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Diarreias infecciosas

Autores:

Raquel Scherer de Fraga

Coordenadora do Programa de Residência Médica em Gastrenterologia do Hospital da Cidade de Passo Fundo. Doutora em Gastrenterologia pela UFRGS.

Willian Segalin

Acadêmico da Faculdade de Medicina da UPF.

Última revisão: 11/04/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 21 anos, previamente hígido, é internado devido a um quadro de diarreia sanguinolenta com início há 24 horas, associada a vômitos, fadiga e febre de até 39oC. Ele afirma ter apresentado mais de 15 episódios diarreicos. Ao realizar exame, verifica-se que o paciente apresenta estado geral regular, prostrado, desidratado, eupneico, com temperatura axilar de 37,8oC, pressão arterial de 90/64 mmHg. Em aparelho respiratório, observa-se murmúrio vesicular uniformemente distribuído, sem ruídos adventícios; no aparelho cardiovascular, ritmo cardíaco regular, 2 tempos, sem sopro sistólico, bulhas normofonéticas; no abdome, ruídos hidroaéreos presentes, levemente distendido, doloroso à palpação difusa, sem sinais de peritonismo. Os exames laboratoriais evidenciam os seguintes resultados: 18.900 leucócitos (com 24% bastões), creatinina de 3,6 mg/dL; ureia de 152 mg/dL; sódio de 144 mmol/L; potássio de 3 mEq/L. Solicita-se coprocultura, com crescimento de Salmonella sp.

 

Definição

A diarreia pode ser definida como a eliminação de fezes amolecidas, de consistência líquida, geralmente associada a aumento no número de evacuações (3 ou mais/dia) e da massa fecal diária (acima de 200 g).

A diarreia pode ser classificada, conforme sua duração, da seguinte forma:1,2

Aguda (= 4 semanas);

Crônica (> 4 semanas).

 

Epidemiologia

As diarreias infecciosas representam uma das cinco principais causas de morte no mundo, evidenciando maior impacto em crianças. Em países subdesenvolvidos, a incidência é de 2 a 3 vezes maior.

Os principais fatores de risco para a diarreia infecciosa são idade inferior a 5 anos (lactentes e pré-escolares), baixa condição socioeconômica e precariedade no saneamento básico. Nota-se que as crianças são o grupo com maiores taxas de morbimortalidade, apresentando cerca de 50 diarreias/ano, com 10% delas desenvolvendo quadros de desidratação significativa.

A giardíase aguda manifesta-se com diarreia aquosa, associada a esteatorreia, fezes malcheirosas, flatulência, distensão, dor abdominal, perda ponderal, náuseas, vômitos e fadiga. Essa doença tem duração de mais de sete dias.

 

Etiologia

A maioria das diarreias de causa infecciosa é aguda, sendo autolimitada ou de fácil tratamento. Há poucas infecções que causam diarreia prolongada. Esta geralmente ocorre em pacientes imunocomprometidos (Tab. 45.1).

Em geral, os casos de diarreia infecciosa são virais (rotavírus). Já os agentes bacterianos mais prevalentes são Escherichia coli (principalmente a enterotoxigênica), Salmonella, Shigella Staphylococcus aureus (intoxicação alimentar). Porém, considerando a população que apresenta diarreia grave e necessita de internação hospitalar, as bactérias enteroinvasivas destacam-se.

 

 

 

Patogênese

A diarreia bacteriana aguda pode ser classificada, conforme a patogênese, em toxigênica (uma enterotoxina é a principal causa do mecanismo patogênico) e invasiva (o organismo penetra a superfície da mucosa como evento primário).

 

Diarreia toxigênica. Os principais organismos, nesse grupo, são o Vibrio cholerae e a E. coli enterotoxigênica (ETEC). Esses patógenos geram enterotoxinas do tipo citotóxico, causando diarreia com desidratação acentuada.

 

Afinal, fisiopatologicamente, como o V. cholerae e a ETEC causam diarreia?

•O mecanismo básico da doença consiste em perda de líquido, relacionada à ação de uma enterotoxina nas células epiteliais do intestino delgado.

•O patógeno não invade a superfície mucosa. A arquitetura da mucosa permanece intacta, sem evidência de destruição celular.

• O conteúdo fecal é aquoso e frequentemente volumoso, tendo origem no intestino delgado, onde a enterotoxina apresenta maior atividade.

 

Diarreia invasiva. O principal mecanismo de ação consiste na invasão do epitélio intestinal. Enquanto os organismos toxigênicos caracteristicamente envolvem o intestino delgado superior, os patógenos invasivos têm como alvo o intestino inferior (íleo distal e colo). Os principais representantes desse grupo são Salmonella, Shigella, E. coli enteroinvasiva (EIEC), Campylobacter eYersinia.

 

Entretanto, o rotavírus infecta os enterócitos dentro do epitélio viloso do jejuno e do íleo, causando destruição das células dessa camada. A destruição dos enterócitos resulta em transudação no lúmen intestinal e perda de líquidos nas fezes. Entre o quarto e o quinto dia após a infecção, as vilosidades adjacentes unem-se, reduzindo a área afetada e melhorando a integridade da barreira contra essa perda de líquidos. A partir do sexto até o décimo dia de infecção, a arquitetura das vilosidades é restaurada.

 

Sinais e Sintomas

Apesar de o sintoma principal ser a diarreia, o quadro clínico é bastante variável dependendo do agente etiológico. Na Tabela 45.2, encontram-se os principais agentes etiológicos, a forma de transmissão e as manifestações clínicas relacionadas de pacientes com diarreias infecciosas.

 

Diagnóstico

A avaliação inicial de pacientes com diarreia infecciosa é realizada por meio de uma avaliação minuciosa para determinar a duração dos sintomas, a frequência e as características das fezes. Deve-se atentar sempre para sinais de depleção do volume extracelular, como hipotensão ortostática e diminuição do turgor da pele. Febre e sintomas peritoneais podem ser indícios de infecção por patógenos enteroinvasivos.

Pacientes com diarreia leve, sem sinais graves, não necessitam de uma investigação etiológica.

 

As indicações de avaliação diagnóstica são as seguintes:

Diarreia aquosa com sinais de hipovolemia;

Presença de sangue ou muco nas fezes;

Temperatura igual ou superior a 38ºC;

Seis ou mais evacuações de fezes não formadas em 24 horas ou duração dos sintomas por mais de 48 horas;

Dor abdominal intensa;

Uso recente de antibióticos ou pacientes hospitalizados;

Diarreia em idosos (=70 anos) ou em imunocomprometidos.

 

 

Um achado importante para o diagnóstico é a febre, pois sugere infecção por bactérias invasivas (p. ex., Salmonella sp. Shigella sp. ou Campylobacter sp.), vírus entéricos ou organismos citotóxicos, como Clostridium difficile ou Entamoeba histolytica. A história alimentar também pode proporcionar indícios para o diagnóstico. O consumo de produtos lácteos não pasteurizados, carnes cruas ou peixe, preparações orgânicas de vitaminas podem sugerir certos patógenos. Também é necessário questionar sobre o uso recente de antibióticos ou de outras medicações e obter uma história médica completa.

A investigação deve ser realizada por meio do exame de fezes com coprocultura, hemograma e bioquímica (função renal e eletrólitos). Em caso de uso recente de antibióticos, deve-se pesquisar a toxina do Clostridium difficile pelo método Elisa direto nas fezes.

O exame parasitológico de fezes (EPF) faz parte da rotina, visando à pesquisa de protozoários.

 

Tratamento

Deve-se iniciar o manejo dos pacientes que apresentam diarreia aguda com medidas gerais, como hidratação. Terapia antibiótica não é necessária, na maioria dos casos, desde que a doença seja autolimitada.

Geralmente opta-se pela solução para reidratação oral, contendo 1 L de água potável, 3,5 g de NaCl, 20 g de glicose ou 40 g de sacarose, 1,5 g de KCl e 3 g de bicarbonato ou citrato de sódio. Os soros formulados pela Organização Mundial de Saúde (OMS)³ contêm essa proporção e são bastante práticos. Em casos mais graves, a hidratação venosa é necessária.

Na Tabela 45.3, tem-se resumido o tratamento indicado para as diarreias infecciosas conforme o agente etiológico.

A loperamida, uma droga que reduz a motilidade intestinal, pode ser utilizada para tratamento sintomático em pacientes com diarreia aguda que não apresentam febre ou sangue nas fezes. Para esses casos, são indicados 4 mg (2 cp.) como dose inicial e, em seguida, 2 mg após cada evacuação diarreica, não excedendo 16 mg/dia por dois dias ou menos. Um risco potencial da administração de antidiarreico é o desencadeamento de síndrome hemolíticourêmica em pacientes infectados com EHEC.

 

 

Caso Clínico Comentado

O paciente do caso clínico em questão apresentou um quadro de diarreia grave, ocasionada por Salmonella sp. Foi instituída hidratação intravenosa vigorosa, com solução fisiológica e eletrólitos, e iniciada antibioticoterapia com levofloxacino durante sete dias. Reverteu-se rapidamente a perda de função renal com reposição volêmica, indicando insuficiência renal aguda pré-renal, e o paciente manifestou melhora lenta e progressiva durante o tratamento.

 

Referências

1.LaMont JT. Patient information: chronic diarrhea in adults (beyond the basics) [Internet]. Waltham: UpToDate; 2011 [capturado em 15 set. 2012]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/chronic-diarrhea-in-adults-beyond-the-basics. Acesso restrito.

2.Wanke CA. Patient information: acute diarrhea in adults (beyond the basics) [Internet]. Waltham: UpToDate; 2008 [capturado em 15 set. 2012]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/acute-diarrhea-in-adults-beyond-the-basics. Acesso restrito.

3.World Health Organization [Internet]. Geneva: WHO; c2012 [capturado em 10 set. 2012]. Disponível em: http://www.who.int/en/.

 

Leituras Recomendadas

DuPont HL. Clinical practice. Bacterial diarrhea. N Engl J Med.2009;361(16):1560-9.

Goldman L, Ausiello D, editors. Cecil medicine. 23rd. ed. Philadelphia: Saunders; 2008.

Kasper D, Fauci A, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL, et al., editors. Harrison´s principles of internal medicine. 17th ed. New York:McGraw-Hill; 2008.

Thielman NM, Guerrant RL. Clinical practice. Acute infectious diarrhea. N Engl J Med. 2004;350(1):38-47.

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