Autor:
Rodrigo Antonio Brandão Neto
Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Última revisão: 01/04/2014
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Doença causada pelo protozoário Entamoeba histolytica. A maioria das infecções tem curso assintomático, mas pode causar quadros disenteriformes e manifestações extraintestinais como abscesso hepático. Ocorrem 40 a 50 milhões de casos anuais no mundo com cerca de 40.000 a 100.00 mortes/ano, principalmente em pacientes que desenvolveram quadros de abcessos hepáticos ou colite necrotizante. A maioria dos casos envolvem países em desenvolvimento, imigrantes, viajantes para países em desenvolvimento e homossexuais do sexo masculino.
A infecção pelas E. dispar e E. moshkovskii são mais frequentes do que pela E. histolytica, mas apenas esta última apresenta manifestações clínicas, a prevalência da infecção pela E.hystolytica chega a 4 a 10 por cento em países em desenvolvimento. A aquisição da infecção é por água ou comida contaminada, com ingestão de cistos contaminados. Posteriormente, o parasita se transforma em trofozoíta e invade o epitélio intestinal e causa destruição tecidual. A capacidade de causar doença invasiva que possui o trofozoíta depende de fatores como secreção de proteases, lise de células-alvo por contato ou apoptose, formação de poros em membranas lipídicas, alteração de permeabilidade intestinal.
Alguns pacientes apresentam risco particularmente aumentado de desenvolver infecção clínica, incluindo os pacientes dos seguintes grupos:
-Imigrantes de países em desenvolvimento;
-Viajantes para regiões tropicais;
-Internados em instituições mentais;
-Homossexuais masculinos;
-Imunossuprimidos (risco particular de desenvolvimento de manifestações extra-hepáticas).
Em pacientes com colonização assintomática, o diagnóstico é obtido através de exames protoparasitológicos de rotina, alguns fatores influenciam no desenvolvimento da infecção, que pode levar à doença assintomática ou invasiva, incluíndo a cepa de E. histolytica e fatores do hospedeiro, como a suscetibilidade genética, idade e estado imunológico . Fatores de risco para doença grave e aumento da taxa de mortalidade incluem idade jovem, gestação, uso de glicocorticóides, neoplasias malignas, desnutrição e alcoolismo. Deve-se lembrar que mesmo pacientes assintomáticos podem apresentar lesões ulceradas significativas em exames endoscópicos do trato gastrointestinal.
A colite amebiana, por sua vez se manifesta como uma doença subaguda, com evolução de 1 a 4 semanas, com perda de peso associada e diarreia sanguinolenta ou com sangue detectado por pesquisa de sangue oculto nas fezes. Os sintomas apresentam variação, desde diarreia leve a quadro disenteriforme grave, com presença de sangue e muco nas fezes, além de tenesmo, que na sua forma mais grave pode resultar na chamada “colite amebiana fulminante”, podendo evoluir com necrose intestinal, perfuração e peritonite e eventualmente megacólon tóxico. A colite necrotizante aguda ocorre em 0,4 a 0,5 por cento dos pacientes e apresenta mortalidade de 40 por cento . Febre é referida em 10 a 40 por cento dos pacientes.
São descritos raramente quadros crônicos de diarreia, perda de peso e dores abdominais sem disenteria, com longa duração de anos, e simulando doença inflamatória intestinal.
Em alguns casos, podem aparecer os chamados amebomas, que são massas de tecido granulomatoso, que podem simular neoplasia e cursarem com massa palpável e pseudo-oclusão, além de amebíase cutânea perianal e fístulas reto-vaginais.
O abcesso hepático é a mais comum manifestação extraintestinal da amebíase, sendo dez vezes mais frequente em homens, ocorrendo principalmente na quarta e quinta décadas de vida. Os fatores que podem predispor o seu aparecimento incluem imunosupressão e lesão hepatocelular pelo álcool, que cria condições para o desenvolvimento da amebíase hepática. O aparecimento de sintomas ocorre de 8 a 20 semanas da exposição, podendo demorar anos para ocorrer. Os pacientes usualmente apresentam dor em quadrante superior direito do abdomen, podendo entretanto aparecer atipicamente em região epigástrica e torácica ou em ombro direito; muitos destes pacientes não têm história de disenteria e os sintomas têm semanas de duração. Os pacientes costumam apresentar febre de 38,5 a 39,5 graus, em 80 por cento dos casos apenas um lobo hepático é envolvido, na maioria das vezes o lobo direito. Na radiografia simples pode ser observada elevação do diafragma.
Outros sintomas descritos incluem tosse, sudorese, mal-estar, perda de peso, anorexia e soluço . A diarreia está associada a amebíase hepática em menos de um terço dos casos e Icterícia aparece em menos de dez por cento dos pacientes. O exame físico pode ainda revelar hepatomegalia e ponto de sensibilidade à percussão ou palpação hepática, caracterizando o chamado sinal de “Torres Homem” que ocorre em até 50 por cento dos casos.
O abcesso hepático pode eventalmente romper ou se extender para cavidade peritoneal, ou mais frequentemente para região torácica, em caso de ruptura pode ocorrer peritonite.
Alguns pacientes apresentam quadro crônico de febre, perda de peso e dor abdominal com ou sem hepatomegalia.
A presença de leucocitose é frequente em pacientes com abcesso hepático, podendo se desenvolver com ou sem eosinofilia. Os testes da função hepática demonstram aumento da fosfatase alcalina em 80 por cento dos casos) , e as transaminases hepáticas podem também ser elevadas, em geral, discretamente. Outras manifestações extraintestinais da amebíase incluem comprometimento cardíaco ou pulmonar, abscesso cerebral, abscesso peri-renal ou esplênico e pode ocorrer envolvimento vaginal ou uterino, fístulas reto-vaginal e fístulas cutâneas.
A amebíase pulmonar é rara, ocorendo principalmente em desnutridos, alcóolatras e pacientes com cardiopatias congênitas como a comunicação intra-atrial que cursam com shunt da esquerda para direita. O envolvimento pulmonar incluí principalmente a pleura, com aparecimento de efusão serosa. A ruptura de abcesso hepático no espaço pleural pode levar ao chamado “empiema amebiano”, já a ruptura para o pulmão pode levar à consolidação, formação de abscesso ou fístula brônquicas.
Os pacientes usualmente apresentam dor torácica pleurítica, tosse, hemoptise e dispneia. O paciente com tosse usualmente apresenta expectoração de escarro purulento e ocasionalmente marrom avermelhado. Consolidação pulmonar é frequente à direita, principalmente em lobos inferior e médio, existe pelo menos uma descrição de síndrome de veia cava superior associada com amebíase pulmonar. As efusões pleurais se resolvem rapidamente com a drenagem e a terapia antimicrobiana.
O envolvimento cardíaco na doença amebiana é mais raro do que o pulmonar e aparece principalmente de ruptura de um abcesso hepático no pericárdio, principalmente se os abcessos envolvem lobo esquerdo hepático. As manifestações incluem dor torácica, insuficiência cardíaca e tamponamento cardíaco.
O envolvimento cerebral ocorre por disseminação hematogênica da infecção. Os pacientes apresentam início abrupto dos sintomas e progressão rápida para a morte, se não tratada. A tomografia revela focos irregulares não capsulados e, caso se confirme o diagnóstico, deve-se iniciar rapidamente a terapia antimicrobiana e a intervenção cirúrgica pode ser necessária.
O diagnóstico da amebíase intestinal ocorre principalmente através da detecção do parasita nas fezes. A demonstração de cistos ou trofozoítos nas fezes sugere amebíase intestinal, mas a microscopia não pode diferenciar entre E. histolytica e cepas de espécies não patogênicas. Devem ser coletadas
um mínimo de três amostras em dias separados, com sensibilidade de cerca de 90 por cento para diagnóstico de amebíase. As amostras de fezes podem ainda apresentar pesquisa de sangue positiva e muitas vezes presença de eritrócitos ingeridos, já a pesquisa de leucócitos fecais pode ser negativa.
A combinação de sorologia ou pesquisas de antígenos facilitam o diagnóstico de amaebíase. As pesquisas de antígeno são um método sensível e específico e pode distinguir a E.hystolytica de cepas não patogênicas, os métodos incluem elisa, radioimunoensaio ou imunofluorescência. O uso de teste elisa, em particular, tem sensibilidade de 87 por cento e uma especificidade de mais de 90 por cento.
Os testes sorológicos, por sua vez, podem ter achados positivos à partir de cinco a sete dias da infecção aguda e podem persistir por anos. Cerca de 10 a 35 por cento dos indivíduos não infectados em áreas endêmicas têm anticorpos antiamebianos devido à infecção prévia. O teste sorológico de maior sensibilidade é a hemaglutinação indireta, embora recentemente testes elisa com sensibilidade acima de 90 por cento tenham sido desenvolvidos.
A detecção de DNA ou RNA por sondas são um método recente para o diagnóstico de amebíase e é significativamente mais sensível que exames de cultura e microscopia, e testes de pesquisa de antígenos fecais, infelizmente, não são amplamente disponíveis para a investigação.
O diagnóstico pode ainda ser realizado por exame de colonoscopia, porém as ulcerações amebianas intestinais se desenvolvem com maior risco de perfuração e portanto, não são um método muito utilizado, a biopsia das lesões com espessamento de mucosa, inflamação e úlceras podem sugerir diagnóstico e neste caso devem ser pesquisadas a presença de cistos ou trofozoítos.
O abcesso hepático amebiano deve ser suspeitado em pacientes com febre e dor no quadrante superior direito, e antecedente epidemiológico suspeito. Nestes casos, o achado de imagem hepático pode ser suficiente e se possível confirmado por testes sorológicos ou teste antigênico, podendo ser suplementado com exame parasitológico ou teste antigênico de fezes.
Em ultrassonografia, a imagem característica do abcesso hepático amebiano é de uma cavidade intra-hepática cística, as lesões se encontram principalmente em lobo direito e 70 a 80 por cento são lesões subcapsulares isoladas, embora múltiplas lesões possam estar presentes. Localização no lobo esquerdo predispõe a extensão para o saco pericárdico. Na tomografia computadorizada, o abcesso amebiano aparece como uma massa de baixa densidade com um anel de reforço periférico. Na ressonância magnética, o abcesso aparece e apresenta hiposinal nas imagens ponderadas em T1 e hipersinal em T2.
Em geral, não é preciso seriar as imagem dos abcessos hepáticos, pois o aumento de tamanho após o início do tratamento pode ocorrer e não significa que o paciente apresentará piora clínica, deve-se ainda considerar que a melhora radiológica completa pode levar mais de dois anos. Os pacientes com abcesso hepático em 99 por cento dos casos apresentam sorologia positiva, caso exame solicitado após os primeiros cinco a sete dias da infecção.
A punção aspirativa do abcesso hepático não é rotineiramente necessária, mas pode ser indicada em casos de cistos em iminência de ruptura. As tabelas 1 e 2 sumarizam os principais achados na amebíase intestinal e no abcesso hepático amebiano.
Tabela 1: Achados na amebíase intestinal
Manifestações |
Frequência |
Diarreia |
94% |
Sangue oculto ou macroscópico nas fezes |
70% |
Dor abdominal |
12 a 80% |
Perda de peso |
44% |
Isolamento de E. Hystolytica nas fezes |
87% |
Sorologia positiva |
70% |
Biópsia por colonoscopia com diagnóstico |
70% |
Tabela 2: Achados no abcesso hepático amebiano
Manifestações |
Frequência |
Sexo masculino |
90% |
Viagem ou emigração |
Mais de 50% |
Febre |
85 a 90% |
Dor em hipocôndrio direito |
80 a 90% |
Hepatomegalia |
30 a 50% |
Perda de peso |
30 a 50% |
Mais de 4 semanas de sintomas |
20 a 50% |
Diarreia |
20 a 33% |
Tosse |
10 a 30% |
Sorologia positiva |
70 a 95% (dependendo do momento da coleta) |
Leucocitose acima de 12.000 cels/mm3 |
80% |
Aumento de Fosfatase alcalina |
70% |
Aumento de bilirrubinas e transaminases |
20% |
Elevação de diafragma na radiografia torácica |
50% (independentemente do aparecimento de comprometimento pulmonar) |
Todas as infecções por E. histolytica têm indicação de tratamento, mesmo em pacientes assintomáticos, devido ao risco de desenvolvimento de doença invasiva. No caso de colites invasivas, o metronidazol é o agente de escolha em dose de 500 a 750 mg/dia por via oral três vezes ao dia, sendo que um curso de dez dias costuma ser suficiente, sendo associado a um agente intraluminal como a paromomicina, para eliminar os cistos intraluminais. Pacientes assintomáticos com E. histolytica ( E. e não dispar / E. moshkovskii ) devem ser tratados apenas com um agente intraluminal isolado. Alternativas ao metronidazol incluem tinidazol, ornidazol e nitazoxanida.
A dose de paromicina, por sua vez, é de 25-30 mg/ kg por dia, via oral, em três doses por sete dias, existem outras opções como a etofamida.
Em pacientes com suspeita de peritonite deve ser acrescentada terapia antibacteriana de amplo espectro. É necessária a intervenção cirúrgica e em casos de megacólon tóxico a colectomia é necessária. Em pacientes com resposta lenta ou recidiva após tratamento com metronidazol, pode ser necessária a aspiração do abcesso ou um curso mais prolongado de terapia com metronidazol. Em geral, o prognóstico é bom, com taxa de mortalidade menor que um por cento, o prognóstico é pior em pacientes com níveis de bilirrubina maiores que 3,5 mg/dL , níveis de albumina sérica menores que 2,0 g/dL, grande volume da cavidade de abcesso, múltiplos abscessos e encefalopatia associada. O uso de agente intraluminal como a paromicina também é indicada em pacientes com abcesso hepático amebiano. Em casos raros, um segundo curso de metronidazol ou tinidazol é preciso devido à impossibilidade de atingir a resolução completa após o regime inicial, mas as recidivas são raras.
Pacientes com derrame pleural amebiano têm indicação de drenagem e terapia antimicrobiana com metronidazol 750 mg, por via oral, três vezes ao dia durante sete a dez dias, semelhante ao indicado em outras formas de amebíase.
Consiste na recomendação, à viajantes que têm como destino áreas endémicas, de evitar a água não tratada e alimentos crus, como frutas e legumes.
1-Leder KL et al. Intestinal Entamoeba histolytica amebiasis. Disponível em www.uptodate.com acessado em 28 de novembro de 2013.
2-Leder KL et al. Extraintestinal Entamoeba histolytica amebiasis. Disponível em www.uptodate.com acessado em 28 de novembro de 2013.
3- Haque R, Huston CD, Hughes M, et al. Amebiasis. N Engl J Med 2003; 348:1565.
4-Petri WA. Diagnosis and management of amebiasis. CID 1999; 29(5): 1117-1124.
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