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polimialgia reumática

Autores:

Cláudia Monfroni Rocha

Médica internista. Médica residente do Serviço de Reumatologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição.

Markus Bredemeier

Médico internista e reumatologista. Supervisor do Programa de Residência Médica em Reumatologia do Hospital Nossa Senhora da
Conceição. Mestre e Doutor em Ciências Médicas pela UFRGS.

Última revisão: 18/07/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 64 anos, branco, compareceu à consulta médica queixando-se de dores nos ombros, no pescoço e nos quadris e dificuldade de levantar-se da cama pela manhã. Relatou significativa rigidez no corpo, principalmente após períodos de repouso, e também dores articulares (joelhos, punhos e cotovelos). O quadro iniciou praticamente de forma súbita há três meses. No exame físico, apresentou dor à palpação de punhos, metacarpofalângicas, joelhos e dor à mobilização de ombros e quadris, mas sem edema nessas articulações. Os exames da pele, cardiopulmonar e abdominal foram normais, e não havia linfadenopatias palpáveis. Os exames complementares evidenciaram fator reumatoide (FR) e fator antinuclear (FAN) negativos, velocidade de velocidade de sedimentação globular (VSG) de 86 mm/h e proteína C-reativa (PCR) de 76 mg/L.

 

Definição

A polimialgia reumática (PMR) é uma doença inflamatória que afeta indivíduos com mais de 50 anos, cujos principais sintomas são rigidez matinal e dores na cintura escapular e/ou pélvica. Tipicamente, os pacientes apresentam níveis altos de marcadores de atividade inflamatória (VSG e/ou PCR) e FR e FAN negativos. A PMR pode estar associada à arterite de células gigantes e à vasculite de grandes vasos, que acomete predominantemente os ramos extracranianos das artérias carótidas.1,2

 

Epidemiologia

A PMR afeta quase exclusivamente indivíduos com 50 anos ou mais, ocorrendo de duas a três vezes mais em mulheres do que em homens, a maioria brancos.1-3 A incidência anual da PMR varia conforme a região e a latitude. Países do Norte europeu apresentam incidência anual mais elevada da doença (113/100.000 habitantes na Noruega) (4) do que países do Sul da Europa (13/100.000 habitantes na Itália e na Espanha)3,4 na população com 50 anos ou mais. Em uma população americana com forte origem escandinava, a incidência de PMR foi de 52/100.000,1,3 e a prevalência, de aproximadamente 600/100.000 habitantes.1 Países asiáticos apresentam taxas menores de incidência e prevalência da doença.2,3

Existe uma ligação muito estreita entre PMR e arterite de células gigantes (ACG). Ambas afetam indivíduos nessa faixa etária e apresentam distribuição semelhante de gênero. A PMR ocorre em aproximadamente 50% dos pacientes com ACG, mas apenas 16 a 21% dos pacientes com diagnóstico primário de PMR desenvolvem ACG.2,3

 

Etiologia

Além da associação clínica e epidemiológica entre PMR e ACG, elas também são semelhantes quanto aos aspectos etiológicos.1,2 Apesar de não se saber sobre as suas causas, fatores ambientais e genéticos parecem ter papel significativo. O padrão cíclico das taxas de incidência e as variações sazonais documentadas em alguns estudos sugerem a possibilidade de haver gatilhos infecciosos (principalmente virais) ou ambientais ainda não identificados.2,3 Entre os fatores genéticos, observou-se associação de alelos do gene HLA-DRB1*04, que codificam moléculas de HLA-DR4 (molécula do complexo de histocompatibilidade principal – MHC – de classe II), com risco para desenvolver PMR e ACG.1-3

 

Patogênese

As patogêneses da PMR e da ACG são semelhantes.1,2,5 Em pacientes com ACG, as células dendríticas localizadas na túnica adventícia das artérias (geralmente artérias musculares de médio calibre originadas a partir do arco da aorta) exercem um papel fundamental no início da vasculite (Fig. 127.1). Quando essas células são ativadas e apresentam antígenos para células T CD4+, estas são recrutadas, passam por expansão clonal e aumentam a secreção de citocinas. Os macrófagos também são recrutados. Entre as citocinas linfocitárias, destaca-se o interferongama (IFN-gama), que apresenta papel central na diferenciação e na ativação dos macrófagos. Na túnica adventícia, os macrófagos produzem interleucina-1 einterleucina-6 (IL-1 e 6, respectivamente, citocinas pró-inflamatórias), assim como, na camada média, eles produzem metaloproteinases e radicais livres. Esses mediadores inflamatórios causam fragmentação da lâmina elástica interna, desencadeando mecanismos reparadores, como neoangiogênese de vasa vasorum e hiperplasia da íntima, processos regulados por fator de crescimento vascular do endotélio (VEGF) e fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF), respectivamente.1,2,5 No exame histopatológico, observam-se inflamação transmural da parede arterial (principalmente na porção interna da camada média adjacente à lâmina elástica), granulomas contendo células macrofágicas multinucleadas e células gigantes de corpo estranho, macrófagos e linfócitos (principalmente T CD4+). A hiperplasia da camada íntima pode causar oclusão luminal.1,2

Em pacientes com PMR que não apresentam evidência histológica de arterite, embora o exame microscópico das artérias seja normal, estudos imuno-histoquímicosobservam aumento de atividade de citocinas relacionadas à atividade dos macrófagos (Fig. 127.2). As células dendríticas da túnica adventícia estão ativadas, e as IL-1 e 6 são identificadas na parede dos vasos.1,2 Entretanto, as células T CD4+ produtoras de interferon-gama (IFN-gama) não são recrutadas para o tecido vascular, e, desse modo, a inflamação arterial em casos de PMR é subclínica.1,2,5 Na PMR, assim como na ACG, as manifestações sistêmicas são causadas pela produção e pela liberação no plasma deIL-1 e 6 a partir dos macrófagos.1,2 Em relação às articulações, diversos relatos apontam a ocorrência de uma sinovite leve caracterizada pelo predomínio de macrófagos e células T CD4+ em ombros, articulações esternoclaviculares, joelhos e articulações sacroilíacas.1,2 No entanto, estudos realizados com ressonância magnética nuclear e ultrassonografia evidenciaram que os principais focos de inflamação estão localizados nas estruturas periarticulares de ombros e quadris.2,6

 

 

Figura 127.1

Patogênes e da arterite de células gigantes: células dendríticas ativadas expressam receptores e liberam citocinas inflamatórias (IL-6,IL-18) que causam ativação das células T e inflamação vascular. A IL-18 estimula a liberação de IFN-gama pelas células T, o que ativa os macrófagos. Estes produzem mediadores inflamatórios e formam granulomas, desencadeando desestruturação da parede vascular e oclusão luminal.1,2,5

 

 

Figura 127.2

Patogênese da polimialgia reumática: as células T ativadas pelas células dendríticas produzem predominantemente IL-2, não havendo estímulo à produção de IFN-gama pelas células T. Sem IFN-gama para estimular fortemente o recrutamento e a diferenciação dos macrófagos, não se observa infl amação evidente na parede vascular, mas há liberação de IL-1 e IL-6 no plasma.1,2,5

 

Sinais e Sintomas1,2

Rigidez matinal com duração de mais de 30 minutos, dores no pescoço e nos ombros (70 a 95%) e na cintura pélvica (50 a 70%).

Inexistência de edema articular proximal.

Dor que pode irradiar-se para os cotovelos e os joelhos, podendo ser unilateral inicialmente.

Com frequência, há restrição dolorosa de movimento ativo e passivo, principalmente após períodos de repouso. A dor é mais grave quando o paciente faz movimentos que interferem no sono.

Manifestações musculoesqueléticas distais são observadas em aproximadamente 50% dos casos: edema com cacifo nas mãos, nos punhos e no dorso dos pés; síndrome do túnel do carpo; artrite periférica não erosiva (joelhos e punhos).

Sinais e sintomas sistêmicos, como febre baixa, depressão, anorexia e perda de peso, ocorrem em 40% dos casos. Não havendo ACG, a ocorrência de febre alta é incomum.

 

Diagnóstico

O diagnóstico de PMR é fortemente sugerido pelo quadro clínico.1,2 Três conjuntos de critérios para o diagnóstico de PMR foram propostos (um deles é apresentado no Quadro 127.1).No entanto, critérios diagnósticos devem ser aplicados com cautela na prática clínica, pois não apresentam sensibilidade e especificidade absolutas. Resultados de exames como o de VSG maior do que 50 mm/h e/ou PCR maior ou igual a 10 mg/L podem indicar atividade da doença e auxiliar o diagnóstico. No entanto, até 20% dos pacientes podem apresentar níveis de VSG normais em algumas séries de casos.2,7 O fator reumatoide (FR) e o anticorpo antipeptídeo cíclico citrulinado (anti-CCP) são normalmente negativos. Diferenciar artrite reumatoide soronegativa de PMR pode ser difícil no início do quadro. A cintilografia óssea, a ressonância magnética (RM) e a ultrassonografia têm sido utilizadas para identificar sinovite nas articulações proximais e nas estruturas periarticulares, podendo auxiliar o diagnóstico em algumas situações.2 Bursite subacromial e bursite trocantérica (geralmente bilaterais) são observadas em mais de 90% dos pacientes com dores na cintura escapular e pélvica, respectivamente.2,6

Deve-se suspeitar que haja associação de PMR com ACG nas seguintes situações clínicas: resposta parcial ao tratamento com prednisona, 20 mg/dia (em geral com níveis de VSG e PCR persistentemente elevados); ocorrência de cefaleia ou dor localizada acima do pescoço; sintomas constitucionais graves (febre, anorexia, perda de peso), claudicação de mandíbula ou língua; sintomas visuais (principalmente diplopia e amaurose); sensibilidade aumentada no couro cabeludo; nodularidade, espessamento ou ausência de pulso nas artérias temporais; claudicação e/ou déficit de pulso nos membros superiores.2,8 Nesses casos, deve-se considerar fortemente a realização de biópsia de artéria temporal e, em alguns casos, iniciar de forma imediata tratamento com prednisona, de 40 a 60 mg/dia.1,2,8 A biópsia de artéria temporal deve ser executada em até duas semanas após o início da corticoterapia.1,2

O diagnóstico diferencial da PMR é apresentado no Quadro 127.2.

 

1039

Tratamento

Realiza-se o tratamento de pacientes com PMR primeiro com corticoides, em geral prednisona, na dose de 10 a 20 mg/dia, ou, eventualmente, 30 mg/dia.1,2,8,9 A resposta deve ser observada em poucos dias. A necessidade de doses superiores a 20 mg/dia de prednisona (8) (ou, segundo outros autores, superiores a 30 mg/dia [1,2]) para controle dos sintomas em um período de sete dias sugere a possibilidade de um diagnóstico alternativo ou associação com ACG. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) apresentam papel bastante limitado no tratamento da PMR e estão associados a significativos efeitos adversos, principalmente na faixa etária desses pacientes.1,8,9 O uso de metotrexato (MTX), oral ou injetável, parece auxiliar a reduzir mais rapidamente a dose de corticoide e o risco de recidivas (Fig. 127.3).2,8,9 Pouco mais da metade dos pacientes necessita do uso de corticoides por dois anos ou mais, mas, ao fim de cinco anos, aproximadamente 75% não precisa mais dessa medicação.10

Os mecanismos de ação e os efeitos adversos dos fármacos utilizados no tratamento de pacientes com PMR constam na Tabela 127.1.

 

 

 

 

Caso Clínico Comentado

Estabelecido o diagnóstico de PMR, inicia-se tratamento com prednisona, na dose de 20 mg/dia. Esse paciente apresenta um quadro clínico e laboratorial típico de PMR, podendo-se começar o tratamento logo após a coleta de exames. Exames como raio X de tórax, anti-HCV, anti-HBc total, anti-HIV, FAN, FR, TSH, T4 livre, calcemia, fosfatase alcalina, creatinina, creatinina-quinase (CK), exame qualitativo de urina, glicose, transaminases, hemograma, plaquetas e proteinograma auxiliam a des cartar outros possíveis diagnósticos e realizar as decisões terapêuticas. A observação de uma resposta rápida (em horas ou poucos dias) e considerável ao uso de prednisona ou corticoides injetáveis é importante para confirmar o diagnóstico de PMR, tornando exames adicionais, além dos citados anteriormente, em geral desnecessários. Na MR, não há aumento da frequência de neoplasias com relação à população em geral.

Para o paciente sob observação, o uso de prednisona, na dose de 20 mg/dia, não produz resultados satisfatórios, sendo necessário aumentar a dose para 30 mg/dia. Em casos como esse, em que há resposta insatisfatória ao corticoide ou ocorrência de febre ou sinais e sintomas atípicos, deve-se proceder a uma investigação a fim de excluir neoplasias, infecções ocultas ou ACG concomitante. Assim, o paciente é submetido a hemoculturas, urocultura, ecocardiografia, tomografia computadorizada de tórax e abdome, reação de Mantoux, endoscopia digestiva alta, colonoscopia, avaliação da próstata e ultrassonografia Doppler colorido das artérias temporais. Não são observadas evidências de anormalidades significativas nesses exames. O paciente apresenta melhora clínica e laboratorial com o aumento da dose de prednisona (30 mg/dia), e, como não há sintomas e sinais sugestivos de ACG, considera-se desnecessária a realização de biópsia de artéria temporal. Inicia-se tratamento com metotrexato para que a dose de prednisona possa ser reduzida mais rapidamente. Também realiza-se reposição de cálcio e vitamina D para profilaxia de osteoporose.

 

 

Figura 127.3

Algoritmo de tratamento da polimialgia reumática.

 

 

 

 

Referências

1.Hellmann DB. Giant cell arteritis, polymyalgia rheumatica, and tarteritis. In: Firestein GS, Budd RC, Harris ED Jr, McInnes IB, Ruddy S, Sergent JS, editors. Kelley’s textbook of rheumatology. 8th ed. Philadelphia: Saunders; 2008.

2.Salvarani C, Cantini F, Hunder GG. Polymyalgia rheumatica andgiant-cell arteritis. Lancet. 2008;372(9634):234-45.

3.Gonzalez-Gay MA, Vazquez-Rodriguez TR, Lopez-Diaz MJ, Miranda-Filloy JA, Gonzalez-Juanatey C, Martin J, et al. Epidemiology of giant cell arteritis andpolymyalgia rheumatica. Arthritis Rheum.2009;61(10):1454-61.

4.Cimmino MA, Zaccaria A. Epidemiology of polymyalgia rheumatica. Clin Exp Rheumatol. 2000;18 (4 Suppl 20):S9-11.

5.Weyand CM, Ma-Krupa W, Goronzy JJ. Immunopathways in giant cell arteritis and polymyalgia rheumatica. Autoimmun Rev. 2004;3(1):46-53.

6.Macchioni P, Catanoso MG, Pipitone N, Boiardi L, Salvarani C. Longitudinal examination with shoulder ultrasound of patients with polymyalgia rheumatica.Rheumatology (Oxford). 2009;48(12):1566-9.

7.Cantini F, Salvarani C, Olivieri I, Macchioni L, Ranzi A, Niccoli L, et al. Erythrocyte sedimentation rate and C-reactive protein in the evaluation of disease activity and severity in polymyalgia rheumatica: a prospectivefollow-up study. Semin Arthritis Rheum. 2000;30(1):17-24.

8.Gonzalez-Gay MA, Agudo M, Martinez-Dubois C, Pompei O, Blanco R. Medical management of polymyalgia rheumatica. Expert Opin Pharmacother. 2010;11(7):1077-87.

9.Hernández-Rodríguez J, Cid MC, López-Soto A, Espigol-Frigolé G, Bosch X. Treatment of polymyalgia rheumatic: a systematic review. Arch Intern Med. 2009;169(20):1839-50.

10.Mackie SL, Hensor EM, Haugeberg G, Bhakta B, Pease CT. Can the prognosis of polymyalgia rheumatica be predicted at disease onset? Results from a 5-year prospective study. Rheumatology (Oxford).2010;49(4):716-22.

11.Jacobs JW, Bijlsma JW. Glucocorticoid therapy. In: Firestein GS, Budd RC, Harris ED Jr, McInnes IB, Ruddy S, Sergent JS, editors. Kelley’s textbook of rheumatology. 8th ed. Philadelphia: Saunders; 2008. p. 863-81.

12.Cannella AC, O’Dell JR. Methotrexate, leflunomide, sulfasalazine, hydroxychloroquine, and combination therapies. In: Firestein GS, Budd RC, Harris ED Jr, McInnes IB, Ruddy S, Sergent JS, editors. Kelley’s textbook of rheumatology. 8th ed. Philadelphia: Saunders; 2008. p.883-907.

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