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Câncer de Tireóide

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 25/01/2017

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Câncer de Tireóide

 

A incidência de câncer de tireoide continua a crescer em todo o mundo, principalmente devido à crescente utilização de diágnóstico por imagem e à vigilância de diagnóstico. O câncer de tireoide é o quinto câncer mais comum em mulheres nos Estados Unidos, e a maior causa de neoplasia endócrina no mundo. Representa cerca de 0,5% das neoplasias malignas em homens, e 1,5% em mulheres. Estima-se que mais de 62.000 novos casos ocorreram em homens e mulheres em 2015 nos Estados Unidos. Embora a incidência esteja aumentando de forma constante, a mortalidade por câncer de tireoide mudou minimamente ao longo das últimas cinco décadas. O desafio enfrentado por médicos que tratam neoplasias da tireoide é o de equilibrar a abordagem terapêutica para que os pacientes com doença de risco inferior ou nódulos tireoidianos benignos não sejam supertratados. Ao mesmo tempo, os médicos precisam reconhecer quais pacientes com doença mais avançada ou de alto risco necessitam de uma abordagem de tratamento mais agressivo. As neoplasias da tireoide apresentam uma ampla gama de manifestações clínicas de tumores indolentes com baixa mortalidade na maioria dos casos, e neoplasias malignas muito agressivas – por exemplo, neoplasia da tiroide anaplásica.

 

Apresentação clínica

 

Os nódulos tireoidianos estão sendo identificados com maior frequência na prática clínica, devido em grande parte à crescente utilização de diagnóstico por imagem. Nódulos palpáveis podem ser encontrados em 5,3-6,4% das mulheres, e em 0,8-1,6% dos homens adultos, prevalência que pode aumentar, se a investigação for feita por ultrassonografia (USG), que é capaz de detectar nódulos em 20-70% da população adulta.

Em estudos utilizando novas técnicas de alta resolução de imagem, nódulos da tireoide, que nunca teriam sido diagnosticados no passado, estão sendo identificados. Embora mais de 90% das lesões sejam pequenas e não palpáveis, ou lesões benignas que nunca se tornarão clinicamente significativas, algumas lesões não palpáveis ??ou palpáveis são malignas. A identificação de nódulos tireoidianos malignos é importante, especialmente aqueles que irão causar morbidade, se não forem diagnosticados precocemente. Para distinguir entre pacientes que pertencem aos grupos de baixo risco e de alto risco, são necessários história completa e exame físico, exames laboratoriais, USG do pescoço; e para pacientes adequadamente selecionados, aspiração com agulha fina (PAF). Nódulos autônomos da tireoide que causam hipertireoidismo devem ser identificados antes da biópsia a fim de evitar complicações e assegurar a criação de imagens e tratamento adequado. A cintilografia de tireoide com radionuclídeos deve ser realizada apenas em pacientes com hormônio estimulante da tireoide (TSH) suprimido. Caso o TSH se encontre suprimido, deve ser realizada dosagem de tiroxina livre (T4L) ou de triiodotironina (T3), para confirmar a tireotoxicose. Aproximadamente 10% dos nódulos palpáveis apresentam autonomia suficiente para reduzir os níveis de TSH, o que é um achado sugestivo de benignidade. Se as concentrações de TSH forem elevadas, os títulos de anticorpo anti-tireoperoxidase (anti-TPO) devem ser aferidos, para confirmar o diagnóstico de tireoidite de Hashimoto.

A USG de tireoide, principalmente se forem utilizados aparelhos de última geração, permite estudo anatômico detalhado dos nódulos, e identificação de características que podem estar associadas com maior risco de malignidade. A presença de microcalcificações, bordas irregulares e hipoecogenicidade são achados sugestivos de malignidade; porém, a especificidade dessas características é relativamente baixa – 65 a 68%. A adição do Doppler aumenta a acurácia diagnóstica: ausência de vascularização ou vascularização exclusivamente periférica são dados sugestivos de benignidade, ao passo que vascularização predominante ou exclusivamente central sugere doença maligna. A USG pode ainda ajudar a realizar punção aspirativa de tireoide com agulha fina (PAAF), facilitando a coleta de material e reduzindo a necessidade de novas punções por coleta inadequada de material.

 

Classificação e características das neoplasias de tireoide

 

O câncer diferenciado de tireoide é a forma mais comum entre as neoplasias de tireoide, sendo responsável por mais de 95% dos casos, e origina-se a partir de células epiteliais foliculares da tireoide. Sob a categoria de neoplasias da tireoide bem diferenciadas, tem-se a neoplasia papilar da tireoide, carcinoma folicular, e câncer de células da tireoide Hurthle. Câncer de tireoide pouco diferenciado é uma neoplasia da tireoide derivada de células foliculares, sendo uma variante mais agressiva do que o câncer diferenciado da tireoide. A classificação das lesões nodulares da tireoide é sumarizada na tabela abaixo.

O câncer de tireoide papilar é o subtipo mais comum, representando cerca de 80% dos casos de carcinomas de tireoide, e é o que tem melhor prognóstico. Metástases envolvem mais comumente linfonodos cervicais, e menos comumente os pulmões. A exposição à radiação eletromagnética, especialmente durante a primeira infância, é um importante fator de risco para carcinoma papilífero, e seus mecanismos genéticos de origem vêm sendo estudados. A anormalidade encontrada em até 25% desses tumores é a translocação RET/ carcinoma papilífero da tireoide (PTC), sobre a qual já foram descritos cerca de 10 tipos – os principais são a RET/PTC-1 (mais comum em adultos) e a RET/PTC-3 (mais comum em crianças expostas à radiação). Outra anormalidade considerada é a mutação ativadora do BRAF, detectável em 35% dos carcinomas papilíferos e associada ao pior prognóstico e à progressão para tumor anaplásico. A mutação ativadora do proto-oncogene RAS foi evidenciada em 18% dos tumores papilíferos, mas também em lesões anaplásicas (58%) e foliculares (32%).

O carcinoma folicular, carcinoma de células Hurthle da tireoide e neoplasias da tireoide pouco diferenciadas são neoplasias malignas de alto risco, que têm uma tendência a metastizar por via hematogênica para locais distantes, em particular para pulmões e ossos. O sistema de estadiamento para carcinomas diferenciados da tireoide depende da idade, com idosos (=45 anos de acordo com o sistema atual) tendo pior prognóstico. Tumores foliculares, sejam benignos ou malignos, exibem mutações ativadoras do RAS em 1/3 dos casos. Uma mutação mais específica do carcinoma folicular é a translocação paired box gene 8 (PAX-8)/ peroxisome proliferator-activated receptor g (PPAR-gama), detectável em mais de 50% dessas lesões, mas também em adenomas.

O câncer anaplásico de tireoide é uma forma rara de câncer de tireoide (<1%), que geralmente se apresenta como um aumento do diâmetro do pescoço de rápido crescimento, ocorrendo em geral em pacientes com mais de 60 anos de idade. Os pacientes muitas vezes desenvolvem rouquidão, disfagia e dispneia. No exame, a maioria dos pacientes com câncer de tireoide anaplásico têm uma massa palpável grande, firme na tireoide com ou sem adenopatia cervical. Essa constatação deve levar a uma avaliação rápida e à biópsia da massa. Uma pesquisa de metástases muitas vezes revela doença locorregional e metástases à distância. O local mais comum de doença metastática distante é o pulmão, seguido de ossos e cérebro. A neoplasia da tireoide anaplásica muitas vezes surge e pode coexistir com câncer diferenciado da tireoide, mas também pode ocorrer de novo. Os médicos devem suspeitar de transformação anaplásica em pacientes com história de câncer diferenciado da tireoide de longa data, se apresentarem os sintomas acima mencionados. Nesse caso, é recomendado o encaminhamento para um centro com experiência no tratamento de neoplasia da tireoide anaplásico, uma vez que são tumores raros que têm mau prognóstico por causa do crescimento tumoral rápido.

Um marcador do carcinoma anaplásico é a perda do gene supressor tumoral p53, que pode ser demonstrado inclusive em tumores diferenciados da tireoide, nos quais prediz a evolução para indiferenciação.

 

Tumores neuroendócrinos de células C ou neoplasia medular da tireoide

 

O câncer medular da tireoide é incomum, sendo responsável por 1-2% de todos cânceres de tireoide. Em contraste com câncer diferenciado da tireoide, o carcinoma medular da tireoide origina-se nas células neuroendócrinas parafoliculares da tireoide, e mais comumente apresentam-se como um nódulo tireoidiano solitário em pacientes entre a quarta e sexta década de vida. Ocasionalmente a linfadenopatia cervical é a primeira manifestação, porque a doença frequentemente metastiza para linfonodos cervicais – 70% dos pacientes com carcinoma medular de tireoide palpável têm evidências de metástases cervicais na cirurgia.

Alguns pacientes apresentam-se com o caso clássico de um nódulo de tireoide, rubor e diarreia, apresentação clínica sugestiva de doença metastática difusa. Um quarto dos casos de carcinoma medular da tireoide ocorrem em pacientes com síndrome de neoplasia endócrina múltipla hereditária, cuja variabilidade de expressão determina três síndromes distintas: neoplasia endócrina múltipla 2A (NEM 2A) associada a hiperparatireoidismo e feocromocitoma, NEM 2B associada a feocromocitoma e neuromas mucosos, carcinoma medular medular de tireoide hereditária. Existe associação do carcinoma medular da tireoide envolve proto-oncogenes RET.

 

Alterações genéticas associadas ao câncer de tireoide

 

Achados de estudos de sequenciamento de DNA de câncer de tireoide revelaram a base genética para grande parte das neoplasias da tireoide. A maioria dos carcinomas da tireoide apresentam mutações ao longo da via de sinalização celular de proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK). Essa via transmite sinais de crescimento da membrana plasmática para o núcleo, e desempenha um papel central na regulação da proliferação celular

câncer diferenciado da tireoide e carcinoma da tireoide anaplásica

A mutação mais frequente em câncer de tireoide não medular é a mutação BRAFT1799A, que ocorre exclusivamente no câncer de tireoide papilífero e no câncer anaplásico de tireoide. As mutações na família RAS de oncogenes também ocorrem frequentemente em mutações RAS de câncer. A neoplasia da tireoide mais frequentemente ocorre em carcinoma folicular da tireoide e variante folicular de câncer papilar de tireoide. Translocações cromossômicas ocorrem também em carcinomas da tireoide. Esses rearranjos genômicos conduzem à expressão de novos oncogenes de fusão, que iniciam eventos em muitas neoplasias da tireoide. Em cerca de 7% dos casos de carcinoma papilífero da tireoide, ocorrem mutação do oncogene RET. O carcinoma da tireoide tem genes menos comuns parceiros de translocação incluem BRAF, a família de genes neurotrophic tyrosine kinase receptor (NTRK), anaplastic lymphoma kinase (ALK) e thyroid adenoma associated (THADA).

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As mutações no proto-oncogene RET são a causa da maioria dos casos de carcinoma medular da tireoide, enquanto uma pequena proporção tem como causa as mutações pontuais RAS. As mutações no RET podem predispor os pacientes para o desenvolvimento precoce de carcinoma medular da tireoide como um componente do tipo de síndromes de neoplasia endócrina múltipla 2A e 2B. Nesses casos, os pacientes mais jovens são susceptíveis a ter doença hereditária. Existem fortes associações genótipo-fenótipo com as mutações RET específicas, que preveem tanto a idade de início como a agressividade clínica de carcinoma medular da tireoide. A tireoidectomia profilática é frequentemente indicada, mas recomendações específicas baseiam-se na idade do paciente e na mutação herdada. Como 1-7% dos pacientes com carcinoma medular da tireoide, aparentemente esporádicos, são portadores de mutações germinativas no RET, a avaliação de mutação germinativa RET hereditária deve ser recomendada a todos os pacientes com carcinoma medular da tireoide, independentemente da sua história familiar ou idade.

 

 

Avaliação dos nódulos tireoidianos

 

O tamanho do nódulo é um fator importante na decisão da realização ou não da PAAF em um nódulo de tireoide, mas outros achados ultrassonográficos também podem fornecer pistas valiosas sobre a probabilidade de malignidade de nódulos: hipoecogenicidade, estrutura interna sólida, margens irregulares, microcalcificações, a forma mais alta do que larga, e evidência de extensão extratireoidiana ou linfadenopatia cervical, ou ambas. Se um nódulo não tem nenhuma dessas características, a citologia aspirativa pode ser adiada, contanto que o nódulo permaneça pequeno. Essas considerações aplicam-se principalmente para carcinoma papilífero de tireoide. Carcinomas foliculares da tireoide e carcinomas papilíferos da tireoide variante folicular são mais frequentemente arredondados e isoecoicos com margens regulares. Nesses casos, o tamanho maior do nódulo e o aumento da vascularização intranodular no Doppler são preditivos de malignidade. Devem ainda ser valorizados os fatores de risco clínicos concomitantes para o câncer de tireoide, que incluem a presença de massa firme, dor de garganta, tosse, mudança de voz, e uma história de irradiação do pescoço na infância ou carcinoma da tireoide familiar. Nesses casos, a PAAF pode ser considerada independentemente das características ultrassonográficas. Além desses argumentos, segundo as orientações de 2015 da American Thyroid Association (ATA), a biópsia é recomendada apenas para nódulos maiores que 1 cm.

A citologia aspirativa é importante para indicar o tratamento adequado desses pacientes. O sistema de Bethesda para relatar citopatologia tireoide incluem seis categorias. A categoria de diagnóstico inclui dois nódulos benignos, os quais podem ser administrados de forma segura com USG periódica do pescoço; nódulos que são malignos (categoria 6) ou provavelmente malignos (categoria 5) geralmente precisam de cirurgia. Se os resultados de citologia não são diagnósticos (categoria 1), o nódulo deve ser reaspirado. Resultados indeterminados (categorias 3 e 4, este último com maior probabilidade de malignidade) podem ser manejados cirurgicamente ou com monitorização clínica próxima, dependendo de fatores clínicos de risco, padrões de USG, e preferências do paciente.

Para pacientes nas categorias diagnósticas 3 e 4, em que o diagnóstico ou exclusão de câncer de tireoide não é clara, podem ser utilizadas abordagens com técnicas de biologia molecular, com uso de painéis de perfis de mutação do gene e de expressão de gene. Um teste positivo para uma mutação em painéis de genotipagem tem alto valor preditivo para câncer de tireoide. Em contrapartida, a expressão do gene classificador oferece um forte valor preditivo negativo, mas um resultado suspeito é preditivo de câncer da tireoide em apenas 50% dos casos.

Resultados de estudose recentes sugerem que existe grande variação interinstitucional na utilidade e custo-eficácia deste teste. Embora se tenha expandido, os painéis de investigação de mutações parecem superar algumas deficiências do ensaio de expressão gênica classificador. Estudos adicionais de validação do painel de mutações nas várias instituições são necessários. Portanto, a utilização destes testes para melhorar paciente continua a ser estabelecida. No entanto, a era do diagnóstico molecular em nódulos ainda está em desenvolvimento.

 

Tratamento do câncer diferenciado da tireoide

 

A USG cervical apresenta papel fundamental na avaliação para decidir qual o tratamento adequado, fornecendo aos cirurgiões informações fundamentais sobre tamanho, localização, número de tumores e nódulos linfáticos, e sobre a invasão local de tecidos circundantes. Em até um terço dos pacientes com câncer diferenciado de tireoide, lesões nodais são identificadas no exame pré-operatório; e, em dois terços desses casos, os resultados levam à revisão do plano cirúrgico.

As decisões de tratamento primário são baseadas no risco pré-operatório, que inclui dados clínicos, de imagem e os dados citológicos. As escolhas dependem do local ou locais e da extensão da doença; há também o risco de estarem presentes focos não identificáveis da doença (isto é, cirurgia profilática). As diretrizes recentes da ATA são mais conservadoras, considerando a evolução favorável que os estudos têm mostrado que estes pacientes apresentam. A lobectomia é uma opção para os tumores unifocais menores que 4 cm, e sem evidência de extensão extratireoidiana ou metástases em linfonodos. Os resultados de vários grandes estudos têm mostrado que ressecções unilaterais e bilaterais estão associadas com a sobrevida semelhante a longo prazo. Nesses casos, a sobrevida global também não é afetada pela presença de metástases ocultas em linfonodos. Com um lobo intacto, muitos pacientes podem evitar a terapia de reposição hormonal da tireoide ao longo da vida. As taxas de complicações associadas à lobectomia são cerca de metade daquelas relatadas com tireoidectomia total na presença de tumores pequenos, e não invasivos. Na realização da lobectomia, deve ser realizada

inspeção do compartimento central; e, se doença nodal for detectada, deve-se reverter o procedimento para tireoidectomia total com esvaziamento cervical compartimental. As raras recorrências, que se desenvolvem a longo prazo de seguimento dos pacientes tratados com lobectomia, podem ser detectadas facilmente e controladas de forma adequada com a cirurgia, sem que a sobrevida seja alterada. Essa evidência é baseada nos resultados de estudos de caso-controle e em registros de dados. O manejo não cirúrgico pode ser uma opção para pacientes cuidadosamente selecionados que se apresentam com microcarcinomas papilares (=1 cm), sem evidência de metástases em linfonodos cervicais. Pesquisadores no Japão descobriram uma forte evidência da segurança e eficácia da vigilância ativa nesses casos cirúrgicos; a vigilância clínica é a conduta padrão neste país para o microcarcinoma da tireoide. Essa conduta não é recomendada em outros países.

Após a realização da cirurgia, uma próxima decisão recai sobre a necessidade de realizar ablação com iodo radioativo, ou supressão do TSH, ou ambos. Essa avaliação é realizada convencionalmente com base no sistema tumor-linfonodo-metástase (TNM). Esse sistema foi designado para predizer a mortalidade, e é menos eficaz para estimar a probabilidade da recorrência da doença, que é mais pertinente para o acompanhamento de planejamento. Em 2009, a ATA passa a considerar a necessidade de estimar o risco de recorrência, propondo um novo sistema que identifica alto, médio e baixo risco para recorrência.

A decisão de administrar tratamento com iodo radioativo após a tireoidectomia total é muitas vezes justificada pela necessidade de eliminar o tecido residual da tireoide. A capacidade deste tecido para incorporar iodo e produzir tireoglobulina complica os esforços para identificar o tecido tireoidiano neoplásico persistente ou recorrente com cintilografia com iodo 131 e ensaios de tireoglobulina sérica. Essa lógica está agora sendo desafiada. Nas últimas duas décadas, o uso da a cintilografia de corpo inteiro (PCI) ou PCI com iodo 131 diminuiu acentuadamente, sendo substituída peçasão métodos diagnósticos comparativamente menos utilizados que a USG cervical, que é mais por ser mais sensível e vantajosa em termos de custo, por não expor o paciente à radiação, e pela ausência de efeitos adversos.

A USG cervical combinada com ensaios de tireoglobulina sérica são os métodos mais sensíveis para detectar doença persistente e para adaptar estratégias subsequentes diagnósticas e terapêuticas.

O uso de radioiodo também é defendido como tratamento adjuvante, com o objetivo de melhorar os resultados a longo prazo, destruindo focos microscópicos ocultos de células neoplásicas dentro do tecido remanescente da tireoide ou em outras partes do corpo. Essa prática também tem sido questionada na última década: as diretrizes, que agora recomendam o uso seletivo de iodo radioativo, com base no risco individual utilizam a dose de iodo radiativo mais baixa necessária para assegurar o sucesso do tratamento.

Por último, iodo radioativo pode ser usado para identificar os pacientes com doença metastática distante – pois é sensível ao iodo radioativo - e também serve como um tratamento de doença distante. Infelizmente, muitos pacientes são refratários ao iodo radioativo; assim, para esses pacientes, esta estratégia não seria eficaz para detecção ou tratamento da doença distante.

O TSH circulante estimula a proliferação dos tireócitos normais e a maioria das células de câncer de tireoide. Por essa razão, as doses de TSH-supressoras de terapia hormonal da tireoide têm sido tradicionalmente usadas após a cirurgia. Essa abordagem reduz significativamente a recorrência e a mortalidade relacionada ao câncer em pacientes com câncer diferenciado da tireoide. No entanto, a quantidade de supressão necessária para atingir a essas metas não é clara. Em pacientes de alto risco, reduzir as concentrações de TSH para menos do que 0,1 mU/L pode melhorar os resultados clínicos, mas moderada reduções (TSH subnormais para o normal) também podem melhorar desfechos. No entanto, o hipertiroidismo subclínico induzido por TSH pode afetar negativamente o osso (causando a osteoporose na pós-menopausa) e coração (causando angina em doentes com doença cardíaca coronária, e fibrilação atrial em pacientes idosos). A probabilidade de complicações deve ser avaliada comparativamente com o risco de aumentar a proliferação de células tumorais, com base nas avaliações de risco do indivíduo de apresentar doença persistente ou recorrente.

Após 6-12 meses da cirurgia, o risco do paciente deve ser revisto com base na sua resposta ao tratamento primário . A reavaliação destes pacientesenvolve a dosagem das concentrações de tireoglobulina, USG cervical e outros exames, conforme necessário. Os resultados são essenciais para o planejamento dos próximos anos de seguimento, considerados importantes uma vez que 77% das recorrências são descobertas durante os primeiros cinco anos após a cirurgia. Mesmo assim, a estimativa de risco é atualizada continuamente e revista durante o seguimento. Com essa abordagem, uma proporção substancial de pacientes com câncer diferenciado de tireoide, incluindo alguns cujo estadiamento inicial revelou um alto risco de doença persistente ou recorrente, pode em algum momento ser reclassificada como tendo um menor risco de recorrência, e realizar uma vigilância de menor intensidade. Recorrências detectadas durante o período de vigilância são geralmente manejadas com observação (para lesões clinicamente insignificantes ou muito pequenas) ou com cirurgia compartimental abrangente.

A terapia com radiodo é recomendada para pacientes com doença considerada de alto risco. São condições que indicam alto risco:

- invasão tumoral macroscópica;

- ressecção tumoral incompleta com doença residual evidente;

- metástases a distância;

- níveis de tireoglobulina aumentado sugerindo doença metastática;

- doença N1 no estadiamento com linfonodo > 3 cm em seu maior diâmetro;

- carcinoma folicular com extensão vascular significativa.

 

Em pacientes com fatores de risco intermediários – incluindo invasão microscópica de tecidos moles, presença de doença linfonodal cervical, tumor histologicamente agressivo e multifocal –, pode ser considerada a terapia com iodo radioativo. Há pouco mais de 10 anos, essa terapia era o tratamento padrão para todos os pacientes com carcinoma de tireoide.

Em relação à terapia supressora com hormônio tireoidiano, recomenda-se que para pacientes com doença de alto risco sejam mantidos os níveis de THS menores que 0,1 m/UL; para os de risco intermediário entre 0,1-0,5 m/UL; e para pacientes de baixo risco os valores normais baixos. Anualmente, pode-se pesquisar a recorrência da doença em pacientes com terapia supressora com a suspensão da levotiroxina até TSH > 30 m/UL, ou com TSH recombinante humano, realizando PCI e dosagem de tireoglobulina. Em outros retornos ambulatoriais, a USG cervical e a dosagem de tireoglobulina sem estímulo são recomendadas.

 

Tratamento do carcinoma medular da tiroide

 

A cirurgia é o único tratamento curativo para o carcinoma medular da tireoide. No entanto, alguns pacientes com metástases ganglionares clinicamente aparentes no momento do diagnóstico podem alcançar marcadores tumorais indetectáveis. Tal como acontece com câncer diferenciado da tireoide, imagiologia diagnóstica antes da cirurgia é crucial para indicar a intervenção cirúrgica adequada. Todos os pacientes com diagnóstico pré-operatório de câncer medular da tireoide devem ser submetidos à USH de pescoço e à mensuração de marcadores tumorais (calcitonina e antígeno carcinoembrionário). Além disso, determinar se o paciente tem uma doença hereditária ou esporádica é crucial porque os pacientes com neoplasia endócrina múltipla tipo 2 podem ter feocromocitoma ou hiperparatiroidismo primário, ou ambos; e neste caso é importante resolver o feocromocitoma antes da intervenção cirúrgica para o carcinoma medular. Se o paciente tem hiperparatireoidismo primário, a cirurgia da tireoide deve ser adaptada para incluir paratireoidectomia. A linfadenectomia do compartimento central e das cadeias cervicais bilaterais deve ser realizada de rotina.

O encaminhamento ao aconselhamento genético para doentes com carcinoma medular da tireoide hereditário é recomendado .

 

Marcadores tumorais no cenário pré-operatório

 

Se a concentração de calcitonina no pré-operatório for maior que 146 pmol/L, deve ser realizada pesquisa de doença metastática distante. A imagem recomendada para este caso inclui tomografia computadorizada (TC) cervical e de tórax e ressonância nuclear magnética (RNM) trifásica com contraste do fígado. Metástases ósseas são preferencialmente avaliadas por RNM de esqueleto axial. Na ausência de doença metastática distante substancial, a cirurgia preferida é a tireoidectomia total com esvaziamento cervical central bilateral. A dissecção de compartimento lateral do pescoço e suspeito por ultrassom cervical é confirmado por citologia aspirativa. As diretrizes da ATA revistas para o tratamento do câncer medular da tireoide recomendam esvaziamento cervical contralateral em pacientes com doença cervical lateral com base nas concentrações de calcitonina superiores a 58 pmol/L; no entanto, esta recomendação permanece controversa.

O manejo a longo prazo do carcinoma medular da tireoide consiste principalmente de observação. Os pacientes precisam de reposição hormonal da tireoide, mas não existe indicação de terapia supressora de TSH, como é feito com câncer diferenciado da tireoide de alto risco. Marcadores tumorais devem ser checados três meses após a cirurgia (calcitonina e antígeno carcinoembrionário) para determinar se o paciente tem doença persistente. A radiação externa deve ser usada ??com moderação, uma vez que pode limitar a intervenção cirúrgica futura devido à indução de fibrose.

Pacientes com marcadores tumorais indetectáveis ??e imagem normal após a cirurgia devem continuar a ser acompanhados anualmente; e aqueles com marcadores tumorais persistentes devem ser acompanhados mais de perto para a progressão. O aumento maior de duas vezes na calcitonina e no antígeno carcinoembriônico é uma medida útil, porque são preditivos de resultados e comportamento agressivo do tumor. Pacientes com calcitonina e aumento de antígeno carcinoembrionário dentro de seis meses têm sobrevida global mais curta.

 

 

Tratamento sistêmico do carcinoma de tireoide

 

O tratamento sistêmico é considerado para pacientes refratários à terapia com iodo radioativo. A definição padrão desses pacientes inclui lesões metastáticas que não tenham nenhuma captação na PCI, ou uma ou mais lesões que não tenham qualquer absorção no PCI, ou progressão das lesões que tenham captação na PCI. A maioria das definições também incluem pacientes que receberam mais que 600 mCi dose cumulativa de iodo radioativo, porque esses pacientes não parecem ter benefício com tratamento adicional.

Tratamentos localizados podem ser considerados para pacientes com doença progressiva, atrasando assim a necessidade de tratamento sistêmico. Por exemplo, a radiação com feixe externo ou embolização para metástases ósseas ou hepáticas pode ser considerada. Em pacientes com doença locorregional, a cirurgia deve ser considerada na configuração apropriada, e metastasectomia pode ser utilizada para doença metastática pouco significativa, a fim de diminuir a morbidade.

Nos últimos anos, os Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA) e a Agência Europeia de Medicamentos aprovaram dois inibidores da quinase para uso no câncer diferenciado de tireoide: sorafenib e lenvatinib, s drogas com propriedades antiangiogênicas. Outras classes de medicamentos têm sido estudadas para o câncer diferenciado da tireoide.

Para o carcinoma medular de tireoide, tanto o vandetanib e cabozatinib são aprovados para o tratamento nos Estados Unidos e na União Europeia. Muitos pacientes com carcinoma metastático ou câncer diferenciado de tireoide recorrente e carcinoma medular da tireoide têm doença indolente. Assim, essas drogas são reservadas para pacientes com doença progressiva ou para aqueles com doença que esteja ameaçando estruturas vitais ou causando sintomas clínicos substanciais. Os pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide devem ter a doença tratada com iodo radioativo antes de serem considerados tratamentos sistêmicos.

Até agora, nenhum dos ensaios mostrou uma vantagem de sobrevida global da droga versus placebo.

 

Carcinoma da tireoide anaplásico

 

O carcinoma da tireoide anaplásico pode apresentar diversas anormalidades histomorfológicas, levando à confusão na definição do órgão de origem da doença. Essa confusão pode levar a um atraso no diagnóstico e início do plano terapêutico. Assim que diagnosticado, os pacientes devem ser avaliados rapidamente, com suas como as vias aéreas verificadas pela laringoscopia por fibra óptica. Centros especializados devem avaliar a possibilidade de ressecção da doença. Pacientes com tumores primários não ressecáveis, mas sem metástases distantes detectáveis, são geralmente encaminhados para quimioradiação paliativa. Se a doença locorregional é uma ameaça iminente, a radiação quimioterapia deve ser dada em primeiro lugar. Para aqueles pacientes cujas vias aéreas não estejam em risco ou já estiverem estabilizados por traqueostomia, a quimioterapia sistêmica com drogas citotóxicas, ou de preferência a inscrição em um estudo clínico devem ser consideradas.

 

Referências

 

1-Cabanillas ME, et al. Thyroid Cancer. Lancet 2016, published online may 27 2016.

2-Haugen BR, Alexander EK, Bible KC, et al. 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer: The American Thyroid Association Guidelines Task Force on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer. Thyroid 2016; 26:1.

3-National Comprehensive Cancer Network (NCCN). NCCN Clinical practice guidelines in oncology. http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/f_guidelines.asp. Acessodia 01 de agosto de 2016.

 

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