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Uso da eritropoetina em pacientes com doença renal crônica e neoplasias

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 20/11/2014

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Introdução

A eritropoetina é um hormônio glicoproteico produzido nos rins como resposta à diminuição da oxigenação tecidual, que é fator regulador da eritropoiese. Representa o principal hormônio regulador da eritropoiese e atua através de estímulo à proliferação e divisão das células progenitoras das hemácias na medula óssea, transformando a unidade de colônia formadora de eritrócitos em pró-eritroblasto. Na ausência da eritropoietina, esta unidade não se desenvolve e acaba sendo destruída. 

Em pacientes adultos, a sua produção ocorre em mais de 90% nos rins, mas durante o desenvolvimento fetal esta produção ocorre predominantemente no fígado, mas antes do nascimento esta produção passa a ser realizada pelos rins. Em algumas circunstâncias, pode ocorrer produção aumentada deste hormônio no fígado em pacientes adultos, associada às neoplasias hepáticas.

A eritropoetina recombinante humana foi desenvolvida a partir da clonagem de seu gene, sendo relatado o desenvolvimento da medicação pela primeira vez em 1986 por Sieff. 

A eritropoetina humana recombinada foi originalmente desenvolvida para tratamento da anemia associada à doença renal crônica, sua eficácia nesta indicação foi demonstrada pela primeira vez por Winearls e colaboradores, em 10 pacientes com insuficiência renal crônica em programa de hemodiálise. Posteriormente, em 1987, dois outros estudos foram publicados no New England Journal of Medicine demonstrando a eficácia da medicação em número maior de pacientes.

Em 1989, o FDA aprovou o uso da eritropoetina recombinante humana para esta indicação. Desde então seu uso nesta indicação se tornou firmemente estabelecido e guidelines foram estabelecidos para este fim. Comentaremos posteriormente, de forma breve,  o uso da medicação nesta indicação e os níveis de hemoglobina e hematócrito objetivados com este tratamento.

Após ser determinado seu uso com sucesso nesta indicação, a medicação há pouco mais de uma década tem sido usada para tratamento da anemia em outras condições, como anemia associada à síndrome mielodisplásica, aplasia de medula e há pouco mais de uma década em anemia em pacientes com câncer.

 

Pacientes com insuficiência renal crônica

Anemia normocítica e normocrômica está associada à redução de clearance de creatinina; começa a ser vista a partir do estádio 3 (clearance de 30 a 59 mL/min) e é universal nos estádios 4 e 5 (clearance menor que 30 mL/min). A causa principal é a redução da produção de eritropoietina pelo epitélio tubular.

 

Outros fatores contribuintes são:

• deficiência de ferro (muitas vezes, por perdas pelo TGI);

• deficiência de folato;

• resposta inflamatória sistêmica (anemia de doença crônica).

 

A anemia deve ser tratada, haja vista que está associada a uma série de fatores que podem contribuir para pior qualidade de vida e aumento do risco cardiovascular (aumento do débito cardíaco, hipertrofia do miocárdio, insuficiência cardíaca, angina, dificuldade em concentração etc.), o benefício do uso da medicação nesta situação foi demonstrado em inúmeros estudos que não serão discutidos, pois fogem ao escopo desta revisão.

Antes de iniciar a medicação deve-se monitorar os estoques de ferro, sendo indicada a reposição de ferro se saturação de transferrina menor que 20% ou ferritina menor que 100ng\ml. O objetivo do tratamento é manter os níveis de hemoglobina entre 11-12g\dl ou hematócrito entre 33-36%, alguns investigadores, entretanto, imaginaram que poderia haver benefícios adicionais em modificar a terapia com alvos de hematócrito de 42%, que poderiam estar associados com melhora da sensação de bem-estar. Um grande estudo publicado no New England Journal of Medicine em 1998 tentou responder esta questão, com 1200 pacientes em diálise crônica, que foram divididos em dois grupos, um com terapia convencional objetivando manter hematócrito entre 33-36% e o outro grupo com objetivo de manter o hematócrito em 42%. Um resultado inesperado foi encontrado com aumento de mortalidade no grupo com objetivo de níveis mais altos de hematócrito, com aproximadamente uma morte a mais a cada seis pacientes após 30 meses de seguimento.

Este tema foi novamente revisitado em dois outros estudos publicados no New England J Med em 2006. O estudo de Singh demonstrou que no grupo com alvo de Hb de 13,5 g\dl, comparado com o grupo com objetivo de manter Hb em torno de 11,3 Hb\dl ocorreu aumento de mortalidade sem melhora da qualidade de vida dos pacientes. O estudo de Drueke também não demonstrou benefício em tratamento objetivando níveis mais altos de hematócrito.

 

Anemia em pacientes com câncer

Anemia é uma complicação comum do câncer e de seu tratamento, pode prejudicar a performance funcional, diminuir reserva fisiológica e predispor a fadiga com piora da qualidade de vida.

A anemia em pacientes com neoplasias é frequentemente multifatorial em sua origem incluindo mielotoxicidade e nefrotoxicidade associada à quimioterapia, à hemólise e à perda sanguínea.

Pacientes com câncer apresentam níveis anormalmente baixos de eritropoetina e a resposta da eritropoetina para corrigir a anemia é diminuída em pacientes recebendo quimioterapia, por este motivo esta medicação foi estudada na última década em pacientes com câncer e anemia relacionada à quimioterapia.

A eficácia para tratamento da anemia em pacientes com câncer foi investigada em vários estudos comparativos e não comparativos. Estes estudos envolveram pacientes com mais de 18 anos com neoplasias não mieloides com anemia com Hb<11,0g\dl .Os desfechos estudados incluíram principalmente necessidade de transfusão e níveis de hemoglobina,os estudos realizados com dose semanal de eritropoetina demonstraram superioridade em relação ao placebo,com os pacientes recebendo eritropoetina necessitando significativamente menos de transfusões que os pacientes do grupo placebo,assim como os níveis de hemoglobina que se mantiveram mais altos nos pacientes em uso da medicação,também escores de qualidade de vida apresentaram discreta melhora,mas não ocorreram diferença em mortalidade e duração média de sobrevida sem progressão de doença. Esquemas com três doses semanais também demonstraram resultados semelhantes sem aumentar mortalidade.

Em uma meta-análise realizada pelo National Institute of Câncer com 9353 pacientes em 57 estudos para prevenção ou tratamento da anemia relacionada à quimioterapia,o tratamento com a eritropoetina foi associada com diminuição de 36% do risco de necessidade de transfusões sanguíneas e melhora da resposta hematimétrica, por outro lado foi associada com aumento do risco de eventos tromboembólicos com risco relativo de 1,67,sendo portanto necessário cuidado ou até mesmo contraindicado em pacientes recebendo quimioterapia com potencial trombogênico.Outra meta-análise demonstrou discreta melhora da qualidade de vida com o tratamento de anemia com eritropoetina. Em 2012, uma meta-análise realizada pela Cochrane chegou às seguintes conclusões:

-A eritropoetina reduziu o risco de transfusões em 35% nestes pacientes;

-O risco de tromboembolismo aumentou em 52% nestes pacientes, houve também aumento do risco de HAS;

-A qualidade de vida em escores específicos apresentou melhora, mas os estudos sugeriram que o uso de agentes estimuladores da eritropoiese é associado com aumento de 17% na mortalidade geral destes pacientes.

 

Estas conclusões foram semelhantes à de uma análise da Agency for Healthcare reserach and Quality, que verificou ainda que o risco de tromboembolismo e morte diminuía quando a indicação da eritropoetina ocorria apenas quando níveis de hemoglobina se tornavam menores que 10 g/dl, não foram encontradas diferenças entre o uso da darbopoetina ou eritropoetina.

Estes estudos determinaram um padrão de tratamento para pacientes, o consenso elaborado pelo National Comprehensive Cancer Network (NCNN) sugere fortemente o uso de eritropoetina em pacientes sintomáticos com Hb<10g\dl e sugere ainda seu uso para pacientes sintomáticos com Hb<11g\dl. O consenso da American Society of Clinical Oncology e da American Society of Hematology por sua vez sugere o uso da eritropoetina em pacientes com Hb<10g\dl e para pacientes com Hb entre 10-12g\dl deixa esta conduta como opcional, pois seu benefício não pode ser determinado com as evidências mais recentes. O consenso da European Organisation for Research and Treatment of Câncer apresenta recomendações semelhantes às da NCNN.

Alguns estudos foram realizados para verificar eficácia dos agentes estimuladores da eritropoiese em pacientes com câncer ainda sem anemia, embora níveis de hemoglobina ficassem maiores nesses pacientes, ocorreu aumento de eventos adversos, de forma que no momento não se pode recomendar o uso destes agentes antes de que o paciente apresente níveis hematimétricos alterados.

 

Referências

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