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Esteatose hepática não alcoólica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 02/10/2014

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Introdução e Definições

A esteatose hepática não alcoólica é a presença de acúmulo de gordura hepática, quando excluídas outras causas.

Historicamente, em 1957, foram descritas pela primeira vez alterações na histologia hepática compatíveis com o que é descrito hoje na literatura como esteatose hepática não alcoólica (EHNA), naquele ano o estudo de Thaler e colaboradores descreveu o achado de esteatose em hepatócitos, bastante semelhante ao encontrado em pacientes com hepatopatia alcoólica, mas em pacientes sem história de ingestão da bebida. Ainda não se correlacionou neste estudo este achado com as outras características da síndrome. Até 1975 a associação não era reconhecida como doença, mas neste ano foi descrita a associação de cirurgia para obesidade com aparecimento de esteatose hepática criando novo interesse pelo tema, já em 1979 foi descrita por Adler a relação entre o achado de esteatose hepática e cirrose em pacientes obesos.

Em 1980, pela primeira vez foi criado um termo específico para síndrome, quando Ludwig publicou a experiência da Mayo Clinic com pacientes obesas e com diabetes, desta feita o termo utilizado para descrição destes pacientes era de esteato-hepatite não alcoólica ou NASH (nonalcoholic steatohepatitis).

Os pacientes apresentavam lesões tipicamente macrovesiculares, o que ocorre à semelhança da esteatose da hepatite alcoólica devido ao acúmulo intracitoplasmático de triglicérides, e presença de corpos de Mallory, com degeneração em balão ou balonamento hepatocelular e necrose de hepatócitos com fibrose, similares, portanto às alterações histológicas, que são descritas em pacientes com esteatose secundaria ao álcool.

O termo acaba englobando um grande número de alterações, incluindo dede esteatose simples até a esteato-hepatite, com diferentes prognósticos e história natural, o tema apresenta um interesse crescente e um enorme número de publicações nos últimos anos. As anormalidades parecem se correlacionar com resistência à insulina e à síndrome metabólica, sendo um marcador não só de eventos hepáticos, mas também de eventos cardiovasculares.

A prevalência de esteatose hepática não alcoólica é muito variável entre diferentes populações, e é a maior causa de doença hepática em países industrializados. Nos Estados Unidos da América, a prevalência em adultos é de 10 a 46%, já a prevalência em populações asiáticas parece ser de 5-30% baseado nos resultados de pesquisa. Os estudos diferem muitos nos métodos de definir EHNA, alguns utilizando ultrassonografia e outros chegando a utilizar a biópsia hepática, de forma que é difícil estimar a real prevalência da doença. Um estudo com 126 adultos jovens saudáveis sem alterações de enzimas hepáticas encontrou em 20% dos pacientes alterações típicas de esteatose hepática não alcoólica, um segundo estudo avaliando pessoas envolvidas em acidentes aéreos encontrou prevalência de 16-24% de esteatose hepática não alcoólica, com a prevalência de esteato-hepatite de 2,1 a 2,4%. Este estudo incluiu apenas a tripulação dos aviões, excluindo os passageiros de forma que em teoria o viés de consumo alcoólico fosse minimizado.

A prevalência também é dependente da presença de fatores de risco na população estudada, em sub-população de pacientes obesos a prevalência nos estudos epidemiológicos chega a 57,5% a 74%, e mesmo em crianças com obesidade definida por peso acima do percentil 95 encontramos prevalência de 22,5% até 52,8%, porém se investigarmos todas as crianças encontraremos uma prevalência de apenas 2,6%. Já a síndrome metabólica é associada com risco 3,5 vezes maior do desenvolvimento de EHNA. Um grande estudo sugeriu ainda que a colecistectomia está associada com risco duas vezes maior de desenvolver EHNA.

O diagnóstico é realizado em sua maioria na quarta e quinta décadas de vida, os estudos não mostram uma relação clara de EHNA com sexo, com predominância do sexo masculino em alguns estudos e do feminino em outros. A EHNA é ainda mais frequente na população hispânica, comparada com caucasianos e brancos.

 

Definição

A esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) é definida por alterações histológicas hepáticas que se assemelham a doença hepática induzida por álcool, mas que ocorrem em pacientes que não apresentem consumo de álcool significativo. A doença inclui um amplo espectro de alterações histológicas desde esteatose simples, passando pela esteato-hepatite podendo evoluir até fibrose e cirrose. São considerados critérios para o diagnóstico da doença o seguinte:

 

-Demonstração de esteatose hepática por biópsia ou imagem (idealmente por biópsia);

-Exclusão de consumo de álcool significativo;

-Exclusão de outras causas de esteatose hepática.

 

A definição pressupõe o não consumo de álcool, existindo grande discussão na literatura. Qual seria o ponto de corte aceitável para não considerar o álcool como o responsável por este processo? A maior parte dos autores fala em consumo de até 20 gramas de álcool para homens e 10 gramas em mulheres.

A definição anatomo-patológica da presença de esteatose é gordura hepática excedendo de 5-10% do total do peso do órgão, quando em avaliação microscópica o critério é usualmente a presença de gordura em mais de 5-10% dos hepatócitos, a presença de esteato-hepatite é definida pela concomitância de processo inflamatório, que costuma ser misto, envolvendo tanto células mononucleares como plomimorfonucleares, outros achados característicos é a degeneração dos hepatócitos em balão e o aparecimento dos corpos de Mallory, ocorre posteriormente ao aparecimento de fibrose, que inicialmente é perivenular, mas depois envolve outras regiões.

A American Gastroenterology Association em 2002 publicou um consenso sobre o assunto, foram propostos então alguns critérios para realizar o diagnóstico desta entidade, que são os seguintes:

 

-Biópsia demonstrando esteatose, com degeneração em balão dos hepatócitos, outros achados possíveis são a presença de corpúsculos de mallory, fibrose pericelular entre outras alterações;

-Evidência de uso negligenciável de álcool definido por consumo de álcool menor do que 20 gramas ao dia;

-Ausência de evidência sorológica de hepatite B ou hepatite C.

 

É debativel se outras condições que podem afetar o fígado, como a doença de Wilson, hemocromatose, hepatite autoimune, entre outras devem ser descartadas também para rotular o paciente como apresentando esteatose hepática não alcoólica, mas apesar deste debate, a definição de consenso sugere apenas que se descarte as hepatites virais. Outros autores sugerem que seja incluída na investigação mínima a dosagem de ferro sérico, ferritina, gamaglobulina sérica e autoanticorpos para hepatite autoimune.

A doença foi classificada histologicamente em quatro estágios por Matteoni e colaboradores, em classificação que é adotada pela maior parte da literatura, que é descrita aseguir:

 

1-Esteatose;

2-Esteatose com presença de inflamação caracterizando a chamada esteatohepatite, ou NASH;

3-Esteatose hepática com degeneração em balão;

4-Presença de fibrose com corpos de mallory.

 

Os pacientes com estádio 3 e 4 apresentam progressão frequente para cirrose hepática, segundo o estudo de Manteoni, não existindo evidência definitiva de progressão de doença nos pacientes com estádio 1, 2, implicando na importância prognostica da biópsia hepática. Neste estudo quase 30% dos pacientes com estádio 4 evoluíram para cirrose, com cerca de 20% dos pacientes com estádio 3 apresentando este tipo de evolução, mas menos de 3% dos pacientes com estádio 1 e nenhum com estádio 2 apresentaram evolução para cirrose.

A esteato-hepatite também foi dividida em estágios de evolução desta, feita por Brunt e colaboradores, que propõe o seguinte:

 

1-Esteato-hepatite apenas em zona 3, com fibrose em veia pericentral, sinusoidal ou pericelular;

2-Fibrose em junção entre zonas 3 sinusoidal e na zona 1 com fibrose periportal;

3-Fibrose já em junção de zona 3 com zona 1;

4-Presença de nódulos regenerativos, indicando a presença de cirrose.

 

Esta classificação é evolutiva e obviamente por este motivo implica em prognóstico, a sua utilização é, todavia bem menor que a classificação de Manteoni.

 

Etiologia e Fisiopatologia

A fisiopatologia da esteatose hepática não alcoólica não é completamente conhecida, mas a resistência insulínica é o mais reprodutível fator que influencia o aparecimento de EHNA. Um estudo com 66 pacientes com esteato-hepatite não alcoólica, comparado com 36 pacientes com hepatite por vírus C, mostrou diferença significativa na presença de resistência à insulina nestes pacientes, deve-se considerar ainda que sabidamente a hepatite C cursa com aumento da resistência à ação da insulina, ainda assim a diferença foi muito significativa, outro estudo demonstrou aumento da resistência à ação da insulina mesmo em pacientes sem obesidade e dislipidemia. Pode-se observar em estudos que avaliaram a presença de resistência à insulina em EHNA que em 98% dos pacientes existe resistência aumentada à insulina.

O problema em determinar aumento da resistência à insulina é que o teste padrão-ouro para esta avaliação, que é o clamp-test, não é factível de realizar-se na prática clínica, necessitando de infusão de glicose e insulina, não sendo possível para rastreamento da doença e aplicável apenas em estudos clínicos, sendo ainda o teste invasivo e com necessidade de monitorização, mesmo após o final do teste devido ao risco de hipoglicemia tardia.

Outro método de demonstrar a presença de resistência à insulina é através do índice HOMAr (Homeostasis Model Assesment), que faz uma medida indireta da presença de resistência à ação da insulina, o HOMA apresenta a seguinte fórmula:

 

HOMAr  (avalia a resistência insulínica, normal (0,97-1)=

 

Insulina (mU/mL) x glicemia (mMol/L) / 22,5

 

Uma variante desta fórmula de mais fácil aplicação é a seguinte equação:

HOMA= Glicemia jejum\18 x Insulina jejum-22,5

 

Nesta variante, a glicemia de jejum é medida em mg/dL e a insulina em µU/ml facilitando a operação. O valor considerado como indicativo de resistência insulínica é variável de acordo com o autor e com o método de medida da insulina plasmática, sendo que a maior parte considera o corte em 1,0, como o que foi descrito no trabalho original de Matthews, desta forma valores superiores a 1,0 significam resistência aumentada à insulina.

A lesão primária para aparecimento da esteatose hepática e sua evolução é o aumento da gordura ou esteatose hepática. Esta lesão inicial é a chamada primeira fase da lesão, como proposto na teoria das duas fases ou “two hits”, que foi proposta por Day e James. Os pacientes com hiperinsulinemia e resistência à insulina vão apresentar alterações do metabolismo dos ácidos graxos que são as seguintes:

 

-Aumento da lipólise;

-Aumento da síntese de ácidos graxos e acúmulo de TG no hepatócito (este por inibição da beta-oxidação mitocondrial);

-Diminuição da exportação de TG sob a forma de VLDL (por reduzida produção de apolipoproteína B-100 que tem a função de remover ostriglicérides do fígado).

 

Desta forma, a resistência á insulina mediada por diferentes fatores como TNF-alfa, leptina e aumento de ácidos graxos livres, entre outros fatores levam ao aumento da captação de triglicérides e ácidos graxos pelo fígado, estes mesmos fatores dificultam a ação da insulina nos adipócitos com aumento da lipólise com consequente aumento de ácidos graxos livres disponíveis para serem captados pelo fígado. A hiperinsulinemia, através de vários fatores incluindo a diminuição da apoB 100 dificulta a remoção dos triglicérides do fígado de forma a possibilitar maior acúmulo de gordura nos hepatócitos. Os pacientes com resistência à insulina também apresentam aumento da lipase hormônio sensível, que também se associa com mobilização dos ácidos graxos dos adipócitos periféricos, a influência dos triglicérides advindos da dieta parece ser muito menor que os fatores já descritos.

Os ácidos graxos que ficam nos hepatócitos são metabolizados usualmente por oxidação mitocondrial e alternativamente por oxidação peroxissomal, em pacientes com resistência à insulina e com grande afluxo de ácidos graxos passam a ter metabolização realizada preferencialmente pela via de oxidação peroxissomal e pela ômega-oxidação mitocondrial que são vias alternativas que levam à maior produção de radicais livres. Esta oxidação preferencial por vias alternativas é parcialmente explicada pela indução dos citocromos CYP2E1 e CYP4A em detrimento ao citocromo CYP3A.

A oxidação por estas vias leva à produção de ácidos dicarboxílicos que também são potencialmente tóxicos para o fígado, pois servem como fonte para stress oxidativo que pode levar evolução para esteato-hepatite e fibrose via peroxidação dos lípides, citocinas, entre outros mecanismos. Estas alterações consistem na segunda fase da lesão ou “second hit”.

Este processo de peroxidação lipidica pode em última análise evoluir com síntese de colágeno pelas células estreladas com potencial para levar à apoptose e morte celular.

Além destas lesões, fatores pró-fibrogênicos influenciam a evolução para cirrose. A hiperinsulinemia cursa com aumento dos níveis de leptina, e acredita-se que em níveis elevados seja um fator sinérgico para a geração de fibrose hepática, a sobrecarga de ferro nestes pacientes também parece ser relacionada à maior progressão para a fibrogênese. A leptina também parece ser um fator associado com fibrogênese hepática.

Assim, estes pacientes precisam ter a presença de gordura nos hepatócitos, caso a metabolização desta gordura cause um processo inflamatório, os pacientes podem evoluir com esteato-hepatite, fibrogênese e eventualmente para cirrose hepática.

 

Outras causas potenciais de lesões histológicas associadas com esteatose hepática

A descrição na literatura de lesões esteatóticas é clássica nos pacientes com hepatopatia alcoólica, circunstância na qual inclusive o acúmulo de gordura, processo inflamatório e principalmente o aparecimento dos corpúsculos de Mallory são mais proeminentes do que em pacientes com EHNA. Apesar de estas  lesões serem características destas duas condições, aparece em outras situações o  uso de determinadas medicações e perda de peso rápida, também algumas doenças metabólicas e genéticas foram descritas associadas com este padrão histológico.

Pacientes com perda rápida de peso podem evoluir com progressão fulminante de quadros de esteato-hepatite. Um relato descreve o caso de uma mulher obesa que se recusou a se alimentar por semanas, esta paciente desenvolveu cirrose hepática fulminante falecendo após algumas semanas, também pacientes submetidos a cirurgia de ressecção intestinal ou cirurgias para obesidade, também podem apresentar rápida progressão de lesões hepáticas, um dos possíveis motivos para esta evolução é que estas cirurgias estão associadas com não absorção de micronurientes essenciais, como a colina, cujo déficit pode aumentar o estresse oxidativo, também em ressecções intestinais pode ocorrer supercrescimento bacteriano com produção de endotoxinas, que podem causar lesão hepática.

Dentre as medicações que podem causar alterações esteatóticas no fígado, deve-se destacar a amiodarona, que também parece ser associada com presença de gordura em outros órgãos como o pulmão, devido estas associações foi proposta uma classificação da esteatose hepática não alcoólica baseada em sua etiologia, que descrevemos a seguir:

 

esteatose hepática não alcoólica:

Primária

Associada com a síndrome metabólica

Associada a medicações: - Amiodarona

                                          - Perhexilina

                                          - Nifedipina

Secundária

Associada a procedimentos cirúrgicos: - Gastroplexia

                                                               - Bypass jejuno-íleal

                                                                - Ressecção de intestino delgado

                                                               - Derivação bileo-digestiva

Outras causas: - Abeta\hipobetalipoproteinemia

                         -Doença de Weber-Christian

                         -Nutrição parenteral com glicose

                         -Toxinas ambientais

                         - Diverticulose de intestino delgado                                                                                                         

 

Fatores de risco para progressão para cirrose

A maioria dos casos ocorre na faixa etária entre 40 e 60 anos de idade, ainda assim estudos em populações de adolescentes ou pré-adolescentes sugerem que a esteatose hepática não alcóolica é a maior causa de hepatopatia também nesta faixa etária.

O estudo de Angulo e colaboradores avaliou fatores de risco para progressão de esteatose para fibrose, desta forma conseguiu demonstrar fatores de pior prognóstico, que foram confirmados em outros estudos. São fatores associados com pior prognóstico:

 

-Idade>45 anos: Associada com risco 5,6 vezes maior de evolução para cirrose;

-Obesidade com IMC>30Kg\m2: Associado com risco 4,3 vezes maior para evolução para cirrose;

-Relação AST\ALT>1,0. Associado com risco 4,3 vezes maior para evolução para cirrose, este fato não é surpreendente, pois em pacientes com cirrose ocorre inversão desta relação com valores de AST maiores que ALT;

-Diabetes Mellitus tipo 2: Risco 3,5 vezes maior de evolução para cirrose.

 

Outros fatores que parecem apresentar relação prognóstica são a presença de altos níveis circulantes de triglicérides, o que é plausível, pois gera sobrecarga de gordura para os hepatócitos, e alguns estudos sugerem possível papel da sobrecarga de ferro, que poderia acelerar o processo de esteatose.

 

Quadro Clínico

A doença tipicamente acomete pessoas na quarta ou quinta década de vida, com a maioria dos pacientes assintomáticos na apresentação, sendo o diagnóstico sendo realizado por alterações detectadas em exames de rotina laboratoriais ou de imagem. Alguns pacientes referem fadiga generalizada, cuja relação com a doença não é bem determinada, descrição de leve dor em quadrante superior direito de abdômen ocorre em algumas séries, mas não costuma ser queixa espontânea.

Reid e colaboradores avaliaram séries de pacientes com esteatose hepática não alcoólica e verificaram que dependendo da série, de 48 a 100% dos pacientes são assintomáticos na apresentação, por outro lado fadiga em algumas séries chega a ser descrita em quase 70% dos casos e dor abdominal no hipocôndrio direito em até 50% dos pacientes diagnosticados com a doença, estes achados ilustram que a esteatose hepática não alcoólica não apresenta um quadro clínico característico, achados indicativos de síndrome metabólica e resistência insulínica podem ocorrer, como acantose nigricans e obesidade abdominal.

A única alteração marcante no exame físico dos pacientes com EHNA costuma ser hepatomegalia, que é encontrada em pouco mais de 25 % dos pacientes, com séries variando a sua presença de 5 a 80% dos casos. Outras alterações encontradas são as relacionadas à resistência aumentada a insulina, como acantose nigricans e obesidade abdominal, com circunferência abdominal superior a 102 cm em homens e 88 cm em mulheres, alterações relacionadas à doença hepática como icterícia, teleangiectasias são similares a outros pacientes que também evoluem com cirrose hepática, mas sabemos que apenas a minoria dos pacientes com esteatose hepática não alcoólica evoluem com cirrose.

 

Exames complementares

A alteração laboratorial mais comum é a elevação de ALT, embora a AST também esteja frequentemente elevada, na maioria das vezes detectados em exames de rotina para rastreamento de doenças ou durante o acompanhamento de pacientes com diabetes, hipertensão ou em programa para perda de peso, uma compilação de cinco estudos antigos realizados por Harrison e colaboradores descreveu que a media dos valores de AST e ALT era de 79 iU\l e 64 iU\L respectivamente, a AST, que tem origem em parte mitocondrial tem relação parcial com presença de inflamação e seus valores, assim como a relação AST\ALT correlacionam-se com inflamação, quando esta relação se inverte os estudos mostram pior prognóstico. Geralmente, as transaminases não excedem 2 a 3 vezes o valor de referência do limite superior da normalidade, com alguns pacientes apresentando níveis de transaminases normais. A fosfatase alcalina, por sua vez, pode estar aumentada até 2 a 3 vezes o limite superior da normalidade.

 Não existe teste laboratorial que faça a distinção entre NASH e EHNA, sendo as duas diferenciáveis apenas por critérios histológicos. Também não existe teste laboratorial que possa distinguir NASH de esteato-hepatite alcoólica. Entretanto, uma relação AST/ALT > 3 ou mesmo maior que 2 tem demonstrado ser um bom preditor de doença alcoólica.

Anormalidade no metabolismo do ferro tem sido demonstrada na NASH, com níveis de ferritina e saturação de transferrina maior que a população controle em 58 a 77 % dos pacientes com NASH.

Vários exames de imagem têm sido propostos para o diagnóstico de EHNA, com o objetivo de evitar a realização de um exame invasivo em pacientes, que apesar de risco de evolução para cirrose se encontram em sua maioria assintomática, comentaremos a seguir sobre estes diferentes exames:

 

Ultrassonografia: Esteatose causa aumento difuso na ecogenicidade. Joseph em 1991 descreveu sensibilidade de 89% e especificidade de 93%. Um segundo estudo com mais de 4000 pacientes descreve sensibilidade de 85% e especificidade de 94. O exame é extremamente dependente do radiologista que realiza o procedimento e é possível que na prática clínica sua performance seja inferior a estes números. O custo do exame é calculado segundo avaliação de um estudo de análise de custo em 420 dólares a mais gastos por cada paciente investigado com esta estratégia.

 

Tomografia Computadorizada: Demonstra menor densidade hepática quando se compara com a densidade do baço, a sensibilidade e especificidade também são relativamente baixas e agrega custos de aproximadamente 650 dólares nos pacientes investigados com esta estratégia.

 

Ressonância Magnética: Tem se mostrado promissora na detecção e graduação da esteatose. Sua sensibilidade pode ser otimizada quando se utiliza a técnica de spin-echo modificada (método de Dixon), que permite a separação de imagens de água e gordura. Fornece hipersinal em T1 em pacientes com esteatose hepática, as alterações, entretanto são inespecíficas e o exame agrega custos maiores que as outras duas modalidades de imagem. O exame ainda tem dificuldades em diferenciar EHNA do aparecimento de NASH.

 

Uma análise entre a performance dos diferentes exames de imagem na esteatose hepática é descrita na tabela abaixo:

 

Exames de imagem na esteatose hepática (custo em dólares)

TESTE

CUSTO

LIMITAÇÕES

USG

420$

Baixa sensibilidade e especificidade

CT

650$

Baixa sensilibidade e especificidade

RM

970$

Exame inespecífico

BX

415$

Procedimento invasivo

 

A avaliação do paciente com esteatose hepática implica nos seguintes passos:

-História e exame físico completo ® Detalhada história de álcool e medicações. Consumo de álcool < 20 g / dia.

 

-Exclusão de outras causas de doenças hepáticas (virais, HAI, hemocromatose, CBP, Doença de Wilson), além da realização de testes de função tireoidiana, alguns autores propõem que sejam investigados apenas as hepatites virais B e c sem necessariamente investigação de outras etiologias como hepatite autoimune e doença de Wilson.

 

-Estudos de imagem não são obrigatórios, mas devem ser considerados, especialmente se ALT elevada, para excluir doença extra-hepática.

 

-Dado à inabilidade de testes não invasivos detectarem inflamação subjacente ou fibrose, o diagnóstico definitivo requer a biópsia hepática. Com relação a este procedimento há na medicina ainda grande debate.

 

Diagnóstico diferencial

A doença deve ser diferenciada de outras causas de elevação de enzimas hepáticas, em particular com outras doenças hepáticas, que cursam com esteatose significativa, neste caso sendo o principal diagnóstico diferencial a hepatite alcoólica, eventualmente hepatites virais podem cursar com este padrão de lesão, mas este não é o habitual, outras doenças que podem manifestar-se com esteatose são a doença de Wilson e hepatites medicamentosas, como as causas por amiodarona, conforme já descrito neste capítulo.

 

Tratamento

A avaliação dos pacientes com esteatose hepática não alcoólica necessita de história e exame físico completo, nestes pacientes é necessário detalhada história do uso de álcool e medicações. Consumo de álcool menor que 20 gramas ao dia precisa ser estabelecido para o diagnóstico de esteatose hepática não alcoólica. A exclusão de outras causas de doenças hepáticas conforme já discutido, além da realização de testes de função tireoidiana são recomendados. São considerados os principais passos no manejo da EHNA:

 

-Perda de peso para pacientes obesos ou com sobrepeso;

-Vacinação para hepatite A e B;

-Tratamento de fatores de risco para doença cardiovascular;

-Evitar consumo de álcool;

-Suplementação de vitamina E, ou uso de agentes farmacológicos ( controversa a evidência para seu uso).

 

A recomendação de perda de excesso de peso e exercícios físicos devem ser preconizadas sempre, independente de o paciente apresentar transaminases normais ou não e independente do resultado histológico de biópsia hepática. Em pacientes obesos, a melhora laboratorial e histológica ocorre em praticamente todos os pacientes que apresentam perda de peso.

A velocidade da perda de peso é importante, pois como já descrito perda rápida de peso é descrita na literatura com evolução de esteato-hepatite grave e cirrose, com perda de peso de 0,5 Kg por semana em crianças e 1,6 Kg por semana em adultos tem sido preconizado. O uso de medicações para perda de peso, entretanto não foi apropriadamente estudado nesta população, um estudo preliminar usando orlistat para pacientes com NASH mostrou melhora na esteatose, inflamação e fibrose em seis dos oito pacientes estudados, nas biópsias de follow-up com seis meses de seguimento. Em relação à cirurgia bariátrica, foram realizados 18 estudos sobre seu efeito, com 11 com resultados benéficos, mas quatro estudos com piora histológica, com aparecimento de fibrose, este efeito provavelmente correlacionado com a velocidade da perda de peso.

O uso de medicações para tratamento de diabetes que sejam associados com diminuição de resistência insulínica, considerando a fisiopatogenia da doença, é atraente o uso de agentes que melhorem a sensibilidade à insulina e/ou reduzam a hiperinsulinemia, porém, até o momento os resultados são duvidosos. Um estudo realizado por Marchezini demonstrou benefício em melhora laboratorial em grupo pequeno de pacientes (20 pacientes tratados com 500 mg por três vezes ao dia). Outro estudo controlado com 36 pacientes com dieta restrita com ou sem metformina, com benefício histológico não significativo, por final um estudo com 55 pacientes usando metformina comparado com 28 pacientes usando vitamina E, com superioridade com uso da metformina, porém nenhum estudo com a metformina mostrou melhora histológica dos pacientes.

As tiazolidinedionas são agentes que estimulam o consumo de glicose pela musculatura estriada, reduzem a massa adipocitária central, promovem diferenciação dos adipócitos, alteram a massa mitocondrial e alteram a termogênese. A pioglitazona e a rosiglitazona, ambas já testadas em pacientes com NASH, mostraram melhora enzimática, de imagem, e histológica. O melhor estudo com as glitazonas foi especificamente com a pioglitazona em estudo publicado no New England Journal of Medicine com 55 pacientes com diabetes ou intolerância a glicose com NASH, os pacientes foram randomizados para receber dieta hipocalórica e pioglitazona ou dieta e placebo, ocorreu diminuição significativa nos níveis de transaminases, conteúdo de gordura hepático e de necroinflamação, mas não demonstrou alterações significativas em relação a fibrose hepática. O benefício com a pioglitazona parece ser perdido ao descontinuar a medicação, com um estudo demonstrando que com a interrupção da medicação ocorreu aumento de transaminases e piora histológica. Apesar destes resultados, os efeitos adversos associados com o uso das glitazonas, como ganho de peso e disfunção cardíaca, fazem com que elas não sejam recomendadas para uso nestes pacientes.

A vitamina E também é estudada para uso em pacientes com esteatose hepática não alcoólica. Diferentes estudos mostraram benefício histológico ou laboratorial nestes pacientes, o maior estudo utilizou dose de 800 unidades dia de vitamina E, com benefício principalmente na população de não diabéticos, a maior parte dos autores recomenda a utilização de vitamina E nestes pacientes.

O manejo da dislipidemia também tem sido estudado, um estudo utilizou gemfibrozil, demonstrando melhora enzimática após um mês de tratamento, porém sem dados histológicos. Em outro estudo foi utilizado atorvastatina 30 mg por dia, e apesar de não ter havido melhora enzimática significativa, uma biópsia de seguimento após um ano demonstrou melhora da EHNA, atividade necroinflamatória e fibrose. O probucol além de agir para controle da dislipidemia,  também tem efeito antioxidante, a dose utilizada foi de 500 mg ao dia por seis meses, foram randomizados 30 pacientes para usar a medicação ou placebo, destes 27 completaram o estudo, a melhora dos níveis de transaminases foi associada com o tratamento.

O ácido ursodesoxicólico foi avaliado em pequenos estudos, em um ocorreu melhora da ALT, mas sem análise histológica. O maio estudo com a medicação com 185 pacientes falhou em obter melhora laboratorial e histológica.

 A betaína é uma medicação que aumenta os níveis de S-adenosilmetionina, este aumento é associado com diminuição do estresse oxidativo, em um estudo com 55 pacientes houve melhora histológica, mas sem melhora de marcadores de inflamação hepática ou estresse oxidativo de forma que o benefício permanece incerto.

A N-acetilcisteína também diminui o estresse oxidativo celular, pois eleva os níveis de glutationa nos hepatócitos, a medicação foi usada em dose 1 g dia por três meses com melhora laboratorial, também a pentoxifilina devido seu efeito anti-TNF-alfa está sendo recentemente estudada e em um estudo com 55 pacientes e demonstrou melhora histológica.

Com exceção da dieta e perda de peso, ainda não está bem estabelecido outros tratamentos para esta situação, a American Gastroenterology Association recomenda as seguintes medidas para estes pacientes:

 

-Perda de 10% do peso;

-Objetivo da perda de peso é de 0,5-1,0 Kg por semana;

-Em pacientes diabéticos objetivo de manter a  HbA1C menor que 7,0%;

-Ainda não existe tratamento específico para esta condição;

-Outras opções medicamentosas incluem vitamina E, ácido ursodesoxicólico e agentes farmacológicos associados com diminuição da resistência á insulina.

 

Referências Bibliográficas

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