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Trombose Venosa Cerebral

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/01/2014

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          A trombose das veias cerebrais e dos seios venosos (TVC) é um transtorno cerebrovascular que, ao contrário dos eventos vasculares arteriais, na maioria das vezes afeta adultos, jovens e crianças. Os sintomas e a evolução são muito variáveis, apresenta-se  como cefaleia após iniciar uso de anticoncepcionais orais, convulsões e alterações focais em exame neurológico.

          A incidência anual estimada é de três  a quatro casos a  cada um milhão de habitantes e de até sete casos para cada um milhão de crianças, portanto números bastante inferiores aos encontrados em outros tipos de eventos cerebrovasculares. Um estudo português revelou uma incidência de 0,22 casos a cada 100.000 habitantes ao ano. Apesar dos números relativamente baixos, a incidência está aumentando com o aparecimento de novas tecnologias e uso disseminado dos exames de ressonância magnética.

          As mulheres são mais afetadas em relação aos homens com proporção de três a cinco  casos para um, sendo o maior grupo de risco o de mulheres adultas jovens. Felizmente, 80% dos pacientes apresentam boa evolução do ponto de vista neurológico.

          Os sintomas podem ocorrer tanto pela oclusão dos vasos, como pela hipertensão craniana secundária;. No entanto, em pacientes com oclusão de veias cerebrais pode ocorrer edema localizado e infarto venoso.

 

Fisiopatologia

          A fisiopatologia da doença não é completamente explicada, mas dois mecanismos certamente são envolvidos: a oclusão vascular e a hipertensão intracraniana secundária, dificuldade em reabsorção liquórica.

          Dois mecanismos de edema cerebral existem nestes pacientes, o mecanismo citotóxico secundário, a isquemia com lesão da membrana celular e edema intracelular. O mecanismo vasogênico, por sua vez, ocorre à partir da alteração da barreira hemato-encefálica e extravasamento do plasma sanguíneo para o espaço intersticial.

          Quando ocorre oclusão dos seios venosos principais, o transporte do líquido cefalorraquidiano é alterado, com aumento da pressão venosa, diminuição da absorção do líquido cefalorraquidiano e, consequentemente, aumento da pressão intracraniana. Em geral, estes pacientes não desenvolvem hidrocefalia pelo fato da obstrução ocorrer em ponto terminal do transporte, ao contrário de outras causas de obstrução do transporte liquórico.

 

Fatores Etiológicos

          Em 85% dos pacientes são identificadas causas diretas ou fatores de risco para trombose.

 

          Os fatores principais envolvidos incluem os seguintes tipos :

-Fatores pró-trombóticos;

-Uso de contraceptivos orais;

-Gestação e puerpério;

-Malignidade;

-Processos infecciosos;

-Trauma e procedimentos neurocirúrgicos;

 

          Os fatores trombóticos incluem os usuais como mutação no gene da protrombina, fator V de Leyden e deficiências de proteína C e antitrombina, já a hiperhomocisteínemia apresenta uma relação controversa com a TVC.

          A gestação, principalmente no último trimestre e período de pós-parto recente são de risco particularmente aumentado, com 12 casos a cada 100 mil partos.

         Outros fatores identificados em estudos como de risco para trombose venosa cerebral inclui uso de contraceptivos orais, especialmente contraceptivos de terceira geração que contêm em sua composição gestodeno ou desogestrel. Quadros neoplásicos têm ainda associação conhecida com aumento do risco de quadros tromboembólicos venosos incluindo TVC.

          Quadros infecciosos como otite e mastoidite podem evoluir com trombose de seio sigmóide ou seios transversos adjacentes e representam de 6 a 12% de todos os casos de trombose venosa cerebral.

          Causas mecânicas também podem ser fatores precipitantes de trombose venosa cerebral, sendo identificadas como de risco traumatismo craniano, procedimentos neurocirúrgicos, manipulação ou trauma de seios venosos ou veias jugulares e ainda punção lombar. Em particular, no caso de cefaleia secundária, a trombose venosa cerebral, após punção lombar, é preciso  atentar para o fato de que a cefaleia nos pacientes com TVC não se altera com a posição e persiste além de alguns dias, ao contrário da cefaleia associada à punção.

 

Quadro Clínico

          O sintoma mais frequente na apresentação é a cefaleia, estando presente em mais de 90% dos pacientes adultos. Ela costuma ser severa e com aumento progressivo de intensidade em curso de poucos dias, mas existem descrições de dor de início súbito simulando quadro de hemorragia subaracnóide, o sintoma entretanto é pouco específico para o diagnóstico. A cefaleia ocorre principalmente em pacientes jovens e mulheres, sendo na maioria das vezes localizada, embora cefaleia difusa também seja descrita.

          A presença de sintomas focais unilaterais como afasia ou hemiparesia, progredindo posteriormente com envolvimento do hemisfério contralateral, são característicos da TVC, mas de ocorrência rara. Convulsões, por sua vez, são descritas em cerca de 50% dos pacientes e geralmente são limitadas e focais, raramente evoluindo para estado de mal epilético. Os pacientes podem ainda ter quadro confusional com  delírio ou síndrome de frontalização. Em pacientes com quadros de infarto extenso ou hemorragias de grande monta podem ocorrer com compressão de tronco cerebral podendo evoluir para coma ou morte.

          Alguns sintomas são específicos de lesões isoladas de algum seio venoso cerebral em pacientes com trombose de seio reto e seus ramos. Podemos ter lesões talâmicas, com alterações comportamentais como delírio, amnésia e mutismo. A trombose do seio cavernoso frequentemente tem causas infecciosas e se apresenta com quadro de cefaleia, febre e sintomas oculares como edema periorbital, proptose e paralisia de nervos oculares. A oclusão de seios sagitais, por sua vez tende a ocorrer  com déficits motores por vezes bilaterais. Convulsões são frequentes, mas hipertensão intracraniana é infrequente.

          A trombose de seio cavernoso apresenta-se com quadro de dor orbitária, quemose, proptose e paralisias oculomotoras, já a trombose de jugular frequentemente ocorre  com tinido pulsátil.

          Quando pacientes evoluem com hipertensão intracraniana pode ocorrer papiledema e complicações oculares associadas, como cegueira. Em pacientes com diplopia associada a paralisia de VI par craniano a pressão intracraniana costuma estar particularmente elevada.

          As principais localizações das TVCs e sua frequência está sumarizada na tabela abaixo, muitas vezes múltiplas localizações das TVCs ocorrem em um único paciente.

 

Tabela 1: Localização dos quadros de Tromboses Venosas Cerebrais

 

Estrutura envolvida

Frequência

Seios transversos

18% seio reto

86%

Veias Jugulares

12-30%

Veias de galeno ou veias cerebrais internas

11%

Veias corticais internas

17%

Seio sagital superior

60%

Seio reto

15 a 20%

Sistema venoso profundo

4 a 8%

 

Diagnóstico

          O diagnóstico deve ser sempre considerado em pacientes jovens ou de meia-idade, particularmente do sexo feminino, com quadro de cefaleia severa e inexplicada ou com sintomas sugestivos de acidente vascular cerebral, sem os fatores de risco habituais e com TC com evidência de múltiplos infartos hemorrágicos, principalmente se ocorrem em territórios não habituais. A inespecificidade dos sintomas atrasa o diagnósticos nestes pacientes em média por sete dias da apresentação.

          O exame de escolha para o diagnóstico é a ressonância magnética de encéfalo com venografia, a tomografia pode ser usada como exame inicial, mas sua utilidade é principalmente em excluir diagnósticos alternativos.

          A imagem inicialmente revela sinais isotensos em T1 e hipotensos em T2 dos seios com trombose, posteriormente após os primeiros cinco dias de evolução os trombos venosos se tornam mais evidentes, sendo o sinal hipertenso em T1 e T2. A angioressonância venosa irá demonstrar a ausência de fluxo nos seios cerebrais, mas muitas vezes o achado pode ser confundida como variação do normal. Em casos em que persista a dúvida diagnóstica, pode ser realizada a angiografia cerebral. A punção lombar d d-dímero pode ser realizada, com d-dímero aumentado nos pacientes com TVC, enquanto a função da punção é principalmente descartar quadros de meningite e eventualmente de hemorragia subaracnóide.

 

Abordagem  Manejo

          A prioridade de tratamento na fase aguda é de estabilização clínica do paciente. Em particular, pacientes com alteração de consciência apresentam maior risco de complicações, mas mesmo com o tratamento, o prognóstico é favorável e o risco de morte pela TVC é de aproximadamente  5%.

         

          Fatores associados com pior prognóstico:

-Alteração da consciência (fator de maior risco);

-Trombose de sistema venoso profundo;

-Hemorragia de hemisfério direito;

-Lesões de fossa posterior;

 

          Em pacientes com herniação cerebral são indicadas as medidas para tratar hipertensão intracraniana, incluindo o uso de manitol intravenoso e hemicraniectomia descompressiva ou remoção cirúrgica do trombo hemorrágico; não existe, entretanto evidências de benefício do uso de glicocorticóides na fase aguda do evento. A profilaxia de convulsões com o uso de drogas antiepiléticas só é indicada para pacientes com convulsões na apresentação ou lesões supratentoriais significativas como edema, hemorragia e infarto. 

          O tratamento específico é com a anticoagulação para evitar a progressão do processo trombótico e embolizações sistêmicas, porém evidência definitiva de benefício na literatura ainda não existe, ainda deve-se considerar a preocupação com o risco aumentado de hemorragias. Alguns pequenos estudos mostraram uma tendência de benefício com a anticoagulação e a maioria dos neurologistas a recomendam  para todos os pacientes, assim que feito o diagnóstico. Mesmo em pacientes com hemorragias a terapia com anticoagulação parece ser segura.

          Não se sabe qual o tempo ideal de anticoagulação, a recidiva da TVC ocorre em 2% dos pacientes, com 4% dos pacientes com evento trombótico extracraniano em 1 ano, por este motivo a maioria dos autores recomendam terapia anticoagulante por seis meses após um primeiro episódio de TVC.

Alguns estudos compararam o uso de heparina de baixo peso molecular com heparina convencional para o tratamento da TVC. Os estudos mostram uma tendência de maior benefício com heparina de baixo peso molecular, mas o benefício fica no limite da significância estatística.

          Alguns pacientes apresentam deterioração clínica, apesar da terapia com anticoagulação. Nestes casos, a trombólise endovascular pode ser uma opção e pode ser realizada com uroquinase ou rt-PA. Eventualmente por métodos mecânicos, tem sido relatada, mas devido à pouca experiência deve ser limitada a centros com radiologia intervencionista e pacientes com mau prognóstico. Não existem estudos comparativos desta abordagem comparada a não realização deste tratamento, mas apenas séries de casos relatando os benefícios.

 

Referências

1.             Stam J. Thrombosis of the cerebral veins and sinuses. N Engl J Med 2005; 352:1791.

2.             Ferro JM, Canhão P. Treatment and prognosis of cerebral venous thrombosis. Disponível em www.uptodate.com. Acessado em 29 de outubro de 2013.

3.             Ferro JM, Canhão P. Etiology, clinical features, and diagnosis of cerebral venous thrombosis. Disponível em www.uptodate.com. Acessado em 29 de outubro de 2013.

 

 

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