Autor:
Beatriz Sayuri Takahashi
Médica do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Especialista em RETINA RESEARCH FELLOW pela Retinal Research at Manhattan Eye, Ear and Throat Hospital. Especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia.
Última revisão: 19/01/2009
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Inúmeras doenças sistêmicas podem levar a alterações do olho e seus anexos; além disso, o quadro oftalmológico pode ser o primeiro sinal de algumas enfermidades. É importante, então, ter conhecimento das principais associações de doenças sistêmicas com quadros oculares, para que diagnósticos e tratamentos não sejam postergados indevidamente, o que poderia levar a um aumento da morbidade ocular e do indivíduo como um todo.
O oftalmologista pode fazer o diagnóstico de várias doenças, assim como o clínico e o cirurgião podem reconhecer os principais quadros oftalmológicos; no entanto, devemos ressaltar a importância da interação entre as duas partes, que sempre leva a um melhor tratamento do paciente.
As tabelas a seguir sintetizam as principais associações de manifestações oculares e doenças sistêmicas, estando divididas segundo o seguimento ocular acometido.
Tabela 1: Manifestações em anexos oculares (pálpebras, cílios, sobrancelhas, músculos extrínsecos)
Manifestação ocular |
Doença sistêmica associada |
Madarose (perda de cílios) |
Alopecia generalizada, psoríase, mixedema, lúpus eritematoso sistêmico, sífilis, doença de Hansen, doenças psiquiátricas |
Poliose (cílios e/ou sobrancelhas brancos prematuramente) |
Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, síndrome de Waardenburg |
Edema palpebral |
Alergia, anasarca, hipotireoidismo, síndrome da veia cava superior |
Dermatite atópica em pálpebras |
Quadros alérgicos |
Hipercolesterolemia | |
Hemangioma capilar palpebral |
Insuficiência cardíaca, síndrome de Kasabach-Merritt, síndrome de Maffuci |
Nevus flammeus (mancha em porto de vinho) |
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Ptose |
Idade, paralisia ou regeneração aberrante de NCIII, síndrome de Horner, miastenia gravis, distrofia miotônica, miopatia |
Retração palpebral |
Tireoidopatia, síndrome de Parinaud, hidrocefalia, síndrome de Down, uremia |
Estrabismo |
Sistema nervoso central, pares cranianos, miopatias |
Doenças de tireóide, pseudotumor orbitário, celulites orbitárias, vasculites orbitárias, mucormicose, fístula arteriovenosa, trombose de seio cavernoso | |
Entrópio / Ectrópio |
Penfigóide cicatricial, doença de Hansen, síndrome de Stevens-Johnson |
A margem palpebral superior posiciona-se normalmente 2 mm abaixo do limbo (transição entre esclera e córnea), enquanto a pálpebra inferior fica no limbo. Na retração palpebral, a margem palpebral fica acima do nível do limbo ou no mesmo nível deste. Importante observar fotos antigas do paciente para comparação.
Tabela 2: Alterações conjuntivais
Manifestação ocular |
Doença sistêmica |
Hiposfagma (sangramento conjuntival) |
Manobra de Valsalva, HAS, discrasias sanguíneas ou idiopática |
Pigmentação conjuntival |
Alteração racial, melanoma, doença de Addison, gravidez, radiação, drogas (clorpromazina), intoxicação por metal (arginose) |
Simbléfaro (aderência entre conjuntiva palpebral e ocular) |
Síndrome de Stevens-Johnson, radiação, penfigóide cicatricial |
Infecção por clamídia, alergias, infecção por herpes | |
Olho seco |
Ceratoconjuntivite sicca devido a doenças reumatológicas, sarcoidose |
Tabela 3: Alterações de córnea, esclera e episclera
Manifestação ocular |
Doença sistêmica |
Opacificação da córnea, ceratite |
Anormalidades metabólicas (mucopolissacaridose, mucolipidose), exposição corneana (causada por paralisia de nervo facial, olho seco ou diminuição da sensibilidade corneana infecção por herpes), acne rosácea, artrite reumatóide, poliarterite nodosa, lúpus eritematoso sistêmico |
Doença de Wilson | |
Esclera azul |
Osteogênese Imperfecta |
artrite reumatóide, granulomatose de Wegener, lúpus eritematoso sistêmico, poliarterite nodosa, policondrite relapsante ou herpes zóster | |
Dilatação de vasos episclerais |
Melanoma de úvea, fístula arteriovenosa, policitemia vera, leucemia, trombose de veia oftálmica ou de seio cavernoso |
Tabela 4: Alterações de úvea (íris, coróide, corpo ciliar)
Manifestação ocular |
Doença sistêmica |
Uveíte anterior |
Doenças reumatológicas (artrite reumatóide, artrite reumatóide juvenil), infecciosas (sífilis, tuberculose, toxoplasmose, Hansen), doença de Behçet, sarcoidose, espondiloartropatias |
Heterocromia de íris |
Síndrome de Horner, carcinoma metastático, síndrome de Waardeburg, hemossiderose, siderose, leucemia, linfoma |
Aniridia (ausência de íris) |
Tumor de Wilms, anormalidades de trato geniturinário |
Metástases para coróide |
Mama, pulmão, sistema gastrintestinal, rins, testículos |
Tabela 5: Alterações do cristalino
Manifestação ocular |
Doença sistêmica |
Ectopia lentis (luxação ou subluxação do cristalino) |
Síndrome de Marfan, síndrome de Weil Marchesani, homocistinúria |
Microesferofacia (cristalino pequeno e redondo) |
Síndrome de Weil Marchesani |
Galactosemia, rubéola congênita, síndrome de Down, síndrome de Patau, síndrome de Edwards, síndrome de Turner |
Tabela 6: Manifestações em retina e nervo óptico
Manifestação ocular |
Doença sistêmica |
Astrocitoma de retina e nervo óptico |
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Glioma de nervo óptico |
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Hemangioma capilar de retina |
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Estrias angiodes |
Pseudoxantoma elástico, doença de Ehlers-Danlos, doença de Paget |
Os glaucomas associado com doenças sistêmicas via de regra ocorrem ainda na infância, por isso é importante uma avaliação oftalmológica assim que o diagnóstico é feito.
Tabela 7: Doenças associadas com glaucoma
Síndrome de Rieger |
Síndrome de Sturge Weber |
Neurofibromatose |
Síndrome de Marfan |
Facomatose autossômica dominante em que o paciente apresenta retardo mental, epilepsia e adenoma sebáceo. No olho, podem haver astrocitomas de retina ou de nervo óptico. O astrocitoma de retina pode ser único ou múltiplo, pode ter aspecto multilobulado ou não.
Associação de hemangioblastoma de retina ou nervo óptico com características sistêmicas, como hemangioblastoma de medula espinal ou cerebelo, tumores como carcinoma renal ou feocromocitoma, cistos em rins, pâncreas, fígado, ovários, pulmões, policitemia. O hemangioblstoma de retina aparece entre a 2ª e 3ª décadas de vida e causa diminuição da acuidade visual.
O paciente com anemia falciforme deve consultar o oftalmologista periodicamente a fim de evitar as complicações relacionadas com a neovascularização da retina (glaucoma neovascular, hemorragia vítrea), isquemia retiniana, oclusão de artérias ou veias.
Além de hemorragias subconjuntivais (hiposfagma) e de hifemas (sangue na câmara anterior) espontâneos, os pacientes portadores de leucemias podem apresentar sinais de hiperviscosidade e congestão retiniana, predispondo à oclusão vascular da retina. O mais característico (mas não patognomônico) das leucemias é a mancha de Roth no fundo de olho, que são hemorragias com acúmulo de fibrina no centro. Além disso, os doentes podem desenvolver edema de papila como manifestação de envolvimento de SNC, ou palidez de papila.
Nas anemias, há hemorragias, exsudatos algodonosos, tortuosidade venosa e hemorragias.
Doença autossômica dominante, por mutação no gene da fibrilina, no cromossomo 15. O paciente tem alta estatura, membros longos, aracnodactilia, alterações de coluna vertebral e peito escavado. Morte precoce devido às alterações cardiovasculares, geralmente por dissecção da aorta. A grande maioria dos pacientes apresenta subluxação do cristalino, mas mantém a acomodação. Também apresenta alterações de ângulo, o que pode predispor ao glaucoma. Alta incidência de miopia axial, predispondo ao desenvolvimento de descolamento de retina.
Doença autossômica dominante com penetrância e expressividade variadas. Caracteristicamente, os pacientes com Neurofibromatose apresentam nódulos de Lisch em íris. Podem apresentar fibromas de pálpebras, neurofibromas plexiformes e hemiatrofia facial. O glaucoma congênito que pode surgir é unilateral, associado a neurofibroma ou hemiatrofia facial no mesmo lado. Esse glaucoma é de difícil controle e traz graves conseqüências à visão. Doença também associada ao glioma de nervo óptico. No fundo de olho, pode haver nevo de coróide ou astrocitomas de retina.
Embora mais comumente o paciente com orbitopatia distireodiana tenha tireoidopatia, esta nem sempre é a regra. Muitos casos apresentam a doença oftalmológica sem evidências clínicas ou laboratoriais da doença endócrina. A tireoidopatia distireoidiana é a causa mais comum de proptose, uni e bilateral. O paciente tem queixas de lacrimejamento, fotofobia, sensação de corpo estranho, diplopia e dor à movimentação ocular. Há dois estágios da doença orbitária: inflamatório agudo e quiescente. Na fase aguda, o olho apresenta-se congesto, com edema palpebral e periorbital, com hiperemia conjuntival (mais pronunciada na região da carúncula) e quemose. A resistência orbitária está aumentada, conferindo aumento da pressão intra-ocular. Há infiltração celular de tecidos intersticiais e hipertrofia dos músculos extrínsecos. Os pacientes podem desenvolver quadros de Ceratoconjuntivite sicca. Caracteristicamente, apresentam o sinal de Von Grafe: ao olhar para baixo, a pálpebra superior não acompanha o movimento ocular em sincronia. Esses pacientes desenvolvem retração palpebral e proptose. A preocupação nessa fase é a ceratopatia de exposição e a neuropatia compressiva. Devido à proptose e à retração palpebral, não é possível a muitos desses pacientes realizar oclusão palpebral, mantendo conjuntiva e córnea expostas. Também devido à hipertrofia e à congestão dos músculos extrínsecos, pode haver compressão do nervo óptico no seu ápice, o que leva a diminuição da acuidade visual e defeitos de campo visual. Esses pacientes devem ser tratados com pulsoterapia, radioterapia ou descompressão orbitária dependendo de cada caso.
Na fase não-aguda, o paciente pode desenvolver diplopia e restrição dos músculos, como resultado de fibrose dos mesmos. Cirurgia de estrabismo está indicada em casos específicos.
Relaciona-se com as seguintes alterações oculares:
Ceratoconjuntivite sicca;
episclerite;
Esclerite: geralmente autolimitada ou que responde ao tratamento, pode desenvolver forma mais grave, com escleromalácia e adelgaçamento de esclera, com risco de perfuração ocular;
ceratite: associado ou não a Esclerite. A periferia da córnea pode ficar afilada e opacificada, ou haver o aparecimento de infiltrados periféricos. Na evolução, a região acometida sofre vascularização, afilamento, opacificação e, em casos mais graves, perfuração.
A manifestação ocular mais comum da artrite reumatóide juvenil é a iridociclite. O processo inflamatório é crônico e pouco sintomático (principalmente por ser em crianças). O olho fica pouco hiperemiado, apesar de importante inflamação. Assim, o diagnóstico muitas vezes é feito quando já há complicações relacionadas a Uveíte: Catarata, glaucoma, ceratopatia em faixa, sinéquias posteriores. A forma sistêmica da doença tem menos manifestação ocular, enquanto a pauciarticular cursa com Uveíte em muitos pacientes.
Associação de Ceratoconjuntivite sicca com xerostomia, geralmente devido a artrite reumatóide.
Esclerite / episclerite;
Ceratoconjuntivite sicca;
retinopatia: perivasculite com exsudatos algodonosos e hemorragias retinianas.
Doença grave em que a grande maioria dos pacientes desenvolve manifestação ocular. Caracteriza-se por pan-Uveíte.
No segmento anterior, há iridociclite de repetição, que cursa com hipópio (observa-se depósito de fibrina e células inflamatórias) e são de difícil tratamento. No segmento posterior, há retinite (infiltrados superficiais necróticos esbranquiçados), vitreíte e fenômenos vaso-oclusivos decorrentes de periflebite.
Raramente a tuberculose acomete o olho. O segmento anterior apresenta Uveíte granulomatosa, enquanto o segmento posterior pode apresentar um ou vários nódulos amarelo-acinzentados acompanhados ou não de vasculite. A acuidade visual está afetada de acordo com a inflamação ocular do paciente. Esclerite, ceratite e neurite podem ser decorrentes de infecção por TB. Importante ressalvar que isoniazida e etambutol, drogas utilizadas no tratamento de tuberculose, podem causar neurite tóxica.
Grande quantidade de complicações oculares, principalmente se o paciente for portador da forma lepromatosa da doença. As alterações palpebrais são triquíase (fileira anômala de cílios), lagoftalmo e anestesia corneana, que causam infecção corneana secundária e ceratite. Uveíte anterior de repetição, de difícil tratamento nos casos crônicos.
1. Adquirida:
sífilis primária: cancro duro em pálpebras ou em conjuntiva;
sífilis secundária ou terciária: iridocilite, coriorretinite, neurorretinite, ceratite intersticial.
2. Congênita: tríade de Hutchinson (surdez devido a NC VIII, ceratite intersticial, dentes separados e pontiagudos), deficiência mental, nariz em sela, rinite, alopecia, exantema, lesões ósseas.
Neurite óptica pode estar associada a essa doença sistêmica. O paciente apresenta perda súbita da visão em um olho, associada a desconforto ocular (principalmente à movimentação). O campo visual demonstra escotoma central.
Aproximadamente metade dos pacientes com miastenia gravis apresenta manifestações oculares: ptose palpebral e oftalmoplegia.
Doença caracterizada pela presença de hemangiomas em pele e meninges. glaucoma congênito pode estar presente no mesmo lado do nevus flameus, principalmente se a lesão de pele afeta a pálpebra superior; é de difícil tratamento. Também pode desenvolver hemangioma de episclera ou de corpo ciliar.
O conhecimento das associações citadas ao longo deste capítulo são de grande importância para o oftalmologista e para o clínico, pois, por meio dele, pode-se estabelecer um melhor fluxo de encaminhamento entre as especialidades. O diagnóstico e o tratamento precoces das alterações oculares e sistêmicas certamente levam a um melhor resultado terapêutico final.
1. Kanski JJ. Clinical Ophthalmology. A Systematic Approach. Oxford: Butterworth-Heinemann, 1999.
2. Rhee DJ, Pyfer MF (editores da terceira edição), Friedberg MA, Rapuano CJ (editores iniciais). Manual das Doenças Oculares “Wills Eye Hospital”. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2002.
3. Oréfice F. Uveíte clínica e cirúrgica. Texto e atlas. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2002.
4. Guyer DR. et al. Retina, vitreous, macula. Pennsylvania: WB Saunders, 1999.
5. Gomes JAP, et al. Doenças da superfície ocular. Diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2002.
6. Belfort Jr. R, Kara-José N. Córnea clínica – Cirúrgica. São Paulo: Roca, 1997.
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