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Transtorno bipolar

Autores:

Lucas Lovato

Médico psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela UFRGS.

Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima

Médico psiquiatra. Mestre em Farmacologia pela UFCSPA. Doutor em Ciências Biológicas: Bioquímica pela UFRGS.

Última revisão: 10/03/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso clínico

O médico da unidade de tratamento intensivo (UTI) de trauma fica surpreso com o paciente do leito E. Ao perguntar como ele estava, o paciente relata altivamente: “Muito bem! Pronto para outra”. É seu terceiro pós-operatório de laparotomia após trauma fechado por queda (havia caído do telhado de sua casa, onde estava arrumando a calha). Durante a cirurgia, foi realizada esplenectomia e rafia hepática. Também estava com fixador externo na perna direita, onde apresentava fratura, e aguardava cirurgia eletiva. Durante o round, uma enfermeira reclamou da irritabilidade e da falta de educação do paciente, e outra relatou que ele estava fazendo planos futuros, falando sobre o dinheiro que havia acumulado em suas contas bancárias e que havia feito insinuações sexuais a ela. O médico percebe as alterações de comportamento, refaz os exames clínicos e os neurológicos. Ao conversar com a família, é informado que o paciente apresenta transtorno do humor bipolar, estava sem utilizar seus medicamentos há cerca de 30 dias e que a queda ocorreu em uma situação em que o paciente mostrou-se indignado e resolveu consertar a calha durante a noite.

 

Definição

O transtorno do humor bipolar (THB) faz parte das doenças do humor. Embora seus sintomas já sejam descritos de forma bastante consistente desde a Grécia Antiga, a medicina avançou em seu entendimento nas últimas décadas. Examinar os aspectos que distinguem transtorno do humor bipolar de transtornos unipolares, entender suas diferentes formas de apresentação, diagnosticar estados mistos e realizar diagnósticos diferenciais com outras doenças permanece sendo um desafio ao médico. Para iniciar o entendimento do THB, são apresentados, na Tabela 116.1, alguns conceitos básicos:1-3

 

Humor – É o tom prevalente do sentimento mantido por uma pessoa ao longo do tempo. Pode ser observado no que é verbalizado, no comportamento ou em aspectos da linguagem não verbal. Observações pontuais podem não definir o humor, é importante que se realize uma "linha do tempo" do humor de um paciente, observar mudanças, fatores causais, entrevistar pessoas que convivem com ele. Algumas formas de como o humor pode ser descritos são: ansioso, triste, deprimido, irritado, eufórico, culpado, enfurecido e agressivo, entre outros.

 

Classificação

A partir dos conceitos de estados de humor, pode-se classificar os transtornos do humor (de modo básico) como apresentados na Tabela 116.2.

Além dessas classificações, o paciente ainda pode ser diagnosticado como portador de ciclotimia (sintomas hipomaníacos e depressivos que não preenchem os critérios para depressão maior) ou de THB SOE (sem outra especificação), quando os critérios não se enquadram exatamente nos anteriormente citados. Os sintomas de humor não devem estar relacionados ao uso de substâncias, medicamentos ou causas orgânicas.1

 

 

 

 

Epidemiologia

O transtorno bipolar tipo I afeta cerca de 1% da população, não havendo variação entre indivíduos de diferentes sexos; já o transtorno bipolar tipo II, em torno de 1,1% da população, ocorrendo de forma mais frequente em mulheres. Se ampliados os conceitos e considerados os transtornos do espectro bipolar, verifica-se uma prevalência entre 3 e 8,3%. Em geral, o transtorno do tipo I apresenta-se em indivíduos com cerca de 18 anos, e o do tipo II, naqueles com aproximadamente 20 anos. O primeiro episódio geralmente é depressivo, e essa fase também costuma ser a predominante do transtorno (por esse motivo é frequentemente confundido com a depressão unipolar, cujo tratamento pode agravar o THB). O risco de suicídio é 15 vezes maior do que o da população em geral. Entre os portadores, 7 a 15% cometem suicídio, que, em geral, ocorre mais comumente em fases mistas e depressivas. Os transtornos psiquiátricos comórbidos mais comuns são os de ansiedade e o uso abusivo de álcool ou substâncias.2,3

 

Etiologia/Patogênese

O THB apresenta uma patogênese complexa e ainda pouco entendida. Hoje, há estudos acerca das cinco principais áreas relacionadas à etiologia, ao desenvolvimento, à fisiologia e ao curso do THB: área molecular (genes de suscetibilidade e genes protetores), celular (alterações em neurotransmissores e neuropeptídeos), sistemas cerebrais específicos (conectividade sináptica, neuroplasticidade, sobrevivência celular), comportamento (cognição, afeto, sensório-motor) e fatores ambientais. O quadro clínico específico e sua patogênese são resultados da interação dinâmica entre essas áreas, de possíveis alterações e, ainda, dos mecanismos de feedback fisiológico envolvidos na tentativa de compensar os desequilíbrios primários. Dessa forma, o indivíduo portador de genes suscetíveis apresenta desequilíbrios nos sistemas de neurotransmissores e neuropeptídeos (noradrenalina, dopamina, serotonina, GABA, glutamato, BDNF, proteínas G, entre outros) em determinados circuitos cerebrais (amígdala, estruturas límbicas, córtex orbital e pré-frontal, cíngulo anterior, tálamo e regiões relacionadas aos gânglios da base), o que desencadeia os sintomas clínicos do THB. Fatores sociais/ambientais, como estresse, trauma, uso de substâncias e alterações do ritmo circadiano, também influenciam o desenvolvimento e o curso da doença. Privação de sono, por exemplo, pode provocar recaídas, sobretudo em casos de mania.2

 

Hereditariedade

A hereditariedade tem sido indicada como uma preditora em casos de THB. Os familiares de primeiro grau de portadores apresentam um risco cerca de 10 vezes maior do que em indivíduos sem a doença na família. Existem também evidências da relação genética entre o THB e a depressão maior.2

 

Sinais e Sintomas

Os principais critérios diagnósticos, conforme oDSM-IV,1 já foram citados. Alguns pontos relevantes relacionam-se ao curso da THB, pois quase todos os pacientes apresentam recorrência da doença ao longo da vida, e os episódios maníacos em geral são mais breves do que os depressivos ou os mistos. Estressores graves de vida possivelmente interagem com a vulnerabilidade, colaborando com o desencadeamento da doença e com a ocorrência de recidivas.

 

Diagnóstico

É um desafio a realização dos diagnósticos diferenciais do THB. Existem condições médicas e uma série de substâncias/medicamentos que podem causar síndromes maníacas (Quadros 116.1 e 116.2). Outro ponto importante é saber quando um paciente se apresenta em um período depressivo. Nesse caso, é necessário considerar (além, é claro, de uma história bem definida de mania ou hipomania) que se deve pensar no diagnóstico diferencial entre um THB e um transtorno depressivo unipolar (Quadro 116.3).2,3

Em um paciente com sintomas depressivos, deve-se realizar o diagnóstico diferencial entre transtorno bipolar e depressão unipolar. A conduta a ser tomada é diferente para cada uma dessas situações.

 

 

 

 

 

 

Tratamento

O objetivo do tratamento de pacientes com THB é reduzir a taxa de morbidade e mortalidade dessa doença. De modo geral, o tratamento divide-se em intervenções para as situações agudas e para a manutenção/prevenção de novos episódios (Quadros 116.4, 116.5, 116.6, 116.7, e 116.8).4-6

O risco de suicídio em casos de THB é reduzido com uma adequada conduta medicamentosa, possivelmente com lítio.

Os antidepressivos podem acelerar a frequência das oscilações de humor.

É possível que o THB comprometa a plasticidade e a resiliência celular. Seu tratamento não apenas deve enfocar sintomas agudos, mas prevenir a disfunção celular consequente.

 

 

 

 

 

 

Caso Clínico Comentado

Com certa frequência, o THB manifesta-se no paciente clínico em uma situação de internação hospitalar. Nesse caso, percebem-se sintomas eufóricos que podem causar problemas significativos para o paciente, para os demais doentes da unidade e para a própria equipe.

Antes de julgar o comportamento do paciente, é importante que se avalie a alteração de conduta. Para o paciente em questão, possivelmente o próprio quadro psiquiátrico causou a situação do trauma. O clínico procurou inicialmente descartar alguma causa orgânica de mania (trauma cerebral, hidrocefalia de pressão normal, delirium devido à causa clínica), refazendo o exame clínico e o neurológico.

A história relatada pela família é importante. Nessa situação, possivelmente o clínico e o psiquiatra terão que trabalhar juntos, pois muitas questões precisam ser respondidas. Quais os cuidados necessários para o paciente maníaco que não pode sair da UTI ou mesmo de um leito clínico? Diagnosticada mania aguda em um paciente com necessidades clínicas específicas, quais medicamentos podem ser utilizados? Quais as possibilidades de interações medicamentosas ou lesão em órgão específico?

 

Referências

1. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-IV. 4th ed. rev. Washington: APA; 2000.

2.Goodwin FK, Jamison KR. Doença Maníaco-Depressiva: transtorno bipolar e depressão recorrente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2010.

3.Hales RE, Yudofsky SC, editores. Tratado de psiquiatria clínica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

4.Ng F, Mammen OK, Wilting I, Sachs GS, Ferrier IN, Cassidy F, et al. The International Society for Bipolar Disorders (ISBD) consensus guidelines for the safety monitoring of bipolar disorder treatments. Bipolar Disord. 2009;11(6):559-95.

5.Yatham LN, Kennedy SH, Schaffer A, Parikh SV, Beaulieu S, O’Donovan C, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD) collaborative update of CANMAT guidelines for the management of patients with bipolar disorder: update 2009. Bipolar Disord.2009;11(3):225-55.

6.Malhi GS, Adams D, Lampe L, Paton M, O’Connor N, Newton LA, et al. Clinical practice recommendations for bipolar disorder. Acta Psychiatr Scand Suppl. 2009;(439):27-46.

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