crises convulsivas associadas à abstinência de álcool. A carbamazepina, por sua vez, pode ser utilizada como alternativa aos benzodiazepínicos para tratar a síndrome de abstinência, sendo superior ao placebo em pacientes com abstinência leve a moderada.

A administração é via oral; iniciar com 200 a 400 mg a cada 12 horas, podendo chegar a 1.200 a 1.600 mg/dia. Pode causar náusea e vômitos ao início da terapêutica. Não há disponível preparação parenteral.

 

Clonidina

Reduz manifestações autonômicas da abstinência, mas não há nenhuma evidência de diminuir desfechos importantes, como delirium e convulsões.

 

Etanol parenteral

Pode melhorar os sintomas, mas seu uso não é considerado seguro nestes pacientes.

 

Barbitúricos

Podem ser utilizados e em um único estudo a eficácia foi semelhante aos benzodiazepínicos, devido ao risco de depressão respiratória devem ser evitados.

 

Baclofeno

Relaxante muscular de ação central usado para espasticidade, que age como agonista GABA e, portanto, teria efeitos teóricos benéficos sobre os sintomas de abstinência alcoólica. Um estudo mostrou melhora de sintomas após dose de 10 mg de baclofeno, mas ainda não existem dados suficientes para recomendar seu uso.

 

Prescrição

Paciente com escore CIAWA de 18 caracterizando abstinência moderada, evoluiu em poucas horas com delirium tremens. De qualquer forma, o tratamento desde o início foi internado devido à erisipela associada. A Tabela 3 traz a prescrição sugerida para este paciente.

 

Tabela 3. Prescrição sugerida para o paciente

Prescrição

Comentário

Jejum

Nível de consciência deteriorou logo, não permitindo alimentação oral

Tiamina 100 mg IM a cada 12 horas

Prevenção de encefalopatia de Wernicke

SG 5%1.000 mL e NaCl 30% 20 mL EV a cada 8 horas

Hidratação e manutenção de aporte calórico

Diazepam 10 mg EV agora

Terapia baseada em sintomas, reavaliação a cada hora

Oxacilina 2 g EV a cada 4 horas

Tratamento da erisipela

 

Medicações

Benzodiazepínicos

Substâncias sedativas, ansiolíticas e amnésticas. Atingem tais efeitos por interagirem com receptores GABAérgicos do sistema nervoso central, que controlam o influxo de íons cloreto para as células-alvo.

 

Midazolam

1.   Modo de ação

Agonista dos receptores GABA do sistema nervoso central.

 

2.   Indicações

Medicação para sedação contínua ou utilizada como ansiolítico. Usado, ainda, no controle de estados epilépticos.

 

3.   Posologia

Pode ser administrada por via oral, intramuscular ou endovenosa. Para sedação contínua, administrar em doses de 0,05 a 0,1 mg/Kg/h.

Sugestão de diluição: 10 ampolas (150 mg) de midazolam em 120 mL de soro glicosado (solução com 1 mg/mL de midazolam).

 

4.   Efeitos adversos

Pode-se observar bigeminismo, hipotensão arterial, taqui ou bradicardia, bradipneia, broncoespasmo e cefaleia.

 

5.   Apresentação comercial

DormonidÒ (ampolas de 3 mL, com 15 mg).

 

6.   Monitoração

A possibilidade de hipotensão e o nível de sedação tornam constante a monitoração do nível de consciência – idealmente com parâmetros eletrofisiológicos – e dos dados vitais, como frequência cardíaca e pressão arterial, em pacientes submetidos a infusão contínua de tal droga.

 

7.   Classificação na gestação

Classe D.

 

8.   Interações medicamentosas

Midazolam pode apresentar interações farmacológicas clinicamente importantes com anestésicos inalatórios, derivados imidazólicos, barbitúricos, álcool, cimetidina, anticoncepcionais orais (ACO), antirretrovirais, xantinas, ácido valproico e verapamil.

 

Diazepam

1.   Modo de ação

Agonista dos receptores GABA do sistema nervoso central.

 

2.   Indicações

Medicação utilizada para ansiólise, como sedativo em infusão contínua ou como medicação para controle agudo de crises convulsivas. Pode ser utilizado no controle de crise de abstinência ao álcool.

 

3.   Posologia

Na administração oral, pode-se iniciar doses por volta de 10 mg (menores em indivíduos idosos, nefropatas ou hepatopatas) repetindo-se em intervalos frequentes para o controle da abstinência alcoólica ou para controle da ansiedade.

Quando usado para abortar crise epiléptica, deve-se administrar (de maneira endovenosa) dose de 0,3 mg/kg.

Para sedação contínua, podem ser necessárias doses por volta de 10 mg/h, devendo-se titular conforme o efeito desejado ou surgimento de efeitos adversos.

 

4.   Efeitos adversos

Pode ser observado rebaixamento do nível de consciência, que vai desde leve sonolência até coma e apneia. Eventualmente, pode ser observado fenômeno paradoxal de agitação neuropsicomotora, podendo-se deflagrar até quadros francamente psicóticos.

 

5.   Apresentação comercial

ValiumÒ, comprimidos de 10 mg e ampolas de 10 mg em 2 mL.

 

6.   Monitoração

Assim como para midazolam, deve-se acessar frequentemente o nível de consciência do indivíduo, bem como os sinais vitais, atentando-se para os possíveis efeitos adversos advindos de sua administração.

 

7.   Classificação na gestação

Classe D.

 

8.   Interações medicamentosas

Diazepam pode interagir significativamente com cimetidina, ACO, dissulfiram, glicosídeos cardíacos, omeprazol e xantinas.

 

Lorazepam

1.   Modo de ação

Agonista de receptores GABA do sistema nervoso central.

 

2.   Indicações

Benzodiazepínico mais utilizado em ambientes de terapia intensiva – nos países em que sua forma endovenosa é disponível – pelo perfil farmacodinâmico favorável (meia-vida relativamente curta, início de ação rápido). É o sedativo de eleição em indivíduos com alteração de função hepática.

 

3.   Posologia

A dose ansiolítica via oral pode variar entre 1 e 10 mg/dia, usualmente entre 2 e 6 mg. Para controle de crise epilética, doses endovenosas de 4 mg podem ser administradas em intervalos de até cada 15 minutos, lentamente numa taxa de 2 mg/minuto. Dose de indução de hipnose deve ser de 0,044 mg/kg com titulação conforme o efeito desejado.

 

4.   Efeitos adversos

O uso do lorazepam pode-se associar a hipotensão, rebaixamento do nível de consciência, diarreia/constipação intestinal e elevação de enzimas como TGO, TGP, desidrogenase lática e fosfatase alcalina.

 

5.   Apresentação comercial

LoraxÒ, comprimidos de 0,5, 1 e 2 mg, ampolas de 2 e 4 mg/mL.

 

6.   Monitoração

O nível de consciência e variáveis fisiológicas deve ser acessado frequentemente, a fim de flagrar eventos adversos precocemente.

 

7.   Classificação na gestação

Classe D.

 

8.   Interações medicamentosas

Álcool, outros depressores do sistema nervoso central, digoxina, anticoncepcionais, rifampicina, escopolamina e xantinas podem interagir significativamente com o lorazepam.

 

Penicilinas semissintéticas

Oxacilina

A oxacilina pertence à família das isoxazolilpenicilinas, derivado semissintético das penicilinas. A oxacilina pode ser utilizada na forma oral e parenteral, com meia-vida de 30 a 60 minutos e eliminação renal. Em pacientes com meninges normais, a concentração liquórica é inadequada, aumentando-se de forma significativa na vigência de meningite. A principal característica da droga é a resistência à ação das penicilinases produzidas por Staphylococcus aureus.

A administração deve ser feita em intervalos de 4 horas. A meticilina é uma droga do mesmo grupo, porém não é utilizada clinicamente.

As indicações clínicas limitam-se ao tratamento de infecções ocasionadas por Staphylococcus aureus sensíveis à oxacilina, como celulite, furunculose, endocardite, pneumonias e osteomielite. Apesar do aumento de cepas de Staphylococcus aureus resistentes à oxacilina, principalmente em ambiente hospitalar, a oxacilina continua sendo a droga de escolha para cepas sensíveis, independente da gravidade da doença.

 

1.   DOSE HABITUAL: 100 a 200 mg/kg/dia a cada 4 horas. Trabalho recente em pacientes adultos demonstrou que doses menores que 4 g/dia implicam piora de prognóstico, ajuste de dose em insuficiência hepática no caso de concomitância com insuficiência renal.

2.   GESTAÇÃO: classe B.

3.   Apresentações comerciais: oxacilina e stafilicin-N frasco-ampola com 500 mg.

Comentários

Por: José Luiz Ugá em 24/09/2012 às 20:14:13

"Artigo excelente,esclarecedor e atualizado. Parabens."

Por: RAQUEL GUEDES SOBREIRA em 17/09/2012 às 20:20:01

"ADOREI ESTE CASO,ADOREI AS EXPLICAÇOES E ORIENTAÇOES.SIMPLES E OBJETIVAS."

Por: orlando pereira fraga em 16/09/2012 às 11:57:24

"importante trabalho, de grande importancia em nossa clinica diaria principalmente nos programas saúde da familia, onde encontramos frequentemente casos varios semelhantes."

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