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Pneumonia por aspiração e abscesso pulmonar

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 07/06/2016

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A aspiração de conteúdo da orofaringe é um evento relativamente comum em adultos e normalmente se resolve sem maiores complicações. Porém dependendo da quantidade e do conteúdo aspirado pode ocorrer um processo inflamatório com complicações. A pneumonia por aspiração, ou pneumonia aspirativa, é uma infecção do espaço alveolar resultante da inalação de material patogênico da orofaringe. Por outro lado, a pneumonite química é uma lesão inflamatória da árvore brônquica e do parênquima pulmonar que ocorre a partir da inalação de conteúdo gástrico estéril. Os pacientes com quadro de pneumonite química por aspiração podem desenvolver pneumonia aspirativa devido à quebra da defesa pulmonar por mecanismos provocada pela irritação química.

O abscesso pulmonar é uma complicação comum das pneumonias aspirativas, sendo definido como um processo necrotizante supurativo localizado que ocorre no parenquima pulmonar. O abscesso tipicamente é causado por uma infecção bacteriana pulmonar supurativa secundária a uma pneumonite. O abscesso pulmonar também pode ser causado por bactérias que infectam uma área de infarto pulmonar ou como  resultado de uma infecção de um cisto pulmonar. Outras causas de lesões pulmonares cavitárias incluem infecções fúngicas, infecções parasitárias, doenças inflamatórias e neoplasias primárias e metastáticas.

A incidência de abscesso pulmonar diminuiu dez vezes ao longo das últimas quatro décadas, presumivelmente secundária a uma melhora do tratamento para pneumonia. A mortalidade de abscessos pulmonares também diminuiu, mas continua a ser entre 2 a 10 por cento para abscesso pulmonar adquirido na comunidade, mas de até 60 por cento para abscesso pulmonar adquirido no hospital.

 

Epidemiologia

A incidência exata de pneumonia por aspiração é díficil de quantificar. Estima-se que representa de 5 a 15 por cento das pneumonias adquiridas na comunidade (PAC), até 20 por cento em idosos e  aos cuidados de saúde, maioria dos casos de pneumonias. A verdadeira incidência da pneumonia por aspiração pode ser maior, devido à observação de que aproximadamente 50 por cento dos adultos normais e 70 por cento dos idosos apresentam aspiração durante o sono. De fato, a via infecciosa da maioria dos quadros de pneumonia é por microaspirações de conteúdo de vias aéreas superiores com quebra de barreira, mas o termo pneumonite aspirativa  se reserva à aspiração de quantidade maior de aspirado pela orofaringe.

Uma população com alto risco de pneumonia por aspiração é a do paciente em estado crítico e com antecedente de doença do refluxo gastroesofágico, pois a posição de decúbito dorsal prolongado, gastroparesia, entubação endotraqueal, suporte ventilatório e sondas nasogástrica, ou orogástrica,  predispõe a aspiração.

Pneumonite por aspiração é geralmente associada a um nível deprimido de consciência, o que permite a regurgitação de conteúdos gástricos e inibição  dos reflexos das vias aéreas superiores de proteção e prevenção da aspiração.

O paciente usualmente é jovem, tem um estado mental alterado devido ao uso de drogas recreacionais, ou terapêuticas, e regurgita um volume significativo do conteúdo gástrico.

 

Fatores de risco para aspiração

A colonização da orofaringe com bactérias patogênicas ou condições que prejudicam a deglutição facilitam a ocorrência de aspiração. A incidência de aspiração é maior em pacientes com demência ou acidente vascular cerebral e o risco de infecção é agravado pela má higiene bucal, levando à colonização da orofaringe, à colocação de sonda nasogástrica, ou gástrica, e ao uso de sedativos e drogas neurolépticas. Embora muitos destes pacientes tenham evidência de aspiração com disfagia ou vômitos, ou tosse enquanto comem, até um terço dos pacientes apresenta aspiração silenciosa, sem evidências de tosse ou vômito. A presença de tosse ao alimentar-se é bastante sugestiva de evento aspirativo.

A aspiração tem um impacto significativo na morbilidade e mortalidade em pacientes em instalações de cuidados de longo prazo. Um estudo demonstrou que cerca de 10% das pneumonias adquiridas na comunidade tinham um relato confiável de um evento de aspiração, já nas pneumonias associadas aos cuidados de saúde, esse número era acima de 30% dos casos.

A avaliação da presença de disfagia é obrigatória nesses pacientes já que  podem ter episódios de aspiração silenciosos. Alguns autores sugerem ingestão de 10 ml de fluído e avaliação com oximetria de pulso, caso ocorra diminuição da saturação de oxigênio o evento é sugestivo de aspiração.

Outros fatores associados incluem alteração mecânica do fechamento glótico por sonda nasogástrica ou enteral, traqueostomia, broncoscopia, e outros procedimentos, e anestesia faríngea além de outras condições, como vômitos. A tabela 1 cita os principais fatores de risco para pneumonite aspirativa e pneumonia aspirativa.

 

Fisiopatologia

O desenvolvimento de pneumonia por aspiração depende do volume e do pH do conteúdo aspirado. O consenso geral é que a aspiração de conteúdo gástrico com um pH inferior a 2,5 e um volume de 0,3 a 0,4 ml / kg (20 a 30 ml em adultos) é necessário para desenvolver a pneumonite química, embora mais comumente o volume aspirado em pneumonites químicas varie de 1 a 4 ml/Kg. A lesão produzida pela aspiração de ácido é inicialmente por um efeito direto, corrosivo, seguido por uma resposta inflamatória que atinge seu pico em 4 a 6 horas, inicialmente ocorre atelectasia (com minutos), depois hemorragias peribrônquicas e edema, após 48 horas pode ocorrer o desenvolvimento de membrana hialina. Muitos dos sintomas de aspiração são explicados pela resposta inflamatória ao material infeccioso ou irritante. Citocinas pró-inflamatórias aumentam a permeabilidade capilar e levam à presença de fluído e células inflamatórias na área de irritação. Essas reações podem se manifestar clinicamente como tosse, dor torácica pleurítica, febre e achados radiológicos. A aspiração de material sólido ou muito viscoso bloqueando as vias aéreas pode resultar em asfixia.

O potencial para aspirar bactérias patogênicas é aumentado em pacientes com doença periodontal, com colonização crônica das vias aéreas superiores e condições como obstrução do intestino delgado. A árvore traqueobrônquica é normalmente capaz de lidar com pequenas quantidades de conteúdo aspirado da orofaringe, pois as células mucociliares transportam o aspirado de volta até a orofaringe, onde é expectorado ou ingerido. Os macrófagos alveolares, leucócitos polimorfonucleares, ou linfócitos, podem destruir partículas infecciosas que são pequenas o suficiente para atingir os alvéolos. A aspiração de alimentos, líquidos ou produtos químicos, sujeira, areia, ou outros objetos resultará em ferimentos mecânicos ou químicos para esses mecanismos de defesa e predispor os pulmões a infecções.

O abscesso pulmonar geralmente é causado por um colapso dos mecanismos de defesa pulmonares. Um abscesso pulmonar secundário a pneumonia por aspiração demora cerca de 8 a 14 dias para se formar depois do evento de aspiração. As bactérias anaeróbicas são os agentes mais comuns isolados nos abscessos pulmonares em pacientes imunocompetentes. As bactérias aeróbicas são encontradas em abscessos pulmonares em imunocomprometidos e incluem S. aureus, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, P. aeruginosa, Streptococcus pyogenes, P. pseudomallei, H. influenzae, Pneumophillia Legionella, Nocardia asteroides, Actinomyces e raramente os pneumococos.

As condições médicas que predispõem ao desenvolvimento do abscesso pulmonar incluem as condições que predispõem a pneumonia por aspiração, incluindo a má dentição, doença gengival, alcoolismo crônico, fragilidade crônica com contraturas de extensão do pescoço e alteração do estado mental. Os abscessos pulmonares ocorrem normalmente nos segmentos basais de lobos inferiores ou nos segmentos posteriores dos lobos superiores. Quando abscessos ocorrem na porção anterior dos pulmões, uma neoplasia deve ser considerada mais provável. Neoplasias malignas abscedadas representam 8 a 18% dos abscessos pulmonares em todas as idades, mas a porcentagem está mais perto de 30 por cento naqueles com mais de 45 anos.

 

Tabela 1 -  fatores de risco para pneumonia aspirativa e abscesso pulmonar

 

Uso de álcool e drogas ilícitas

Overdose de drogas terapêuticas

Uso de drogas sedativas

Sedação

Anestesia geral

Doenças neurológicas agudas, especialmente com  o envolvimento do tronco cerebral com disfagia

Traumatismo craniano

Doenças neurológicas crônicas com comprometimento de consciência, principalmente a demência

Funções glóticas prejudicadas

Intubação emergencial

Doença periodontal e má higiene oral

Refluxo gastroesofágico

Dismotilidade esofágica ou obstrução

Sondas nasogástrica e orogástrica

Fístula traqueobrônquica

Idade avançada

Debilidade crônica

Contraturas com extensão do pescoço

Uso de bloqueadores H2, inibidores da bomba de prótons (aumento da colonização gástrica ou esofágica)

 

Microbiologia

As pneumonites aspirativas são um processo inflamatória sem infecção associada, inicialmente. No caso das pneumonias aspirativas, as espécies de bactérias tipicamente isoladas incluem Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Enterobacterias na pneumonia por aspiração adquirida na comunidade, e a pseudomonas aeruginosa e organismos gram-negativos na pneumonia adquirida no hospital. As bactérias anaeróbicas apresentam um papel significativo na pneumonia por aspiração, mas estudos realizados na década de 1990, usando técnicas de coleta especiais, demonstraram que os agentes anaeróbios não são encontrados frequentemente nas culturas de vias aéreas inferiores em pacientes com pneumonia. Isso pode ocorrer parcialmente devido à dificuldade desses micro-organismos serem identificados em culturas. Quando utilizando exames com aspiração com agulha via transtorácica, aspirados transtraqueais e líquido pleural, os anaeróbios são isolados em 60-90% dos casos com fatores de risco para doença anaeróbia com doença periodontal, expectoração pútrida e abscesso pulmonar. Os agentes anaeróbicos mais frequentemente isolados incluem peptoestreptococos, fusobacterium, prevotella e bacteroides.

 

Achados clínicos e de exames complementares

Os achados clínicos são relativamente semelhantes aos da pneumonia adquirida na comunidade, mas a evolução é mais arrastada e calafrios são relativamente incomuns. As manifestações dependem das comorbidades associadas, tempo da aspiração e bactérias envolvidas. São características da pneumonia por aspiração:

 

-Sintomas indolentes;

-Fator predisponente para aspiração;

-Ausência de calafrios;

-Expectorado raramente com recuperação de agentes microbianos;

-Odor pútrido no escarro;

-Doença periodontal frequente (associada com abscesso);

-Necrose pulmonar vista em exames de imagem (TC tórax) e empiema é frequente.

 

Os sintomas clínicos de pneumonia por aspiração incluem febre, dispneia e tosse produtiva. Outros sintomas de infecção sistêmica nos pacientes idosos e debilitados podem estar presentes, incluindo uma alteração no estado mental, letargia ou náuseas e vômitos.

O exame físico pode revelar sinais clássicos de pneumonia como taquicardia, taquipneia, febre, estertores, ou diminuição do murmúrio vesicular. Pacientes com doença pulmonar subjacente podem apresentar descompensação rápida e têm mais sintomas e sinais de desconforto respiratório.

A aspiração presenciada, ou suspeita de aspiração, é uma característica fundamental no diagnóstico de pneumonia por aspiração. A aspiração testemunhada de material sólido ou líquido, enquanto se come, durante um procedimento terapêutico, ou depois de submerso ao nadar ou trabalhar em água é um achado sugestivo. Outro achado cardinal das pneumonias aspirativas é a associação com o fator precipitante, que ocorre em quase todos os casos. Os pacientes com alteração conhecida da deglutição, ou alterações da motilidade esofágica, obstrução esofágica ou a alimentação por tubo enteral devem ser considerados de risco para aspiração. Os aspiradores silenciosos são mais difíceis de detectar, mas achados de estudos sugerem que esses pacientes apresentam frequentemente debilidade geral, tosse recorrente, rouquidão, ou disfagia. A história pode ser difícil de obter em  pacientes cronicamente debilitados ou não comunicativos. Os paciente com pneumonia por aspiração podem ter apenas poucos sintomas, como tosse seca e taquipneia. A aspiração de conteúdo gástricos maiores ou mais ácidos pode produzir traqueobronquite com broncoespasmo, expectoração com sangue, ou espumosa, e desconforto respiratório. A aspiração de grandes volumes ou material muito cáustico pode resultar em insuficiência respiratória.

Os pacientes podem evoluir com o aparecimento de abscesso pulmonar, nesse caso os sintomas mais comuns incluem febre, halitose, expectoração pútrida,  hemoptise e/ou perda de peso que persistem por semanas. A expectoração  vômica, apesar de ser um achado classicamente descrito é relativamente rara nos dias atuais. Derrame pleural complicado devido às fístulas do parênquima com a pleura é frequente. Característicamente, o abscesso pulmonar evolui com um curso indolente de tosse, febre, dor torácica pleurítica, perda de peso e sudorese noturna. O paciente tipicamente irá apresentar-se ao médico depois de iniciar os sintomas há 14 dias. Pode haver tosse produtiva com escarro pútrido. Hemoptise pode ser vista em até 25% dos casos. Uma vez que a infeção é mais indolente, anormalidades de sinais vitais típicos de uma infecção aguda (taquicardia ou taquipnéia) são muitas vezes ausentes. Os achados laboratoriais geralmente são inespecíficos, mas geralmente incluem leucocitose e aumento de provas inflamatórias.

A radiografia de tórax PA e perfil é o exame inicial indicado na avaliação desses pacientes e geralmente mostra consolidações focais unilaterais ou em mosaico nos segmentos pulmonares dependentes. Ocasionalmente, infiltrado bilateral ou padrões intersticiais podem ser vistos. O lobo inferior direito é a área mais comum de consolidação, quando a aspiração ocorre  o paciente está na posição vertical.

A localização das pneumonias aspirativas é dependente da posição, se em ortostase ou não, caracteristicamente a aspiração em pacientes deitados acomete radiologicamente os segmentos pulmonares posteriores dos lobos superiores e segmentos superiores de lobos inferiores. Em pacientes não acamados, as porções mais dependentes dos pulmões são os segmentos basais dos lobos inferiores. As lesões podem ser bilaterais, assimétricas podendo ter padrão intersticial ou alveolar.

Na presença de abscesso pulmonar, a radiografia de tórax pode predizer desfechos, pois abscessos maiores do que 5 cm na radiografia têm maior chance de complicações e necessidade de intervenção cirúrgica.

Em casos duvidosos, a tomografia de tórax pode ser útil, e quando existe dúvida ou evidência da presença de abscesso pulmonar, o exame deve ser realizado, pois caracteriza melhor possíveis complicações pulmonares.

Exames laboratoriais são de pouco valor diagnóstico. Logo no início do quadro pode ocorrer leucocitose. A gasometria arterial pode mostrar hipóxia ou hipoventilação, mas isso pode ser secundária à doença pulmonar subjacente do paciente, e comparação com resultados anteriores de gasometria arterial é útil. As culturas do expectorado, por sua vez, são de baixo rendimento, devido ao aumento da taxa de contaminação da colonização da orofaringe na maioria dos pacientes com pneumonia por aspiração. De qualquer forma, é recomendada a realização de hemograma completo, glicemia, ureia, creatinina, sódio e potássio. A gasometria arterial com lactato é indicada em pacientes com dispneia e provas inflamatórias podem ser úteis, principalmente em pacientes sépticos, outros exames são realizados conforme a indicação clínica. Um par de hemoculturas deve ser solicitado em todos os pacientes e broncoscopia com lavado broncolaveolar deve ser realizada em todos pacientes entubados e não respondedores ao tratamento.

No caso dos abscessos pulmonares, o diagnóstico geralmente é feito por uma radiografia de tórax mostrando uma área de consolidação densa com um nível líquido no interior de uma lesão cavitária, indicando que a cavidade comunica com um abscesso, que é a forma de apresentação em 75% dos casos. Em cerca de 25% dos casos, o abscesso vai aparecer como uma área de consolidação densa na radiografia do tórax e requer uma tomografia para seu diagnóstico. A tomografia mostra a presença de uma lesão escavada. Abcessos múltiplos são incomuns.

O diagnóstico diferencial de lesões cavitárias com níveis hidroaéreos visto em radiografias de tórax inclui uma bolha em um paciente infectado com enfisema bolhoso (bolhas infectadas terão paredes finas), a coleta do líquido pleural com uma fístula broncopleural, resultando em um nível hidroaéreo pleural, e por final como uma alça do intestino que se estende através de uma hérnia diafragmática (pode causar náuseas ou vômitos devido ao encarceramento ou intestino com ruídos timpânicos na parede torácica, no local da hérnia). O diagnóstico diferencial das lesões cavitárias que poderiam simular um abscesso pulmonar é sumarizado na tabela 2.

 

Tabela 2 - Diagnóstico diferencial de lesões cavitárias pulmonares

 

Abscesso

Bolha infectada

Infarto pulmonar infectado

Tuberculose

Actinomicose

Empiema pleural

Coccidioidomicose fúngica

Histoplasmose

Blastomicose

Aspergilose

Criptococose

Echinococose

Amebíase

Carcinoma broncogênico

Metástases pulmonares

Doença de Hodgkin

Lesão inflamatória por granulomatose de Wegner

Sarcoidose

 

Tratamento

Os pacientes com aspiração presenciada de um grande volume de conteúdo gástrico devem ter suas vias aéreas prontamente aspiradas, caso exista obstrução mecânica deve ser resolvida sem demora. A colocação de tubo endotraqueal deve ser considerada, como deveria ser a colocação de uma sonda orogástrica ou nasogástrica para descompressão gástrica.

Os pacientes que aspiram grandes volumes de material sólido ou viscoso podem exigir a aspiração da árvore brônquica ou lavado broncoalveolar para limpar as vias respiratórias. Broncodilatadores podem ser necessários para broncoespasmo induzido por aspiração. Os antibióticos profiláticos não são recomendados, e não há nenhuma evidência de que os corticosteroides podem evitar lesão pulmonar. Pessoas saudáveis que aspiram pequenos volumes de material atóxico podem ser observadas por curto período de tempo, cerca de 1 hora, e, se estáveis, podem receber alta com instruções para retorno caso ocorra agravamento de sintomas. O tratamento com antibiótico não é necessário e pode selecionar cepas, sendo portanto não recomendado. No entanto, pacientes previamente saudáveis cujos sintomas de pneumonite por aspiração não conseguem se resolver em 24 a 48 horas devem ser tratados com antibióticos de amplo espectro.

Pacientes cronicamente doentes ou casas de repouso que tenham tido um episódio presenciado de aspiração seguida de sintomas respiratórios (tosse, dispneia, taquipneia, ou sibilância) são mais problemáticos. Esses pacientes são frequentemente enviadas para o departamento de emergência para avaliação, muitas vezes com os sintomas já em resolução. Geralmente estão em maior risco de pneumonia por aspiração devido à colonização da orofaringe por bactérias. Não é possível distinguir quais os pacientes serão capazes de resolver espontaneamente seus sintomas, diferenciando daqueles que irão progredir para a pneumonia por aspiração, ou pneumonia aspirativa. Uma abordagem razoável seria a de observar um paciente estável (sem desconforto respiratório, sem febre, a saturação de oxigênio normal sem infiltrado radiológico novo). Um paciente estável pode receber alta e retornar aos cuidados da casa de repouso ou instalações em sua casa de forma monitorada. Pacientes que permanecem sintomáticos ou têm um novo infiltrado radiográfico devem ser considerados para a admissão hospitalar ou para observação continuada. Não há nenhuma evidência significativa sobre os benefícios do tratamento com antibióticos nessa população, e alguns autores desencorajam essa prática por causa do potencial de selecionar bactérias resistentes.

Pacientes em casa de repouso com agravamento dos sintomas, febre, tosse ou expectoração, hipoxemia, ou infiltrado radiográfico devem ser considerados como apresentado de pneumonia por aspiração e receber antibióticos. A antibioticoterapia de amplo espectro empírica é indicada em pacientes com pneumonia aspirativa. Os agentes específicos são escolhidos de acordo com os potenciais agentes patogênicos, tal como determinado pelo estado de saúde geral do paciente e ambiente em que ocorreu a infecção.

Agentes que tratam predominantemente anaeróbios (penicilina ou clindamicina) não são suficientes para cobrir o espectro de bactérias envolvidas na maioria das pneumonias aspirativas e não devem ser utilizados isoladamente.

Os pacientes com um episódio presenciado de aspiração e que são saudáveis e não apresentam sinais de infeção ou desconforto respiratório podem receber alta da emergência com orientações para retornar ao serviço de emergência caso apresentem falta de ar, febre, dor torácica,  fadiga, ou o desenvolvimento de uma tosse persistente. Pacientes que parecem estáveis, mas têm fatores de risco para o agravamento ou comorbidades significativas e malcontroladas (por exemplo, diabetes, idade avançada, diálise, AVC recente, doença pulmonar crônica, câncer ativo e imunodficiências) devem ser internados em um hospital ou uma unidade de observação.

Oxigênio deve ser usado se necessário e, possivelmente, os antibióticos devem ser iniciados, e o paciente cuidadosamente observado durante 12 a 24 horas. Se estável depois de 12 a 24 horas de tratamento e de observação, tais pacientes podem ser enviados para casa e instruídos a retornar caso quaisquer sinais de deterioração ocorrerem. Pacientes com evidência definitiva de infeção devem iniciar tratamento com antibióticos e, em seguida, admitidos no hospital e pacientes selecionados podem ser tratados em instituições de longa permanência, desde que  tenham a capacidade de monitorar e tratar esses pacientes.

Os doentes que apresentam instabilidade hemodinâmica ou respiratória requerem admissão em unidade de terapia intensiva.

A escolha de regime antibiótico nessa população inclui a avaliação da presença de risco para bactérias anaeróbicas. Em pacientes sem doença periodontal, abscesso pulmonar ou expectoração pútrida o uso de ceftriaxona 2 gramas ao dia com macrolídeo, como a claritromicina 500 mg a cada 12 horas por 7 dias, é adequado para pacientes internados. Em pacientes em ótimas condições, pode-se contemplar tratamento ambulatorial e a levofloxacina 500 mg por 7 dias ou 750 mg por 5 dias como opções.

Em pacientes com suspeita significativa de infecção por anaeróbios, a penicilina cristalina foi historicamente a droga utilizada de escolha, mas estudos posteriores mostraram a superioridade da clindamicina para o tratamento desses pacientes. Outras opções aceitáveis incluem o uso de metronidazol (nunca usado isoladamente, amoxacilina-clavulonato) usualmente em combinação com outro antibiótico), ampicilina/sulbactam e, para casos hospitalares, carbapenêmicos. Entre as quinolonas, a moxifloxacina tem os melhores resultados contra as bactérias anaeróbicas. Assim, nas pneumonias aspirativas com risco de anaeróbio, a combinação de clindamicina 600 mg a cada 8 horas ou 6 horas com ceftriaxona 2 gramas ao dia seria o tratamento de primeira escolha. Na alergia, a clindamicina e o metronidazol 500 mg a cada 8 horas poderia ser uma opção. Outras opções incluem amoxacilina/clavulonato e caso a aspiração tenha ocorrido no ambiente hospitalar Piperacilina-tazobactam  4,5  g IV  a  cada  6  horas, Ampicilina-Sulbactam 3 g IV 12 / 12 h ou Carbapenêmicos (Meropenem 1 g IV 12 / 12 h ou Imipenem 500 mg IV 12 / 12 h ou Ertapenem 1 g IV ou IM) por 7 a 14 dias conforme a resposta clínica são indicados.

O tratamento clínico apresenta sucesso em 85 a 90% dos abscessos pulmonares. O tratamento adequado consiste de  clindamicina numa dosagem de 600 mg por via intravenosa a cada 6 a 8 h para adultos, ou um agente beta-lactâmico com inibidor de beta-lactamase, tais como ampicilina/sulbactam 1,5 a 3,0 g IV a cada 6 h. Deve-se lembrar que a clindamicina tem apenas cobertura contra agentes gram-positivos o que faz ser necessária a combinação com uma segunda medicação, como uma cefalosporina de segunda ou terceira geração. Usualmente, o tratamento parenteral é indicado até que o paciente esteja afebril e clinicamente melhor, normalmente em 4-8 dias. O tratamento deve continuar com clindamicina oral ou amoxicilina / clavulanato por via oral. A drenagem do abscesso geralmente ocorre espontaneamente a partir da comunicação da cavidade do abscesso com a árvore brônquica. Isto é indicado pelo desenvolvimento de um nível líquido em radiografias de tórax. As tentativas de drenagem postural ou broncoscópica devem ser evitadas, pois podem precipitar na disseminação para outras partes dos pulmões do material infeccioso. 

Um importante motivo de falha terapêutica é o tratamento errôneo de um abscesso como outra condição como neoplasia, fungos, doença inflamatória (Wegener), ou parasita. Os tratamentos cirúrgicos para o abscesso pulmonar sem drenagem espontânea incluem drenagem ou toracotomia percutânea guiada por imagem e ressecção pulmonar. Indicações para o procedimento incluem hemoptise, ausência de resposta clínica, suspeita de neoplasia e complicações como fístulas pleurais e empiema. Pacientes com abscessos > 5-6 cm ou com lesão obstrutiva em geral também necessitam de procedimento cirúrgico com aproximadamente 10% dos abscessos pulmonares necessitando de intervenção cirúrgica. Outros fatores associados com falha do tratamento clínico incluem aspiração recorrente, sintomas prolongados antes da apresentação, presença de cavidades de paredes espessas, comorbidade grave subjacente.

Os pacientes com abscesso pulmonar usualmente respondem aos antibióticos parenterais e manejo das outras condições médicas que predispõem ao desenvolvimento do abscesso. Após a resolução dos sintomas, esses pacientes podem receber alta com antibióticos orais por 4 a 8 semanas. Achados radiológicos do tórax têm resolução arrastada e levam em média mais de dois meses para se resolver.

 

Referências

Marik P. Aspiration pneumonitis and aspiration pneumonia. N Eng J Med 2001; 344: 665-71.

 

Wunderink RG, Waterer GW: Community-acquired pneumonia. New Engl J Med 2014; 370: 543-551.

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