Autor:
Euclides F. de A. Cavalcanti
Médico Colaborador da Disciplina de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 20/06/2009
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Ascite é o acúmulo anormal de líquido na cavidade peritoneal. Embora as causas sejam muitas, em 80% dos casos a ascite é causada por hipertensão portal secundária a cirrose.
Didaticamente, podemos classificar a ascite em causadas por hipertensão portal e não causadas por hipertensão portal.
Como já comentado, a causa mais comum de ascite é hipertensão portal secundária a cirrose, correspondendo a 80% dos casos. Outras causas de ascite por hipertensão portal são insuficiência cardíaca, síndrome de Budd-Chiari (trombose da veia hepática), trombose de veia esplênica ou porta e esquistossomose.
Já as causas de ascite não relacionadas a hipertensão portal incluem peritonites (p.ex., rotura de víscera, tuberculose), carcinomatose peritoneal, pancreatite, vasculites, abdome agudo obstrutivo ou vascular e estados hipoalbuminêmicos (p.ex., síndrome nefrótica, enteropatia perdedora de proteínas).
O aumento na resistência ao fluxo hepático leva à hipertensão portal. Os vasos esplâncnicos têm como resposta a produção de óxido nítrico que causa a vasodilatação das artérias esplâncnicas. Esta vasodilatação provoca a diminuição do volume circulante efetivo levando ao acúmulo de sódio e água, que se concentram na cavidade peritoneal devido ao aumento da permeabilidade capilar.
Laboratorialmente, as causas de ascite causadas por hipertensão portal se caracterizam por gradiente soro-ascite de albumina (GSAA) > ou = 1,1 g/dL (ver adiante em avaliação). As causas podem ser classificadas em sinusoidais, pré-sinusoidais e pós-sinusoidais.
Cirrose, hepatite aguda, neoplasia hepática extensa (metástases ou hepatocarcinoma).
Esquistossomose, trombose de veia porta ou esplênica.
Insuficiência cardíaca, pericardite constritiva, insuficiência tricúspide, síndrome de Budd-Chiari.
Carcinomatose peritoneal, tuberculose, pancreatite, abdome agudo obstrutivo, abdome agudo vascular, rotura de víscera, vasculite. Laboratorialmente, costumam ter GSAA < 1,1 g/dL (ver adiante em avaliação).
Estados hipoalbuminêmicos, como síndrome nefrótica, enteropatia perdedora de proteínas e desnutrição severa. Insuficiência renal e mixedema também podem levar à ascite com peritônio normal. Assim como nas ascites causadas por peritônio doente/inflamatório, também costumam ter GSAA < 1,1 g/dL (ver adiante em avaliação), pois a concentração sérica de albumina é baixa nestas condições e o gradiente se torna baixo por este motivo.
Visto que a principal causa de ascite é a hipertensão portal causada por cirrose, a história deve focar em fatores de risco para doença hepática, com pesquisa de etilismo (cirrose por álcool), histórico de transfusões, vida sexual, uso de drogas ilícitas (hepatites B e C) e histórico familiar de doença hepática. Histórico de diabetes, obesidade e hiperlipidemia podem sugerir esteato-hepatite não alcoólica.
É importante também avaliar outras doenças ou sintomas que possam sugerir a causa da ascite, como insuficiência cardíaca, câncer (principalmente de trato gastrintestinal e ovário), tuberculose, doença pancreática, insuficiência renal ou síndrome nefrótica.
O exame físico é pouco sensível para detectar ascite. Geralmente, os pacientes precisam ter aproximadamente 1.500 mL de líquido para que o exame possa detectar ascite com acurácia. Pode-se observar macicez nos flancos, macicez móvel, semicírculos de Skoda e sinal do piparote. Outros sinais de doença hepática devem ser pesquisados, como icterícia, circulação colateral, telangiectasias, ginecomastia, eritema palmar e pelos escassos.
Sinais de outras doenças que possam levar a ascite também devem ser pesquisados, principalmente sinais de insuficiência cardíaca, câncer, tuberculose, insuficiência renal e doença pancreática, que são as causas mais comuns de ascite após a cirrose.
Coagulopatia não é contraindicação e as complicações são raras. Puncionar na fossa ilíaca esquerda (terço distal da linha que liga o umbigo à crista ilíaca anterossuperior) ou na linha média infraumbilical (esvaziar a bexiga), com assepsia rigorosa.
Fundamental para o diagnóstico etiológico da ascite e necessária nos casos de ascite de início recente.
É importante ressaltar também que todo paciente cirrótico tem indicação de paracentese por ocasião de admissão hospitalar, ou se houver deterioração do quadro clínico e laboratorial, pois muitos têm peritonite bacteriana espontânea e são oligossintomáticos, sem os sintomas característicos de febre e dor abdominal.
1. Inspeção
A análise macroscópica pode fornecer pistas para o diagnóstico. Líquido amarelo citrino é o aspecto da ascite na cirrose sem complicações; líquido turvo pode ser encontrado em infecções; líquido leitoso pode ser encontrado em ascite quilosa; líquido marrom pode ser encontrado em pacientes profundamente ictéricos ou em perfuração de alça e vesícula biliar; e líquido hemorrágico pode ser encontrado em ascites neoplásicas, pós-operatórios e punção traumática. Ao contrário do que frequentemente é dito, ascite por tuberculose raramente é hemorrágica. No caso de líquido hemorrágico e suspeita de peritonite bacteriana espontânea, subtrair um neutrófilo para cada 250 hemácias para ajustar a contagem.
2. Exames principais
Proteínas totais e frações: exame fundamental para se calcular o gradiente soro-ascite de albumina (GSAA = albumina sérica – albumina na ascite), e deve ser feito concomitantemente com dosagem de albumina sérica. Como visto anteriormente, quando o GSAA > ou = 1,1 g/dL sugere hipertensão portal e GSAA < 1 g/dL sugere outras etiologias. Quando o GSAA é > 1,1 g/dL, as proteínas totais podem ajudar a diferenciar ascite por causas cardíacas ou pós-sinusoidais (p.ex., Budd Chiari) (> 2,5 g/dL) de ascite por cirrose (< 2,5 g/dL). Quando o GSAA é < 1 g/dL, as proteínas totais podem ajudar a diferenciar ascite causada por peritônio doente/inflamatório (> 2,5 g/dL) de estados hipoalbuminêmicos (< 2,5 g/dL). Devemos lembrar, no entanto, que as proteínas totais no líquido ascítico são apenas um dado complementar que pode ajudar no diagnóstico diferencial em alguns casos, mas este é um dado de baixa especificidade.
Celularidade com diferencial: necessária para afastar infecção. O líquido está infectado se > 500 leucócitos/mm3 ou 250 polimorfonucleares/mm3 (mais detalhes no tópico causas importantes). Aumento de celularidade com predomínio linfocítico (< 50% polimorfonucleares) deve levar à suspeita de ascite neoplásica ou por tuberculose.
Cultura no líquido ascítico: inocular em frascos de hemocultura à beira do leito, pois aumenta a sensibilidade do exame em comparação com as culturas habituais.
3. Outros exames
Os seguintes exames podem ser úteis conforme o caso:
Citologia oncótica: avaliar hipótese de carcinomatose peritoneal.
Adenosina-deaminase (ADA): quando acima de 40 U/L, sugere tuberculose.
Triglicérides: se houver suspeita de ascite quilosa, que pode ser causada por neoplasia ou por cirrose e hipertensão portal.
Amilase: quando se suspeitar de causa pancreática.
Glicose e DHL: achados de glicose < 50 mg/dL e DHL superior aos níveis séricos normais podem sugerir peritonite bacteriana secundária. Outros achados que podem sugerir peritonite bacteriana secundária são proteínas totais no líquido ascítico > 1 g/dL e flora polimicrobiana.
Gram: exame pouco sensível para documentar infecção bacteriana.
PBAAR e cultura de BAAR: pouco sensíveis para o diagnóstico de tuberculose.
Bilirrubina: quando se suspeitar de causa biliar ou quando o aspirado tiver coloração marrom. Se a bilirrubina no líquido ascítico estiver acima do nível sérico, deve-se pensar em perfuração de alça ou de vesícula biliar.
Sendo a cirrose a principal causa de ascite, é fundamental analisar a função hepática (tempo de protrombina, bilirrubinas totais e frações, fator V e proteínas totais e frações – este último exame também permite calcular o GSAA e deve ser colhido simultaneamente à punção), além de dosar as transaminases e enzimas canaliculares. Outros exames necessários na avaliação de qualquer paciente com ascite são os eletrólitos, função renal e hemograma. Outros exames devem ser solicitados de acordo com o quadro clínico e a suspeita diagnóstica.
Como já relatado, o exame físico é acurado na detecção de ascite em volumes acima de 1.500 mL, e a ultrassonografia de abdome pode ser útil para confirmar o diagnóstico e para guiar a punção em ascites de menor volume. Além disso, pode trazer informações sobre a causa subjacente, avaliando o parênquima hepático, sinais de esplenomegalia ou hipertensão portal, podendo ainda revelar achados como tumores, carcinomatose e linfonodomegalia retroperitoneal.
Em casos em que a ultrassonografia não esclarece o diagnóstico etiológico da ascite e quando há suspeita de causa abdominal, a tomografia de abdome pode fornecer informações adicionais.
Eventualmente é necessária, sendo útil principalmente na diferenciação de ascite tuberculosa e carcinomatose peritoneal, quando os demais exames forem inconclusivos.
Algorítmo 1: avaliação diagnóstica de ascite
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3. Garcia Tsao G. Chapter 157 – Cirrhosis and its sequelae. In: Goldman. Cecil Medicine. 23.ed.
4. Olmos RD Abordagem da ascite no departamento de emergência. In: Martins HS, Neto AS, Velasco IT. Emergências clínicas baseadas em evidências. São Paulo: Atheneu; 2005.
5. Macquaid KR. Assesment of the patient with ascites. In: Current medical diagnosis and treatment. Lange; 2008.
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