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Análise da urina 1 no adulto

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 18/01/2013

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Especialidades: Medicina de Emergência / Medicina Hospitalar / Nefrologia / Urologia

 

Introdução

         A análise da urina (urina 1 ou urina tipo 1) é um exame extremamente informativo, amplamente disponível, além de ser não invasivo. Em conjunto com a história, o exame físico e os dados bioquímicos séricos sobre a filtração glomerular (sobretudo ureia e creatinina), é um exame central no diagnóstico diferencial de doenças renais.

 

Indicações de uso da urina 1

         As principais situações em que há uma boa indicação de uso da urina 1 são:

 

      em pacientes com alguma evidência de insuficiência renal aguda ou crônica;

      em pacientes com suspeita de doença renal aguda com base em achados isolados (p. ex., febre ou edema), ou em um conjunto de sintomas em um contexto de doença sistêmica (p. ex., em lúpus eritematoso sistêmico ou em hipertensão secundária);

      em pacientes com suspeita de litíase renal;

 

Detalhes da coleta de material

         Alguns pontos são de extrema importância na coleta da urina:

 

      a urina deve ser coletada em frasco limpo e preferencialmente de uso único;

      deve-se solicitar aos pacientes que façam higienização da genitália externa antes da coleta e que desprezem o primeiro jato de urina;

      em pacientes com sonda vesical, deve-se coletar urina preferencialmente da própria sonda, e não da bolsa coletora;

      a análise deve ser feita em temperatura ambiente e preferencialmente em até 2 horas após a coleta. Se não for possível, manter sob refrigeração (2 a 8 °C), reaquecendo até a temperatura ambiente no momento da análise.

 

Avaliação da urina

Avaliação geral da urina 1

Turvação/opacidade

         Uma urina opaca ou turva pode ser encontrada em pacientes com precipitação de cristais na urina ou com presença de grande quantidade de células.

 

Cor da urina

         O normal é encontrarmos uma urina amarela, que pode estar mais clara ou mais escura a depender da concentração. Sendo assim, encontramos urinas com tom amarelo mais escuro em situações de maior desidratação, por exemplo.

         Quando encontramos uma urina avermelhada ou amarronzada, é importante centrifugar a amostra. No caso do sedimento ser vermelho, estamos diante de uma hematúria. Caso o sobrenadante seja vermelho, a urina deve ser testada para a presença de heme. Em caso positivo, trata-se de hemoglobinúria ou mioglobinúria. Outros diferenciais de urina avermelhada incluem o consumo muito frequente de alimentos com corantes ou alimentos como beterraba e ruibarbo, uso de drogas como fenitoína, rifampicina e fenazopiridina (Pyridium®), ou ainda a porfiria aguda intermitente.

         Urina esbranquiçada pode ser decorrente de piúria intensa, cristais de fosfato ou uso de propofol. Urina com tom verde/azulado pode ser causada pela administração de azul de metileno, propofol, amitriptilina ou o analgésico urinário Sepurin® (metenamina e metiltionínio). Ainda é possível encontrar uma urina enegrecida, que pode ocorrer na presença de hemoglobinúria/mioglobinúria ou por ocronose (alcaptonúria), que é uma doença autossômica recessiva causada pela deficiência da enzima oxidase do ácido homogentísico, o que torna a urina enegrecida após exposição ao ar por algum tempo.

 

Nitrito

         Muitas bactérias que causam infecção urinária produzem a enzima nitrato redutase, o que leva o nitrato urinário a ser convertido a nitrito. Sendo assim, a presença de nitrito se correlaciona com bacteriúria. É importante ressaltar que um nitrito negativo não descarta infecção urinária.

 

Proteínas

         A análise tem sensibilidade bastante variável conforme a diluição da urina, e basicamente detecta albumina em níveis > 300 mg/dia (ou seja, níveis de macroalbuminúria). Em urinas muito concentradas, a detecção pode ser maior; em urinas mais diluídas, a detecção pode ser mais difícil, sendo que o exame pode ser inclusive um falso-negativo. Outras proteínas como as de cadeia leve produzidas no mieloma múltiplo não são detectadas. No caso de uma análise mais fidedigna, deve ser solicitada análise complementar por urina de 24 horas, ou calculando a razão albumina/creatinina em amostra isolada.

 

pH

         O pH urinário pode variar entre 4,5 e 8,0 e seu uso é mais importante na vigência de uma acidose metabólica. Normalmente, a resposta renal a uma acidemia é aumentar a excreção de ácidos na urina, fazendo com que o pH tenda a ficar abaixo de 5,5.

 

Glicose

         Em pacientes com função renal normal, glicosúria aparece quando a concentração plasmática de glicose ultrapassa 180 mg/dL. Se ocorrer uma glicosúria na vigência de glicemia normal, isso pode ser decorrente de uma disfunção tubular proximal. Achados adicionais nessa situação são fosfatúria, uricosúria, acidose tubular renal e aminoacidúria. Estes achados conjuntos constituem a síndrome de Fanconi, o que pode ser resultante de mieloma múltiplo, exposição a metais pesados e do tratamento com alguns medicamentos (acetazolamida, topiramato, tenofovir).

 

Sedimento urinário

Cristalúria

         Sua formação depende de uma grande variedade de fatores. Alguns tipos observados são os cristais de ácido úrico (em pacientes normais ou na vigência de insuficiência renal aguda são relacionados com síndrome de lise tumoral), os cristais de oxalato ou fosfato de cálcio (os de oxalato de cálcio na vigência de insuficiência renal aguda podem sugerir ingesta de etilenoglicol), os cristais de cistina (diagnóstico de cistinúria e relacionam-se com cálculos) e os cristais de fosfato de magnésio amônio ou estruvita (estão associados a cálculos e infecção urinária por organismos produtores de uréase, como Proteus ou Klebsiella).

 

Microrganismos

         Bactérias só têm significado clínico quando associadas a sintomas. Fungos também são frequentes e têm baixa correlação clínica.

 

Células

         A hematúria pode ser transitória e sem significado em pacientes jovens quando em associação a exercícios ou atividade sexual ou pode ser uma contaminação da urina na vigência de menstruação em pacientes do sexo feminino. Em pacientes mais idosos, uma hematúria mesmo que transitória pode estar relacionada a doença neoplásica. A hematúria também pode ocorrer em cistites e prostatites associadas a piúria e bacteriúria. Quando a hematúria é persistente, está associada a cálculos, doença neoplásica ou doença glomerular. A melhor forma de diferenciar é pela presença de dismorfismo eritrocitário, que é indicativo de glomerulonefrite, ainda mais quando associado à presença de proteinúria de qualquer grau. A piúria pode ser causada por aumento leucocitário na urina. Neutrófilos são associados a infecções, colonização de trato urinário, cálculos, nefrite intersticial e glomerulonefrite proliferativa. A presença de eosinofilúria é um marcador de nefrite intersticial alérgica.

 

Lipidúria

         Normalmente pode ser encontrada em pacientes com síndrome nefrótica, sendo quase sempre um achado diagnóstico de alguma doença glomerular.

 

Cilindros

1.    Cilindros hemáticos: são diagnósticos de hematúria glomerular e, dentro do contexto clínico adequado, sugerem glomerulonefrite proliferativa.

2.    Cilindros leucocitários: indicam inflamação renal por infecção (pielonefrite) ou outras causas (nefrite intersticial, glomerulonefrite proliferativa).

3.    Cilindros epiteliais: aparecem em descamações do epitélio tubular, incluindo necrose tubular renal, nefrite intersticial aguda e glomerulonefrite proliferativa.

4.    Cilindros granulares: representam células degeneradas agregadas a proteínas. Normalmente são característicos de necrose tubular aguda.

5.    Cilindros hialinos: são inespecíficos, sem característica patológica, ocorrendo em urina concentrada (após exercício, desidratação) ou em uso de diurético.

6.    Cilindros cerúleos: são considerados o estágio final da degeneração dos cilindros granulosos e podem aparecer em uma grande variedade de doenças renais agudas e crônicas.

7.    Cilindros largos: são tipicamente associados com doença renal crônica avançada. Acredita-se que são formados em túbulos dilatados já com pouco fluxo.

 

Correlação clínica

         Alguns padrões de achados da urina 1 podem ter grande correlação com determinadas doenças. Obviamente, os achados devem ser sempre interpretados diante do quadro clínico do paciente e outros achados laboratoriais.

 

Hematúria com dismorfismo, cilindros e proteinúria

         A constelação de hematúria com dismorfismo eritrocitário, cilindros hemáticos, proteinúria e/ou lipidúria é virtualmente diagnóstica de doença glomerular proliferativa. Entretanto, não é possível descartar uma doença glomerular na vigência de uma hematúria isolada sem dismorfismo.

 

Proteinúria pesada com hematúria mínima ou ausente

         Uma proteinúria de grande monta associada com lipidúria, hematúria mínima ou ausente é muito indicativa de doença glomerular não proliferativa, o que inclui a nefropatia diabética. Outras doenças com esse padrão são nefropatia membranosa, glomeruloesclerose segmentar e focal, doença por lesões mínimas e amiloidose.

 

Cilindros epiteliais ou granulares

         Em pacientes com insuficiência renal aguda (IRA), a presença de múltiplos cilindros granulares e/ou epiteliais com ou sem células epiteliais, é extremamente sugestiva de necrose tubular aguda (NTA). Porém, a ausência destes achados não descarta a NTA. Quando a história, o exame físico e outros exames laboratoriais são altamente sugestivos de NTA, a análise da urina com cilindros granulares ou epiteliais tem um valor preditivo positivo de 100%. Por outro lado, quando dados clínicos e laboratoriais sugerem uma IRA pré-renal, uma urina 1 com ausência de cilindros granulosos e epiteliais tem um valor preditivo positivo para IRA pré-renal de 91%.

 

Piúria isolada

         Assumindo que não há contaminação por secreções vaginais, piúria isolada é altamente sugestiva de infecção de trato urinário (incluindo tuberculose, quando culturas tendem a ser repetidamente negativas na vigência de piúria). Piúria com culturas negativas também pode ocorrer com cálculos ou doença tubulointersticial, como nefropatia por AINH.

 

Urina 1 normal

         Uma urina 1 normal pode ser encontrada em IRA pré-renal ou por NTA, em obstruções do trato urinário, em hipercalcemia, no mieloma múltiplo, em emergências hipertensivas, crise esclerodérmica renal, microangiopatias, doença ateroembólica, poliarterite nodosa, na síndrome de lise tumoral e na nefropatia aguda por fosfato.

         Em pacientes renais crônicos, uma urina 1 normal pode indicar situações de baixo volume circulante (insuficiência cardíaca), obstrução de trato urinário ou nefroesclerose hipertensiva.

 

Bibliografia

1.        Rabinovitch A, Arzoumanian L, Curcio KM, et al. Urinalysis-approved guideline, 3rd ed. Clinical and Laboratory Standard Institute, 29(4), 2009 Wayne, PA. www.clsi.org/source/orders/free/gp16-a3.pdf (Accessed on March 07, 2012).

2.        Graff L. A Handbook of routine urinalysis. Philadelphia: Lippincott, Williams and Wilkins, 1983.

3.        Rose BD. Pathophysiology of renal disease. 2. ed. New York City: McGraw-Hill, 1987. p.10.

4.        Thompson WG. Things that go red in the urine; and others that don’t. Lancet 1996; 347:5.

5.        Cohen RA, Brown RS. Clinical practice. Microscopic hematuria. N Engl J Med 2003; 348:2330.

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