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Ebola

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 02/09/2014

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Introdução

O vírus Ebola apareceu pela primeira vez em 1976, em dois locais simultâneos, em Nzara, na República do Sudão, e em Yambuku, na República Democrática do Congo. Este último foi em uma aldeia situada perto do rio Ebola, de onde derivou o nome da doença.

O gênero Ebola vírus é um dos três membros da família Filoviridae (filovirus), juntamente com o gênero Marburg vírus e o gênero Cueva vírus. O Ebola é um vírus não-segmentado de RNA de fita simples. O gênero Ebola vírus compreende cinco espécies distintas: Zaire, Sudão, Costa do Marfim, Bundibugyo, e Reston, que diferem entre si quanto à virulência em seres humanos.

As espécies mais associadas aos grandes surtos na África são as Zaire, Sudão e Bundibugyo.  A espécie Zaire causou diversos surtos com mortalidades variando de 55 a 88%. O vírus Sudão foi associado a 50% de fatalidades. O vírus Bundibugyo surgiu em Uganda e gerou 30% de fatalidades. A espécie Costa do Marfim infectou apenas uma pessoa que sobreviveu. Já a espécie Reston foi uma espécie identificada nas Filipinas e não na África.

Existem dúvidas acerca dos reservatórios naturais do vírus e como se dá sua transmissão para primatas e seres humanos. Na África, os morcegos frutívoros, principalmente espécies dos gêneros Hypsignathus monstrosus, Epomops franqueti e Myonycteris torquata, são considerados possíveis hospedeiros naturais para o vírus Ebola. Como resultado, a distribuição geográfica do vírus se sobrepõe ao alcance geográfico dessas espécies de morcegos.

Embora os primatas sejam uma fonte de infecção para os seres humanos, que não são considerados como o reservatório, eles são considerados hospedeiros acidentais, assim como os próprios seres humanos. Desde 1994,  surtos de Ebola têm sido observados em chimpanzés e gorilas.

 

Transmissão

O Ebola foi introduzido em seres humanos através do contato próximo com o sangue, secreções, órgãos ou outros fluidos corporais de animais infectados. Na África, a infecção foi documentada através da manipulação de chimpanzés infectados, gorilas, morcegos, macacos, antílopes florestais e porcos-espinhos encontrados doentes ou mortos nas florestas.

O Ebola então se espalha na comunidade através de transmissão de humano para humano, sendo a infecção resultado do contato direto (através da quebras de barreira em pele ou mucosas) com o sangue, secreções, órgãos ou outros fluidos corporais de pessoas infectadas, e através do contato indireto com ambientes contaminados com tais fluidos. Por exemplo, em funerais em que os presentes tenham contato direto com o corpo da pessoa falecida, também pode ocorrer a transmissão do Ebola. Homens que se recuperaram da doença ainda podem transmitir o vírus por meio de seu sêmen por até sete semanas após a recuperação da doença.

Os profissionais de saúde têm sido frequentemente infectados durante o tratamento de pacientes com suspeita ou confirmação de infecção pelo Ebola. Isto ocorre através do contato próximo com os pacientes, quando as precauções de controle de infecção não são estritamente realizadas.

 

Patogênese

        

A maior parte dos dados sobre a patogênese vem de estudos laboratoriais com modelos experimentais.

Os macrófagos e células dendríticas são, provavelmente, as primeiras células a serem infectadas. O vírus replica facilmente dentro destas células, causando a sua necrose e liberando um grande número de novas partículas virais no fluido extracelular. O vírus então se espalha para os linfonodos regionais, resultando em novas rodadas de replicação, seguido de disseminação do vírus às células dendríticas e macrófagos fixos e móveis no fígado, baço, timo e outros tecidos linfoides. A disseminação sistêmica é rápida por conta da supressão induzida pelo vírus da resposta Tipo I por interferon. À medida que a doença progride, os hepatócitos, células corticais suprarrenais, fibroblastos, e muitos outros tipos de células, também se tornam infectados, o que resulta em necrose extensa de tecidos.

Além de provocar grandes danos nos tecidos, o vírus também induz uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica, induzindo a liberação de citocinas, quimiocinas e outros mediadores pró-inflamatórios dos macrófagos infectados e outras células. Os macrófagos infectados com o vírus Ebola produzem fator de necrose tumoral (TNF-alfa), interleucina-1beta, interleucina-6, a proteína quimiotáctica de macrófagos (MCP-1) e óxido nítrico (NO). Estas e outras substâncias têm sido identificadas em amostras de sangue de macacos infectados pelo Ebola e de pacientes com doença aguda na África. É essa resposta do hospedeiro à infecção que é responsável pela febre, mal-estar, vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, hipotensão e choque no contexto da doença.

Os defeitos da coagulação vistos na doença do vírus Ebola também são induzidos indiretamente. Macrófagos infectados por vírus sintetizam o fator tecidual na superfície celular (FT), provocando a via extrínseca da coagulação. Citocinas pró-inflamatórias também induzem macrófagos a produzir FT. A ocorrência simultânea de ambos os estímulos ajuda a explicar o aparecimento precoce, e de rápida evolução da coagulopatia induzida pelo vírus Ebola.

A falta de imunidade adaptativa, através do comprometimento da função das células dendríticas e da apoptose de linfócitos, ajuda a explicar como esses vírus são capazes de causar doença grave, frequentemente fatal. O vírus atua direta e indiretamente desativando respostas imunes antígeno-específicas. As células dendríticas, que têm a responsabilidade primária na resposta imune adaptativa, são um importante local de replicação do vírus. Estudos in vitro demonstram que as células infectadas não sofrem maturação e são incapazes de apresentar antígenos aos linfócitos, o que pode explicar o porquê de pacientes que morrem de febre hemorrágica do Ebola não desenvolvem anticorpos ao vírus. A imunidade adaptativa também é prejudicada pela perda maciça de linfócitos que acompanha a infecção letal do vírus Ebola. Os linfócitos sofrem apoptose induzida por mediadores inflamatórios e/ou perda de sinais de apoio a partir de células dendríticas. Um fenômeno similar é observado no choque séptico.

 

Quadro Clínico

A infecção pelo vírus Ebola é uma doença viral aguda grave, muitas vezes caracterizada pelo início súbito de febre (normalmente acima de 38,6oC), fraqueza intensa, dores musculares, dor de cabeça e dor de garganta. Seguido de vômitos, diarreia, disfunção renal e hepática, e em alguns casos, hemorragias internas e externas. Assim como na febre tifoide, pode ocorrer dissociação entre pulso e temperatura, sendo possível encontrar bradicardia na vigência de febre. Um achado mais característico da infecção é o surgimento de um rash maculopapular não pruriginoso em tronco na primeira semana de doença.

Pessoas que têm este quadro clínico são suspeitas de terem a infecção pelo Ebola quando estão dentro de um contexto de risco, onde se inclui: pessoas que tiveram contato com sangue ou outros fluidos corporais de um paciente conhecido ou suspeito para a doença do vírus Ebola; ter morado ou viajado para uma área onde a transmissão do vírus Ebola está ativa; ter manipulado diretamente morcegos, roedores, ou primatas em áreas endêmicas.

Os achados laboratoriais leucopenia com desvio à esquerda (formas imaturas na periferia), plaquetopenia que atinge nadir entre o 6o e 8o dia de doença, elevação das enzimas hepáticas (com predomínio de AST sobre ALT, sendo o grau de aumento relacionado à gravidade do caso) e alteração do coagulograma. Outros achados inespecíficos que podem ocorrer são a presença de proteinúria na Urina tipo 1 e aumento de amilase.

As pessoas são infectantes enquanto o sangue e as secreções corpóreas contiverem o vírus. O vírus Ebola chegou a ser isolado no sêmen de um homem que foi infectado em um laboratório  61 dias após o início da doença.

O período de incubação, isto é, o intervalo de tempo desde a infecção com o vírus para o início dos sintomas, é de 2 a 21 dias.

Entre os fatores prognósticos, o mais importante é encontrar títulos persistentemente altos do vírus no sangue, sendo que a queda destes níveis na segunda semana de doença sugere a possibilidade de cura. Quanto ao quadro clínico, quanto maior o número de disfunções orgânicas instaladas, maior a probabilidade de óbito. Normalmente, nos sobreviventes o período de convalescência é longo, marcado por fadiga, astenia e perda de peso.

 

Diagnóstico

Entre os diagnósticos diferenciais que devem ser considerados destacam-se: malária, febre tifoide, shiguelose, cólera, leptospirose, peste, Rickettsioses, febre recorrente, meningite, hepatite e outras febres hemorrágicas virais (como dengue, por exemplo).

 

A infecção por vírus Ebola pode ser diagnosticada em um laboratório através de vários tipos de testes:

Anticorpos detectados por ELISA;

Testes de detecção de antígeno;

Prova de soroneutralização;

PCR para a transcriptase reversa (RT-PCR);

Microscopia eletrônica;

Isolamento de vírus na cultura celular.

 

As amostras de pacientes são de extremo risco biológico; testes devem ser conduzidos sob condições de máxima contenção de materiais biológicos.

O CDC dos EUA  recomenda testar todas as pessoas com aparecimento de febre no prazo de 21 dias após uma exposição de alto risco. Para as pessoas com uma exposição de alto risco, mas sem febre, o teste é recomendado somente se existem outros sintomas clínicos compatíveis presente e achados laboratoriais que sejam anormais (ou seja, contagem de plaquetas <150.000 células/microL e/ou elevação das transaminases).

 

A exposição de alto risco inclui qualquer um dos seguintes:

Exposição de membrana mucosa ou percutânea, ou contato direto da pele com fluidos corporais de uma pessoa que seja caso confirmado ou suspeito de doença do vírus Ebola, sem equipamento de proteção individual;

Processamento laboratorial de fluidos corporais de casos suspeitos ou confirmados casos da doença Ebola vírus sem equipamento de proteção individual ou medidas de biossegurança padrão;

Participação em ritos funerários ou outra exposição direta aos restos humanos na área geográfica onde o surto está ocorrendo sem equipamento de proteção individual.

 

O teste é recomendado também para pessoas com uma exposição de baixo risco que desenvolvem febre com outros achados clínicos e achados laboratoriais anormais. Pessoas com uma exposição de baixo risco e com febre e achados laboratoriais anormais na ausência de outros sintomas também devem ser testados.

 

A exposição de baixo risco inclui:

Pessoas que passaram algum tempo em uma unidade de saúde em que os pacientes com doença pelo vírus Ebola estavam sendo tratados (o que abrange os trabalhadores da saúde que usavam equipamento de proteção individual, os trabalhadores não envolvidos na assistência direta ao paciente e pacientes hospitalizados que não tiveram a doença pelo vírus Ebola e sua família cuidadores);

Os membros da família de um paciente com doença pelo vírus Ebola sem exposições de alto risco, como descrito acima;

Pessoas que tiveram contato direto desprotegidas com morcegos ou primatas de países afetados por doença causada pelo vírus Ebola.

 

As pessoas sem exposições conhecidas listadas acima, mas que têm febre com outros sinais ou sintomas e achados laboratoriais que são anormais ou desconhecido dentro de 21 dias após visitar países afetados por doenças causadas pelo vírus Ebola devem ser considerados para teste, se nenhum outro diagnóstico for encontrado.

Pessoas assintomáticas com exposições de alto ou de baixo risco devem ser monitorados diariamente para febre e sintomas por 21 dias a partir da última exposição conhecida e avaliadas aos primeiros sinais de doença.

 

Tratamento

A base do tratamento é suporte. Pacientes mais graves necessitam de cuidados de suporte intensivo. Os pacientes são frequentemente desidratados e requerem reidratação oral com soluções contendo eletrólitos ou fluidos intravenosos.

Nenhum tratamento específico está disponível. Novas terapias medicamentosas estão sendo avaliadas. No atual surto de 2014, uma combinação de três anticorpos monoclonais (ZMapp) foi administrada a dois profissionais de saúde dos Estados Unidos que desenvolveram a doença pelo vírus Ebola durante o surto do Oeste Africano. O papel deste tratamento no curso da doença nestes pacientes não pode ser avaliado. Estudos controlados são necessários uma vez que estes casos anedóticos não fornecem evidência de eficácia.

Não existem medidas para profilaxia pós exposição. Nenhuma vacina licenciada para o Ebola está disponível. Várias vacinas estão sendo testadas, mas nenhuma deles está disponível para uso clínico.

 

Prevenção

Na ausência de tratamento eficaz, ou de uma vacina para seres humanos, a conscientização sobre os fatores de risco para a infecção por Ebola e as medidas de proteção para os indivíduos são as únicas formas de reduzir a infecção humana e a morte. Na África, durante os surtos de Ebola, mensagens de saúde pública de educação para a redução do risco devem se concentrar em vários fatores:

Reduzir o risco de transmissão entre animais selvagens e humanos ao minimizar  o contato com morcegos ou macacos, bem como o consumo de sua carne crua. Os animais devem ser manuseados com luvas e outras peças de vestuário de proteção adequados. Produtos de origem animal (sangue e carne) devem ser bem cozidos antes do consumo.

Reduzir do risco de transmissão de humano para humano na comunidade, decorrentes do contato direto ou próximo com pacientes infectados, especialmente com seus fluidos corporais. Contato físico com pacientes com Ebola devem ser evitados. Luvas e equipamento de proteção individual adequados devem ser usados quando cuidar de doentes em casa. Lavar as mãos regularmente é necessário depois de visitar doentes em um hospital, bem como depois de cuidar de pacientes em casa.

Comunidades afetadas por Ebola devem informar a população sobre a natureza da doença e sobre as medidas de contenção de surtos, incluindo o enterro dos mortos. Pessoas que morreram de Ebola devem ser enterrados prontamente e com segurança.

Granjas de suínos na África pode desempenhar um papel na amplificação de infecção por causa da presença de morcegos nestas fazendas. Medidas adequadas de biossegurança devem estar no local para limitar a transmissão. Mensagens de saúde pública devem se concentrar em reduzir o risco de transmissão de suínos para humanos como resultado da criação de gado e práticas inseguras de abate e consumo inseguro de sangue, leite ou tecido animal. Luvas e outros vestuários de proteção adequados devem ser usados quando manusear animais doentes ou seus tecidos e  durante o abate de animais. Em regiões onde há risco de Ebola em suínos, todos os produtos de origem animal (sangue, carne e leite) devem ser bem cozidos antes de comer.

A transmissão do vírus Ebola está principalmente associada com o contato direto ou indireto com sangue e fluidos corporais. A transmissão entre os profissionais de saúde tem sido relatada quando não são seguidas as medidas de controle de infecção apropriadas.

Nem sempre é possível identificar os pacientes com Ebola cedo porque os sintomas iniciais podem ser inespecíficos. Por esta razão, é importante que os profissionais de saúde tomem as precauções padrão consistentemente com todos os pacientes - independentemente do seu diagnóstico - em todas as práticas de trabalho em todos os momentos. Isso inclui a higiene básica, a higiene respiratória, o uso de equipamentos de proteção individual (de acordo com o risco de projeções ou de outro contato com materiais infectados), práticas de injeção segura e práticas funerárias seguras.

Os profissionais de saúde que cuidam de pacientes com suspeita ou confirmação de vírus Ebola devem seguir, além de precauções padrão, outras medidas de controle de infecção para evitar qualquer exposição a sangue e fluidos corporais do paciente e contato desprotegido direto com o ambiente possivelmente contaminado. Quando em contato próximo (menos de 1 metro) de pacientes com Ebola, deve-se usar proteção para o rosto (uma viseira ou uma máscara médica e óculos de proteção), um vestido de mangas compridas limpo, e luvas não-estéril (luvas estéreis para alguns procedimentos).

Trabalhadores de laboratório também estão em risco. As amostras recolhidas a partir de casos suspeitos de Ebola em humanos ou animais para o diagnóstico devem ser manuseadas por pessoal treinado e processadas em laboratórios devidamente equipados.

 

Referências

World Health Organization. Ebola Virus Disease. Fact Sheet No 103. Updated April 2014.  Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs103/en/

 

Bray M. Epidemiology, pathogenesis, and clinical manifestations of Ebola and Marburg virus Disease. Disponível em: www.uptodate.com

 

Bray M. Diagnosis and treatment of Ebola and Marburg virus disease. Disponível em: www.uptodate.com

 

Feldmann H, Geisbert TW. Ebola haemorrhagic fever. Lancet 2011; 377:849.

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