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TRALI transfusion related acute injury

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 24/07/2013

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Especialidades: Pneumologia, Terapia Intensiva, Hematologia

 

Introdução

Há algumas décadas, a lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão ou TRALI (Transfusion related acute lung injury) era considerada uma rara complicação transfusional, porém dados recentes indicam que a síndrome representa a principal causa de mortalidade diretamente relacionada a transfusão. Seu risco de aparecimento se dava sobretudo em transfusão de componentes do plasma e plaquetas.

A TRALI é definida por aparecimento de insuficiência respiratória após transfusão de sanguínea. O diagnóstico é de exclusão e outras causas de insuficiência respiratória, como sepse, devem ser excluídas.

Não existem testes diagnósticos confirmatórios para TRALI, o que dificulta o diagnóstico. Em 2004, o consenso do National Heart Lung and Blood Institute (NHBLI) e da Canadian Consensus Conference definiu a TRALI como um diagnóstico clínico para o qual não existem testes diagnósticos disponíveis. O critério de relação temporal nesta definição é fundamental, sendo necessário o início dos sintomas em até 6 horas da transfusão na ausência de outra etiologia. Também é necessária a confirmação radiológica de lesão aguda.

As características da TRALI são indistinguíveis da lesão pulmonar aguda devido a outras causas, como sepse, edema pulmonar cardiogênico ou contusão pulmonar.

A ocorrência da síndrome, segundo relatos recentes, é de 0,04 a 0,1% das transfusões, mas isso possivelmente representa subnotificação e desatenção com o diagnóstico.

 

Patogênese

Dois eventos são necessários para o desenvolvimento da síndrome. É a chamada teoria dos “two hits”: primeiro, fatores relacionados ao paciente propiciam a aderência de neutrófilos sensibilizados ao endotélio pulmonar. Em seguida, mediadores inflamatórios liberados com a transfusão ativam as células endoteliais e os neutrófilos pulmonares, resultando em extravasamento capilar e edema pulmonar subsequente. O aparecimento da TRALI é precedido pelo aumento das concentrações de interleucina-8, interleucina-6 e a elastase a1-antitripsina. Ainda não se conhecem completamente os mecanismos exatos que desencadeiam o processo inflamatório que leva as células endoteliais a produzirem interleucina-8, mas, de qualquer forma, a consequência é a atração de neutrófilos para o compartimento pulmonar. Resultados de estudos em animais sugerem que a interação das plaquetas com neutrófilos é importante, pois a depleção plaquetária e o pré-tratamento com aspirina previnem a TRALI em modelos animais.

Os critérios diagnósticos para TRALI são:

 

      início agudo dentro de 6 horas da transfusão de sangue;

      PaO2/FIO2 < 300 mmHg;

      infiltrados bilaterais novos;

      mudanças na radiografia de tórax;

      nenhum sinal de edema pulmonar hidrostático (pressão de oclusão da artéria pulmonar = 18 mmHg ou a pressão venosa central = 15 mmHg);

      nenhum outro fator de risco para lesão pulmonar aguda.

 

A TRALI é considerada possível se preenche os critérios citados acima, mas existe outro fator precipitante: quando a lesão ocorre entre 6 e 72 horas da transfusão, ainda é possível que seja TRALI, neste caso, tardia.

Assim, para ocorrer a TRALI, o paciente primeiro deve apresentar alguma situação em que é facilitada a presença de neutrófilos na microvasculatura pulmonar. Posteriormente, mediadores liberados com a transfusão sanguínea ocasionam ativação de inflamação e coagulação no compartimento pulmonar. Estudos em modelos animais mostram ainda que a liberação de anticorpos que ocorre na TRALI também resulta em lesões nos rins e fígado.

A incidência estimada com base em dados recentes da TRALI se situa entre 0,08% e 15% dos pacientes que recebem uma transfusão sanguínea. Entretanto, tal incidência é de 50 a 100 vezes maior em doentes críticos comparados a pacientes internados em enfermaria geral.

Várias razões podem explicar a alta incidência de TRALI em algumas populações de pacientes. Os pacientes criticamente doentes estão muito expostos aos riscos de transfusão, pois até 50 a 70% dos pacientes em terapia intensiva necessitam de algum tipo de terapia transfusional enquanto estão na UTI.

Estes pacientes apresentam mais frequentemente alguma condição que leva à presença de neutrófilos em pulmão, o que se sabe que pode ser um fator facilitador do aparecimento da TRALI.

 

Manifestações clínicas e laboratoriais

A apresentação clássica é o aparecimento súbito de insuficiência respiratória hipoxêmica, portanto, sintomas respiratórios incluindo dispneia, taquipneia e tosse são os mais relatados, pois decorrem do aumento da permeabilidade vascular pulmonar e consequente edema pulmonar.

Outras reações transfusionais podem ocorrer, incluindo tremores, taquicardia, febre, hipotermia e hipotensão; em alguns raros casos, pode ocorrer hipertensão. Na radiografia torácica, caracteristicamente aparece infiltrado intersticial bilateral com tamanho da silhueta cardíaca normal.

As alterações laboratoriais são inespecíficas. Em 5 a 35% dos pacientes ocorre uma leucopenia transitória, devido a anticorpos antineutrófilos nos hemoderivados. Pode ainda ser observada trombocitopenia.

Um estudo retrospectivo encontrou os seguintes achados:

 

      hipoxemia: 100% dos casos; em pacientes entubados foi definida por aumento da necessidade de oxigênio;

      infiltrados pulmonares: 100%;

      em pacientes entubados, secreção rósea em vias aéreas: 56%;

      febre: 32%;

      hipotensão: 32%;

      cianose: 32%.

 

A diferenciação da TRALI do edema pulmonar de origem séptica pode ser complicada, porque sepse pode ser um fator precipitante da TRALI. Desse modo, é muito importante caracterizar a relação temporal com os sintomas. Caso os sinais de infecção estejam presentes, deve-se iniciar antibioticoterapia empírica imediatamente.

As reações transfusionais anafiláticas podem levar a broncoespasmo e obstrução aérea alta. Nestes casos, a radiografia de tórax tende a se apresentar normal, pois as alterações são em vias aéreas. Esses pacientes podem ainda apresentar urticária e eritema da face e tronco. As reações hemolíticas transfusionais podem causar sintomas respiratórios, porém é mais comum causarem febre e calafrios. Esses pacientes apresentam teste de Coombs e não costumam ter infiltrados pulmonares.

A diferenciação entre edema hidrostático por descompensação cardíaca ou sobrecarga de volume e a TRALI pode ser muito difícil, uma vez que a radiografia de tórax não consegue diferenciar as duas situações. A ecocardiografia e a dosagem de peptídeo natriurético cerebral pode ajudar a diferenciar as duas situações, deve-se lembrar que as duas situações podem ocorrer concomitantemente.

Existe consenso na literatura de que quadros de lesão pulmonar aguda grave aparecem nas primeiras horas da transfusão. A definição da janela de 6 horas para definição de TRALI foi escolhida a partir de uma série de casos de 1985 e na opinião de especialistas.

 

Tratamento

Em caso de suspeita de TRALI, a primeira atitude é interromper imediatamente a transfusão, embora muitas vezes esta já tenha terminado. Não existe tratamento específico para esta síndrome e o manejo é basicamente de suporte. Os pacientes necessitam de oxigenioterapia, titulada para manter saturação de oxigênio acima de 90%, e de ventilação mecânica, inevitável em 70 a 90% dos casos. A lógica da estratégia de ventilação nestes pacientes é a mesma que para outros pacientes com lesão pulmonar aguda ou síndrome de angústia respiratória aguda; por conseguinte, a aplicação de volumes correntes baixos é o ideal, embora não existam estudos prospectivos em pacientes com TRALI. Existem relatos de uso de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) nestes pacientes.

Existem alguns relatos do uso de corticoides em pacientes com TRALI, mas não existe evidência suficiente para recomendação do uso destas medicações nestes pacientes. O uso de diuréticos pode ter benefício como parte de uma estratégia restritiva do uso de fluidos nestes pacientes, mas devem ser usados com cautela, pois muitos pacientes evoluem com hipotensão e suporte circulatório hemodinâmico pode ser necessário.

 

Prognóstico

A síndrome geralmente tem um bom prognóstico, com mortalidade em torno de 5 a 10%, embora em alguns relatos se aproximem de 50%. Os primeiros relatos da TRALI sugeriam resolução em 12 horas, mas relatos recentes sugerem que o tempo de ventilação mecânica médio nestes pacientes é de 40 horas.

Os fatores de risco para desenvolvimento da TRALI incluem pacientes em ventilação mecânica, pois a aplicação de altas pressões de pico das vias aéreas pode aumentar o recrutamento de neutrófilos no endotélio pulmonar e predispor à lesão neste endotélio. Pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, sobretudo cirurgias cardíacas e transplante hepático, também apresentam maior probabilidade de desenvolver TRALI. A circulação extracorpórea prolongada é um fator de risco conhecido para o desenvolvimento destas complicações. Outros fatores incluem antecedente de múltiplas transfusões, neoplasias hematológicas, insuficiência hepática, uso de álcool, tabagismo, níveis altos de interleucina-8, idade e sobrecarga de volume.

 

Profilaxia

A política de restrição de transfusões sanguíneas é a mais efetiva medida preventiva para tais complicações. Um estudo randomizado demonstrou que a estratégia restritiva de transfusão de glóbulos vermelhos foi associada a uma diminuição na incidência de doença pulmonar aguda em comparação com uma estratégia liberal (7,7% vs. 11,4%).

Alguns autores sugerem aguardar diminuição de processos inflamatórios antes de indicarem transfusão, mas esta não é uma recomendação habitual ou possível em boa parte dos casos. Apesar das medidas de restrição de transfusão serem importantes, deve-se lembrar que os fatores associados ao hospedeiro parecem ser mais importantes para o aparecimento da TRALI.

Em pacientes em ventilação mecânica, é recomendável diminuir as pressões ventilatórias durante a transfusão. Também é importante usar hemoderivados específicos para as necessidades do paciente evitando a transfusão de sangue total, por exemplo. O tempo de armazenamento dos hemoderivados pode influenciar o aparecimento da síndrome, de modo que, em pacientes de risco, deve-se tentar usar sangue fresco. O uso de hemácias ou outros hemoderivados lavados pode diminuir o aparecimento da TRALI.

Existem dois grupos de doadores de sangue de alto risco: mulheres multíparas e doadores já expostos a transfusões sanguíneas. A probabilidade de aloimunização aumenta em doadores conforme o número de gestações. Vários países têm uma política de preferir doadores do sexo masculino, que apresentam risco bem menor de TRALI. Alguns países também têm a política de exclusão de doadores com história de uma ou duas ocasiões em que se desenvolveu TRALI.

 

Referências

1.    Vlaar AP, Juffermans NP. Transfusion-related acute lung injury: a clinical review.

2.    Kleinman S, Jor DJ. Transfusion-related acute injury (TRALI) em www.uptodate.com acessado em 25 de maio de 2013.

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