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Esteatose Hepática Não-alcoólica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 14/02/2009

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INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES

Desde 1957, já eram descritas alterações na histologia hepática compatíveis com o que é descrito na literatura como esteatose hepática não-alcoólica. Naquele ano, o estudo de Thaler et al. descreveu o achado de esteatose em hepatócitos, bastante semelhante ao encontrado em pacientes com hepatopatia alcoólica, mas em pacientes sem história de ingestão da bebida. Ainda não se correlacionou, nesse estudo, achado com as outras características da síndrome. Até 1975, a associação não era reconhecida como doença, mas nesse ano foi descrita a associação de cirurgia para obesidade com aparecimento de esteatose hepática criando novo interesse pelo tema. Já em 1979, foi descrita por Adler a relação entre o achado de esteatose hepática e cirrose em pacientes obesos.

Em 1980 foi criado um termo específico para a síndrome, quando Ludwig publicou a experiência da Mayo Clinic com pacientes obesas e diabéticas; desta feita, o termo utilizado para descrição destes pacientes era de esteato-hepatite não-alcoólica ou NASH (nonalcoholic steatohepatitis).

Os pacientes apresentavam lesões tipicamente macrovesiculares, o que ocorre à semelhança da esteatose da hepatite alcoólica devido ao acúmulo intracitoplasmático de triglicerídios, e presença de corpos de Mallory, com degeneração em balão ou balonamento hepatocelular e necrose de hepatócitos com fibrose, similares, portanto, às alterações histológicas, que são descritas em pacientes com esteatose secundária ao álcool.

O termo acaba englobando um grande número de alterações, incluindo desde esteatose simples até a esteato-hepatite, com diferentes prognósticos e história natural. O tema apresenta um interesse crescente e um enorme número de publicações nos últimos anos (cerca de 1.000 nos últimos 2 anos) pode ser verificado em pesquisa no Pubmed\Medline. As anormalidades parecem se correlacionar com resistência à insulina e síndrome metabólica, sendo um marcador não só de eventos hepáticos, mas também de eventos cardiovasculares.

A prevalência de esteatose hepática não-alcoólica é muito variável entre diferentes populações e não completamente definida, uma vez que os estudos de prevalência utilizam estudos não-invasivos que apresentam sensibilidade e especificidade inadequados. Por exemplo, a prevalência em populações asiáticas parece ser de 5 a 30% dependendo do estudo; em países industrializados ocidentais, essa prevalência parece ser da ordem de 10 a 40%, com estudos recentes apresentando maiores números, o que tornaria a doença hepática mais comum nesta população, mas a prevalência real é difícil de ser estimada. Um estudo envolvendo 126 adultos jovens saudáveis sem alterações de enzimas hepáticas encontrou, em 20% deles, alterações típicas de esteatose hepática não-alcoólica. Um segundo estudo avaliando pessoas envolvidas em acidentes aéreos encontrou prevalência de 16 a 24% de esteatose hepática não-alcoólica, com a prevalência de esteato-hepatite de 2,1 a 2,4%. Este estudo incluiu apenas a tripulação dos aviões, excluindo os passageiros, de forma que, em teoria, o viés de consumo alcoólico fosse minimizado.

A prevalência também é dependente da presença de fatores de risco na população estudada. Em subpopulação de pacientes obesos, a prevalência nos estudos epidemiológios chega a 57,5 a 74%, e, mesmo em crianças com obesidade definida por peso acima do percentil 95, encontramos prevalência de 22,5 até 52,8%. Entretanto, se investigarmos todas as crianças, encontraremos uma prevalência de apenas 2,6%.

 

Definição

A esteatose hepática não-alcoólica é definida por alterações hepáticas que se assemelham a doença hepática induzida por álcool, mas que ocorre em pacientes que não apresentem consumo de álcool significativo. A doença inclui amplo espectro de alterações histológicas desde esteatose simples, passando pela esteato-hepatite podendo evoluir até fibrose e cirrose, para o diagnóstico é necessário para o diagnóstico de correlação anátomo-clínica e exclusão de causas secundárias.

A definição pressupõe o não-consumo de álcool, existindo grande discussão na literatura sobre qual seria o ponto de corte aceitável para não considerar o álcool como o responsável por este processo. A maioria dos autores fala em consumo de até 20 g de álcool para homens e 10 g para mulheres.

A definição anatomopatológica da presença de esteatose é gordura hepática excedendo 5 a 10% do total do peso do órgão. Quando em avaliação microscópica, o critério é usualmente a presença de gordura em mais de 5 a 10% dos hepatócitos. A presença de esteato-hepatite é definida pela concomitância de processo inflamatório, que costuma ser misto, envolvendo tanto células mononucleares como polimorfonucleares. Outros achados característicos são a degeneração dos hepatócitos em balão e o aparecimento dos corpos de Mallory; posteriormente, ocorre o aparecimento de fibrose, que inicialmente é perivenular, mas depois envolve outras regiões.

A American Gastroenterology Association publicou em 2002 um consenso sobre o assunto. Foram propostos, então, alguns critérios para realizar o diagnóstico desta entidade:

 

  Biópsia demonstrando esteatose, com degeneração em balão dos hepatócitos; outros achados possíveis são a presença de corpúsculos de Mallory, fibrose pericelular, entre outras alterações.

  Evidência de uso negligenciável de álcool definido por consumo de álcool menor do que 20 g/dia.

  Ausência de evidência sorológica de hepatite B ou hepatite C.

 

É debatível se outras condições que podem afetar o fígado, como a doença de Wilson, hemocromatose, hepatite autoimune, entre outras, também devem ser descartadas para podermos rotular o paciente como apresentando esteatose hepática não-alcoólica, mas, apesar deste debate, a definição de consenso sugere apenas que se descarte as hepatites virais.

A doença foi classificada histologicamente em 4 estágios por Matteoni et al., em classificação que é adotada pela maior parte da literatura:

 

1.    Esteatose.

2.    Esteatose com presença de inflamação caracterizando a chamada esteato-hepatite, ou NASH.

3.    esteatose hepática com degeneração em balão.

4.    Presença de fibrose com corpos de Mallory.

 

O estudo de Manteoni et al. demonstrou que pacientes com estágios 3 e 4 apresentam progressão frequente para cirrose hepática, não existindo evidência definitiva de progressão de doença nos pacientes com estágios 1 e 2, implicando na importância prognóstica da biópsia hepática. Neste estudo, quase 30% dos pacientes com estágio 4 evoluíram para cirrose, com cerca de 20% dos pacientes com estágio 3 apresentando este tipo de evolução, mas menos de 3% dos pacientes com estágio 1 e nenhum com estágio 2 apresentaram evolução para cirrose.

A esteato-hepatite também foi dividida em estágios de evolução, dessa vez por Brunt et al., que propõem o seguinte:

 

1.      esteato-hepatite apenas em zona 3, com fibrose em veia pericentral, sinusoidal ou pericelular.

2.      Fibrose em junção entre zonas 3 sinusoidal e na zona 1 com fibrose periportal.

3.      Fibrose já em junção de zona 3 com zona 1.

4.      Presença de nódulos regenerativos indicando a presença de cirrose.

 

Esta classificação é evolutiva e obviamente por isso implica prognóstico, porém, sua utilização é bem menor que a classificação de Manteoni.

 

ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

A resistência insulínica é o fator mais reprodutível nos pacientes com estatose hepática não-alcoólica. Um estudo com 66 pacientes comparados com 36 pacientes com vírus C mostrou diferença significativa na presença de resistência à insulina nestes pacientes. Deve-se considerar ainda que, sabidamente, a hepatite C cursa com aumento da resistência à ação da insulina; ainda assim, a diferença foi muito significativa. Outro estudo demonstrou aumento da resistência à ação da insulina mesmo em pacientes sem obesidade e dislipidemia. A maior parte das séries que avaliou a presença de resistência à insulina demonstra que em 98% dos pacientes existe resistência aumentada à insulina.

O problema em determinar aumento da resistência à insulina é que o teste padrão-ouro, chamado clamp-test, não é factível de realizar-se na prática clínica, necessita de infusão de glicose e insulina, não pode ser feito para rastreamento da doença e é aplicável apenas em estudos clínicos, sendo, portanto, um teste invasivo e com necessidade de monitoração, mesmo após o final do teste, devido ao risco de hipoglicemia tardia.

Outro método para demonstrar a presença de resistência à insulina é por meio do índice HOMAr (Homeostasis Model Assesment), que faz uma medida indireta da presença de resistência à ação da insulina. O HOMA, que avalia a resistência insulínica, apresenta a seguinte fórmula:

 

HOMAr normal (0,97-1) = Insulina (mU/mL) x glicemia (mMol/L)

22,5

 

Uma variante desta fórmula, de mais fácil aplicação, é a seguinte equação:

 

HOMA = Glicemia de jejum/18 x Insulina de jejum-22,5

 

Nesta variante, a glicemia de jejum é medida em mg/dL e a insulina em mcU/mL, facilitando a operação. O valor considerado como indicativo de resistência insulínica é variável de acordo com o autor e com o método de medida da insulina plasmática, sendo que a maior parte considera o corte em 1, como o que foi descrito no trabalho original de Matthews. Desta forma, valores superiores a 1 significam resistência aumentada à insulina.

A lesão primária para aparecimento da esteatose hepática e sua evolução é o aumento da gordura hepática. Esta lesão inicial é a chamada primeira fase da lesão, como proposto na teoria das duas fases ou two hits, que foi proposta por Day e James. Os pacientes com hiperinsulinemia e resistência à insulina apresentam as seguintes alterações do metabolismo dos ácidos graxos:

 

  aumento da lipólise;

  aumento da síntese de ácidos graxos e acúmulo de TG no hepatócito (este por inibição da betaoxidação mitocondrial);

  diminuição da exportação de TG sob a forma de VLDL (por reduzida produção de apolipoproteína B-100, cuja função é remover os triglicerídios do fígado).

 

Desta forma, a resistência à insulina mediada por diferentes fatores, como TNF-alfa, leptina e aumento de ácidos graxos livres, entre outros fatores, levam ao aumento da captação de triglicerídios e ácidos graxos pelo fígado; estes mesmos fatores dificultam a ação da insulina nos adipócitos com aumento da lipólise e consequente aumento de ácidos graxos livres disponíveis para serem captados pelo fígado. A hiperinsulinemia, também pela diminuição da apoB-100, dificulta a remoção dos triglicerídios do fígado de forma a possibilitar maior acúmulo de gordura nos hepatócitos. Os pacientes com resistência à insulina também apresentam aumento da lipase hormôniossensível, que também se associa com mobilização dos ácidos graxos dos adipócitos periféricos. A influência dos triglicerídios advindos da dieta parece ser muito menor que os fatores já descritos.

Os ácidos graxos que ficam nos hepatócitos são metabolizados usualmente por oxidação mitocondrial e alternativamente por oxidação peroxissomal. Em pacientes com resistência à insulina e com grande afluxo de ácidos graxos, passam a ter metabolização realizada preferencialmente pela via de oxidação peroxissomal e pela ômega-oxidação mitocondrial, que são vias alternativas que levam a maior produção de radicais livres. Esta oxidação preferencial por vias alternativas é parcialmente explicada pela indução dos citocromos CYP2E1 e CYP4A em detrimento ao citocromo CYP3A.

A oxidação por estas vias leva à produção de ácidos dicarboxílicos, que também são potencialmente tóxicos para o fígado, pois servem como fonte para estresse oxidativo que pode evoluir para esteato-hepatite e fibrose via peroxidação dos lipídios, citocinas, entre outros mecanismos. Estas alterações consistem na segunda fase da lesão ou second hit, como denominado por Day e James.

Este processo de peroxidação lipídica pode, em última análise, evoluir com síntese de colágeno pelas células estreladas, com potencial para levar a apoptose e morte celular.

Além destas lesões, fatores pró-fibrogênicos influenciam a evolução para cirrose. A hiperinsulinemia cursa com aumento dos níveis de leptina, e acredita-se que esta, em níveis elevados, seja um fator sinérgico para a geração de fibrose hepática. A sobrecarga de ferro nestes pacientes também parece estar relacionada a maior progressão para a fibrogênese, e a leptina também parece ser um fator associado com fibrogênese hepática.

Assim, estes pacientes precisam ter a presença de gordura nos hepatócitos; caso a metabolização desta gordura cause um processo inflamatório, os pacientes podem evoluir com esteato-hepatite, fibrogênese e, eventualmente, cirrose hepática.

 

Outras Causas Potenciais de Lesões Histológicas Associadas com Esteatose Hepática

A descrição na literatura de lesões esteatóticas é clássica nos pacientes com hepatopatia alcoólica, circunstância na qual inclusive o acúmulo de gordura, o processo inflamatório e principalmente o aparecimento dos corpúsculos de Mallory são mais proeminentes do que em pacientes com esteatose hepática não-alcoólica associada a síndrome metabólica. Apesar destas lesões serem características das duas condições, elas aparecem também em outras situações, como uso de determinadas medicações, perda de peso rápida, algumas doenças metabólicas e genéticas.

Pacientes com perda rápida de peso podem evoluir com progressão fulminante de quadros de esteato-hepatite. Um relato de literatura descreve o caso de uma mulher obesa que se recusou a se alimentar por semanas; a paciente desenvolveu cirrose hepática fulminante, falecendo após algumas semanas. Pacientes submetidos à cirurgia de ressecção intestinal ou cirurgias para tratamento de obesidade também podem apresentar rápida progressão de lesões hepáticas. Um dos possíveis motivos para esta evolução é que tais cirurgias estão associadas com não-absorção de micronurientes essenciais como a colina, cujo déficit pode aumentar o estresse oxidativo. Em ressecções intestinais também pode ocorrer supercrescimento bacteriano com produção de endotoxinas, que podem causar lesão hepática.

Dentre as medicações que podem causar alterações esteatóticas no fígado, deve-se destacar a amiodarona, que também parece ser associada com presença de gordura em outros órgãos, como o pulmão. Em razão destas associações, foi proposta uma classificação da esteatose hepática não-alcoólica baseada em sua etiologia:

 

1.    Primária

  Associada com a síndrome metabólica.

  Associada a medicações:

-  amiodarona;

-  perhexilina;

-  nifedipina.

2.    Secundaria

  Associada a procedimentos cirúrgicos:

-  gastroplexia;

-  bypass jejunoileal;

-  ressecção de intestino delgado;

-  derivação bileodigestiva.

  Outras causas:

-  abeta\hipobetalipoproteinemia;

-  doença de Weber-Christian;

-  nutrição parenteral com glicose;

-  toxinas ambientais;

-  diverticulose de intestino delgado.

 

Fatores de Risco para Progressão para Cirrose

A maioria dos casos ocorre na faixa etária entre 40 e 60 anos de idade; ainda assim, estudos em populações de adolescentes ou pré-adolescentes sugerem que a esteatose hepática não-alcoólica seja a maior causa de hepatopatia também nesta faixa etária.

O estudo de Angulo et al. avaliou fatores de risco para progressão de esteatose para fibrose, demonstrando fatores de pior prognóstico que foram confirmados em outros estudos. Tais fatores são:

 

  idade > 45 anos: associada com risco 5,6 vezes maior de evolução para cirrose;

  obesidade com IMC > 30 kg\m2: associado com risco 4,3 vezes maior para evolução para cirrose.

  relação AST/ALT >1: associado com risco 4,3 vezes maior para evolução para cirrose; este fato não é surpreendente, pois, em pacientes com cirrose, ocorre inversão desta relação com valores de AST maiores que ALT;

  diabetes melito tipo 2: risco 3,5 vezes maior de evolução para cirrose.

 

Outros fatores que parecem apresentar relação prognóstica são a presença de altos níveis circulantes de triglicerídios, o que é plausível, pois geraria sobrecarga de gordura para os hepatócitos, e alguns estudos sugerem possível papel da sobrecarga de ferro, que poderia acelerar o processo de esteatose.

 

 ACHADOS CLÍNICOS

História Clínica

A doença acomete tipicamente pessoas na 4ª ou 5ª década de vida, com a maioria dos pacientes assintomáticos na apresentação, sendo o diagnóstico realizado por alterações detectadas em exames de rotina laboratoriais ou de imagem. Alguns pacientes referem fadiga generalizada, cuja relação com a doença não é bem determinada. Descrição de dor leve em quadrante superior direito de abdome ocorre em algumas séries, mas não costuma ser queixa espontânea.

Reid et al. avaliaram séries de pacientes com esteatose hepática não-alcoólica e verificaram que, dependendo da série, de 48 a 100% dos pacientes são assintomáticos na apresentação; por outro lado, fadiga em algumas séries chega a ser descrita em quase 70% dos casos e dor abdominal no hipocôndrio direito em até 50% dos pacientes diagnosticados com a doença. Estes achados ilustram que a esteatose hepática não-alcoólica não apresenta um quadro clínico característico; achados indicativos de síndrome metabólica e resistência insulínica podem ocorrer, como acantose nigricante e obesidade abdominal.

 

Exame Físico

A única alteração marcante no exame físico dos pacientes com esteatose hepática não-alcoólica é a hepatomegalia, que é encontrada em pouco mais de 25% dos pacientes. Outras alterações encontradas são as relacionadas a resistência aumentada à insulina, como acantose nigricante e obesidade abdominal, com circunferência abdominal superior a 102 cm em homens e 88 cm em mulheres. Alterações relacionadas a doença hepática, como icterícia e telangiectasias, são similares a outros pacientes que também evoluem com cirrose hepática, mas sabe-se que apenas a minoria dos pacientes com esteatose hepática não-alcoólica evolui com cirrose.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

A alteração laboratorial mais comum é a elevação de ALT, embora a AST também esteja frequentemente elevada, na maioria das vezes detectadas em exames de rotina para rastreamento de doenças ou durante o acompanhamento de pacientes com diabetes, hipertensão ou em programa para perda de peso. Uma compilação de 5 estudos antigos realizada por Harrison et al. descreveu que a média dos valores de AST e ALT era de 79 iU/L e 64 iU/L, respectivamente. A AST, que tem origem em parte mitocondrial, tem relação parcial com presença de inflamação e seus valores, assim como a relação AST/ALT correlaciona-se com inflamação – quando esta relação se inverte, os estudos mostram pior prognóstico. Geralmente as transaminases não excedem 2 vezes o valor de referência do limite superior da normalidade, com alguns pacientes apresentando níveis de transaminases normais.

Não existe teste laboratorial que faça a distinção entre NASH e esteatose, sendo as duas diferenciáveis apenas por critérios histológicos. Também não existe teste laboratorial que possa distinguir NASH de esteato-hepatite alcoólica. Entretanto, uma relação AST/ALT > 3 demonstra ser um bom preditor de doença alcoólica.

Anormalidade no metabolismo do ferro tem sido demonstrada na NASH, com níveis de ferritina e saturação de transferrina maior que a população controle em 58 a 77% dos pacientes com NASH.

Vários exames de imagem têm sido propostos para o diagnóstico de esteatose hepática, com o objetivo de evitar a realização de um exame invasivo em pacientes que, apesar de risco de evolução para cirrose, se encontram em sua maioria assintomáticos. Estes diferentes exames são discutidos a seguir.

 

Ultrassonografia

Esteatose causa aumento difuso na ecogenicidade. Em 1991, Joseph descreveu sensibilidade de 89% e especificidade de 93% para o exame. É um desempenho extremamente dependente do radiologista que realiza o exame, e acredita-se que, na prática, este exame não apresente sensibilidade e especificidade adequadas. O custo do exame é calculado, segundo avaliação de um estudo de análise de custo, em 420 dólares a mais gastos por cada paciente investigado com esta estratégia.

 

Tomografia Computadorizada

Demonstra menor densidade hepática quando se compara com a densidade do baço. A sensibilidade e a especificidade também são relativamente baixas e agrega custos de aproximadamente 650 dólares nos pacientes investigados com esta estratégia.

 

Ressonância Magnética

Tem se mostrado promissora na detecção e na graduação da esteatose. Sua sensibilidade pode ser otimizada quando se utiliza a técnica de spin-echo modificada (método de Dixon), que permite a separação de imagens de água e gordura. Fornece hipersinal em T1 em pacientes com esteatose hepática, entretanto, as alterações são inespecíficas e o exame agrega custos maiores que as outras duas modalidades de imagem.

Uma análise norte americana entre o desempenho dos diferentes exames de imagem na esteatose hepática é descrita na Tabela 1.

 

Tabela 1: Exames de imagem na esteatose hepática (custo em dólares)

Teste

Custo

Limitações

USG

$420

Baixas sensibilidade e especificidade

TC

$650

Baixas sensilibidade e especificidade

RM

$970

Exame inespecífico

BX

$415

Procedimento invasivo

 

A avaliação do paciente com esteatose hepática implica os seguintes passos:

 

1.    História e exame físico completos: detalhada história de ingestão de álcool e medicações. Consumo de álcool < 20 g/dia.

2.    Exclusão de outras causas de doenças hepáticas (virais, HAI, hemocromatose, CBP, doença de Wilson), além da realização de testes de função tireoidiana; alguns autores propõem que sejam investigados apenas as hepatites virais B e C, sem necessariamente investigação de outras etiologias, como hepatite autoimune e doença de Wilson.

3.    Estudos de imagem não são obrigatórios, mas devem ser considerados, especialmente se ALT estiver elevada, para excluir doença extra-hepática.

4.    Dada a inabilidade de testes não-invasivos detectarem inflamação subjacente ou fibrose, o diagnóstico definitivo requer a biópsia hepática. Com relação a este procedimento, ainda há, na medicina, grande debate.

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A doença deve ser diferenciada de outras causas de elevação de enzimas hepáticas, em particular de outras doenças hepáticas que cursam com esteatose significativa, sendo o principal diagnóstico diferencial a hepatite alcoólica. Eventualmente, hepatites virais podem cursar com este padrão de lesão, mas não é o habitual. Outra doença que pode manifestar-se com esteatose é a doença de Wilson e hepatites medicamentosas, como as causadas por amiodarona, conforme já descrito.

 

 TRATAMENTO

A avaliação dos pacientes com esteatose hepática não-alcoólica necessita de história e exame físico completo. Nestes pacientes, é necessária detalhada história de uso de álcool e medicações. Consumo de álcool menor que 20 g/dia precisa ser estabelecido para o diagnóstico de esteatose hepática não alcoólica. A exclusão de outras causas de doenças hepáticas conforme já discutido, além da realização de testes de função tireoidiana, que também são recomendados.

A recomendação de perda de excesso de peso e exercícios físicos deve ser sempre preconizada, independentemente do paciente apresentar transaminases normais ou do resultado histológico de biópsia hepática. Em pacientes obesos, melhora laboratorial e histológica ocorre em praticamente todos os que apresentam perda de peso.

A velocidade da perda de peso é importante, pois, como já exposto, perda rápida de peso é descrita na literatura como evolução de esteato-hepatite grave e cirrose. Com perda de peso de 0,5 kg/semana em crianças e 1,6 kg/semana em adultos, tem sido preconizado o uso de medicações para perda de peso, mas não foi apropriadamente estudado nesta população. Um estudo preliminar usando orlistat (Xenical®) para pacientes com NASH mostrou melhora na esteatose, na inflamação e na fibrose em 6 dos 8 pacientes estudados, nas biópsias com 6 meses de seguimento.

No uso de medicações para tratamento de diabetes que sejam associadas com diminuição de resistência insulínica, considerando a fisiopatogenia da doença, é atraente o uso de agentes que melhorem a sensibilidade à insulina e/ou reduzam a hiperinsulinemia, porém, até o momento, nenhum estudo conclusivo demonstrou melhora histológica no padrão da inflamação e/ou da fibrose.

Um estudo realizado por Marchezini demonstrou benefício em melhora laboratorial em um grupo pequeno de pacientes (20 pacientes tratados com metformina 500 mg 3 vezes/dia). Um outro estudo controlado com 36 pacientes em dieta restrita com ou sem metformina demonstrou benefício histológico não significativo e, por fim, um estudo com 55 pacientes usando metformina comparado com 28 pacientes usando vitamina E mostrou superioridade com o uso da metformina.

As tiazolidinedionas são agentes que estimulam o consumo de glicose pela musculatura estriada, reduzem a massa adipocitária central, promovem diferenciação dos adipócitos, alteram a massa mitocondrial e alteram a termogênese. A troglitazona foi abolida por seus possíveis efeitos de hepatotoxicidade idiossincrática, porém encontram-se no mercado a pioglitazona e a rosiglitazona, ambas já testadas em pacientes com NASH com sucesso (melhora enzimática, de imagem, e histológica).

O estudo de Caldwell demonstrou melhora laboratorial e possivelmente histológica (10 pacientes tratados com 400 mg/dia) com o uso da troglitazona, antes desta ser descontinuada. A rosiglitazona, por sua vez, foi avaliada em estudo com 30 pacientes em dose de 4 mg 2 vezes/dia por 48 semanas, os pacientes apresentaram diminuição dos níveis de transaminases e foi realizada análise tomográfica com melhora no grupo que usou a medicação.

A pioglitazona é provavelmente a droga melhor estudada. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine, com 55 pacientes com diabetes ou intolerância a glicose com NASH, randomizou os pacientes para receber dieta hipocalórica e pioglitazona ou dieta e placebo. Ocorreu diminuição significativa nos níveis de transaminases, conteúdo de gordura hepático e de necroinflamação, mas não demonstrou alterações significativas em relação a fibrose hepática. O benefício com a pioglitazona parece ser perdido ao descontinuar a medicação, com um estudo demonstrando que a interrupção da medicação aumenta as transaminases e causa piora histológica.

A vitamina E também é estudada para uso em pacientes com esteatose hepática não-alcoólica, pois a medicação é associada com diminuição do estresse oxidativo. Um estudo preliminar com 10 pacientes mostrou melhora laboratorial discreta. Um outro estudo, com 45 pacientes, mostrou que a vitamina E associada com a vitamina C demonstrou melhora no escore de fibrose hepática. A vitamina E também foi estudada associada com a pioglitazona, com um total de 10 pacientes randomizados para receber apenas vitamina E ou pioglitazona associada com vitamina E; melhora histológica ocorreu apenas no grupo com terapia combinada.

O manejo da dislipidemia também tem sido estudado. Um estudo utilizou genfibrozil, demonstrando melhora enzimática após 1 mês de tratamento, porém sem dados histológicos. Em um outro estudo, foi utilizada atorvastatina 30 mg/dia e, apesar de não ter havido melhora enzimática significativa, uma biópsia após 1 ano de seguimento demonstrou melhora da esteatose, atividade necroinflamatória e fibrose. O probucol, além de agir para controle da dislipidemia, tem efeito antioxidante. A dose utilizada foi de 500 mg/dia por 6 meses. Foram randomizados 30 pacientes para usar a medicação ou placebo; destes, 27 completaram o estudo e melhora dos níveis de transaminases foi associada com o tratamento.

O ácido ursodesoxicólico foi avaliado em dois pequenos estudos; ocorreu melhora da ALT, mas sem análise histológica. Um outro estudo demonstrou melhora da esteatose, mas não da inflamação ou fibrose.

A betaína é uma medicação que aumenta os níveis de S-adenosilmetionina, e este aumento é associado com diminuição do estresse oxidativo. A Mayo Clinic realizou um estudo-piloto com a medicação, os pacientes apresentaram normalização dos níveis das transaminases em 3 de 7 pacientes e diminuição de 50% dos níveis nos outros 4 pacientes; biópsias hepáticas seriadas demonstraram melhora da esteatose, atividade necroinflamatória e fibrose.

A N-acetilcisteína também diminui o estresse oxidativo celular, pois eleva os níveis de glutationa nos hepatócitos. A medicação foi usada em dose 1 g/dia por 3 meses, com melhora laboratorial. A pentoxifilina, devido ao seu efeito anti-TNF-alfa, está sendo recentemente estudada.

Com excessão da dieta e da perda de peso, ainda não está bem estabelecido outros tratamentos para esta situação. a American Gastroenterology Association recomenda as seguintes medidas para estes pacientes:

 

  perda de 10% do peso;

  objetivo da perda de peso é de 0,5 a 1 kg/semana;

  em pacientes diabéticos, o objetivo é manter a HbA1C menor que 7%;

  ainda não existe tratamento específico para esta condição;

  outras opções medicamentosas incluem vitamina E, ácido ursodesoxicólico e agentes farmacológicos associados com diminuição da resistência à insulina.

 

TÓPICOS IMPORTANTES

      Em países industrializados ocidentais, a prevalência da esteatose hepática não-alcoólica parece ser entre 10 e 40%.

      A prevalência aumenta em subgrupos específicos, chegando a valores entre 57,5 e 74% na população de pacientes com obesidade.

      A esteatose hepática é definida como alterações hepáticas que se assemelham à doença hepática induzida por álcool, mas que ocorre em pacientes que não apresentem consumo de álcool significativo.

      A American Gastroenterology Association criou critérios diagnósticos para a doença, que incluem a presença de esteatose na biópsia, consumo negligenciável de álcool e ausência de evidência sorológica de infecção pelo vírus B e C.

      A resistência à insulina é praticamente universal em pacientes com esteatose hepática não-alcoólica.

      A lesão primária para aparecimento da esteatose hepática e sua evolução é o aumento da gordura hepática; esta lesão inicial é a chamada primeira fase da lesão.

      Alterações da oxidação de gorduras e estresse oxidativo das gorduras em excesso no parênquima hepático iniciam um processo inflamatório, que pode evoluir com cirrose e fibrose hepática.

      Os maiores fatores de risco para evolução com cirrose hepática são idade acima de 45 anos, diabetes, obesidade e relação de AST/ALT maior que 1.

      A maioria dos pacientes está assintomática no momento do diagnóstico.

      Fadiga é descrita frequentemente pelos pacientes e hepatomegalia é encontrada em cerca de 25% dos pacientes.

      Alterações associadas com a resistência insulínica e hepatopatia podem ser encontradas nestes pacientes.

      A alteração de exame laboratorial mais comum é a elevação das transaminases.

      Relação AST/ALT maior que 3 sugere esteatose por hepatite alcoólica.

      Nenhum exame de imagem consegue realizar o diagnóstico de certeza da esteatose hepática não-alcoólica.

      A biópsia hepática apresenta a vantagem de mostrar se o paciente apresenta ou não esteato-hepatite, além de fazer o diagnóstico de certeza.

      O diagnóstico diferencial inclui todas as causas de elevação de enzimas hepáticas, principalmente as doenças hepáticas que cursam com esteatose, em particular a hepatite alcoólica.

      A recomendação para perda de peso e atividade física é universal para estes pacientes.

      O objetivo é manter a perda de peso paulatina; não parece haver risco com perda de peso de até 1,5 a 2 kg/semana.

      A esteatose hepática não-alcoólica ainda não apresenta tratamento específico, mas, em pacientes diabéticos, o uso de hipoglicemiantes, que em estudos clínicos demonstraram benefício como a pioglitazona e a metformina, deve ser considerada.

 

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