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toxoplasmose

Autor:

Felipe Francisco Tuon

Especialista em Infectologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Doutor em doenças infecciosas e parasitárias pela Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/10/2012

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

           A toxoplasmose é uma infecção parasitária causada por um protozoário, o Toxoplasma gondii, geralmente de forma oligoassintomática e auto-limitada. A toxoplasmose assume maior relevância no período gestacional, e se tornou mais importante com o aparecimento da infecção HIV/Aids e com incremento do número de transplantes, além de outras condições imunodepressoras.

           É uma parasitose cosmopolita, cujo reservatório natural é o gato. O homem é acidentalmente infectado, e a prevalência de toxoplasmose varia conforme a região do mundo. Na França, algumas áreas apresentam prevalência superior a 80%, ao passo que no Japão não ultrapassa 10%. A toxoplasmose é adquirida por meio da ingestão de alimentos, principalmente carnes cruas ou mal cozidas, de animais contendo cistos de Toxoplasma. Outra forma importante é pela contaminação com fezes de gatos, os quais eliminam grande quantidade de oocistos durante a infecção aguda. Não é incomum que a infecção em crianças ocorra ao brincarem em caixas de areia, onde os gatos comumente defecam. A doença não é transmitida de forma interpessoal, exceto nos casos de doação de órgão. Outra forma de transmissão da toxoplasmose é a congênita. Para que ocorra a transmissão fetal de toxoplasmose, a mãe precisa adquirir a infecção durante a gestação, acometendo 40% dos recém-natos nesses casos. Assim, a infecção congênita não ocorre em mães que já tiveram infecção prévia, exceto quando ocorrer reativação por alguma forma de imunodepressão.

 

ACHADOS CLÍNICOS

A maioria das infecções causadas pelo Toxoplasma é assintomática. Didaticamente, as formas clínicas podem ser assim divididas:

         infecção primária em imunocompetentes (toxoplasmose ganglionar);

         toxoplasmose em pacientes imunocomprometidos;

         toxoplasmose congênita;

         coriorretinite isolada (toxoplasmose ocular).

 

Toxoplasmose Ganglionar

Aproximadamente 90% dos adultos e adolescentes imunocompetentes apresentam infecção assintomática. Quando a toxoplasmose é sintomática, o período de incubação varia entre 10 e 20 dias. Na apresentação clínica típica, ganglionar, o paciente apresenta aumento dos linfonodos da cadeia cervical, principalmente posterior, embora a doença possa acometer os linfonodos axilares, supraclaviculares e abdominais. A linfonodomegalia pode ser generalizada ou localizada, com gânglios indolores, elásticos e móveis. A localização sub-occipital é bastante freqüente nessa forma da doença. A febre acomete mais de 50% dos pacientes sintomáticos. Astenia, anorexia, mal-estar geral e cefaléia são queixas comuns nos pacientes com toxoplasmose ganglionar. Mais de 30% dos pacientes apresentam esplenomegalia, ocorrendo hepatomegalia em 60% dos casos. Exantema, mialgia intensa, artralgia e odinofagia podem ser encontrados. Apesar da classificação da toxoplasmose como diferencial das linfoadenomegalias febris agudas (síndrome mono-like), a persistência dos linfonodos pode durar por muitos meses, porém sem outras manifestações da doença.

 

Toxoplasmose em Pacientes Imunocomprometidos

Nos pacientes com infecção pelo HIV/Aids e outras formas de imunossupressão (principalmente transplantes), a toxoplasmose ocorre como reativação da doença no sistema nervoso (apresentação mais freqüente) e no pulmão, causando um quadro de encefalite e pneumonite, respectivamente. Na forma cerebral, podem ocorrer rebaixamento do nível de consciência, convulsões e sinais neurológicos focais diversos, caracterizados pela área de comprometimento do sistema nervoso. Portanto, a neurotoxoplasmose entra no diagnóstico diferencial de diversas doenças oportunistas neurológicas no paciente com Aids e contagem de linfócitos T-CD4 menor que 100 células.

 

Toxoplasmose Congênita

O risco de transmissão da toxoplasmose aumenta com o decurso da gravidez, sendo de aproximadamente 15% no primeiro trimestre, 30% no segundo trimestre e 60% no terceiro trimestre. A gravidade de lesões fetais é inversamente proporcional à idade da gestação, no momento em que se verifica a infecção materna. As calcificações cerebrais são características e localizam-se geralmente no córtex, em núcleos da base e no tálamo. Os achados clínicos mais freqüentes são:

         coriorretinite;

         cegueira;

         convulsões;

         atraso do desenvolvimento neuropsicomotor;

         microcefalia;

         hidrocefalia;

         abaulamento de fontanela;

         meningoencefalite;

         estrabismo;

         hepatoesplenomegalia;

         erupção cutânea;

         petéquias;

         icterícia;

         pneumonia.

 

Toxoplasmose Ocular

As lesões retinianas podem ser isoladas ou múltiplas, unilaterais ou bilaterais. Ocorre principalmente entre a segunda e a terceira décadas de vida, como conseqüência da reativação de foco ocular latente que se estabeleceu durante infecção congênita e que foi inaparente no recém-nascido.

Os sintomas variam desde visão borrada, escotomas, fotofobia, dor e lacrimejamento, até a amaurose, quando há comprometimento macular. Na infecção aguda pelo T. gondii pode também ocorrer acometimento ocular, desde formas clínicas assintomáticas até as previamente descritas. O exame de fundo de olho demonstra as lesões retinianas, que lembram a coriorretinite por T. gondii.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Na toxoplasmose ganglionar, os diagnósticos diferenciais incluem as várias doenças que apresentam linfoadenomegalia febril aguda ou sub-aguda, como citomegalovírus, infecção por vírus Epstein-Baar (mononucleose infecciosa), infecção aguda pelo HIV, infecção aguda pelo T.cruzi, linfoma, sífilis, doença da “arranhadura do gato”, tuberculose, sarcoidose e metástases de neoplasia maligna.

A forma ocular deve ser diferenciada das outras uveítes de etiologia não infecciosa ou infecciosa, como:

         sífilis;

         citomegalovírus;

         vírus Epstein-Baar;

         tuberculose;

         HIV;

         hanseníase;

         HTLV I/II;

         toxocaríase e outras doenças que causam larva migrans ocular.

Na forma congênita, devemos realizar o diagnóstico diferencial com doenças como rubéola, citomegalovírus, sífilis, Chagas e listeriose.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

 

Exames Laboratoriais

Leucopenia com linfocitose e possível atipia linfocitária pode ser encontrada. A velocidade de hemossedimentação e a proteína C reativa (PCR) não costumam estar elevadas. Exames de transaminases podem estar levemente alterados.

Na toxoplasmose congênita, podem ocorrer pancitopenia e alterações no líquido céfalo-raquidiano. O exame de líquido céfalo-raquidiano é de pouca utilidade nesses casos, inclusive na neurotoxoplasmose de pacientes com Aids. A biópsia ganglionar não apresenta histopatologia clássica, realizando-se o diagnóstico por exame imuno-histoquímico.

 

Exames de Imagem

            A ultra-sonografia craniana, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética evidenciam a presença de alterações sugestivas ou características de encefalite. A tomografia e a ressonância do sistema nervoso são fundamentais na neurotoxoplasmose de pacientes com Aids, demonstrando lesões arredondadas com edema, isoladas ou múltiplas. Na tomografia, as lesões são hipodensas, demonstrando realce em anel após injeção de contraste. Na ressonância magnética, podem-se observar áreas de hipersinal em T1 e T2.

 

Exames Específicos

            Tanto para a toxoplasmose congênita quanto para a toxoplasmose adquirida, a pesquisa de anticorpos específicos por intermédio de testes sorológicos constitui o método habitualmente utilizado para a confirmação diagnóstica. Os testes sorológicos mais usados são a imunofluorescência indireta e o teste imunoenzimático (ELISA) detectando anticorpos da classe IgG, IgM e IgA. A demonstração de anticorpos IgM geralmente é utilizada como diagnóstico de toxoplasmose recente, e serve para considerar o risco de transmissão para o feto. Os anticorpos IgG anti-Toxoplasma aumentam após duas semanas de doença, e geralmente ficam positivos por toda a vida. O aumento de 4 vezes no título de IgG pode significar reativação de doença em pacientes imunocomprometidos. Embora os anticorpos da classe IgM signifiquem doença recente, em alguns casos eles podem permanecer elevados por até um ano. Nesses casos pode-se utilizar a pesquisa de IgA anti-Toxoplasma, que costuma normalizar dentro de 6 meses após a infecção

Na toxoplasmose ocular, encontra-se no soro apenas baixos títulos de IgG e ausência de IgM-anti-Toxoplasma gondii. Na neurotoxoplasmose de pacientes com Aids, os anticorpos da classe IgG encontram-se geralmente em baixa concentração no sangue, e os das classes IgM, IgA e IgE não são detectados, dificultando o diagnóstico sorológico.

O teste da avidez de IgG é outro exame que também pode ajudar no diagnóstico de infecção recente, particularmente em gestantes, sabendo-se que na fase aguda da doença os anticorpos da classe IgG apresentam baixa avidez, aumentando assim que se afasta da infecção aguda.

A reação em cadeia da polimerase pode ser importante nos pacientes com Aids, apresentando alta sensibilidade e especificidade, seja a realizada no sangue como no líquido céfalo-raquidiano. Este teste é usado como de escolha para o diagnóstico da toxoplasmose congênita.

 

TRATAMENTO DA TOXOPLASMOSE

            As drogas utilizadas no tratamento da toxoplasmose são sulfadiazina, sulfametoxazol, pirimetamina, espiramicina e clindamicina. O ácido folínico é adicionado aos esquemas que contenham a pirimetamina devido à mielotoxicidade.

Na toxoplasmose ganglionar, o tratamento é empregado quando a doença é muito sintomática, sendo desnecessário nos casos leves. Quando optado pelo tratamento, utiliza-se a sulfadiazina associada a pirimetamina por quatro a seis semanas. Na toxoplasmose ocular, o esquema é igual ao da ganglionar, associando-se 1 mg/kg de prednisona, reduzindo a dose em 5 mg a cada cinco dias. Em gestantes com suspeita de toxoplasmose aguda, inicia-se o tratamento com espiramicina, e tenta-se confirmar o diagnóstico de infecção fetal pela reação em cadeia da polimerase no líquido amniótico. Em se comprovando a infecção fetal, trocar o tratamento para sulfadiazina com pirimetamina a partir da semana 21 de gestação. No caso de não se confirmar, manter a espiramicina. Outro esquema empregado é a alternância da espiramicina com a sulfadiazina mais pirimetamina a cada três semanas.

Na toxoplasmose congênita, o tratamento é feito com doses calculadas por peso durante um ano.

 

Tabela 1: Tratamento da toxoplasmose

Causas Tratamento

toxoplasmose ganglionar

sulfadiazina 1 g 6/6h + pirimetamina 25 mg 24/24h + ácido folínico 10 mg

toxoplasmose ocular

sulfadiazina 1 g 6/6h + pirimetamina 25 mg 24/24h + ácido folínico 10 mg + prednisona 1 mg/kg/dia

toxoplasmose em gestantes (não confirmado)

Espiramicina 1 g 8/8h

toxoplasmose em gestantes (confirmado)

Espiramicina 1 g 8/8 h até 20 semanas de gestação. sulfadiazina 1 g 6/6h + pirimetamina 50 mg 24/24h + ácido folínico 15 mg a partir da semana 21 de gestação

toxoplasmose em pacientes com Aids

sulfadiazina 1 g a 1,5 g 6/6h + pirimetamina 50 mg 24/24h + ácido folínico 15 mg. Após seis semanas, é recomendado manter 50% das doses até níveis adequados de CD4

 

TÓPICOS IMPORTANTES E RECOMENDAÇÕES

         A transmissão da toxoplasmose se dá por ingestão de alimentos, principalmente carnes cruas ou mal cozidas ou por meio da contaminação com fezes de gatos. Outra forma de transmissão é a congênita

         A toxoplasmose é uma doença infecciosa que compromete uma grande parte da população, mas raramente sintomática. Pode ser uma doença definidora de Aids.

         A toxoplasmose pode apresentar-se na forma de uma síndrome febril aguda com linfadenomegalia em adultos jovens, coriorretinite ou doença congênita, quando afeta gestantes.

         Febre, linfadenopatia e hepatomegalia são os sinais mais encontrados na toxoplasmose linfoglandular. Na toxoplasmose congênita são encontrados hidrocefalia, microcefalia, retardo mental, hepatoesplenomegalia e alterações hematológicas.

         As alterações laboratoriais mais freqüentes encontradas são leucopenia com linfocitose e aumento de transaminases. O diagnóstico da toxoplasmose é geralmente sorológico pelo encontro de IgM, embora outros testes podem ser úteis. O diagnóstico de toxoplasmose congênita durante a gestação é feito por reação em cadeia da polimerase no líquido amniótico.

         Tomografia é exame fundamental na neurotoxoplasmose de pacientes com Aids.

         O tratamento da toxoplasmose é empregado na forma ocular, em pacientes imunodeprimidos e na forma congênita. Na toxoplasmose ganglionar, apenas os casos mais sintomáticos são tratados.

         O tratamento da toxoplasmose é baseado em sulfadiazina e pirimetamina.

 

Algoritmo 1: Manejo da toxoplasmose

 

BIBLIOGRAFIA

1.     Beazley DM. Toxoplasmosis. Sem Perinatol 1998,22:332.

2.     Boyer KM. Diagnosis and treatment of congenital toxoplasmosis. Adv Pediatr Infect Dis 1996;11:449.

3.     Frenkel JK. Pathophysiology of toxoplasmosis. Parasitology Today 1988;14:273.

4.     Hay J. Toxoplasma and the eye: diagnosis, treatment, and prevention are all difficult. Br Med J 1995;310:1021.

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