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febre tifoide

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 16/12/2016

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Febre Tifoide

A Febre Tifoide é uma doença sistêmica grave, caracterizada por febre, diarreia e dor abdominal, além de outras manifestações como icterícia e complicações potencialmente graves, incluindo óbito. O organismo classicamente responsável pela síndrome de febre entérica é a S. Typhi entérica (anteriormente S. typhi). Outros sorotipos de Salmonella, particularmente S. entérica sprotipo paratyphi A, B, ou C, podem provocar uma síndrome semelhante. O termo "febre entérica" é um termo atualmente utilizado e que se refere a Febre Tifoide e febre paratifoide, que é causada por outras salmonellas.

 

Epidemiologia

A Febre Tifoide é mais comum em crianças e adultos jovens do que em pacientes mais velhos. Entre 2010 e 2011, ocorreram mais de 25 milhões de casos de Febre Tifoide no mundo. A Febre Tifoide é mais prevalente em áreas pobres que estão superlotadas e com falta de acesso a saneamento. A  maioria dos casos relatados no mundo ocorre no subcontinente indiano. Outros locais com grande incidência incluem áreas na Ásia, principalmente em região Central e Sudoeste da Ásia e da África, nestas regiões a incidência pode ser maior do que 100 casos por 100.000 pessoas por ano. Em certos locais do mundo, como no Nepal, a incidência da Febre Tifoide continua aumentando, enquanto relatos na China indicam uma diminuição da incidência ou notificação da Febre Tifoide. Como os seres humanos são o único reservatório da S. Typhi, uma história de viagem para locais em que o saneamento é precário ou o contato com um caso conhecido de Febre Tifoide é útil para identificar as pessoas em risco de infecção fora das áreas endêmicas. A doença também é frequente em viajantes e caminhoneiros que comem alimentos malcozidos.

A condição de portador crônico de salmonella é definida como a excreção do organismo nas fezes ou urina, por mais de 12 meses após a infecção aguda. As taxas de cronicidade ficam entre 1 a 6% ocorrendo mais frequentemente em mulheres e em pacientes com colelitíase ou outras anormalidades do trato biliar. A presença da S. Typhi na urina cronicamente é quase sempre associada com uma alteração estrutural no aparelho urinário (por exemplo, litíase urinária, hiperplasia prostática) ou infecção da bexiga concomitante por Schistosoma. Estes pacientes apresentam risco aumentado de transmissão da infecção para outros pacientes.

 

Microbiologia

 A S. entérica sorotipo Typhimurium tem 90% dos genes compartilhados. Outras salmonelas que podem provocar uma síndrome clínica semelhante incluem, mas não estão limitados a:

 

-salmonella paratyphi A;

-salmonella paratyphi B;

-salmonella paratyphi C;

-salmonella choleraesuis.

Fisiopatologia

Os microrganismos do gênero da S. Typhi são ingeridos e sobrevivem à exposição ao ácido gástrico antes de obter acesso para o intestino delgado, onde penetram o epitélio e invadem o tecido linfoide e  se proliferam nas placas de Peyer e progridem através do sistema linfático ou via hematogênica. No início do quadro, observa-se uma hipertrofia importante das placas de Peyer, onde se observam macrófagos grandes com citoplasma vacuolizado. Cortes tratados com corantes específicos revelam salmonelas no interior destes macrófagos. Com a evolução do quadro, as placas de Peyer se tornam tão hipertrofiadas que se insinuam para a luz intestinal, o que pode levar à isquemia da mucosa, provocando ulcerações e fazendo com que o germe se estenda aos linfonodos mesentéricos. A S. typhi causa hipertrofia de placas de Peyer através do recrutamento de células mononucleares e linfócitos. Hipertrofia e posterior necrose dos tecidos submucosos são, provavelmente, responsáveis por dor abdominal e posterior perfuração ileal, uma complicação potencialmente fatal. A hipertrofia linfoide destes pacientes justifica a presença de hepatoesplenomagalia encontrada nestes pacientes.

Pacientes com Febre Tifoide podem desenvolver bacteremia "secundária" com outros organismos devido a quebras microscópicas ou macroscópicas na barreira mucosa intestinal. A S. typhi causa a doença apenas nos seres humanos;  não tendo reservatório animal conhecido, portanto, a infecção implica em contato direto individual através de alimentos ou água contaminados.

 

Algumas características patológicas da infecção incluem:

-os genes phoP / phoQ, que modulam a ativação da transcrição de proteínas bacterianas dentro de macrófagos, são importantes para a virulência total; eliminação destes genes diminui a virulência da infecção.

-análise do proteoma de S. typhi mostra que algumas proteínas podem aumentar a virulência da infecção.

-deleção de genes que facilitam a colonização dos tecidos profundos modulam os níveis da adenilato-ciclase, ou codificam a síntese de nutrientes essenciais, tais como purinas ou aminoácidos aromáticos.

 

As salmoneloses não tifoides também podem causar doença grave consistente com febre entérica,em um estudo na África representaram 7% das amostras isoladas. A patogênese da febre entérica depende de um número de fatores, incluindo as espécies que infectam e dose infecciosa. Os organismos ingeridos podem sobreviver à exposição ao ácido gástrico antes de obter acesso para o intestino delgado, onde penetram o epitélio, progridem pelo tecido linfoide,através do sistema linfático ou via hematogênica, portanto uma fisiopatologia semelhante a da Febre Tifoide. Um estado de portador crônico é estabelecido em cerca de 1 a 5% dos casos.

 

Manifestações Clínicas

Os sintomas da Febre Tifoide podem se manifestar entre o 5º e o 21º dia (em média 12 dias) após a ingestão do microrganismo via alimentos ou água contaminados.

Quando a quantidade de microrganismos inoculados for pequena, o período de incubação pode ser maior. Os sintomas duram até 4 semanas.

A maioria dos pacientes com Febre Tifoide apresenta-se com dor abdominal, febre, calafrios e outros sintomas sistêmicos como mialgia, cefaleia, astenia e mal-estar. Na primeira semana de doença, os pacientes apresentam quadro de febre com piora progressiva, podendo ocorrer bacteremia. Bradicardia relativa ou dissociação de pulso-temperatura pode ser observada, o que é chamado de sinal de Faget, que é um sinal relativamente específico da doença, mas que também é descrito na febre amarela. Na segunda semana de doença, ocorre dor abdominal. No tronco e abdômen podem aparecer máculas e pápulas cor de salmão tênues que são denominadas de roséolas tíficas. Ocorre ainda alteração do hábito intestinal, que pode ser obstipação (principalmente em adultos) e diarreia (mais frequente em crianças). Durante a terceira semana de doença, aparecem hepatoesplenomegalia e, com menos frequência, ocorre adenomegalia. Em pacientes com obstipação é frequente que ocorra diarreia, que pode ser profusa e de coloração esverdeada. Nesta fase, são comuns complicações como hemorragia intestinal e perfuração intestinal devido à hiperplasia linfática ileocecal das placas de Peyer, com bacteremia secundária e peritonite. O paciente pode desenvolver choque séptico ou um nível alterado de consciência, que é denominado por alguns autores de “estado tífico”. Na ausência de complicações agudas ou morte por sepse, os sintomas gradualmente se resolvem ao longo de semanas a meses, com a grande maioria dos casos se resolvendo em 4 semanas. Cerca de 10-15% dos pacientes podem ter recidiva dos sintomas, em particular da febre após a quarta semana de sintomas; outro sintoma que pode ocorrer é meningoencefalite.

Perfuração intestinal geralmente ocorre com mais frequência entre os adultos do que entre as crianças e está associada com altas taxas de mortalidade. Embora a cefaleia seja um sintoma relatadado em cerca de 65% dos casos, foram observadas outras manifestações neurológicas, incluindo alterações do padrão do sono, psicose aguda, mielite e rigidez de nuca, mas são incomuns. Pacientes com Febre Tifoide severa podem desenvolver um quadro de encefalopatia pela tifoide. Tosse não é rara e tem sido observada em aproximadamente 20 a 45%; artralgias e mialgias ocorrem em cerca de 20% dos pacientes. Manifestações extraintestinais focais incluindo o envolvimento hepatobiliar, cardiovascular, respiratório, genito-urinário, músculo-esquelético e nervoso central têm sido descritos como uma complicação da disseminação hematogênica da S. typhi, mas são relativamente raros.

 

Exames Laboratoriais

Os pacientes com Febre Tifoide geralmente  têm anemia, mas devido à desidratação pode ocorrer hemoconcentração e em relação aos leucócitos podem apresentar tanto leucopenia como leucocitose; a leucopenia com desvio à esquerda normalmente é vista em adultos, enquanto leucocitose é mais comum em crianças. Se observada na terceira semana de doença, leucocitose deve levar a suspeita de perfuração intestinal. Alterações de exames hepáticos são frequentes e incluem elevação de enzimas hepáticas, usualmente em níveis menores que cinco vezes o limite da normalidade, mas ocasionalmente elevações maiores com aumento de bilirrubinas podem sugerir quadros de hepatites agudas virais, alterações de função hepática com alteração de INR e albumina podem ocorrer. A análise do líquido cefalorraquidiano  geralmente é normal ou revela uma pleocitose leve com < 35 células / mm3, mesmo em pacientes com sintomas neuropsiquiátricos. Alterações de função renal são frequentes, mas em geral associadas à desidratação e posterior necrose tubular aguda.

O diagnóstico da Febre Tifoide é feito por cultura do microrganismo causador na configuração de uma doença clínica compatível. A Febre Tifoide deve ser considerada em um paciente que retorna após viagem para uma área endêmica que se apresenta com quadro de dor abdominal, febre e calafrios. Além disso, casos autóctones ou surtos podem ocorrer devido à transmissão através de portadores crônicos. Testes sorológicos são de utilidade clínica limitada. O diagnóstico de Febre Tifoide é muitas vezes baseado em manifestações clínicas isoladamente .

As hemoculturas são positivas em 40 a 80% dos pacientes, com a sensibilidade sendo de 80% na primeira semana. As hemoculturas podem necessitar de vários dias de incubação. O diagnóstico pode também ser efetuado por cultura de fezes, urina ou conteúdo duodenal. A cultura de fezes é positiva em até 30 a 40% dos casos, podendo permanecer positiva até 5 semanas após o diagnóstico, mas é muitas vezes negativa no momento em que os sintomas sistêmicos trazem pacientes para atendimento médico. Cultura de medula óssea é relativamente sensível, mas considerada um procedimento relativamente invasivo. Isto pode ser particularmente importante em casos complicados ou quando a terapia antimicrobiana já foi iniciada e o diagnóstico permanece incerto. Culturas de medula óssea podem ser positivas em até 50% dos pacientes após até 5 de antibióticos.

Testes sorológicos, como o teste de Widal, são de utilidade clínica limitada em áreas endêmicas porque os resultados positivos podem representar infecção anterior. O teste de Widal é um teste de hemaglutinação, que detecta anticorpos anti-O. Quando as amostras de fase aguda após 4 semanas são estudadas, um aumento de quatro vezes ou maior é considerado positivo. Os resultados positivos foram relatados em 46-94% dos casos. Os exames sorológicos mais recentes utilizando o ensaio imunoabsorvente ligado à enzima (ELISA) têm uma alta sensibilidade, que se aproxima de 100%, mas a especificidade é menor. Um novo exame ELISA dirigido  para anticorpos contra o antígeno polissacárideo capsular Vi é útil para a detecção de portadores, mas não para o diagnóstico de doença aguda.

 

Tratamento

O tratamento inicia-se com reposição volêmica e de eletrólitos para corrigir as perdas. A terapia de reidratação pode ser oral ou parenteral. O tipo de terapia de reidratação e a velocidade de infusão venosa dependem da gravidade do quadro. O tratamento específico é realizado com antimicrobianos, inicialmente a medicação de escolha era o cloranfenicol, que é uma medicação pouco utilizada atualmente devido seus efeitos adversos e eficácia inferior a outras medicações, atualmente as quinolonas, em particular a ciprofloxacina, são consideras a droga de escolha para o tratamento destes pacientes. Nos últimos anos, o desenvolvimento de resistência as fluoroquinolonas resultou em mais desafios.

Um estudo da Índia relatou o "ressurgimento" da sensibilidade aos medicamentos mais antigos com mais de dois terços das amostras de culturas mostrando sensibilidade ao cloranfenicol. Estes padrões de resistência levaram a uma mudança do tratamento para as cefalosporinas de terceira geração, azitromicina e fluoroquinolonas como terapia empírica para a Febre Tifoide enquanto aguardam os resultados do perfil de sensibilidade. A azitromicina, em particular devido ao seu custo, tem se mostrado uma alternativa custo-eficaz para tratamento destes pacientes.

Em geral apenas um agente antibacteriano é necessário. A escolha ideal de drogas e duração da terapia são incertos, a seleção de antibiótico depende de padrões locais de resistência, da idade do paciente, se os medicamentos orais são viáveis, do ambiente clínico e dos recursos disponíveis. Em algumas circunstâncias, os agentes mais antigos, tais como cloranfenicol, ampicilina e trimetoprim-sulfametoxazol podem ser apropriados. Atualmente as medicações recomendadas para o tratamento em adultos incluem:

-xiprofloxacina (500 mg duas vezes por dia) ou ofloxacina (400 mg duas vezes por dia), quer por via oral ou parenteral durante 7 a 10 dias. As fluoroquinolonas não devem ser usadas como um tratamento de primeira linha para a Febre Tifoide em pacientes do Sul da Ásia ou outras regiões com altas taxas de resistência fluoroquinolona.

 

-ceftriaxona  2g uma vez por dia ou cefixima 20 mg / kg por dia por via oral em duas doses divididas durante 7 a 14 dias.

-azitromicina 1g por via oral uma vez seguida de 500mg uma vez ao dia durante 5  a 7 dias, ou de 1g por via oral uma vez ao dia durante 5 dias.

-cloranfenicol 2 a 3g por dia por via oral em quatro doses divididas durante 14 dias.

 

As quinolonas são, portanto, consideradas a medicação de escolha para o tratamento destes pacientes. A ciprofloxacina e a ofloxacina estão amplamente disponíveis e são eficazes. A norfloxacina é muito pouco absorvida e não deve ser usada. O tratamento de organismos totalmente susceptíveis, as quinolonas, pode resultar em defervescência mais rápida do que os agentes beta-lactâmicos ou cloranfenicol, por causa da eliminação mais rápido de bactérias intracelulares.

A azitromicina é capaz de alcançar excelentes concentrações intracelulares, e seu uso para o tratamento da Febre Tifoide tem aumentado como resultado do aumento da resistência à fluoroquinolona.

Não há estudos que demonstrem que a combinação terapêutica antimicrobiana é superior à monoterapia para a febre entérica. Em crianças com doença sistêmica grave, a terapia deve ser iniciada com um agente parenteral. A preferência pela prática nos Estados Unidos para a Febre Tifoide em crianças inclui um dos seguintes regimes de tratamento:

 

-ceftriaxona 100mg/kg por dia  via intravenosa uma vez por dia, no máximo de 4g por dia durante 10 a 14 dias.

-cefotaxima 150 a 200mg/kg por dia via intravenosa em três a quatro doses igualmente divididas, máximo de 12g por dia durante 10 a 14 dias.

-cefixima por via oral de 20mg/kg por dia via oral em doses divididas em 2, no máximo 400mg por dia durante 10 a 14 dias.

-ciprofloxacina 30mg/kg por dia, no máximo de 1000mg  via oral ou parenteral durante 7 a 10 dias.

-ofloxacina 30mg/kg por dia, no máximo 800 mg por dia via oral ou parenteral durante 7 a 10 dias.

-azitromicina 10 a 20mg/kg a 1g no máximo uma vez ao dia durante 5 a 7 dias.

 

Em crianças é recomendado que o tratamento seja por pelo menos 10 dias, pois estudos com 7 dias de tratamento tiveram pior performance terapêutica.

Em pacientes graves pode se considerar o uso de corticoesteroides em pacientes com doença grave definida pela presença de alterações significativas do nível de consciência ou hipotensão, em dose de 1mg/Kg de prednisona.

Pacientes com perfuração ileal apresentam-se com aumento da dor abdominal, distensão, peritonite e bacteremia por vezes secundária com microrganismos aeróbios e anaeróbios entéricos. Intervenção cirúrgica imediata é geralmente indicada, assim como ampliação da cobertura antimicrobiana para cobrir peritonite fecal. A extensão da intervenção cirúrgica ainda é controversa; o melhor procedimento cirúrgico parece ser a ressecção segmentar do intestino envolvido, quando possível.

Recidiva de Febre Tifoide após a cura clínica pode ocorrer em indivíduos imunocompetentes; em tais casos, ocorre tipicamente duas a três semanas após a resolução da febre, o tratamento das infecções com quinolonas é menos associado a recidivas, quando comparado a outras medicações.

Portadores crônicos não desenvolvem a doença sintomática recorrente, apesar de eventualmente excretarem um grande número de organismos. No entanto, o estado de portador S. typhi pode ser um fator de risco independente para o carcinoma da vesícula biliar, bem como outros tipos de neoplasias.

A vacinação pode ser considerada mesmo após a doença clínica, particularmente em aqueles que não vivem em áreas endêmicas, se re-exposição é esperada. A infecção natural não confere uma proteção completa contra a doença recorrente. O momento ideal para a vacinação após doença clínica não é conhecido.

 

Referências

1-Wain J et al. Typhoid fever. The lancet 2015; 385: 1136-1145.

 

2- Parry CM, Hien TT, Dougan G, et al. Typhoid fever. N Engl J Med 2002; 347:1770.

 

3- Lynch MF, Blanton EM, Bulens S, et al. Typhoid fever in the United States, 1999-2006. JAMA 2009; 302:859.

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