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Macroglobulinemia de Waldenstrom

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 17/09/2014

Comentários de assinantes: 1

Macroglobulinemia de Waldenstrom: Diagnóstico e abordagem inicial para o tratamento

A  Macroglobulinemia de Waldenstrom se refere ao aumento da produção de IgM, que ocorre em  certas desordens  linfoproliferativas clonais e discrasias de células plasmáticas. A sua consequência é o aumento da concentração de IgM no sangue, com possibilidade do aparecimento de hiperviscosidade e outras complicações.

A sua primeira descrição ocorreu em 1941, quando Jan Waldenstrom descreveu dois homens com quadro de fadiga, sangramento gengival,   mucosas e linfadenopatias com anemia normocrômica e normocítica, associadas ao aumento do fibrinogênio sérico, assim como VHS e viscosidade sanguínea e macroglobulinemia significativa. Nenhum dos pacientes apresentava lesões líticas na radiografia, o que diferenciava esta síndrome do Mieloma Múltiplo.

A síndrome caracteristicamente não apresenta lesões líticas ou hipercalcemia. Caso estas manifestações ocorram associadas à macroglobulinemia e aumento de IgM, a denominação não será de Macroglobulinemia de Waldentrom, mas de IgM Mieloma.

 

Epidemiologia

A doença é rara, com uma incidência de cerca de três por milhão de pessoas, com 1.400 novos casos diagnosticados nos Estados Unidos anualmente. A idade média de diagnóstico é de 64 anos, portanto, similar ao Mieloma Múltiplo, embora  menos de 1% dos pacientes tenham menos de 40 anos de idade, e cerca de 60%  do sexo masculino, a Macroglobulinemia é muito mais frequente em caucasianos, sendo rara em negros.

As neoplasias linfocíticas de células B são caracteristicamente associadas à Macroglobulinemia de Waldenstrom por produção neoplásica de clones de células B. A doença é, em geral, esporádica, mas histórico familiar está presente em cerca de 20% dos pacientes.

 

Etiologia e Patogênese

A etiologia da Macroglobulinemia de Waldenstrom é parcialmente desconhecida, sem fatores causais precipitantes claros, alguns estudos sugerem associação com a estimulação imunológica crônica e doenças autoimunes, em particular se verificou que a infecção pelo vírus da hepatite C implica em três vezes maior possibilidade de desenvolver a doença, que também pode ser descrita com radioterapia. 

O padrão de mutações somáticas observado na doença sugere seleção por estimulação antigênica numa fase relativamente tardia da diferenciação de células B que levará à hiperprodução de IgM monoclonal. Esta IgM monoclonal, por diversos mecanismos,  levará a manifestações.

 

Entre estes mecanismos devem ser citados:

-A IgM pode atuar como um autoanticorpo dirigido contra a glicoproteína associada à mielina resultante em neuropatia;

-A IgM pode ser dirigida contra antígenos dos próprios glóbulos vermelhos do paciente, resultando em anemia hemolítica autoimune por anticorpos frios com Coombs direto positivo.

-Material constituído de proteína IgM monoclonal pode ser depositado no espaço extracelular dos rins, trato gastrointestinal, ou da pele.

-A proteína IgM pode precipitar-se em temperaturas frias, resultando em sintomas de crioglobulinemia. 

-Em pacientes com Waldenstrom, as células B malignas podem infiltrar-se nos tecidos hematopoiéticos causando citopenias, linfadenopatia, hepatomegalia e esplenomegalia.

- A IgM aumenta a viscosidade afetando função plaquetária e fluxo sanguíneo capilar e reduz entrega de oxigênio ao capilar; também é associada à  secreção pancreática viscosa e com risco de desenvolver pancreatite;

-A IgM monoclonal pode ainda reagir e ter ação de fator reumatóide, como já pontuado, alguns pacientes desenvolvem Miopatia e Anemia Hemolítica autoimune e anticorpos contra GM1 gangliosídeo e levam à neuropatia.

 

Se a IgM precipita no frio, ao esfriar fica caracterizado a crioglobulinemia, que é dividida em três tipos:

Tipo I monoclonal

Tipo II mista

Tipo III policlonal

 

Manifestações Clínicas

Normalmente, a síndrome se apresenta na sexta ou sétima década de vida com quadro de fadiga, fraqueza e perda de peso. Os pacientes com frequência notam sangramento episódico principalmente gengival e de mucosa nasal e podem apresentar sintomas de hiperviscosidade.

Os achados mais comuns são linfadenopatia e hepatoesplenomegalia. Comum achar purpura e sangramento mucoso gastrointestinal. A maioria dos pacientes apresentam sintomas constitucionais não específicos, mas até um quarto dos pacientes podem ser assintomáticos no momento do diagnóstico. Infecções recorrentes também podem ocorrer devido a uma diminuição relativa em outras imunoglobulinas, levando à hipogamaglobulinemia.

Os pacientes com crioglobulinemia  apresentarão hipersensibilidade ao frio com urticaria, purpurta, ascrocianose e raynaud. Alguns pacientes evoluem com pápulas pruriginosas de pele secundária à deposição de IgM e podem desenvolver dermatite bolhosa, outros  desenvolvem a síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, proteína Monoclonal e alterações de pele).

Os sintomas de hiperviscosidade não se desenvolvem até que a viscosidade sérica se torne quatro vezes maior que a da água, e ocorrem em cerca de 30% dos pacientes. Os sintomas ocorrem por expansão, volume plasmático e aumento da pressão intracraniana. A cefaleia é o sintoma mais comum, além de  embaçamento visual,  alteração do estado mental até ideação suicida ou demência franca. Outros sintomas incluem ataxia, nistagmo, vertigem e confusão mental, alterações de consciência e síndrome cerebral difusa. Quando a hiperviscosidade é acompanhada por anemia, podem ocorrer ou piorar sintomas de insuficiência cardíaca.

Aproximadamente, 20%  dos pacientes apresentam sintomas de neuropatia, no momento do diagnóstico. A anormalidade neurológica mais frequente é uma polineuropatia distal, simétrica e sensório-motora lentamente progressiva, cujos principais sintomas são parestesias e fraqueza motora. O envolvimento é principalmente de extremidades inferiores. Podem ser encontrados anticorpos contra glicoproteína associada à Mielina e contra gangliosídeo GM1. A eletroneuromiografia revela uma neuropatia desmielinizante com envolvimento predominantemente sensorial, na neuropatia por amiloidose, que é um diagnóstico diferencial, o acometimento é predominantemente axonal.

Alterações em fundo de olho são um importante marcador de hiperviscosidade e ocorrem em cerca de um terço dos pacientes e incluem hemorragias, estreitamento e dilatação de vasos (chamados “vasos em salsicha”) e, por vezes, pode evoluir com papiledema e trombose de veia central da retina.

Os pacientes podem apresentar crioaglutininas, mas raramente ocorre hipersensibilidade ao frio, porém são descritos casos com precipitação de aglutininas com sintomas como fenômeno de Raynaud, urticária, púrpura, cianose acral e necrose tecidual.

Ao contrário dos pacientes com Mieloma Múltiplo, disfunção renal é rara nestes pacientes, embora 25% apresentem níveis de uréia acima de 40 mg/dl. Ocorrem depósitos de IgM na membrana basal glomerular, mas em geral sem consequências clínicas significativas. Ocasionalmente, os pacientes evoluem com síndrome nefrótica, que quando presente, é geralmente causada por amiloidose. Glomerulonefrite devido à deposição de IgM ou crioglobulinemia são descritos.

Os sintomas gastrointestinais incluem máabsorção por depósitos de material com IgM nos intestinos, com quadro de diarreia e esteatorreia, em alguns casos podem ocorrer linfangiectasias e enteropatia perdedora de proteínas. A Linfangectasia é vista na biópsia intestinal em alguns casos.

O envolvimento pulmonar pode ocorrer com tosse e dispneia e a presença de uma efusão pleural, infiltrados pulmonares difusas, ou massa isolada de células plasmáticas. Estas manifestações pulmonares muitas vezes respondem a agentes ou irradiação alquilantes, embora sejam raras.

 

Um estudo avaliou a prevalência de sintomas em pacientes com Macroglobulinemia de Waldenstrom, encontrando os seguintes achados:

-Sintomas constitucionais "B"(semelhantes aos encontrados em linfomas): 23% dos casos;

-Sangramento: 23%;

-Sintomas neurológicos: 22%;

-Sintomas de hiperviscosidade: 31%;

-Linfadenopatia: 25%;

-Hepatomegalia: 24%;

-Esplenomegalia: 19%;

-Anormalidades de fundo de olho: 34%.

 

Esta série de casos não encontrou lesões ósseas líticas e o envolvimento do pulmão, do rim, do intestino e da pele foram  observadas individualmente em cerca de 4% dos pacientes. A dosagem de crioaglutininas era positiva em 5% dos casos, mas sintomas de crioglobulinemia ocorreram em 1,5% dos casos.

 

Exames Complementares

Um estudo demonstrou os seguintes achados laboratoriais, em pacientes com Macroglobulinemia de Waldenstrom:

-Anemia: 38%;

-Neutropenia: 4%;

-Plaquetopenia menor que 50.000 cels/mm3: 2%;

-DHL aumentado: 11%;

-Beta 2-microglobulina: aumentada em 40%.

 

Os pacientes apresentam VHS significativamente aumentada, anemia moderada com esfregaço de sangue periférico com hemácias em “rouleaux” é frequente. A anemia é multifatorial e ocorre por alterações de síntese, sangramento, hemólise autoimune, entre outras causas. A Linfocitose e a Monocitose são frequentes. A função plaquetaria é alterada pela hiperviscosidade e o tempo de protrombina pode estar aumentado.

O aspirado e a biópsia de medula óssea mostram infiltrado linfoplasmocitário, o aspirado muitas vezes é hipocelular, enquanto a biópsia é geralmente hipercelular.

Para o diagnóstico é fundamental a detecção de proteína IgM monoclonal no soro. Idealmente, o nível de IgM deve ser medido por nefelometria e não apenas por eletroforese de proteínas, que costuma apresentar níveis menores do que os obtidos pelo primeiro método. Em pacientes com IgM maior que 4 g/dl é recomendada a determinação da viscosidade, que pode ser medida pelo viscosômetro de Ostwald. As cadeias leves são em 75% dos casos cadeias kappa.

Os pacientes podem apresentar alterações laboratoriais espúrias causadas por interferentes das proteínas monoclonais circulantes, que incluem valores falsamente baixos de valores altos de bilirrubina e fosfatos entre outras alterações.

 

Diagnóstico

A Macroglobulinemia de Waldenstrom apresenta critérios diagnósticos definidos, que incluem:

-Gamopatia Monoclonal IgM dosada no soro;

-10% ou mais de plasmócitos na medula óssea;

-Infiltrado linfoplasmocitário em medula óssea com imunofenotipagem típica, com expressão principalmente de CD19, Cd20 e CD24.

 

Eventualmente, a Macroglobulinemia de Waldenstrom pode sofrer transformação semelhante a de Richter, que ocorre em linfomas, se desenvolvendo  com níveis elevados de LDH, e má resposta à terapia. Outra variante na evolução é a chamada síndrome de Schnitzler, que é uma forma de urticária crônica associada à Gamopatia Monoclonal da classe IgM, e na maioria das vezes kappa. Sintomas associados incluem dor óssea, hiperostose esquelética, artralgia, linfadenopatia e febre intermitente. Alguns pacientes com Paraproteína IgM podem apresentar manifestações clássicas de Mieloma Múltiplo, o que é raro, ocorrendo em menos de 1% dos casos, neste caso a denominação é de Mieloma IgM e não Waldenstrom.

Um diagnóstico diferencial importante é com a Leucemia Linfocítica Crônica (LLC), que cursa com aumentos policlonais de gamaglobulinas. A diferenciação das duas condições pode ser realizada com imunofenotipagem.

Uma complicação da Macroglobulinemia é a amiloidose cujas manifestações são dependentes dos órgãos afetados e incluem síndrome nefrótica, cardiomiopatia restritiva, neuropatia periférica, hepatomegalia, macroglossia ou púrpura.

 

Tratamento

Alguns exames laboratoriais devem ser avaliados, antes da decisão de tratamento, o que inclui:

-Hemograma completo com diferencial, função hepática, renal e eletrólitos, eletroforese de proteínas séricas, dosagem de imunoglobulinas, sorologia para hepatite B e C;

-Biópsia de medula óssea.

 

São indicações para o tratamento:

-Pacientes assintomáticos: Considerar tratamento se valores de Hemoglobina menores que 10 g /dL e/ou plaquetas menores que 100.000 cels/mm3.

-Pacientes sintomáticos: Qualquer um destes sintomas caracterizam  indicação para tratamento, que incluem:

-Sintomas sistêmicos como fraqueza, febre, sudorese noturna, fadiga, perda de peso, neuropatia ou achados físicos como linfadenopatia, hHepatomegalia e/ou esplenomegalia ou alterações laboratoriais como anemia, trombocitopenia, neutropenia;

-Presença de hiperviscosidade;

-Neuropatia significativa.

 

O tratamento é principalmente para diminuir os sintomas, e a sobrevida média após o diagnóstico é de cinco anos, mas é muito variável conforme o estágio inicial que é dependente de níveis de Hemoglobina, níveis de IgM e Beta-2 microglobulina, conforme o especificado abaixo:

Estádio A: Beta-2 -microglobulina<3 mg/L e Hb =12.0 g/dL

Estádio B: Beta-2 -microglobulina<3 mg e Hb <12.0 g/dL

Estádio C: Beta-2 -microglobulina =3 mg/L e IgM =4.0 g/dL

Estádio D: Beta-2 -microglobulina =3 mg/L e IgM <4.0 g/dL

 

O uso de anticorpos monoclonais anti-CD20, que é o Rituximab é considerado a primeira linha de tratamento, o uso de Rituximab isolado é associado à resposta em cerca de 50% dos pacientes. Um estudo demonstrou que a combinação de rituximab com esquema quimioterápico CHOP (ciclofosfamida, doxorubicina, vincristina e prednisona) foi associado à maior taxa de resposta que o uso de rituximab isolado. Em pacientes pouco sintomáticos, a preferência é pelo uso isolado de rituximab. Outras possibilidades incluem combinação de dexametasona, rituximab e ciclofosfamida, ou bortezomib associado com rituximab e dexametasona ou a combinação de talidomida e rituximab.

Outra alternativa para tratamento inicial é o uso de quimioterapia sem associação com o rituximab. Neste caso, o clorembucil em dose de 2 a 8 mg por via oral/dia ou 0,7 mg/Kg dia com alteração de  dose para 0,2-0,3 mg/Kg nos próximos quatro dias, repetindo este esquema a cada 3 a 4 semanas. O clorambucil foi comparado com a fludarabina, sendo que esta última mostrou melhores resultados, sendo portanto uma melhor opção para a opção de tratamento quimioterápico isolado. Recentemente, o uso da cladibrina também demonstrou bons resultados, sendo que a medicação pode ser utilizada combinada a ciclofosfamida ou prednisona. Existem estudos em relação a sua combinação com rituximab.

Em casos refratários, várias opções são estudadas incluindo everolimis, alemtuzumba e imatinib e apesar da experiência limitada, o transplante de medula óssea pode ser uma opção.

Em pacientes com sintomas de hiperviscosidade significativa, principalmente se alterações neurológicas como estupor e coma, a indicação é de realização de plasmaférese, que apesar de não modificar a evolução a longo prazo da doença, melhora agudamente os sintomas de hiperviscosidade. Em pacientes com anemia sintomática, a transfusão de hemácias é indicada, assim como esplenectomia em pacientes com esplenomagalia doloroso ou hiperesplenismo significativo.

 

Fatores de Mau Prognóstico

A doença, conforme já comentado, tem curso indolente com sobrevida média após o diagnóstico de cinco anos. As causas de morte incluem Hiperviscosidade, Anemia, fenômenos hemorrágicos, Trombose ou Infecção. Já discutimos o estadiamento prognóstico da doença, mas merecem comentário alguns fatores que cursam com prognóstico pior:

-Hb< 9g/dl;

-Idade > 70 anos;

- Perda de mais de 10% do peso;

-Crioglobulinemia.

 

Referências

1-Rajukmar SV. Treatment and prognosis of Waldenström macroglobulinemia. Disponível em www.uptodate.com acessado em 29 denovembro de 2013.

2-Rajukmar VS. Epidemiology, pathogenesis, clinical manifestations and diagnosis of Waldenström macroglobulinemia. Disponível em www.uptodate.com acessado em 29 denovembro de 2013.

3- Fonseca R, Hayman S. Waldenström macroglobulinaemia. Br J Haematol 2007; 138:700.

4-Kipps TJ. Waldenstrom Macroglobulinemia. In Williams Textbook of Haematology 2012 disponível em medtextfree.

Comentários

Por: Raphael Moura Pereira de Brito em 06/09/2014 às 01:20:54

"Excelente revisão."

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