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Introdução à campanha “5 Milhões de Vidas” do Institute of Healthcare Improvement IHI

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 27/09/2009

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Apresentação  

            Em dezembro de 2006 o Institute for Healthcare Improvement (IHI), lançou a “Campanha 5 Milhões de Vidas”, em uma iniciativa para melhorar a segurança do paciente e transformar a qualidade da assistência nos Estados Unidos. A campanha objetivava evitar cinco milhões de casos de danos decorrentes da assistência em saúde, em um período de dois anos (dezembro de 2006 a dezembro de 2008), aproveitando o sucesso da campanha exatamente anterior, a “Campanha 100.000 Vidas” (dezembro de 2004 a junho de 2006), cujo objetivo era evitar cem mil mortes decorrentes da assistência.

 

Introdução à Campanha

            Nos EUA, já há consenso nos últimos anos entre o sistema de saúde, pacientes, familiares e profissionais de saúde quanto a baixa qualidade e confiabilidade dos processos de assistência em saúde do país. Muito disso decorre da publicação “Errar é Humano: Construindo um Sistema de Saúde mais Seguro”, do Institute of Medicine (IOM) em 1999. Nesta publicação que é considerada um marco histórico na área da Segurança do Paciente, estima-se que entre 44.000 e 98.000 mortes ocorrem anualmente nos EUA decorrentes de eventos adversos na assistência.  Essa estimativa é baseada no mais famoso estudo já publicado sobre eventos adversos, o “The Harvard Medical Pratice Study”, que descreveu uma ocorrência de eventos adversos em 3,7% dos mais de 30.000 prontuários revisados, sendo que 13,6% desses eventos levaram à morte do paciente.

            Na tentativa de solucionar o problema, as agências federais e estaduais, associações nacionais, e várias organizações sem fins lucrativos passaram a ter várias abordagens, incluindo criação de incentivos (por exemplo, pagamento por desempenho), mudanças de legislação (por exemplo, informação obrigatória sobre dados de infecção hospitalar em alguns estados), e inserção de processos de acreditação hospitalar. Estes esforços produziram alguns resultados, mas a conclusão do IHI em 2004 foi de que o sucesso gerado era insuficiente para garantir a realização de uma assistência segura em todo o país.

            Diante disso, o IHI lançou a “Campanha 100.000 Vidas” em dezembro 2004, convidando os hospitais dos EUA a tentar evitar que ocorressem 100.000 mortes desnecessárias durante um período de 18 meses através de melhorias em suas instalações. A campanha recomendava seis intervenções para ajudar os hospitais neste importante trabalho, e o IHI disponibilizou na época ferramentas e recursos livres a todos os participantes, além de investir um grande esforço no desenvolvimento de parcerias com as autoridades nacionais e organizações regionais. Uma análise do resultado da campanha mostrou que:

 

         Mais de 3.100 hospitais se inscreveram na campanha (75% do total de leitos nos EUA);

         Um número grande de parceiros se alinhou ao programa do IHI, incluindo a Joint Comission, a Associação Americana de Enfermagem, a Associação Médica Americana, os centros para Medicare & Medicaid Services, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a National Patient Safety Foundation, e Grupo Leapfrog.

         Foi criada uma rede nacional com 55 escritórios voluntários referidas na campanha como "nós", que passaram a atuar como organizadores, divulgadores e centros de formação.

         E o mais importante: estima-se que 122.000 vidas tenham sido salvas durante os 18 meses da campanha.

 

Objetivos da Campanha

            No verão de 2006, o IHI refletiu sobre os resultados da “Campanha 100.000 Vidas” e passou a traçar novos objetivos. Para chegar a esses novos objetivos, o IHI se baseou nos seis princípios que o IOM havia lançado para os EUA: desenvolver um sistema de saúde com ações seguras, eficazes, centradas no paciente, feitas em tempo adequado, eficientes e igualitárias, e que são traduzidas nessas frases:

 

         Sem mais mortes desnecessárias;

         Sem mais sofrimento desnecessário;

         Sem desamparo;

         Sem esperas desnecessárias;

         Sem desperdícios;

         ... para todos.

 

            Sendo assim, uma nova meta que não estava mais centrada apenas em evitar mortes desnecessárias foi criada. Ao alargar a meta, estava-se buscando conduzir os hospitais a níveis mais elevados de desempenho e fornecer aos pacientes e às famílias cuidados melhores. O objetivo principal passou a ser reduzir a incidência de danos relacionados à assistência em saúde nos hospitais. Assim surgiu a “Campanha 5 Milhões de Vidas”. Outros três objetivos complementares foram atingir mais de 4000 hospitais nos EUA nessa nova campanha, reforçar a rede nacional de escritórios (os “nós”) e aumentar os esforços dos hospitais para atingir um público maior.

Definição de Dano Relacionado à Assistência em Saúde (IHI)

            O objetivo da “Campanha 5 Milhões de Vidas” é reduzir danos relacionados à assistência em saúde, que se definem por: lesões não intencionais decorrentes de, ou agravadas pela assistência em saúde (incluindo a ausência de um tratamento indicado a uma determinada doença), que geram necessidade de mais acompanhamento, tratamento ou aumento no tempo de internação, ou que resultam em morte. Tal lesão é considerada independente ou não de sua evitabilidade, de que profissional a tenha gerado, ou até mesmo se tenha ou não ocorrido dentro de um hospital.

 

Desenvolvimento do Objetivo da Campanha

            O primeiro passo para definir este objetivo foi estimar o número de incidentes causados por danos relacionados à assistência em saúde que ocorrem anualmente nos Estados Unidos. Através de revisão de prontuários, utilizando o IHI Global Trigger Tool – uma ferramenta que auxilia o processo de revisão de prontuário, identificando eventos normalmente registrados nos mesmos e que sinalizam a possibilidade de que o paciente tenha sofrido dano, guiando as investigações dos revisores – o IHI observou uma taxa de 40 a 50 casos de danos por 100 admissões. Aplicando a extremidade inferior deste intervalo ao volume estimado de admissões nos hospitais norte-americanos por ano (cerca de 37 milhões), chegou-se ao número aproximado de 15 milhões de danos ao ano.

            Em seguida, com base na sua experiência trabalhando com hospitais, o IHI estimou que poderia se reduzir as taxa de dano em 20% em um ano. Em um cenário em que: 1) em média, os hospitais poderiam alcançar esta redução no dobro desse tempo; e 2) a melhoria seria linear (isto é, hospitais atingiriam cerca de 10% de redução da taxa de danos após os primeiros 12 meses e alcançariam uma redução de 20% somente no mês 24), cerca de três milhões de casos de danos seriam evitados. No entanto, esperava-se que com esta campanha ocorresse uma série de melhorias nos hospitais, e o desafio foi fixado em evitar cinco milhões de incidentes com dano, o que significa que os hospitais deveriam reduzir as taxas de dano em cerca de um terço no prazo de dois anos. Essa redução seria viável apenas se os hospitais implementassem uma séria de intervenções para melhorar a segurança dos pacientes.

            As melhorias viriam a partir das 6 intervenções da “Campanha 100.000 Vidas”, associadas a outras 6 novas intervenções (Tabela 1). Qualquer outra prática que os hospitais quiseram adotar foi estimulada como algo positivo, baseado no fato de que talvez apenas essas 12 intervenções não fossem suficientes para atingir os objetivos da campanha.  Além disso, os hospitais tiveram de fazer mudanças fundamentais na sua cultura de segurança e em sua infra-estrutura. Uma grande necessidade de colaboração mútua surgiu entre os hospitais e organizações de qualidade em um grau sem precedentes.

            Cada uma das intervenções conta com metas a serem atingidas e indicadores de resultado que deveriam ser acompanhados para avaliação de desempenho (ver também: Indicadores de Processo e Resultado).

           

Tabela 1: Intervenções propostas pelo IHI

INTERVENÇÃO

DETALHES

1.     Estabelecer Equipes de Reposta Rápida

Realizar intervenções rápidas em pacientes com sinais de deterioração clínica.

2.     Fornecer tratamento baseado em evidências para Infarto Agudo do Miocárdio

Prevenir mortes por IAM.

3.     Prevenir Reação Adversa a Medicamentos

Criar sistema de reconciliação medicamentosa.

4.     Prevenir Infecções por Cateter Venoso Central

Realizar prevenção com medidas simples e eficazes.

5.     Prevenir Infecções de Sítio Cirúrgico

Realizar antibioticoprofilaxia adequada e no tempo correto.

6.     Prevenir Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica

Realizar prevenção com medidas simples e eficazes.

7.     Prevenir Danos por Medicações de Alto Risco

Com foco em anticoagulantes, sedação, opióides e insulinoterapia.

8.     Redução de Complicações Cirúrgicas

Implementar as medidas recomendadas pelo SCIP (Surgical Care Improvement Project).

9.     Prevenção de Úlcera de Pressão

Realizar prevenção baseada em guidelines.

10.  Redução das Infecções por Staphylococcus aureus resistente a meticilina (MRSA)

Implementar práticas de prevenção cientificamente comprovadas.

11.  Fornecer tratamento baseado em evidências para Insuficiência Cardíaca Congestiva

Evitar novas descompensações e reinternações.

12.  Envolver a Liderança do Hospital

Envolver a direção e as lideranças do hospital no processo de melhoria de segurança do paciente.

Obs: Os itens de 1 a 6 pertencem originalmente à “Campanha 100.000 Vidas”

 

As Novas Metas

            O sucesso da “Campanha 100.000 Vidas” e da “Campanha 5 Milhões de Vidas” foi imenso nos EUA. Outros países passaram a adotar as metas dessas iniciativas mesmo após o final da última campanha em 2008, como é o caso do Brasil, que lançou a “Campanha 5 Milhões de Vidas” através do IQG – Instituto Qualisa de Gestão, uma instituição privada ligada à ONA – Organização Nacional de Acreditação.

            Atualmente, devido à crescente necessidade de melhoria imposta pelos próprios participantes das campanha anteriores, o IHI lançou o “Improvement Map” ou “Mapa de Melhoria”, onde estão mapeados 70 diferentes processos (as 12 intervenções das campanhas anteriores foram incorporadas a outras 58), divididos em três grandes grupos (Processos de Liderança e Gestão, Processos de Assistência ao Paciente e Processos de Suporte à Assistência), todos com metas e indicadores como as intervenções já descritas. Este grande mapeamento de melhorias ainda será tema de discussões futuras no MedicinaNet.

 

Referências

1.     McCannon CJ, Hackbarth AD, Griffin FA. Miles to go: An introduction to the 5 Million Lives Campaign. Joint Commission Journal on Quality and Patient Safety 2007 Aug;33(8):477-484.

2.     Institute of Medicine: To Err Is Human: Building a Safer Health System. Washington, D.C.: National Academy Press, 1999.

3.     Brennan TA et al. Incidence of adverse events and negligence in hospitalized patients. Results of the Harvard Medical Practice Study I. N Engl J Med 1991;Feb 7;324:370-376.

4.     McGlynn E.A., et al.: The quality of health care delivered to adults in the United States. N Engl J Med 348:2635–2645, Jun. 26, 2003.

5.     Institute of Healthcare Improvement – Campanha 5 Milhões de Vidas – http://www.ihi.org/IHI/Programs/Campaign/

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