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Fibrose cística no adulto

Autores:

Denise Rossato Silva

Médica pneumologista. Professora adjunta de Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutora em Ciências Pneumológicas
pela UFRGS.

Paulo de Tarso Roth Dalcin

Médico pneumologista do HCPA. Professor associado do Departamento Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS.

Última revisão: 02/06/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 25 anos, comparece à consulta relatando história de infecções respiratórias de repetição desde a infância. Ela apresenta tosse e expectoração crônicas. Não faz queixas gastrintestinais. Utiliza corticoide inalatório para tratamento de asma. Ao realizar exame, verificam-se hipocratismo digital, índice de massa corporal (IMC) de 19kg/m2  e crepitantes nos terços superiores de ambos os campos pulmonares. A radiografia de tórax sugere bronquiectasias nos lobos superiores. A paciente tem um filho que está realizando exames para investigação de fibrose cística.

 

Definição

A fibrose cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva causada por mutações em um gene localizado no braço longo do cromossomo 7, que é responsável pela codificação da proteína reguladora da condutância transmembrana da FC (cystic fibrosis transmembrane condutance regulator [CFTR]). Essa proteína constitui-se em um canal de cloretos na membrana apical das células epiteliais exócrinas, regulando e participando do transporte de eletrólitos por meio das membranas celulares. Essa condição é multissistêmica, caracterizando-se por doença pulmonar progressiva, disfunção pancreática exócrina, doença hepática, problemas na motilidade intestinal, infertilidade masculina (azoospermia obstrutiva) e concentrações elevadas de eletrólitos no suor.1-5

 

Epidemiologia

A incidência da FC varia de 1/1.200 até 1/4.000 na população branca, sendo considerada rara em asiáticos e africanos. A FC também é uma doença que ocorre em adultos. De acordo com dados norte-americanos, 10% dos indivíduos com FC têm mais de 40 anos de idade, e 36%, mais de 18 anos. No Brasil, não existem estudos epidemiológicos que permitam estimar a incidência da doença.1-5

 

Patogênese

A disfunção da CFTR é a base para os defeitos celulares e explica as alterações nos diversos órgãos afetados em casos de FC. A CFTR se expressa nas células epiteliais do trato respiratório, no pâncreas, no intestino, nas glândulas sudoríparas e salivares e por meio da membrana apical das células epiteliais com aumento da absorção celular de sódio, resultando em secreção extracelular desidratada e viscosa que se associa a obstrução luminal, destruição e cicatrização nos dutos exócrinos. Nos pulmões, essas alterações causam um ciclo vicioso de inflamação, infecção bacteriana, destruição da arquitetura brônquica e surgimento de bronquiectasias.6

 

Sinais e Sintomas

A apresentação clínica típica é de uma doença pulmonar supurativa e obstrutiva, com exocrinopatia pancreática, e presença ou não de história familiar. Em cerca de 90% dos pacientes, há insuficiência pancreática exócrina. Ocorre azoospermia obstrutiva na maioria dos homens afetados. Os pacientes com FC sem doença pancreática apresentam um curso mais leve da doença, melhor estado nutricional, melhor função pulmonar e diagnóstico mais tardio. No Quadro 107.1, podem ser observados os achados clínicos consistentes com o diagnóstico de FC.1-5

 

Diagnóstico

A Tabela 107.1 apresenta os critérios diagnósticos de FC.

 

Teste do suor

O teste do suor realizado por meio da iontoforese quantitativa pela pilocarpina é considerado o padrão-ouro para a confirmação do diagnóstico de FC. Deve-se analisar o teste do suor sempre considerando o contexto clínico. O cloreto fornece a melhor discriminação diagnóstica. Utiliza-se a medida do sódio para controle de qualidade. Valores muito diferentes entre o cloreto e o sódio indicam problemas na coleta ou na análise. As concentrações de cloreto e de sódio estão proporcionalmente elevadas (cerca de 15 mmol/L) em casos de FC, e a razão das concentrações de cloreto e de sódio é quase sempre maior do que 1. Uma concentração de cloreto maior do que 60 mmol/L contribui para o diagnóstico de FC. Os valores de cloreto entre 40 e 60 mmol/L são considerados limítrofes e podem ser observados em casos atípicos ou não clássicos de FC.1-5 O teste do suor deve ser realizado sempre, pelo menos, duas vezes em cada paciente, preferentemente com intervalo de semanas entre eles. É necessário que um teste do suor positivo seja realizado novamente ou confirmado por análise de mutações. O teste do suor com valor limítrofe também deve ser repetido. Se o resultado continuar indeterminado, devem ser solicitados testes diagnósticos adicionais. O Quadro 107.2 lista algumas das causas de resultados falso-positivos e falso-negativos no teste do suor.1-5

 

 

 

 

Análise de mutações

A identificação de mutações conhecidas como causa de FC em cada um dos genes da CFTR, em um contexto clínico ou história familiar compatível, estabelece o diagnóstico de FC. Entretanto, verificar uma ou nenhuma mutação no gene da CFTR não descarta o diagnóstico de FC. Algumas das mutações podem ser associadas a um fenótipo mais leve. Além disso, foram relatados casos de pacientes com FC típica sem evidência de mutações nos genes da CFTR. Portanto, com a existência de genótipos complexos, fatores modificadores e mutações atenuadoras, o diagnóstico de FC deve ser realizado com a contribuição dos achados clínicos.1-5

A análise de mutações para confirmar o diagnóstico de FC apresenta alta especificidade, porém baixa sensibilidade. Esta decorre da existência de um grande número de mutações conhecidas como causa de FC (mais de 1.500) e do fato de que os painéis comerciais disponíveis para essa análise estudam apenas uma minoria dessas mutações. Poucos centros de referência podem disponibilizar painéis com mais mutações ou realizar o sequenciamento genético para o diagnóstico dos casos atípicos.1-5

A mutação mais comum, ?F508, causa uma deleção da fenilalanina na posição 508. Aproximadamente 70% dos indivíduos afetados apresentam uma cópia da ?F508, sendo cerca de 25% desses homozigotos para a mutação. Indivíduos afetados com um genótipo heterozigoto evidenciam características fenotípicas típicas, havendo menos de 5% de funcionamento da CFTR.1-5

 

 

Diferença de potencial nasal

Em pacientes com FC, as anormalidades do transporte iônico no epitélio respiratório estão associadas a um padrão alterado na diferença de potencial nasal (DPN). Especificamente, três características distinguem a FC:

DPN basal mais elevada

Maior inibição da DPN após a perfusão nasal com amilorida

Pouca ou nenhuma alteração na DPN após a perfusão do epitélio nasal com uma solução livre de Cl– e isoproterenol

Uma DPN aumentada, associada a quadro clínico ou história familiar positiva, fundamenta o diagnóstico de FC. Entretanto, o fato de não haver aumento na DPN não descarta o diagnóstico de FC, pois um resultado falso-negativo pode ocorrer se o paciente apresentar epitélio inflamado ou polipose nasal. Esse teste pode ser utilizado nos casos em que o teste do suor evidencia resultado indeterminado e a análise genética não é esclarecedora. Recomenda-se que a DPN seja avaliada pelo menos duas vezes em momentos diferentes. Entretanto, essa técnica requer uma padronização rigorosa, é difícil de ser realizada e não está disponível em todos os centros.1-5

 

Tomografia computadorizada dos seios da face

Os pacientes com FC podem apresentar sinusite crônica e pólipos nasais. Caso haja suspeita dessas doenças, a TC dos seios da face deve ser solicitada.1-5

 

Glicemia de jejum e teste de tolerância à glicose oral

À medida que os pacientes com FC ficam mais velhos, existe maior probabilidade do surgimento de diabetes melito relacionado à FC (DMFC), especialmente se houver insuficiência pancreática exócrina. Até 30% dos pacientes com mais de 25 anos podem apresentar DMFC. Algum grau de intolerância à glicose ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes com FC que têm mais de 18 anos de idade. As mulheres com DMFC apresentam pior prognóstico do que os homens. Deve-se realizar rastreamento periódico com glicemia de jejum em todos os pacientes com FC. A curva glicêmica anual é o melhor teste de rastreamento para pacientes com mais de 10 anos.1-5,8

 

Ultrassonografia do abdome superior

Realiza-se a ultrassonografia do abdome superior a fim de avaliar a função hepatobiliar nos pacientes com FC. Os testes de função hepática apresentam baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico, por isso opta-se pela ultrassonografia para a identificação da doença hepática em adultos. Utiliza-se um sistema de escore ultrassonográfico na avaliação.1-5

 

Elastase-1 fecal

Esse teste possibilita a verificação da quantidade de elastase-1 pancreática em amostra de fezes. É utilizado para avaliar a função pancreática de pacientes com FC. A enzima elastase-1 é produzida pelo pâncreas e não é degradada durante o trânsito intestinal. O teste utiliza o método Elisa e evidencia valores reduzidos em pacientes com insuficiência pancreática. Os valores iguais ou maiores do que 200 µg/g correspondem à função pancreática normal, e os menores do que 200 µg/g, à insuficiência pancreática, apresentando sensibilidade de 98 a 100% e especificidade de 93 a 100%. Não há influência do uso de suplementação enzimática.1-5

 

Dosagem da gordura fecal – teste de van de Kamer – e coeficiente de absorção de gordura

A quantificação de gordura fecal nas fezes de 72 horas pelo método de van de Kamer foi um dos testes mais utilizados para o diagnóstico de má absorção de gordura. A constatação de excreção de gordura nas fezes maior do que 3,5 a 4 g ou coeficiente de absorção menor do que 93% indica esteatorreia. Entretanto, o teste é difícil de ser realizado, pois deve-se coletar fezes durante três dias após dieta com quantidade fixa de gordura e, por isso, é pouco disponibilizado no Brasil.1-5

 

Exame do escarro

A causa mais comum de bronquiectasias em países nos quais a tuberculose e a pneumonia na infância não são prontamente tratadas é o dano pós-infeccioso. Portanto, deve-se solicitar, na avaliação diagnóstica inicial de bronquiectasias, gram, cultura, pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente, cultura para micobactérias, pesquisa direta e cultura para fungos.1-5

É necessário solicitar o exame do escarro periodicamente em casos de FC (mínimo de quatro amostras anuais e sempre que houver exacerbação). A colonização/infecção persistente inicial envolve geralmente Staphylococcus aureus eHaemophilus influenzae. Posteriormente, surgem a Pseudomonas aeruginosa e a Burkholderia cepacia.1-5

 

Avaliação da função pulmonar

Os testes de função pulmonar, especialmente a espirometria, são utilizados para realizar o acompanhamento de pacientes com FC e correlacionam-se com o prognóstico. Podem ser verificados distúrbios obstrutivos, restritivos ou combinados. A redução anual do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) é estimada em cerca de 1 a 2%.1-5

 

Espermograma

A realização do espermograma pode contribuir de forma secundária para o diagnóstico da FC. Cerca de 90 a 95% dos homens com FC apresentam azoospermia obstrutiva e infertilidade.1-5

 

Tratamento

O tratamento de pacientes com FC exige uma abordagem multidisciplinar. É realizado com base no tratamento sintomático e na correção das disfunções orgânicas. A abordagem terapêutica adequada pode retardar a doença pulmonar, principal causa de morbidade e mortalidade em pacientes com FC.1-5

 

Antibioticoterapia

A administração de antibióticos é fundamental para o tratamento da doença pulmonar em pacientes com FC. Esses pacientes devem ser avaliados rotineiramente, de preferência a cada quatro meses, quanto à microbiologia e antibiograma do escarro. Os antibióticos podem ser utilizados em quatro situações clínicas específicas:1-5,9,10

 

No tratamento das exacerbações infecciosas. Os pacientes com FC podem apresentar agravamentos periódicos na intensidade de seus sintomas respiratórios, relacionados a infecções respiratórias, exposição a poluentes atmosféricos ou hiper-reatividade das vias aéreas. Pode-se realizar o tratamento intermitente das exacerbações com antibióticos por via oral ou por via intravenosa, de acordo com a gravidade do quadro clínico. Para os pacientes com exacerbações mais graves, preconiza-se o tratamento com antibióticos por via intravenosa, durante 14 a 21 dias, sendo geralmente necessária a hospitalização. Os antibióticos são escolhidos com base na revisão das culturas de escarro e antibiogramas mais recentes. O alvo do tratamento antibiótico abrange os patógenos especificamente relacionados à FC, como P. aeruginosaS. aureus B. cepacia. Como a P. aeruginosa é o patógeno mais frequentemente isolado em adultos com FC, geralmente se utiliza o tratamento com fluoroquinolonas para as exacerbações leves, enquanto a combinação de uma droga betalactâmica com um aminoglicosídeo é indicada para o tratamento das exacerbações mais graves.1-5,9,10

 

Na erradicação ou no tratamento a longo prazo para o Staphylococcus aureus. Até o momento, não existem evidências suficientes para definir a utilização de antibioticoterapia profilática para o S. Aureus.1-5,9,10

 

Na erradicação precoce da infecção por P. aeruginosa. A aquisição e a persistência da P. aeruginosano trato respiratório inferior de pacientes com FC estão associadas a maiores taxas de morbidade e mortalidade. Inicialmente, as cepas isoladas apresentam aspecto não mucoide, têm multissensibilidade aos antibióticos e podem ser erradicadas por meio de tratamento antibiótico agressivo. Entretanto, com o tempo, desenvolvem-se cepas de P. aeruginosa com fenótipo mucoide que se associam a declínio mais acelerado na função pulmonar e maior risco de morte. A infecção crônica da P. aeruginosa de fenótipo mucoide é geralmente impossível de ser erradicada, e o objetivo do tratamento antibiótico passa a ser, então, suprimir o patógeno. Assim, com a identificação inicial da P. aeruginosa, recomenda-se tratamento precoce e agressivo a fim de tentar erradicar e prevenir a infecção crônica. Entretanto, não se sabe com certeza o melhor regime terapêutico e a sua duração para a erradicação precoce da P. aeruginosa. Uma alternativa prática para essa abordagem consiste na combinação da ciprofloxacino oral com a colistina inalatório por um período de três a seis semanas. Nos pacientes com recidiva ou naqueles com identificação inicial de cepas mucoides, sugere-se que o tratamento seja realizado durante três meses. A utilização da tobramicina inalatória por 28 dias também evidenciou uma significativa taxa de erradicação. A erradicação também foi observada com a combinação de antibióticos por via intravenosa com antibióticos inalatórios, apresentando, porém, desvantagens econômicas e logísticas.1-5,9,10

 

No tratamento supressivo da infecção crônica por P. aeruginosaO uso inalatório de antibióticos tem sido empregado como forma de tratamento supressivo da infecção crônica pela P. aeruginosa, com evidências de melhora nos desfechos funcionais e no curso clínico. Estudos iniciais utilizaram os aminoglicosídeos, em especial a tobramicina, nas doses de 60 a 80 mg, nebulizadas duas a três vezes ao dia. A colistina (polimixina E) tem sido amplamente utilizada na Europa, na dose de 500.000 a 1.000.000 UI, nebulizado duas vezes ao dia. Uma preparação de tobramicina inalatória livre de fenol, administrada nas doses de 300 mg, duas vezes ao dia, por 28 dias, com intervalo livre de 28 dias, tem sido a forma de tratamento melhor estudada em ensaios clínicos. A despeito desses avanços, ainda são necessárias evidências para definir a melhor droga para a supressão crônica.1-5,9,10

Tem sido observado que o tratamento oral com macrolídio melhora a função pulmonar e reduz a frequência de exacerbações em pacientes com P. aeruginosa. Os principais efeitos adversos apontados são náuseas e diarreia. Hepatotoxicidade e ototoxicidade também têm sido evidenciadas. Os macrolídios parecem exercer seus efeitos por meio de ação sobre a bactéria patogênica (afeta a formação do biofilme da P. aeruginosa) e sobre o hospedeiro (efeitos imunomodulatórios). O benefício do uso prolongado da azitromicina parece se estender também aos pacientes sem infecção pela P. aeruginosa. Existe uma grande heterogeneidade na resposta à azitromicina. As doses utilizadas de azitromicina foram de 250 a 500 mg ao dia, e de 250 mg (peso < 40 kg) a 500 mg, três vezes porsemana.1-5,9,11

 

Higiene das vias aéreas e exercício

As medidas mecânicas para aumentar o clearance mucociliar têm sido fundamentais no tratamento de pacientes com FC. Existem várias técnicas fisioterápicas para a higiene das vias aéreas. À medida que o paciente torna-se adulto, a autonomia passa a ser uma prioridade. Mais recentemente, foram desenvolvidas técnicas fisioterápicas que permitem a higiene das vias aéreas sem assistência.

Esses métodos incluem drenagem autogênica, drenagem autogênica modificada, ciclo ativo da respiração, técnica de expiração forçada, pressão expiratória positiva aplicada por máscara, técnicas com dispositivos oscilatórios orais, compressões torácicas de alta frequência e ventilação percussiva intrapulmonar.1-5,9

Os pacientes com sintomas respiratórios mínimos podem necessitar apenas de uma sessão de fisioterapia por dia; já aqueles com doença pulmonar mais grave ou com grande quantidade de secreção, de três ou mais sessões por dia.1-5,9

A atividade física aumenta o clearance das vias aéreas e é um importante adjuvante nas medidas de higiene brônquica. O exercício atenua o declínio da função pulmonar, melhora o desempenho cardiovascular, aumenta a capacidade funcional e melhora a qualidade devida.1-5,9

 

Agentes mucolíticos

A viscosidade anormal do escarro em pacientes com FC é causada pelo DNA extracelular liberado pelos neutrófilos. A preparação de DNase humana recombinante ou alfadornase, administrada pela via inalatória, diminui a viscosidade do escarro por meio da degradação do DNA extracelular em pequenos fragmentos. Observou-se o benefício da alfadornase em pacientes com mais de 5 anos de idade e com VEF1 40% maior do que o previsto, com redução na taxa de exacerbação da doença pulmonar de 22% e melhora no VEF1 de 5,8%. Em pacientes com doença pulmonar mais grave (VEF1 < 40% do previsto), verificou-se benefício funcional pulmonar, mas não redução nas exacerbações. A dose recomendada da alfadornase é de 2,5 mg, por nebulização, uma vez ao dia. Os principais efeitos adversos são rouquidão, alteração da voz e faringite. Na maioria dos casos, esses sintomas são autolimitados A nebulização com solução salina hipertônica aumenta o transporte ciliar, melhora as propriedades reológicas do escarro e a hidratação da superfície das vias aéreas. Já a nebulização com solução salina de 3 a 7% evidencia melhora do Clea rance mucociliar e da função pulmonar em curto período de tempo. Mais recentemente, testou-se, em um ensaio clínico, a nebulização de 4 mL de solução salina hipertônica a 7%, durante um período de 48 semanas, apontando significativa melhora funcional pulmonar e redução de 56% nas taxas de exacerbação, não havendo associação com piora de infecção bacteriana ou inflamação. Dessa forma, a nebulização com solução salina hipertônica, precedida pela inalação de um broncodilatador, é uma medida terapêutica de baixo custo e segura para pacientes com FC, cujos benefícios terapêuticos parecem ocorrer independentemente do uso da alfadornase.1-5,9

 

Broncodilatadores

A hiper-reatividade brônquica é uma manifestação muito frequente em casos de FC, ocorrendo em cerca de metade dos pacientes. Os agonistas ß2-adrenérgicos de curta ação são utilizados geralmente antes da fisioterapia respiratória a fim de facilitar o clearance das vias aéreas, havendo melhora funcional na maioria dos pacientes. O uso de brometo de ipratrópio apresenta dados limitados e questionáveis, mas em geral proporciona modesto benefíciofuncional.1-5,9

 

Agentes anti-inflamatórios

A administração de corticosteroides orais parece retardar a progressão da doença pulmonar, mas os benefícios são contrabalançados pelos efeitos adversos, como catarata e prejuízo no crescimento. São necessárias mais evidências para que se estabeleça o uso de corticosteroides sistêmicos nas exacerbações, estando reservado para casos de exacerbações graves e em que há hiper-reatividade brônquica. Ainda não há consenso sobre o benefício da utilização de corticosteroides inalatórios para pacientes com FC.1-5,9

Doses elevadas de ibuprofeno reduzem a taxa de declínio do VEF1, as hospitalizações e melhoram o estado nutricional. Entretanto, as incidências de insuficiência renal e hemorragia gastrintestinal duplicaram, limitando sua utilização.1-5,9

 

Suporte nutricional

O estado nutricional apresenta um importante papel no curso clínico da FC. Prejuízos no estado nutricional acarretam alterações na função pulmonar e interferem na sobrevida do paciente. Dessa forma, a intervenção nutricional deve ser precoce, e todo paciente com FC deve ser avaliado regularmente a fim de monitorar o estado nutricional e assegurar uma adequada ingesta calórica. Recomenda-se uma dieta rica em gorduras, com 35 a 40% das calorias a partir dessa fonte. Para pacientes com FC, podem ser necessárias 120 a 150% das necessidades diárias estimadas. O objetivo é manter o IMC entre 20 e 25 mg/m2.1-5

 

Suplementação de oxigênio

Nas fases mais avançadas da FC, ocorrem hipoxemia e hipertensão pulmonar. Os critérios utilizados para realização de oxigenoterapia contínua são extrapolados dos estudos com doença pulmonar obstrutiva crônica: pressão arterial de oxigênio menor do que 55 mmHg, na vigília e em ar ambiente, ou pressão arterial de oxigênio menor do que 59 mmHg, havendo edema de membros inferiores, policitemia ou evidência eletrocardiográfica/ecocardiográfica de aumento de câmaras direitas ou hipertensão pulmonar. Alguns pacientes podem necessitar de oxigenoterapia durante o exercício se a saturação de oxigênio for menor do que 88 a 90%. Indica-se oxigenoterapia noturna se a saturação de oxigênio for menor do que 88 a 90% por 10% ou mais do período total de sono.1-5

 

Abordagem das manifestações extrapulmonares

Os pacientes com FC e fenótipo de insuficiência pancreática exócrina devem receber suplementação de enzimas pancreáticas nas refeições e nos lanches. A dose inicial de enzimas para o adulto é de aproximadamente 500 U de lipase/kg/refeição, e a metade dessa dose deve ser administrada nos lanches. As doses devem ser ajustadas, de acordo com as necessidades clínicas, até o máximo de 2.500 U de lipase/kg/refeição. Os pacientes com insuficiência pancreática estão predispostos à má absorção das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Recomenda-se rotineiramente a suplementação dessasvitaminas.1-5

Aproximadamente 20 a 25% dos pacientes com FC desenvolvem doença hepática, mas apenas 6 a 8% deles evoluem para cirrose. Os testes de função hepática apresentam baixa sensibilidade e especificidade para o diagnóstico. Um sistema de escore ultrassonográfico pode contribuir para a identificação da doença hepática crônica em adultos. Há evidências de benefício do ácido ursodeoxicólico em casos de doença hepática relacionada com a FC. A dose apropriada é 20 mg/kg/dia, fracionada em duas vezes. O transplante hepático tem sido uma estratégia terapêutica importante para os pacientes com doença hepática crônica avançada.1-5

À medida que os pacientes ficam mais velhos, a prevalência de diabetes melito e de intolerância à glicose aumenta. O estado clínico e a função pulmonar deterioram-se nos anos precedentes ao diagnóstico do diabetes, e ocorre piora na sobrevida. O rastreamento regular com testes orais de tolerância à glicose possibilita a intervenção precoce com insulina.1-5,8

A prevalência de osteoporose varia de 38 a 77% em pacientes adultos. Os princípios para prevenir a doença óssea consistem em vigilância intensa, principalmente durante a puberdade, associada a exercício físico e suplementação com cálcio e vitaminas D e K. Os bifosfonados, por via oral ou intravenosa, são utilizados para tratar doença estabelecida.1-5

Entre os homens com FC, 95% são inférteis. Técnicas como aspiração microcirúrgica de esperma do epidídimo, aspiração percutânea de esperma do epidídimo e biópsia testicular proporcionam a obtenção de espermatozoides. A técnica de concepção assistida de injeção intracitoplasmática do espermatozoide no oócito possibilita a paternidade biológica desses pacientes. No entanto, é um processo com alto custo, disponível somente em grandes centros e com uma taxa de sucesso por ciclo de 12 a 45%.1-5

Embora existam relatos sobre a redução na fertilidade feminina em pacientes com FC, essa afirmativa tem sido questionada. A escolha do contraceptivo é difícil e deve ser realizada de forma individual. O uso da contracepção oral pode acarretar piora do diabetes, da má absorção e da disfunção hepática. Entretanto, a administração de antibióticos de largo espectro pode afetar a absorção e a eficácia dos contraceptivos orais. Os desfechos fetais e maternos da gestação em casos de FC geralmente são favoráveis. Há maior risco de gestação em pacientes com doença pulmonar avançada (VEF1 < 50% do previsto), diabetes melito e desnutrição, porém o ponto de corte para a contraindicação clínica da gestação não estáestabelecido.1-5

 

Transplante pulmonar

Devido à natureza supurativa da FC, existe a necessidade de realizar pneumonectomia bilateral para evitar infecção no pulmão enxertado. A técnica mais utilizada é o transplante pulmonar duplo. Os critérios para que seja indicado o transplante são VEF1 menor do que 30% do previsto, hipoxemia grave, hipercapnia, prejuízo funcional crescente ou aumento na duração e frequência do tratamento hospitalar para exacerbações, complicações pulmonares que causam risco de vida, como hemoptise, e aumento da resistência dos patógenos bacterianos aos antibióticos. A sobrevida pós-transplante em cinco anos tem sido de 50%.1-5

 

Caso Clínico Comentado

A paciente desse caso teve o diagnóstico de bronquiectasia confirmado na TCAR. Como havia a suspeita de fibrose cística no filho, foram solicitados eletrólitos no suor, cujos valores de cloreto foi de 84 mmol/dL na primeira amostra e 90 mmol/dL na segunda amostra. O resultado da pesquisa da mutação deltaF508 F508 foi negativo. Como a paciente apresentou achados clínicos compatíveis e dois testes do suor positivos, estabeleceu-se o diagnóstico de FC. Como há mais de 1.000 mutações descritas, a não identificação da mutação deltaF508 F508 não descartou o diagnóstico de FC.

 

Referências

1.Dalcin PTR, Abreu e Silva FA. Fibrose cística no adulto: aspectos diagnósticos e terapêuticos. J Bras Pneumol. 2008;34(2):101-17.

2.Rowe SM, Miller S, Sorscher EJ. Cystic fibrosis. N Engl J Med.2005;352(19):1993-2001.

3.Yankansas JR, Marshall BC, Sufian B, Simon RH, Rodman D. Cystic fibrosis adult care: consensus conference report. Ches.t 2004;125(1Suppl):1S-39S.

4.Gilljam M, Ellis L, Corey M, Zielinski J, Durie P, Tullis DE. Clinical manifestations of cystic fibrosis among patients with diagnosis in adulthood. Chest. 2004;126(4):1215-24.

5.Ratjen F, Doring G. Cystic fibrosis. Lancet. 2003;361(9358):681-9.

6.Ackerman MJ, Clapham DE. Ion channels: basic science and clinical disease. N Engl J Med. 1997;336(232):1575-86.

7.Bridges NSK. Diabetes in cystic fibrosis. Prog Respir Res.2006;34:278-83.

8.Ramsey BW. Management of pulmonary disease in patients with cystic fibrosis. N Engl J Med. 1996;335(3):179-88.

9.Gibson RL, Burns JL, Ramsey BW. Pathophysiology and management of pulmonary infections in cystic fibrosis. A m J Respir Crit Care Med.2003;168(8):918-51.

10.McArdle JR, Talwalkar JS. Macrolides in cystic fibrosis. Clin Chest Med. 2007;28(2):347-60.

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