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Alcaloses metabólicas

Autor:

Carlos Perez Gomes

Médico nefrologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ. Professor de Nefrologia da Faculdade São Lucas – RO. Doutor em Ciências pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ.

Última revisão: 24/01/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Casos Clínicos

A) Uma paciente do sexo feminino, 68 anos, está internada em enfermaria há três dias em pós-operatório de hemicolectomia esquerda por neoplasia de colo, mantida em dieta zero com cateter nasogástrico em sifonagem e hidratação parenteral. A paciente relata fraqueza muscular e cãibras. Ao realizar exame, ela apresenta-se cooperativa, afebril, com pressão arterial de 96/60 mmHg, frequência cardíaca de 122 bpm, frequência respiratória de 13 rpm, corada, hipo-hidratada 2+/4+, anictérica, acianótica. Aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular, 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros. Aparelho respiratório: murmúrio vesicular audível bilateralmente sem ruídos adventícios. Abdome: discretamente doloroso à palpação profunda, sem visceromegalias, peristalse débil. A paciente não apresenta edemas. No hemograma, não são verificadas alterações. O eletrocardiograma evidencia ritmo sinusal, QT prolongado e onda U. A partir dos demais exames, são observados os resultados que constam na Tabela 75.1.

 

B) Um paciente do sexo masculino, 23 anos, procura atendimento ambulatorial relatando pressão alta. Ele afirma não apresentar outras comorbidades ou história familiar de hipertensão arterial sistêmica. Ao realizar exame, observa-se que o paciente está muito ansioso, cooperativo, afebril, com pressão arterial de 164/98 mmHg, frequência cardíaca de 88 bpm, frequência respiratória de 24 rpm, corado, hidratado, anictérico, acianótico. Aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular, 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros. Aparelho respiratório: murmúrio vesicular audível bilateralmente sem ruídos adventícios. Abdome: indolor, sem visceromegalias, peristáltico, sem sopros. Não são evidenciados edemas. Os pulsos periférico são isócronos e isóbaros. No mograma, não são verificadas alterações. Na urina tipo 1, não há proteinúria ou hematúria. A partir do eletrocardiograma, observa-se ritmo sinusal. Nos demais exames, são evidenciados os resultados apresentados na Tabela 75.2.

 

 

 

 

Abordagem Diagnóstica Inicial Por Meio da Gasometria Arterial

Quando ocorre um distúrbio acidobásico, existem diversos tampões no organismo para reduzir a variação de pH no líquido extracelular (LEC), que deve ser mantida na faixa de 7,35 a 7,45. Um pH com valor inferior a 7,35 representa acidemia, e maior do que 7,45, alcalemia. Existem sistemas tampões de ação imediata presentes tanto no LEC (p. ex., bicarbonato e fosfato) quanto no líquido intracelular (LIC) (p. ex., proteínas). Além desses sistemas, dois órgãos são fundamentais na homeostase acidobásica: os pulmões (capazes de excreção de ácidos voláteis à base de carbono) e, mais tardiamente, os rins (que podem realizar excreção de ácidos não voláteis ou fixos e reabsorção de cerca de 99% do bicarbonato – HCO3 filtrado). Na prática clínica, utiliza-se apenas o sistema tampão bicarbonato para os diagnósticos dos distúrbios acidobásicos. Com base na equação de Handerson-Hasselbach a seguir, o HCO3 representa o componente metabólico (diminuição – acidose metabólica; aumento-alcalose metabólica), enquanto a pCO2 representa o componente respiratório (diminuição – hipocapnia – alcalose respiratória; aumento – hipercapnia – acidose respiratória).

 

pH = 6,1 + log (HCO3-) -> componente metabólico / 0,03 x pCO-> componente respiratório

 

O exame padrão-ouro que possibilita a medição de pH, pCO2 e HCO3 é a gasometria arterial, em que o sangue é coletado com seringa heparinizada na artéria radial (após teste de Allen para verificar a patência da artéria ulnar) ou na artéria femoral.

O sangue deve ser imediatamente levado ao laboratório para análise.

Os resultados da gasometria arterial podem ser interpretados utilizando apenas três parâmetros: pH, HCO3 e pCO2 (Tab. 75.3).

Etapa 1: Verificar o pH: acidemia ou alcalemia? 

Etapa 2: Diagnosticar o distúrbio primário por meio da equação de Handerson-Hasselbach.

Etapa 3: Verificar, na Tabela 75.4, a faixa de resposta fisiológica ao distúrbio primário. Por questões físico-químicas e ação da enzima anidrase carbônica (p. ex., existente nas hemácias), toda alteração no HCO3 causa modificação na pCO2 e vice-versa. Por isso é necessário calcular a faixa esperada de resposta fisiológica para verificar se só existe um distúrbio (simples) ou se há outro associado (misto ou duplo). Dessa forma, se a outra variável estiver dentro da faixa, tem-se apenas um distúrbio simples; se estiver fora da faixa, um distúrbio misto ou duplo.

 

 

 

Definição

A alcalose metabólica é uma condição clínica caracterizada por aumento primário da concentração de HCO3, elevando também o pH e a pCO2 (Tab. 75.5).

 

Epidemiologia

A alcalose metabólica é um distúrbio acidobásico pouco frequente, mas que ocorre em pacientes que utilizam diuréticos e naqueles com doenças que estimulam a secreção de aldosterona, como os indivíduos com hiperaldosteronismo primário.

 

Sinais e Sintomas

As principais manifestações clínicas e laboratoriais em um paciente com alcalose metabólica estão resumidas no Quadro 75.1.

 

Patogênese/Etiologia

Inicialmente, existe a fase de geração da alcalose metabólica, que pode ocorrer por sobrecarga de bicarbonato, perda de hidrogênio (renal, como no hiperaldosteronismo primário, ou extrarrenal, como na drenagem nasogástrica) ou perda de líquidos ricos em cloro. A alcalose persistirá se os rins não excretarem o excesso de bicarbonato do LEC, caracterizando, então, a fase de manutenção da alcalose metabólica, que pode ocorrer por depleção do LEC (causa de hiperaldosteronismo secundário), hipopotassemia (aumento da excreção renal de H+) e até mesmo hipercapnia (1-4). No Quadro 75.2, há um resumo das principais etiologias das alcaloses metabólicas de acordo com suas fisiopatogenias.

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Diagnóstico Diferencial

Para um paciente com alcalose metabólica, utiliza-se a dosagem do ânion cloro em amostra de urina (ou em urina de 24 horas) para realização de diagnóstico diferencial. O cátion sódio não é utilizado por conter excreção urinária elevada associada à bicarbonatúria (2,3,4). O nível de cloro urinário baixo (< 10 mEq/L) sugere alta reabsorção renal geralmente associada à depleção de LEC, enquanto o nível elevado (> 20 mEq/L) indica a inexistência de depleção do LEC (5-7). As alcaloses metabólicas são, então, classificadas em cloreto-sensível (responsiva à administração de soro fisiológico) e cloreto-resistente (não responsiva à administração de soro fisiológico), facilitando o diagnóstico diferencial, conforme a Figura 75.1.

 

Tratamento

Em pacientes com alcaloses metabólicas cloreto-sensíveis, o tratamento se baseia na administração de líquidos para correção da depleção do LEC, especialmente com soro fisiológico, permitindo, assim, tanto a inibição do estímulo para o hiperaldosteronismo secundário quanto a reposição de cloro. Caso haja hipopotassemia, é fundamental a reposição de potássio para facilitar a excreção renal de bicarbonato. Em casos de perdas gástricas, estão indicados os bloqueadores de bombas de prótons (tipo omeprazol). Em indivíduos com alcaloses metabólicas cloreto-resistentes, caso haja excesso de mineralocorticoides, o tratamento é dirigido para a doença de base (como cirurgia no adenoma produtor de glândula suprarrenal). Podem ser utilizados diuréticos antagonistas da aldosterona e poupadores de potássio (p. ex., espironolactona e eplerenona), inibidores da anidrase carbônica que aumentam a bicarbonatúria (p. ex., acetazolamida) e, em tubulopatias específicas (como a síndrome de Bartter), anti-inflamatórios não esteroides 1,8,9).

Em alcaloses metabólicas graves (pH > 7,55) não responsivas às medidas anteriormente citadas ou associadas a arritmias cardíacas e manifestações neurológicas, está indicada a reposição parenteral de ácido clorídrico (HCl – 0,1 a 0,2 N) ou de cloreto de amônio (NH4Cl) – não disponíveis no Brasil – e até mesmo a realização de diálise (hemodiálise com baixa concentração de bicarbonato no banho ou diálise peritoneal com banho de soro fisiológico e reposição eletrolítica parenteral).

 

 

Casos Clínicos Comentados

A) Análise dos resultados da gasometria

Etapa 1: pH de 7,50 (> 7,45), evidenciando alcalemia.

Etapa 2: O distúrbio primário é metabólico, pois o HCO3 está elevado.

Etapa 3: Analisando-se a Tabela 75.1, quando o distúrbio primário é alcalose metabólica, para cada 1 mmol de HCO3 que aumenta, a pCO2 deveria subir de 0,25 para 1 mmHg. Assim, nessa paciente, em que o HCO3 aumentou 10 mmol/L (de 24 para 34 mmol/L), a faixa esperada de pCOseria de 42,5 a 50 mmHg, e, como a pCO2 da paciente está dentro da faixa, não há distúrbio misto ou duplo. (Obs.: Se estivesse abaixo da faixa, verificar-se-ia alcalose respiratória associada e, se estivesse acima da faixa, acidose respiratória associada.)

Portanto, o diagnóstico gasométrico é de alcalose metabólica (distúrbio simples).

A paciente apresenta distúrbio simples – alcalose metabólica – com redução de cloro urinário, caracterizando uma alcalose metabólica cloreto-sensível (perda de H+ e cloro pela drenagem nasogástrica), associada à depleção do LEC (hipotensão arterial), inclusive com manifestações clínicas e elétricas pela hipopotassemia/alcalemia. O tratamento consiste em reposição com soro fisiológico e cloreto de potássio, havendo total recuperação do quadro.

 

 

 

 

 

B) Análise dos resultados da gasometria

Etapa 1: pH de 7,50 (> 7,45), evidenciando alcalemia.

Etapa 2: O distúrbio primário é metabólico, pois o HCO3 está elevado.

Etapa 3: Analisando-se a tabela, quando o distúrbio primário é alcalose metabólica, para cada 1 mmol de HCO3 que aumenta, a pCO2 deveria subir de 0,25 para 1 mmHg. Assim, nesse paciente, em que o HCOaumentou 6 mmol/L (de 24 para 30 mmol/L), a faixa esperada de pCO2 seria de 41,5 a 46 mmHg, e, como a pCO2 do paciente está fora dessa faixa (abaixo – hipocapnia relativa), existe um segundo distúrbio – alcalose respiratória associada (há distúrbio misto ou duplo).

Portanto, o diagnóstico gasométrico é de alcalose metabólica associada à alcalose respiratória (distúrbio duplo ou misto).

Deve-se notar que em ambos os casos de alcalose metabólica o standard base excess, ou excesso de base padrão (SBE), cujo valor normal varia de –5 a +5 mmol/L, está mais positivo, caracterizando excesso de base no LEC.

O paciente apresenta distúrbio duplo ou misto – alcalose metabólica associada à alcalose respiratória. A alcalose respiratória pode ocorrer devido ao quadro de ansiedade – hiperventilação. A alcalose metabólica com cloro urinário elevado caracteriza uma alcalose metabólica cloreto-resistente, associada a um quadro de hipertensão arterial em jovem sem história familiar da doença (provável hipertensão secundária) e hipopotassemia. Na investigação subsequente, diagnostica-se hiperaldosteronismo primário (aldosterona sérica e relação aldosterona/atividade de renina plasmática elevados), com tomografia computadorizada evidenciando adenoma de glândula suprarrenal direita. O tratamento consiste inicialmente na administração de espironolactona e losartano para controle pressórico e melhora da alcalemia e hipopotassemia até a realização de cirurgia (suprarrenalectomia direita), com total recuperação do quadro.

 

 

 

Figura 75.1

Algoritmo da alcalose metabólica.

 

Leituras Recomendadas

DuBose TD Jr. Metabolic alkalosis. In: Greenberger A, editor. Primer on kidney diseases. 5th ed. Philadelphia: National Kidney Foundation; 2009. p. 84-90.

Gomes CP, Gordan PA. Avaliação laboratorial dos distúrbios ácido-básicos: o que é preciso saber na prática diária? In: Kirsztajn GM, organizador. Diagnóstico laboratorial em nefrologia. São Paulo: Sarvier; 2010.p. 91-102.

Hamm L. Mixed acid-base disorders. In: Kokko JP, Tannen KL, editors. Fluids and electrolytes. 3rd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1996. p.343-57.

Hasselbach KA, Lundsgaard C. Elektrometrische reaktions-bestimmung dês blutes bei körpertemperatur. Biochem Z.1912;38:77-91.

Henderson LJ. Das Gleichgewitch zwischen Säuren und Basen in tierischen Organimus. Ergebn Physiol. 1909 8:254-325.

Kaehny WD. The patient with abnormal venous serum bicarbonate or arterial blood pH, PCO2, and bicarbonate. In: Schrier RW. Manual of nephrology. 4th ed. Boston: Little Brown; 1994. p. 55-67

Kraut JA, Madias NE. Serum anion-gap: its uses and limitations in clinical medicine. Clin J Am Soc Nephrol. 2007;2(1):162-74.

Riella MC, editor. Metabolismo ácido básico em princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 168-93.

Williams AJ. Arterial blood gases and acid-balance. BMJ. 1998; 317:1213-16

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