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Tétano

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 16/07/2013

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Quadro clínico

Homem de 63 anos de idade, morador de zona rural, com história de acidente com enxada ferindo parte da sua perna esquerda há 7 dias, evoluindo com hiperemia local. Após 4 dias, apresentou contratura local evoluindo com dor importante em todo o membro inferior esquerdo. Posteriormente, evoluiu com sensação de rigidez em região maxilar e dificuldade em abrir a boca, progredindo com piora dessa rigidez. No momento do atendimento, apresentava contrações musculares generalizadas e dificuldade para respirar, sendo realizada intubação orotraqueal com grande dificuldade.

Paciente com história de ferimento com metal e evoluindo com contratura inicialmente local, posteriormente em região de masseter e então generalizada, torna o tétano um diagnóstico obrigatório. Neste texto, será brevemente discutido o manejo do paciente com tétano acidental, não sendo abordado o tétano neonatal.

 

Comentário

O tétano é uma alteração transmissível de sistema nervoso central, caracterizada por espasmos musculares e causada pela tetanospamina, uma toxina do Clostridium tetani que é um agente anaeróbio, presente no solo. Sua forma de penetrar no organismo humano é através de ferimentos ou lesões cutâneas, sobretudo via tecidos desvitalizados.

A doença é classificada em acidental e neonatal. O tipo acidental, como o de nosso caso, é adquirido e pode ser generalizado ou localizado.

A maioria dos casos de tétano não tem imunização adequada.

A incidência de tétano acidental é extremamente rara em países desenvolvidos. No Reino Unido, por exemplo, são 0,2 casos por milhão de habitantes anualmente. Mesmo no Brasil, o número de casos é relativamente baixo, com cerca de 500 a 600 casos anuais, a maioria deles ocorrendo nas regiões Norte e Nordeste.

 

Patogênese

O Clostridium tetani é um bacilo gram-positivo, anaeróbio estrito, que, em condições adversas, forma um esporo extremamente resistente. Estes esporos se encontram em material eventualmente contaminado por terra, poeira e fezes. Em tecidos desvitalizados, estes esporos podem proliferar e produzir tetanospamina. A toxina se liga a receptores nervosos na região do ferimento e posteriormente invade axônios e o sistema nervoso central. Esta toxina bloqueia a liberação de neurotransmissores inibitórios GABAérgicos, causando hiperexcitabilidade dos neurônios motores e, consequentemente, rigidez e contrações musculares.

 

Manifestações clínicas

O período de incubação varia de 7 a 10 dias, sendo que períodos de incubação menor têm importante relação com piora do prognóstico. Os pacientes costumam permanecer alertas sem alterações de consciência quando se inicia o quadro, e mesmo em quadros mais avançados, a princípio, se mantém o nível de consciência. O envolvimento da musculatura se inicia pela musculatura do masseter com o aparecimento de trismo, evoluindo posteriormente com comprometimento da musculatura cervical, surgindo, então, disfagia e contratura de ombros, dorso, musculatura abdominal e região proximal de membros inferiores e superiores; a musculatura distal de mãos e pés é relativamente poupada. Essa contração muscular é extremamente dolorosa e piora a qualquer estímulo, como luz e toque, e pode causar fraturas ósseas e impossibilidade de ventilar o paciente. Algumas manifestações são características:

 

      riso sardônico: envolvimento da musculatura facial;

      rigidez nucal;

      opistótono: contratura da musculatura dorsal;

      abdome rígido como tábua;

      períodos de apneia: contratura de musculatura torácica e faríngea;

      disfagia.

 

A contração muscular se torna progressivamente mais frequente e intensa conforme a doença progride. Outra característica importante é o aparecimento de disautonomia, com o paciente podendo apresentar alternância entre hipotensão e hipertensão significativa e arritmias.

O tétano não é necessariamente generalizado. Pode haver manifestações localizadas como:

 

1.    tétano cefálico: pacientes com lesão em pescoço e cabeça podem ter manifestações limitadas a envolvimento de nervos cranianos, com o nervo facial sendo o mais comumente envolvido. Trismo e disfagia também são comuns e a maioria dos casos se torna generalizada durante a evolução.

2.    tétano localizado: apresentação rara em que o paciente apresenta contraturas musculares em apenas uma extremidade ou local do corpo; tem diagnóstico extremamente complexo.

 

Exames complementares

tétano é uma situação com diagnóstico clínico, e os achados laboratoriais são inespecíficos. Os exames podem ser realizados para avaliar complicações do tétano, como dosagem de CPK para avaliar risco de rabdomiólise pelo tétano. Os exames podem ajudar a distinguir o tétano dos seus diagnósticos diferenciais, como distonia por drogas, intoxicação por estricnina, síndrome neuroléptica maligna e síndrome da pessoa rígida.

 

Tratamento

O manejo se baseia em grande parte nas medidas de suporte, como manter as vias aéreas pérvias, sendo que as contraturas da musculatura podem tornar a intubação orotraqueal extremamente difícil. Se for necessário utilizar bloqueador neuromuscular para intubação, o roncurônio é a medicação de escolha, com dose de 1 mg/kg. O vencurônio, por sua vez, é a medicação de escolha para manutenção, em dose de 0,1 mg/kg/hora. Ambos são considerados drogas de escolha, mas também é possível usar o pancurônio, e existem descrições de uso de baclofeno em pequenas séries de casos. A succinilcolina deve ser evitada, pois há risco de hipercalemia.

Para a sedação, os benzodiazepínicos são a droga de escolha, com o midazolam tendo a vantagem teórica de menor risco de acidose lática. A dose usual de diazepam é de cerca de 30 mg EV, dada em doses de 5 mg a cada 4 horas, mas doses de 120 mg/dia podem ser necessárias. Já o midazolam tem dose de 5 a 15 mg/kg/hora, conforme a necessidade. Outra opção é o propofol, embora ele também esteja associado a desenvolvimento de acidose lática.

O sulfato de magnésio também deve ser utilizado como adjuvante, após os resultados de um estudo randomizado que demonstrou que a medicação poderia ajudar a diminuir a disfunção autonômica. A dose de ataque é 40 mg/kg, seguido de 2 g/hora diluídos em solução glicosada.

Os pacientes podem evoluir com hipotensão e, neste caso, é necessário o uso de solução salina fisiológica para recuperação hemodinâmica. Drogas vasoativas devem ser usadas em pacientes que evoluem com choque, mas sempre deve-se iniciar a ressuscitação com reposição volêmica, até porque estes pacientes muito frequentemente apresentam hiperatividade adrenérgica.

Os pacientes podem ainda apresentar hiperatividade adrenérgica com necessidade de betabloqueadores com ação alfabloqueadora, como labetalol (0,25 a 1 mg/min). O uso de betabloqueadores exclusivos, como propranolol, deve ser evitado isoladamente. A clonidina pode ser usada em associação com betabloqueadores em dose de 0,3 mg oral ou, eventualmente, por sonda. Podem ainda ser utilizados bloqueadores de canal de cálcio se o paciente apresentar taquiarritmias. A morfina pode ser dada ainda em dose de 0,5 a 1 mg/hora, para disfunção autonômica e sedação destes pacientes.

A antibioticoterapia provavelmente tem um papel pequeno na evolução dos pacientes, mas ainda assim é recomendada para todos os pacientes. O antibiótico de escolha é o metronidazol, em dose de 500 mg EV a cada 6 ou 8 horas. A penicilina cristalina é uma opção em dose de 2 a 4 milhões de unidades a cada 4 ou 6 horas. Em geral, o curso de antibioticoterapia é de 7 a 10 dias, e deve-se sempre lembrar que é necessário realizar o debridamento do foco tetânico.

A neutralização da toxina tetânica também é necessária, lembrando que a toxina se liga irreversivelmente aos tecidos; desse modo, só é possível neutralizar a toxina ainda não ligada aos tecidos. Neste caso, a medicação de escolha é a imunoglobulina antitetânica, que deve ser usada imediatamente com dose dividida em 2 massas musculares diferentes (não pode ser usada via endovenosa). A dose é de 3.000 a 6.000 unidades. Uma alternativa é o soro antitetânico, cuja dose é de 10.000 a 20.000 unidades, podendo ser aplicado IM ou EV – neste caso, diluído em soro glicosado. Recomenda-se usar anti-histamínico, por exemplo, 25 mg de difenidramina antes da aplicação do soro antitetânico.

Todos os pacientes que tiverem tétano têm indicação de vacinação com uma dose de toxoide tetânico. Se os pacientes não tiverem tomado 3 doses, completá-las, com intervalos de 2 semanas entre as aplicações e outra.

 

Profilaxia

Após qualquer ferimento, é fundamental lavá-lo com água e sabão. A Tabela 1 sugere a profilaxia do tétano em casos de ferimentos.

 

Tabela 1. Profilaxia do tétano.

História vacinal

Ferimento superficial ou limpo

Outros tipos de ferimentos

 

Toxoide tetânico

Soro antitetânico

Toxoide tetânico

Soro antitetânico

Histórico vacinal desconhecido ou menos de 3 doses

Sim

Não

Sim

Sim

3 doses de vacina, última há mais de 5 anos

Não

Não

Não

Não

3 doses de vacina, última há mais de 5 e menos de 10 anos

Não

Não

Sim

Não

3 doses de vacina, última há mais de 10 anos

Sim

Não

Sim

Não

Fonte: Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério de Saúde, 2005.

 

Prescrição

Tabela 2. Prescrição sugerida para o paciente

Prescrição

Comentário

Jejum

Paciente evoluindo com tétano generalizado, deve, a princípio, ficar em jejum.

Imunoglobulina humana 3.000 unidades IM, dose dividida em dois grupos musculares.

Vide texto.

Metronidazol 500 mg EV a cada 6 horas

Antibioticoterapia de escolha para o tétano.

Ciprofloxacino 500 mg EV a cada 12 horas

Como aparentemente uma celulite significativa está associada, realiza-se cobertura para outros agentes microbianos.

Midazolam 5 a 15 mg EV/hora.

Sedação de escolha que deve ser titulada conforme resposta.

Vencurônio 0,1 mg/kg/hora

Bloqueador neuromuscular de escolha.

 

Em caso de hiperatividade adrenérgica, pode ser necessário o uso de betabloqueadores e outras medicações, como já discutido no texto.

 

Referências

1.    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. tétano acidental. In: Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 6. ed. Brasil: Ministério da Saúde, 2005. p.281-5.

2.    Pereira RTP. tétano. In: Martins HS, Damasceno MCT, Awada SB et al. Pronto-socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Barueri: Manole, 2005. p.1304-9.

3.    Sexton DJ. Tetanus. In: www.uptodate.com. Acessado em 26/5/2013.

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