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Pneumotórax e hemotórax

Autores:

Denise Rossato Silva

Médica pneumologista. Professora adjunta de Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutora em Ciências Pneumológicas
pela UFRGS.

Marli Maria Knorst

Médica do Serviço de Pneumologia do HCPA. Professora associada do Departamento de Medicina Interna e do Programa de Pós-graduação em Ciências Pneumológicas da UFRGS.

Última revisão: 04/08/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 20 anos, previamente hígido, relatou dor súbita no hemitórax direito ao acordar. Ele afirmou não apresentar tosse ou dispneia. Como não houve melhora da dor, resolveu procurar atendimento médico. Na chegada à emergência, estava em bom estado geral, normotenso, com frequência cardíaca de 82 bpm, frequência respiratória de 20 mrm e frêmito toracovocal diminuído, hiper-ressonância à percussão no hemitórax direito e murmúrio vesicular diminuído no mesmo lado. Não teve episódios semelhantes no passado. Foi tabagista desde os 15 anos, fumando cerca de 10 cigarros por dia. Solicitou-se radiografia de tórax.

 

Definição

O pneumotórax é a presença de ar no espaço pleural. É classificado em espontâneo (sem trauma prévio) ou traumático. O pneumotórax espontâneo ainda é subdividido em primário (sem doença pulmonar subjacente) ou secundário (com doença pulmonar subjacente). O pneumotórax traumático ocorre após trauma torácico, mas também pode decorrer de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, sendo, então, denominado pneumotórax iatrogênico.1,2

O hemotórax é o acúmulo de sangue no espaço pleural, quando o hematócrito no líquido pleural corresponde a pelo menos 50% do hematócrito do sangue periférico. Pode ser classificado em traumático ou não traumático. O hemotórax iatrogênico pode ocorrer após cirurgia torácica, inserção de cateteres em veias centrais, toracocentese, biópsia de pleura, colocação de dreno de tórax, biópsia transbrônquica, tratamento endoscópico de varizes esofágicas e reanimação cardiopulmonar.1,3

 

Epidemiologia

A incidência de pneumotórax espontâneo é de 24 casos por 100 mil por ano para homens e 9,8 casos por 100 mil por ano para mulheres. Cerca de metade das ocorrências dessa condição é de pneumotórax primário. Verifica-se maior taxa de pneumotórax em homens com mais de 75 anos de idade (60 casos por 100 mil por ano). A taxa de mortalidade do pneumotórax secundário é de aproximadamente 1%.

A incidência relativa do pneumotórax iatrogênico tem crescido nas últimas décadas devido ao uso mais frequente de procedimentos invasivos, sendo que ele é provavelmente mais comum do que os pneumotórax primários e secundários combinados.1,2,4,5

O pneumotórax espontâneo primário ocorre em pacientes do sexo masculino, longelíneos, entre 10 e 30 anos, e raramente após os 40 anos de idade. Em pacientes tabagistas, há um risco de 12% de desenvolvimento de pneumotórax espontâneo primário, comparado a um risco de 0,1% em pacientes não fumantes.1,2,4,5

A ocorrência de hemotórax traumático é frequente após traumas fechados ou penetrantes. Nos pacientes com fratura de costela, o hemotórax é mais comum quando a fratura é deslocada. É comum haver pneumotórax concomitantemente a hemotórax. O hemotórax não traumático ocorre raramente.1,3

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Etiologia do pneumotórax espontâneo secundário

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a causa mais frequente de pneumotórax secundário. Pacientes com volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) de menos de 1 L e VEF1/CVF (capacidade vital forçada) inferior a 40% são os que apresentam maior risco. Outra causa comum é a infecção por Pneumocystis jirovecii em pacientes com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). O pneumotórax também pode ocorrer em pacientes com fibrose cística, linfangioleiomiomatose e histiocitose X. Outras causas de pneumotórax estão listadas no Quadro 110.1.6,7

 

Etiologia do hemotórax não traumático

Como citado anteriormente, a ocorrência de hemotórax não traumático é incomum, mas suas três causas mais frequentes são doença pleural maligna metastática, complicação do uso de anticoagulantes em pacientes com embolia pulmonar e hemotórax catamenial (associado à menstruação).1,3

 

 

Patogênese do pneumotórax espontâneo

Pneumotórax primário: Apesar de os pacientes com pneumotórax primário não apresentarem doença pulmonar clinicamente aparente, até 90% deles têm bolhas subpleurais. Acredita-se que essas bolhas sejam formadas devido à degradação das fibras elásticas do pulmão, pelo influxo de neutrófilos e macrófagos decorrente do tabagismo. Posteriormente, ocorre obstrução das pequenas vias aéreas induzida por inflamação, de forma a aumentar a pressão alveolar, causando ruptura de alvéolos, deslocamento de ar para o interstício e hilo pulmonar, gerando pneumomediastino. Com o aumento da pressão mediastinal, há ruptura da pleura parietal mediastinal e pneumotórax.6,7

 

Pneumotórax secundário: Em pacientes com pneumotórax secundário, a pressão pleural excede a pressão no interstício (p. ex., após tosse em indivíduos com DPOC e inflamação das vias aéreas), o ar do alvéolo rompido move-se para o interstício e ao longo do ramo broncovascular até o hilo, resultando em pneumomediastino. Se houver deslocamento de ar através da pleura parietal mediastinal até o espaço pleural, ocorre, então, pneumotórax. Também pode haver ruptura de alvéolo, com o ar movendo-se diretamente ao espaço pleural, devido à necrose do pulmão, como nos casos de pneumonia por P. jirovecii.6,7

 

Sinais e Sintomas

Geralmente, a manifestação inicial dos sintomas de pacientes com pneumotórax espontâneo primário ocorre em repouso. Muitos pacientes não procuram atendimento médico logo após a manifestação inicial dos sintomas, sendo que alguns aguardam por mais de uma semana. O principal sintoma é dor torácica. Alguns pacientes podem apresentar dispneia. A dor torácica apresenta-se inicialmente de forma aguda e é localizada no lado do pneumotórax. Pode haver taquicardia moderada. Ao realizar exame do tórax, nota-se que o lado do pneumotórax está maior e movimenta-se menos durante a respiração. Não há frêmito tátil, a percussão é hiper-ressonante, e o murmúrio vesicular está diminuído ou ausente. Pode ocorrer desvio da traqueia para o lado contralateral nos casos de grandes pneumotórax.1,2,4,5

Em geral, os sintomas associados a pneumotórax espontâneo secundário são mais graves do que os do primário, pois ocorrem em pacientes com doença pulmonar subjacente. Os sintomas são mais intensos, mesmo se o pneumotórax apresentar tamanho relativamente menor. Os principais sintomas também são dispneia e dor torácica. Cianose e hipotensão ocorrem em alguns casos. Como a reserva pulmonar desses pacientes já é reduzida, a ocorrência de um pneumotórax é um evento grave. O exame físico nesses casos não é muito esclarecedor, visto que esses pacientes já apresentam hiperexpansão pulmonar, hiper-ressonância à percussão, diminuição do frêmito tátil e do murmúrio vesicular. Nesses pacientes, deve-se suspeitar de pneumotórax sempre que houver aumento da dispneia e dor torácica.1,2,4,5

 

Diagnóstico

Suspeita-se de pneumotórax espontâneo primário a partir da história e do exame físico. Na radiografia de tórax, observa-se uma linha pleural paralela à parede torácica, uma vez que ocorre separação das pleuras visceral e parietal pelo ar acumulado no espaço pleural (Fig. 110.1). Nos casos duvidosos, pode ser solicitada radiografia de tórax em decúbito lateral; estas, assim como as radiografias em posição supina e a ultrassonografia de tórax, são utilizadas principalmente em pacientes com trauma. Não se recomenda a realização de radiografias de tórax em expiração, pois estas não são mais sensíveis do que as em inspiração para identificação de pneumotórax. Em cerca de 15% dos casos, pode haver um pequeno derrame pleural rico em eosinófilos associado. Pode-se utilizar o índice de Light para calcular a porcentagem de colapso pulmonar (Fig. 110.2). Há uma excelente correlação entre esse índice e a quantidade de ar que pode ser aspirado de um pneumotórax. A tomografia computadorizada de tórax é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico de pneumotórax pequenos e também para a estimativa do tamanho do pneumotórax, embora o seu uso não seja prático como modalidade diagnóstica inicial.1,2,4-7

Quando a pressão intrapleural excede a pressão atmosférica durante a expiração e frequentemente também durante a inspiração, ocorre o pneumotórax hipertensivo. Deve-se suspeitar deste sempre que a frequência cardíaca exceder 140 bpm ou se ocorrer hipotensão ecianose.1,2,4-7

Em pacientes com pneumotórax secundário, estabelece-se o diagnóstico da mesma maneira. O diagnóstico pode ser mais difícil, já que os pulmões de pacientes com enfisema já são hiperluscentes e evidenciam pouca diferença de densidade em relação ao pneumotórax. Para diferenciar um pneumotórax de uma bolha em um paciente com DPOC, é necessário examinar a forma da linha pleural em relação à parede torácica, sendo côncava nos casos de bolha e convexa nos depneumotórax.1,2,4-7

Deve haver suspeita do diagnóstico de hemotórax traumático em todo paciente com trauma fechado ou penetrante de tórax, derrame pleural evidenciado na radiografia ou na ultrassonografia de tórax. O hemotórax pode não ser visível na primeira radiografia, principalmente em pacientes com múltiplas fraturas deslocadas de costelas. O diagnóstico é confirmado quando o hematócrito no líquido pleural correspondente a pelo menos 50% do hematócrito do sangue periférico. Independentemente da sanguinolência do líquido pleural, é sempre importante solicitar o hematócrito, pois um líquido pleural com um hematócrito de apenas 5% já é suficiente para tornar a aparência sanguinolenta. A coleta do líquido pleural em frascos sucessivos auxilia a identificar um acidente de punção, porque o líquido vai ficando mais claro nesses casos.1,3

 

 

Figura 110.1

Radiografia de tórax com pneumotórax à esquerda (setas identificando a linha pleural).

 

 

Figura 110.2

Quantificação do pneumotórax segundo Light.

DP, diâmetro do pulmão; DH, diâmetro do hemitórax.

 

Tratamento

Deve-se realizar oxigenoterapia em todos os pacientes internados, pois acelera a absorção do pneumotórax em até quatro vezes. Pacientes com pneumotórax espontâneo primário pequeno (< 2 cm), sem dispneia, geralmente não necessitam de internação. Deve-se solicitar uma radiografia de tórax de controle em duas semanas. É importante que os pacientes evitem viagem aérea, até a resolução do pneumotórax, e o mergulho, permanentemente, exceto se for realizada pleurectomia cirúrgica bilateral. Nos pacientes com pneumotórax maior do que 2 cm ou sintomáticos, deve-se tentar a aspiração simples. Se esta não for eficaz, pode ser necessária a colocação de dreno de tórax. Se o paciente desenvolver um segundo episódio de pneumotórax espontâneo primário, então se deve realizar pleurodese, que é o colabamento dos folhetos pleurais visceral e parietal, produzindo a sínfise do espaço pleural, a qual impossibilita o acúmulo de ar. Como o tabagismo está associado a risco de recidivas de pneumotórax, é importante abordar a cessação desse hábito para os pacientes com pneumotórax espontâneoprimário.8-10

Em casos de pneumotórax espontâneo secundário, menor do que 1 cm ou restrito ao ápice pulmonar, em pacientes assintomáticos, pode ser realizada apenas observação hospitalar. Em pneumotórax menor do que 2 cm, em pacientes pouco sintomáticos e com menos de 50 anos, pode-se tentar aspiração simples. Se a tentativa for bem-sucedida, o paciente deve permanecer em observação por 24 horas. Nos demais casos, deve sempre ser realizada a drenagem de tórax, com pleurodese após o primeiro episódio.8-10

Nos pacientes com hemotórax traumático, deve-seefetuar drenagem de tórax imediata. Pacientes com hemotórax iatrogênico devem ser tratados da mesma maneira. Nos pacientes com hemotórax não traumático, a drenagem de tórax deve ser realizada a fim de remover o sangue do espaço pleural e quantificar o grau de sangramento ativo. Se houver sangramento de mais de 100 mL/hora, indica-se cirurgia torácica assistida por vídeo ou toracotomia de emergência. As principais complicações do hemotórax traumático são a retenção de coágulos no espaço pleural (podendo ocasionar síndrome do coágulo retido), derrame pleural, empiema e fibrotórax. O manejo precoce e cuidadoso do hemotórax reduz o risco de complicações.1,3

 

Caso Clínico Comentado

A radiografia de tórax do paciente evidenciou pneumotórax pequeno (< 2 cm) à direita. Como ele não apresentava doença pulmonar subjacente, caracterizou-se pneumotórax espontâneo primário. Recebeu oxigênio por cateter nasal, 1 L/minuto e analgesia. Devido à existência de dispneia, o pneumotórax era pequeno e evoluiu com melhora da dor em algumas horas, não sendo necessária internação hospitalar. Orientou-se o paciente a realizar nova radiografia de tórax passadas duas semanas. Se ocorrer um segundo episódio, deve-se realizar pleurodese.

 

Referências

1.Light RW, Lee YCG. Pneumothorax, chylotorax, hemothorax, and fibrothorax. In: Mason RJ, Broaddus VC, Murray JF, Nadel JA. Murray and Nadel’s textbook of respiratory medicine. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p 1961-88.

2.Light RW. Pneumothorax. In: Light RW. Pleural diseases. Philadelphia: Lippincott Williams & Williams; 2007.p306-339.

3.Light RW. Pleural diseases. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007.p. 340-5.

4.Noppen M, De Keukeleire T. Pneumothorax. Respiration.2008;76(2):121-7.

5.Baumann MH, Noppen M. Pneumothorax. Respirology.2004;9(2):157-64.

6.Sahn SA, Heffner JE. Spontaneous pneumothorax. N Engl J Med.2000;342(12):868-74.

7.Noppen M. Spontaneous pneumothorax: epidemiology, pathophysiology and cause. Eur Respir Rev. 2010;19(117):217-9.

8.Baumann MH, Strange C, Heffner JE, Light R, Kirby TJ, Klein J, et al. Management of spontaneous pneumothorax: an American College of Chest Physicians Delphi consensus statement. Chest. 2001;119(2):590-602.

9.Henry M, Arnold T, Harvey J. BTS guidelines for the management of spontaneous pneumothorax. Thorax. 2003;58 Suppl 2:ii39-52.

10.Tschopp JM, Rami-Porta R, Noppen M, Astoul P. Management of spontaneous pneumothorax: state of the art. Eur Respir J.2006;28(3):637-50.

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