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Ruptura espontânea de esôfago Síndrome de Boerhaave´s

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 23/01/2015

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A ruptura espontânea do esôfago (Síndrome de Boerhaave) é uma ruptura completa da parede esofágica, que ocorre na ausência de patologia pré-existente. O seu aparecimento é secundário a um aumento súbito da pressão intraesofágica, combinado muitas vezes ao aumento de pressão intratorácica negativa, geralmente durante episódios de vômitos. A região pósteroinferior esquerda do esôfago é  frequentemente afetada, em particular a 2-3 cm da junção gastroesofágica, a ruptura pode ser extensa com vários cm de comprimento. Outros fatores associados com a ruptura de esôfago são ingestão de soda cáustica, esofagite medicamentosa aguda, esôfago de Barret, doenças infecciosas esofágicas associadas à SIDA e dilatações esofágicas. Historicamente, foi descrita ainda no século XVIII por Herman Boerhaave, por este motivo denominada de síndrome de Boerhaave´s.

 

Achados clínicos

Os sintomas da ruptura esofágica são muitas vezes inespecíficos, mimetizando patologias mais comuns. Em uma análise retrospectiva de pacientes com perfuração esofágica, o diagnóstico inicial foi correto em apenas 17 de 51 pacientes (33,3%), sendo sintomas mais comumente atribuídos à pneumonia, ao pneumotórax espontâneo, ao infarto do miocárdio,à embolia pulmonar, e a  outras patologias do aparelho gastrointestinal.

Uma revisão de literatura encontrou associação com etilismo significativo em 40% dos pacientes. Uma história de doença ulcerosa péptica é descrita em pouco mais de 40% dos pacientes. Os sintomas mais comumente encontrados foram dor retroesternal, que apareceu em 83% dos casos e usualmente é excruciante, vômitos são descritos em cerca de 40-77% dos pacientes e choque ocorre na entrada no serviço de emergência em cerca de 30% dos casos.

O exame físico não acrescenta muitos dados para o diagnóstico, sendo o enfisema subcutâneo o achado mais importante, embora ocorra em apenas 29-60% dos casos e um achado relativamente específico e que deve servir como alerta imediato da possibilidade diagnóstica. Sinais de derrame pleural podem aparecer sendo mais frequentes à esquerda, derrame pericárdico também já foi descrito em associação com a ruptura de esôfago. Outros achados de exame físico incluem taquicardia, taquipneia, febre e choque.

Historicamente, a ruptura de esôfago espontânea era difícil de diagnosticar, com menos de 70% dos casos com sinais físicos de enfisema cirúrgico em exame físico e radiografias de tórax, muitas vezes inconclusivas. Recentemente, com o acesso à tomografia computadorizada com contraste oral e intravenoso se permite diagnóstico precoce e preciso.

A ruptura espontânea do esôfago resulta em imediata contaminação das cavidades pleurais e do mediastino pelo conteúdo gástrico, podendo ocorrer uma mediastinite a princípio química e posteriormente bacteriana. O tempo entre o evento, o diagnóstico e o tratamento é crítico para minimizar a resposta inflamatória e morte por sepse. Uma revisão sistemática de 726 pacientes mostrou que os atrasos no tratamento por mais de 24 horas foram associados a uma duplicação da taxa de mortalidade, em pacientes não tratados a taxa de mortalidade se aproxima de 100% ,de forma que há confusão com outros diagnósticos, como embolia pulmonar com o início do tratamento (tal como anticoagulação) que pode resultar em atrasos e tratamento inapropriado, o que piora o prognóstico.

A história clássica da ruptura esofágica é de vômitos após excessos na comida ou álcool seguido por dor torácica retroesternal grave. No entanto, esta ocorre em apenas cerca de metade dos casos, a dor pode ser unilateral, irradiar para o ombro ou braço esquerdo, ou ser pleurítica em natureza.

Uma história de vômito, entretanto, não pode ser invocada para o diagnóstico preciso, pois este sintoma está ausente em 23% dos casos, mesmo na série em que foi mais prevalente.

 

Epidemiologia

A evidência é limitada, mas um estudo da Islândia mostrou uma incidência padronizada de 3,1 casos /1 milhão habitantes por ano. De acordo com estatísticas hospitalares, houve 340 internações por ruptura esofágica durante 2005/2006 na Inglaterra, mas não se sabe qual a proporção destes casos é espontânea. Estudos anteriores sugeriram que um terço das rupturas esofágicas são espontâneas.

 

Exames complementares

Uma radiografia do tórax é anormal na grande maioria dos casos. O achado mais precoce e frequente é a presença de ar livre no mediastino ou peritônio. Em pacientes com perfurações esofágeas cervicais, pode aparecer ar em tecidos moles. Após algumas horas a dias do evento inicial, a radiografia pode mostrar um infiltrado ou uma efusão pleural em até 90% dos pacientes, sendo o derrame pleural mais frequente no lado esquerdo por conta  da predominância de perfurações que ocorrem na parede esofágica pósterolateral esquerda e pode ainda ser encontrado aumento do mediastino e enfisema subcutâneo. Contudo, estes sinais não são exclusivos para o diagnóstico de ruptura esofágica. Tomografia computadorizada de tórax e abdômen, com contraste oral solúvel, é recomendada para o diagnóstico.

O esofagograma com contraste oral solúvel (Gastrografin) pode mostrar o local e a extensão da perfuração através da verificação do extravasamento do contraste, resultados falso negativos ocorrem, entretanto, em 10% dos casos. O uso do exame baritado, embora superior para detectar a perfuração, pode ser associado com complicações inflamatórias pelo extravasamento do contraste e inicialmente deve ser evitado, sendo indicado quando da necessidade de definir melhor local de extravasamento para a intervenção cirúrgica.

A endoscopia digestiva alta também pode ser considerada em mãos experientes, especialmente quando o local da perfuração é identificado  a partir da imagem. O seu uso ainda gera controvérsias, pois tanto o endoscópio como o ar insuflado durante o procedimento tem o potencial de aumentar a perfuração.

A tomografia computadorizada é um exame sensível e específico para o diagnóstico, podendo mostrar edema de parede esofágica, fluido paraesofageano com ou sem bolhas de gás, pneumotórax ou efusões pleurais ou ar em retroperitônio ou em tecidos moles.

As evidências sobre o diagnóstico desta condição são limitadas a pequenas revisões retrospectivas e séries de casos, assim os valores preditivos para estas investigações não são mensuráveis.

 

Manejo

O manejo inicial inclui cuidados de suporte, reposição volêmica, administração de antibióticos intravenosos e antifúngicos, se necessário.

A indicação de tratamento cirúrgico ou conservador depende da extensão e do local da perfuração, também é importante verificar se a perfuração está tamponada ou não, em perfurações cervicais é possível realizar tratamento conservador, enquanto em perfurações torácicas o tratamento cirúrgico é quase sempre indicado.

O tratamento conservador se caracteriza por sondagem nasogástrica, com sucção de seus conteúdos, uso de antibióticos intravenosos, além de nutrição parenteral. Em pacientes com abscessos ou efusões é necessária a drenagem dos mesmos, existem relatos de drenagem endoscópica de abscessos mediastinais, mas antes de maiores estudos não se pode fazer esta recomendação.

O tratamento cirúrgico tem indicação formal em pacientes com perfuração livre, idealmente em 24 horas, pois em séries antigas a cirurgia atrasada implicava em mortalidade de 30 a 50% dos casos. A escolha da abordagem cirúrgica depende do tipo de lesão, em pacientes com perfuração associada às lesões estenóticas, usualmente ressecção esofágica é necessária, caso não seja o caso, o reparo primário é indicado nas primeiras 12 horas do evento, principalmente, a via pode ser torácica embora reparo via transabdominal seja descrito, ainda é importante como parte do tratamento cirúrgico a drenagem de abscessos, na maioria das vezes por toracotomia.

A abordagem minimamente invasiva pode ser tentada, mas só pode ser indicada em pacientes completamente estáveis e com infecção ainda em controle relativo.

Outra possibilidade é a colocação de stent esofágico por via endoscópica, um estudo retrospectivo com 88 pacientes mostrou que o procedimento foi eficaz em pacientes estáveis e com poucas complicações, com resolução de 78% das perfurações. Um problema potencial é migração do stent. Seja qual for o tratamento escolhido, a nutrição apropriada deve ser sempre abordada, e caso não seja possível a alimentação por via esofágica, deve-se considerar ainda no momento cirúrgico a realização de jejunostomia.

 

Referências

1-Blencowe NS ET AL. Spontaneous oesophageal rupture. BMJ 2013; 346:i3095.

 

2- Herbella FA, Matone J, Del Grande JC. Eponyms in esophageal surgery, part 2. Dis Esophagus 2005; 18:4.

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