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Paciente de 72 Anos de Idade Sexo Feminino e Cefaleia Intensa

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 18/08/2017

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Paciente do sexo feminino, com de 72 anos de idade, previamente hígida, teve episódio de cefaleia de forte intensidade há 1 semana, mas não procurou atenção médica e os sintomas remitiram espontaneamente. Há 8 horas, com quadro de cefaleia de forte intensidade associada com perda de consciência e, ao acordar, discreta confusão mental.

Procurou o serviço médico e se encontrava na entrada com Escala de Coma de Glasgow (ECG) 14, pressão arterial (PA) 150x90mmHg e rigidez de nuca ao exame físico, não apresentando déficits focais. Realizou tomografia computadorizada (TC) de crânio em outro serviço que mostrou uma imagem compatível com hemorragia subaracnóidea (HSA), com sangue com aumento de densidade em cisternas basais; portanto, uma HSA Fischer 2.

 

A HSA é uma emergência neurológica caracterizada pelo extravasamento de sangue para os espaços que cobrem o sistema nervoso central que são preenchidos com fluido cerebrospinal ou líquor. Os acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos representam 20% de todos acidentes vasculares cerebrais, dentre eles a hemorragia intraparenquimatosa, representando 10% dos casos e a HSA, outros 10%.

A principal causa de HSA não traumática é a ruptura de um aneurisma intracraniano, que corresponde a 80% dos casos e tem uma alta taxa de mortalidade. A hemorragia subaracnóidea afeta 20 mil a 35 mil pessoas a cada ano nos EUA. A incidência da doença tem-se mantido estável ao longo dos últimos 30 anos e, embora isso varie de região para região, a incidência agregada mundial é de 10,5 casos por 100 mil pessoas/ano.

O risco estimado de apresentar HSA durante a vida é de 3%, sendo 15% das vezes com lesões múltiplas, associando-se a condições como HAS, rins policísticos, coarctação da aorta, síndrome de Ehlers-Danlos e síndrome de Marfan. É considerado fator de risco para o seu desenvolvimento o tabagismo, associado com o maior aumento de risco, aumentado de 2 a 7 vezes para ocorrência de HSA, e agravado conforme a intensidade do tabagismo.

Outros fatores de risco significativos são a hipertensão arterial sistêmica, o etilismo, os fatores genéticos, o uso de medicamentos simpaticomiméticos, a deficiência estrogênica e o uso de medicamentos antitrombóticos. Pacientes com histórico familiar de hemorragia subaracnóidea em parentes de primeiro grau têm maior risco. O prognóstico destes pacientes é ruim e um grande estudo mostrou que 30% dos pacientes morrem no primeiro sangramento; 45%, de mortalidade em 1 mês; 48% apresentam disfunção neurológica severa.

Os pacientes são estratificados com duas escalas de risco, as quais são descritas no Quadro 1 e no Quadro 2.

 

Quadro 1

 

Classificação Hunt-Hess

0: Paciente sem sangramento na imagem, assintomático.

Ia: Sangramento presente, paciente assintomático.

IIa: Presença de sinais meníngeos.

IIb: Presença de sinais meníngeos + déficit focal.

IIIa: Presença de confusão mental (ECG 13-14).

IIIb: Presença de confusão mental (ECG 13-14) + défict focal.

IVa: Sonolência (ECG 9-12).

IVb: Sonolência (ECG 9-12) + défict focal.

V: Paciente em coma.

ECG: Escala de Coma de Glasgow.

 

Quadro 2

 

Classificação Fischer

0: Ausência de sangue visível.

1: Sangue pouco denso e localizado.

2: Sangue pouco denso e presente difusamente nas cisternas basais.

3: Sangue muito denso e localizado.

4: Sangue muito denso e presente difusamente nas cisternas basais.

 

A paciente, portanto, apresentava classificação de Fischer 2 e Hunt-Hess IIIa, pois manifestava confusão mental, mas sem déficit focal.

O manejo geral inclui:

· permeabilidade das vias aéreas e monitorização cardiovascular - deve-se fornecer oxigênio suplementar ou ventilação mecânica, se necessário, e ainda monitorar a pressão capilar pulmonar (PCP) e a função ventricular para distinguir, caso apareça, a congestão pulmonar ou edema pulmonar cardiogênico do edema pulmonar neurogênico;

· controle da dor;

· profilaxia de sangramento gastrintestinal;

· profilaxia da trombose venosa profunda;

· controle da pressão arterial (é permitida a manutenção de um grau de hipertensão arterial);

· controle glicêmico;

· monitorização e controle da temperatura;

· terapia antifibrinolítica;

· uso de bloqueadores de canais do cálcio (opcional);

· uso de anticonvulsivantes (controverso);

· manejo de fluidos e hidratação;

· nutrição.

 

Para o controle de dor, pode ser administrado sulfato de morfina (2-4mg, IV, a cada 2-4h) ou codeína (30-60mg, IM, a cada 4h). Para a profilaxia de úlcera de estresse, pode ser utilizada a ranitidina (150mg, 2x/dia, VO, ou 50mg, IV, a cada 8-12h) ou lansoprazol (30mg, VO, diariamente). O uso de meias compressivas e dispositivos pneumáticos de compressão sequencial; pode-se administrar heparina (5.000UI, SC, 3x/dia) após o tratamento do aneurisma.

Com relação ao tratamento, podem ser adotados os seguintes procedimentos:

·  Deve-se manter a pressão arterial sistólica (PAS) de 90-140mmHg antes do tratamento do aneurisma; em seguida, permitir que os níveis pressóricos se elevem para manter a PAS <200mmHg.

· Em relação à glicemia, o objetivo é manter o nível de 80-120mg/dL; utilizando infusão contínua de insulina se necessário.

· Manter o controle de temperatura: manter a temperatura =37,2ºC; administrar paracetamol (325-650mg, VO, a cada 4-6h) e usar dispositivos de refrigeração se necessário.

·  Administrar nimodipino (60mg, VO, a cada 4h durante 21 dias) é uma opção para prevenir o vasoespasmo.

·  Em relação ao uso de antifibrinolíticos, pode-se administrar ácido aminocaproico (primeiramente, 24-48h, 5g, IV, seguido por infusão a 1,5g/h).

· Em relação ao uso de anticonvulsivantes, pode-se administrar fenitoína (3-5mg/kg/dia, VO ou IV) ou ácido valproico (15-45mg/kg/dia, VO ou IV), o uso dessas medicações é controverso, mas, devido ao risco de sangramento por convulsão, é uma opção viável.

· Deve-se manter a euvolemia (pressão venosa central [PVC] entre 5-8mmHg); se o vasoespasmo cerebral estiver presente, deve-se manter o paciente em hipervolemia (PVC entre 8-12mmHg ou PCP entre 12-16mmHg).

· Deve-se tentar a ingestão oral precocemente (após avaliação da deglutição); caso seja necessário utilizar rotas alternativas, pode-se tentar alimentação enteral preferida. O procedimento deve ser executado no prazo de 72 horas, devendo ser inserida drenagem ventricular externa ou drenagem lombar. Deve-se, ainda, prestar cuidados de apoio e tratamento de emergência do aneurisma. Deve-se manter hipervolemia ou hipertensão induzida com fenilefrina, norepinefrina ou dopamina, fornecendo tratamento endovascular (angioplastia transluminal ou vasodilatadores diretos). Para manter o paciente não agitado, pode-se administrar lorazepam (0,1mg/kg, a uma taxa de 2mg/min), seguido por fenitoína (20mg/kg de bólus IV a <50mg/min, até 30mg/kg). Os pacientes podem desenvolver secreção inapropriada do hormônio antidiurético (Siadh); nesse caso, deve-se restringir o uso de fluidos; no caso de pacientes com síndrome cerebral perdedora de sal, deve-se realizar reposição volêmica agressiva com fluidos fisiológicos com salina a 0,9% ou salina hipertônica. Para controle pressórico, pode-se administrar metoprolol (12,5-100mg, VO, 2x/dia), com avaliação da função ventricular e controle de arritmias.

Os ensaios clínicos sugerem que pacientes submetidos à cirurgia precoce têm uma menor taxa de ressangramento e apresentam melhor prognóstico do que aqueles com tratamento tardio. Protegendo o aneurisma roto, também se previnem as complicações, tais como o vasoespasmo cerebral. Embora muitos neurocirurgiões vasculares usem hipotermia leve na clipagem microcirúrgica de aneurismas, essa conduta não se mostrou benéfica em pacientes com hemorragias menores.

O tratamento específico é cirúrgico ou endovascular dos aneurismas subaracnóideos, que são a maior causa de HSA. O International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT) validou a técnica de embolização. No entanto, muitos aneurismas não são igualmente adequados para clipagem microcirúrgica ou embolização. Em geral, os pacientes idosos ou em mau estado de saúde são mais adequados para o tratamento endovascular.

Os aneurismas associados com grandes hematomas são, muitas vezes, adequados para clipagem microcirúrgica. Além disso, para os aneurismas causando um efeito de massa local, o tratamento cirúrgico pode ser mais eficaz. Devido à complexa análise e aos tipos de aneurismas necessários para determinar o tratamento mais adequado, é recomendada uma avaliação por profissionais que tenham conhecimento de cirurgia neurovascular, técnicas endovasculares e cuidados neurológicos.

Algumas horas depois, a paciente apresentou rápida deterioração neurológica, evoluindo com ECG 5 e necessidade de entubação orotraqueal. Foi repetida a TC de crânio, conforme mostra a Figura 1.

 

 

TC: tomografia computadorizada.

Figura 1 - TC do crânio.

 

A imagem mostra a piora da paciente, com inundação ventricular com classificação Fischer 4 e Hunt-Hess V, pois evoluiu em coma. As complicações neurológicas são comuns e incluem o vasoespasmo sintomático (46% dos casos), hidrocefalia (20%) e ressangramento (7%). Os pacientes com recidiva hemorrágica têm um elevado risco de sequelas neurológicas permanentes e uma taxa de mortalidade de cerca de 50%.

O ressangramento pode ser evitado com o tratamento precoce, uma vez que ele é mais comum nos primeiros dias (4% no primeiro dia e de 1,5% por dia para as próximas 2 semanas). Nesse caso, a paciente evoluiu com complicação significativa, sendo o prognóstico neurológico precário; a paciente logo estava em ECG 3, e o protocolo de morte encefálica foi iniciado após a observação da evolução.

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