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Úlceras de Pressão

Autor:

Eduardo Montag

Especialista em Cirurgia Plástica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Última revisão: 12/01/2011

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INTRODUÇÃO

Apesar de serem reconhecidas desde o início do século XIX, as úlceras de pressão continuam a desafiar várias especialidades que atuam no cuidado ao paciente acamado. O tratamento das lesões, no entanto, é normalmente o papel do cirurgião plástico.

úlceras de pressão são definidas como úlceras resultantes da ação da pressão contínua sobre uma proeminência óssea. Tradicionalmente, os termos escara e úlcera de decúbito são utilizados de maneira errada em referência às úlceras de pressão. O termo escara se refere à necrose tecidual, podendo estar presente ou não sobre as úlceras de pressão em fases iniciais e antes de qualquer procedimento de limpeza cirúrgica. Úlceras de decúbito (do latim decumbere) são aquelas desenvolvidas com o paciente deitado, fato que não se aplica, por exemplo, às ulceras isquiáticas.

 

ETIOLOGIA/FISIOPATOLOGIA

A etiologia das úlceras de pressão é multifatorial, mas a pressão mantida levando a isquemia e necrose teciduais é o fator mais importante. A pressão exercida pelo peso do corpo do indivíduo é transmitida a todas as camadas teciduais (pele, tecido celular subcutâneo, musculatura e ossos) por meio do contato com o leito. Em situações normais, os valores pressóricos são superiores à pressão de enchimento capilar (32 mmHg). A resistência tecidual a pressões elevadas é breve, porém pressões apenas ligeiramente superiores à pressão de enchimento capilar mantidas por longos períodos criam condições para a necrose tecidual e a ulceração.

Fricção contra tecidos e forças de cisalhamento agravam o efeito da pressão participando do mecanismo de lesão. Maceração tecidual em pacientes portadores de incontinência favorece a lesão tecidual. Os fatores citados, associados à pressão, levam a oclusão da microcirculação causando isquemia e anóxia tecidual com as consequentes morte celular, necrose e ulceração.

Diferentes tecidos apresentam resistências diversas à pressão/hipóxia. Por seu alto metabolismo, o tecido muscular suporta 2 horas de anóxia antes de ocorrer morte celular irreversível. A pele suporta períodos de até 12 horas de pressão mantida antes de apresentar necrose. No momento em que uma úlcera é visível no nível cutâneo, a lesão nas camadas profundas é consideravelmente maior, sendo graficamente representada por uma imagem de cone invertido (Figura 1).

 

Figura 1.

 

Pacientes sem déficits de sensibilidade, mobilidade ou alterações do nível de consciência possuem risco baixo de desenvolvimento de úlceras de pressão, uma vez que a mudança constante de posição torna o tempo de isquemia tecidual insuficiente para causar lesões. No outro extremo estão os indivíduos com déficits sensitivos (lesões medulares), agudamente hospitalizados (UTI) e pacientes idosos que apresentem diminuição do nível de consciência, demências e mobilidade reduzida.

 

FREQUÊNCIA

Dados dos EUA sugerem uma prevalência de 14,8% de úlcera de pressão em pacientes hospitalizados, 7,1% dos quais desenvolveram a lesão na presente internação. Pacientes internados em UTI apresentam a maior prevalência, com 21,5%. Os pacientes com idade entre 71 e 80 anos concentraram a maioria das úlceras (29%).

A prevalência de úlceras de pressão em unidades de cuidados crônicos situa-se entre 11 e 30%, ao passo que a incidência de úlceras de pressão em pacientes portadores de déficits neurológicos é de 7 a 8% ao ano, com um risco de 25 a 85% durante a vida.

As regiões mais acometidas foram as regiões sacral (46%) e isquiática (26%). Outros 15% se desenvolveram nos membros inferiores em diferentes localizações.

 

MORBI/MORTALIDADE

As úlceras de pressão são a causa de óbito em aproximadamente 8% dos pacientes paraplégicos. Aproximadamente 30% dos pacientes hospitalizados portadores de úlceras de pressão morre durante a internação. Mais de 50% dos pacientes que desenvolvem uma úlcera de pressão em ambiente hospitalar vão a óbito em 12 meses. Normalmente, os pacientes morrem em decorrência do processo primário, e da úlcera em si, embora ela seja um fator contribuinte.

 

IDADE/SEXO

A distribuição por idade e sexo se apresenta na forma de uma curva com dois picos. Na 3ª década de vida, ocorre um pico entre os homens, fato decorrente de lesões medulares, mais frequentes entre os homens. Entre os indivíduos mais idosos, há um predomínio da ocorrência de úlceras entre as mulheres, causado pela maior expectativa de vida. Dois terços das úlceras de pressão ocorrem em pacientes com mais de 70 anos de idade.

 

HISTÓRIA

A avaliação inicial de um paciente portador de úlcera de pressão deve incluir os seguintes itens em sua história:

 

       história médica geral;

       fator causal da úlcera ;

       tempo de evolução;

       tratamentos prévios utilizados;

       cirurgias prévias/recidivas;

       déficits neurológicos/sensitivos;

       presença de espasmos, contraturas ou posições viciosas;

       continência fecal e urinária;

       status nutricional;

       adaptação da residência/leito às condições do paciente;

       nível de dependência do paciente;

       história de infecção/uso de antibióticos.

 

EXAME FÍSICO

O exame físico do paciente portador de úlcera de pressão não difere daquele realizado em qualquer outro paciente. Alguns pontos devem ser observados após o exame físico geral, como:

 

       localização;

       dimensões da úlcera;

       grau de acometimento;

       presença de infecção;

       presença de espasmos, contraturas, posições viciosas;

       continência;

       suspeita de degeneração (úlcera de Marjolin).

 

Ao final do exame físico, a úlcera deve ser classificada visando à inclusão no protocolo de tratamento e a facilitar a comunicação entre os membros da equipe (Tabela 1).

 

Tabela 1.

Grau/Estágio

Descrição

1

Eritema mantido por mais de 1 hora após alívio da pressão

2

Bolha/ruptura da derme

3

Destruição de tecido celular subcutâneo/músculo

4

Envolvimento ósseo/articular

Inclassificável

Presença de escara/tecido necrótico sobre a úlcera. Reavaliação após desbridamento

 

EXAMES

Alguns exames séricos gerais fazem parte da investigação laboratorial, cujo objetivo é avaliar o status clínico anterior à instituição do tratamento, visto que a presença de uma úlcera facilita a perda sanguínea e proteica, além de ser uma porta de entrada para infecções. Tais exames são:

 

       hemograma completo;

       coagulograma;

       provas de atividade inflamatória (VHS) de caráter evolutivo;

       proteínas totais e frações;

       hemocultura.

 

Os exames de imagem são indicados de acordo com a suspeita clínica:

 

       radiografia simples: avaliação de comprometimento ósseo;

       fistulografia: trajetos fistulosos (programação cirúrgica);

       tomografia: acometimento de articulações;

       medicina nuclear: inespecífica, em virtude do intenso processo inflamatório/infeccioso.

 

Cultura quantitativa do leito da úlcera deve ser realizada sempre que disponível. Biópsia/cultura óssea deve ser realizada em úlceras grau 4. Biópsia das margens de úlceras crônicas deve ser realizada para excluir diagnóstico de malignidade.

 

TRATAMENTO

Uma vez diagnosticada a úlcera de pressão e seus fatores causais, são instituídas medidas clínicas que, em casos de úlceras precoces, levam à sua cicatrização ou à melhora das condições locais, permitindo um tratamento cirúrgico adequado.

Tais medidas incluem o alívio da pressão, a redução de espasticidade e a melhora das condições locais por meio de desbridamentos e curativos.

 

Alívio da Pressão

Conforme anteriormente citado, a pressão contínua é o fator mais importante na gênese das úlceras de pressão. O alívio da pressão é conseguido com a instituição de um regime de mudança da posição no leito a cada 2 horas. Colchões/almofadas especiais também auxiliam na tarefa ao distribuir, de maneira mais uniforme, a pressão pela superfície do corpo do paciente. Alguns exemplos são colchões d’água, colchões com gel ou ar em seu interior, além de microesferas em movimento constante. Todos estes aparatos melhoram as condições de cuidado ao paciente acamado, mas, isoladamente, não evitam o desenvolvimento de úlceras. Contra eles, pesam o custo elevado e a dificuldade de limpeza e manutenção.

 

Espasticidade/Posições Viciosas

A presença de contraturas em flexão dos membros dificulta o posicionamento do paciente no leito, inviabilizando, em alguns casos, as mudanças constantes de decúbito. Espasticidade é frequentemente observada em pacientes portadores de lesões medulares, sendo responsável por aumentar a fricção contra o leito e propiciar o surgimento de lesões. A atuação conjunta entre fisiatria, fisioterapia e ortopedia é fundamental para controlar a situação e aliviar as condições citadas para permitir o tratamento da patologia. O tratamento medicamentoso é realizado com drogas como o baclofeno e o diazepam. Pacientes portadores de espasticidade refratária ao tratamento podem ser beneficiados com a aplicação de toxina botulínica, fenol ou mesmo de rizotomias e tenotomias para liberação de articulações.

 

Cuidados Locais/Curativos

Não existe um tipo de curativo ideal para todos os tipos de úlcera. A indicação depende da profundidade, quantidade de secreção, presença de infecção e tecido necrótico. O objetivo comum a todos os curativos é promover um leito limpo com tecido de granulação e pouca secreção. Nenhum curativo substitui os desbridamentos cirúrgicos, apesar de serem potentes aliados no cuidado ao paciente acamado.

 

1.   Curativos plásticos adesivos (Tegaderm, Opsite): agem diminuindo o atrito e isolando a ferida de modo a minimizar a contaminação. Promovem um ambiente úmido. Podem ser utilizados em úlceras graus I, II e III com pouca secreção e rasas.

2.   Hidrocoloide/hidrogel: agem de modo similar aos curativos plásticos, possuindo as mesmas indicações. Também são utilizados como protetores em bordas de lesões instaladas ou como adjuvantes na profilaxia do surgimento de úlceras em pacientes com a pele frágil.

3.   Alginato: curativo derivado de algas marinhas. É aplicado em feridas com secreção abundante na presença ou não de infecção.

4.   Desbridamento químico (papaína, fibrase): curativos que contêm enzimas e podem ser utilizados para auxiliar a remoção de tecido necrótico de leito de úlceras. Suas desvantagens incluem o tempo de ação, o custo e a dor à aplicação (papaína).

5.   Curativo a vácuo (VAC System): esponja de célula aberta ligada a bomba a vácuo que gera pressão negativa no leito da ferida. Promove diminuição do edema, aumento do tecido de granulação e do clearance de bactérias ao aumentar o fluxo sanguíneo. Apesar do alto custo, sua aplicação propicia diminuição do custo hospitalar ao abreviar o tempo entre o desbridamento e o fechamento da lesão.

 

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O tratamento cirúrgico de uma úlcera de pressão é realizado em condições especiais obtidas após a instituição do tratamento clínico e a melhoria das condições do paciente. A Tabela 2 lista as condições ideais para a realização da cirurgia.

 

Tabela 2: Condições para cirurgia

Úlceras graus III/IV (grau II falha do tratamento clínico)

Paciente clinicamente estável

Espasmos controlados

Sem infecção

Adesão ao tratamento clínico

 

A técnica de fechamento varia de acordo com o tipo de lesão apresentado pelo paciente. Úlceras de pequenas dimensões em pacientes com grande excesso tecidual podem ter suas bordas aproximadas com pouca tensão (Figura 2).

 

Figura 2: Pré e pós-operatório de fechamento primário de úlcera de pressão sacral.

 

 

Úlceras que possuam pouca profundidade podem ser tratadas com o emprego de enxertos de pele, que são tecnicamente simples, mas possuem baixa resistência mecânica à tração (Figura 3).

 

Figura 3: Pós-operatório de enxerto de pele sobre úlcera sacral.

 

A técnica mais comum para a correção de úlceras de pressão é o emprego de retalhos. Considerando-se a morfologia da úlcera de pressão, os retalhos são os substitutos ideais para a perda tecidual, tendo as funções de cobertura cutânea, preenchimento do espaço morto e efeito de coxim protetor capaz de suportar a pressão do peso do paciente no pós-operatório. Para a escolha do retalho, o cirurgião deve ter em mente o potencial de recidivas e a minimização de morbidade da cirurgia. Por esses motivos, a utilização de retalhos que incluam músculos em sua composição deve ser reservada para casos específicos.

 

Figura 4: Pré-operatório, pós-operatório imediato e tardio de úlcera de pressão sacral.

 

Os cuidados no pós-operatório da correção de úlceras de pressão se iniciam no final da cirurgia e são mantidos indefinidamente. A transferência do paciente entre macas e as mudanças de decúbito devem ser realizadas cuidadosamente, de modo a não submeter a área operada a forças de cisalhamento. Os pontos são retirados por volta do 14º dia. Entre a 3ª e 4ª semanas de pós-operatório iniciam-se descargas de peso sobre a área operada com tempo progressivamente maior até que se chegue ao tempo máximo permitido, por volta do 2º mês de pós-operatório. O protocolo instituído no pré-operatório é mantido, sendo fundamental manter um seguimento multidisciplinar durante a vida do paciente.

 

Comentários

Por: AMANDA KELLE DOS SANTOS SILVA em 17/02/2012 às 01:29:01

"otimo contribuiu para o meu tcc"

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