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Obstrução Intestinal

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 14/11/2017

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A obstrução intestinal (OI) é a incapacidade do trato intestinal de permitir a passagem intraluminal de alimentos e conteúdos intestinais, podendo ocorrer por obstrução mecânica ou representar um processo funcional como o íleo adinâmico. A OI é responsável por, aproximadamente, 15% de todas as visitas no departamento de emergência com queixa de dor abdominal aguda.

A obstrução mecânica pode ser aguda ou crônica, sendo causada por fatores intrínsecos ou extrínsecos que, em geral, requerem intervenção em um período de tempo relativamente curto para determinar a causa e minimizar morbidade e mortalidade subsequentes. O íleo adinâmico ou paralítico é mais comum, mas, em geral, é autolimitado e não requer intervenção cirúrgica.

A OI pode acometer tanto o intestino grosso como o intestino delgado por diversos processos patológicos. Processos extrínsecos, intrínsecos ou intraluminais precipitam a obstrução mecânica. Diferenciar a obstrução do intestino delgado da do intestino grosso é fundamental, pois a incidência, a apresentação clínica, a avaliação e o tratamento variam dependendo do local anatômico de obstrução.

A OI leva à dilatação intestinal e à retenção de fluido no território antes da obstrução; se a dilatação é significativa, sobretudo no intestino delgado, pode ocorrer necrose ou perfuração intestinal. A pseudo-obstrução intestinal aguda (síndrome de Ogilvie) pode ter apresentação similar à OI, manifestando-se em diferentes situações; mas, particularmente, em pacientes com distúrbios hidroeletrolíticos e com uso de algumas medicações em específico, podendo cursar com significativas distensão abdominal e dilatação maciça do ceco e colo direito com risco de perfuração.

 

Fisiopatologia

 

A OI ocorre quando o fluxo intraluminal se torna interrompido. O intestino normal contém gás, bem como secreções gástricas e alimentos. O acúmulo intraluminal de secreções gástricas, biliares e pancreáticas continua ocorrendo mesmo que não haja ingesta oral. À medida que a obstrução se desenvolve, o intestino apresenta edema de alças, o conteúdo intestinal deixa de ser absorvido e fluido passa a ser sequestrado no lúmen.

O paciente, posteriormente, apresenta vômitos e diminuição da ingestão oral. A combinação de diminuição da absorção, vômito e ingestão reduzida leva à depleção de volume com hemoconcentração e desequilíbrio eletrolítico, podendo ocasionar a insuficiência renal ou choque; pode ocorrer, ainda, transudação de líquido para a cavidade peritoneal. Os vômitos levam à perda adicional de volume com perda de eletrólitos como sódio, potássio, cloro e ácido clorídrico, e o paciente pode evoluir com alcalose metabólica. Os doentes podem, ainda, apresentar supercrescimento bacteriano, o que favorece a ocorrência de infecção.

A distensão intestinal acompanha, com frequência, a obstrução mecânica; ela é devida ao acúmulo de líquidos no lúmen intestinal, ao aumento da pressão intraluminal com contrações peristálticas aumentadas e deglutição do ar. Quando a pressão intraluminal excede a pressão capilar e venosa na parede intestinal, a absorção e a drenagem linfática diminuem, o intestino torna-se isquêmico e infecções secundárias e necrose intestinal podem ocorrer. O choque pode ocorrer rapidamente. O índice de mortalidade chega a 70% se a OI tiver progredido até esse nível.

A OI pode ocorrer em alça fechada ? em dois segmentos diferentes, criando o que se chama de obstrução em alça fechada, que pode progredir rapidamente para estrangulamento da mucosa intestinal, necrose e isquemia, de forma mais veloz que na obstrução sem alça fechada. Exemplos de obstrução em alça fechada incluem uma hérnia encarcerada e a obstrução completa do colo na presença de uma válvula ileocecal fechada.

 

Epidemiologia e Fatores de Risco

 

A obstrução do intestino delgado corresponde a 80% dos casos de OI, com cerca de 300 mil laparotomias realizadas ao ano. A idade média dos pacientes é de 60 a 65 anos, com as mulheres representando 60% dos casos da doença. A causa mais comum de obstrução do intestino delgado são as adesões que ocorrem após a cirurgia abdominal. Embora, na maioria dos casos, ocorra um intervalo de vários meses a anos desde a cirurgia anterior, a obstrução pode se manifestar dentro das primeiras semanas após a cirurgia. Após cirurgias abdominais, 5 a 10% dos pacientes podem evoluir com quadro de OI.

A segunda causa mais comum de obstrução do intestino delgado é o encarceramento de uma hérnia inguinal. O Quadro 1 sumariza os principais fatores de risco para a OI.

 

Quadro 1

 

PRINCIPAIS FATORES DE RISCO PARA A obstrução intestinal

               Cirurgia abdominal ou pélvica anterior

               Hérnia de parede abdominal ou inguinal

               Doença inflamatória intestinal

               História ou presença de neoplasia intestinal

               Radioterapia local prévia

               Ingestão de corpo estranho

 

As hérnias umbilicais também podem cursar com OI, e podem ocorrer em qualquer faixa etária. As mulheres idosas apresentam risco aumentado de aparecimento de hérnias femorais ou em músculo obturador. Na população idosa, as aderências e hérnias são ainda causas comuns de obstrução do intestino delgado, enquanto que o carcinoma é a causa mais provável de obstrução do intestino grosso devido ao aumento da probabilidade de câncer com a idade. A população idosa também tem risco aumentado de complicações graves da OI.

A cirurgia bariátrica pode ser complicada por hérnias internas após a cirurgia de bypass gástrico em Y de Roux. Outras causas de obstrução do intestino delgado são menos comuns e, em geral, são resultado de processos intraluminais ou intramurais. As lesões primárias do intestino delgado como pólipos, linfoma ou adenocarcinoma podem, em casos raros, ser associadas à OI. Uma causa incomum de OI é o íleo biliar. Nessa situação, um cálculo biliar devido à erosão da parede da vesícula biliar migra através da parede intestinal e pode causar obstrução na válvula ileocecal.

Os sinais de íleo biliar incluem OI e ar na árvore biliar. Os linfomas podem ser o principal ponto de intussuscepção e apresentar-se como obstrução do intestino delgado. Os bezoares são um material comumente composto de matéria vegetal que pode causar obstrução; em pacientes previamente submetidos à piloroplastia ou à ressecção pilórica, existe maior suscetibilidade à obstrução intraluminal por bezoares.

A doença inflamatória intestinal e os processos infecciosos, incluindo abscessos, podem obstruir o intestino delgado em vários locais. A enterite por radiação é outra causa de OI. O trauma abdominal contuso pode ocasionar um hematoma duodenal, que pode, por sua vez, causar obstrução. Essa condição é observada em crianças como resultado do uso de cinto abdominal; costuma ser caracterizada por dor intra-abdominal e vômitos semelhantes a outras causas de obstrução do intestino delgado.

O uso de cápsula endoscópica tem sido cada vez mais disseminado, e uma complicação do procedimento é a retenção da cápsula no intestino delgado, que pode ocorrer em 1 a 20% de todos os procedimentos. A retenção da cápsula pode acarretar a obstrução e a perfuração, de modo que os pacientes com dor abdominal após a introdução da cápsula devem ser avaliados para essas complicações.

A obstrução colônica quase nunca é causada por hérnia ou adesões cirúrgicas; deve-se considerar a hipótese diagnóstica de neoplasia colônica. Em indivíduos com diverticulite, podem ocorrer edema mesentérico significativo e obstrução secundária. A formação de estenoses pode ocorrer com inflamação crônica e cicatrização. A impactação fecal é um problema comum nos idosos ou debilitados, com possibilidade de apresentar sintomas de obstrução colônica.

Outra causa comum de obstrução do intestino grosso após câncer e diverticulite é o volvo sigmoide. Os idosos, acamados ou pacientes psiquiátricos são de maior risco, assim como aqueles em uso de medicação anticolinérgica. A história de constipação pode preceder o desenvolvimento de volvo. O volvo cecal pode causar obstrução do intestino grosso, sendo mais comum em gestantes.

 

Características Clínicas

 

O local e a natureza da obstrução e da condição pré-existente do paciente influenciam a apresentação clínica. Quase todos os pacientes apresentam dor abdominal, que costuma ser em cólica e intermitente, com duração de alguns minutos de cada vez, podendo ser periumbilical ou difusa, em paroxismos. A dor tende a ser menos intensa e mais constante no íleo adinâmico.

Os pacientes com quadro agudo de OI apresentam, também, vômitos e náuseas associados com distensão abdominal, com períodos de melhora dos sintomas e com recorrência frequente. Em uma revisão de 300 indivíduos com OI, a dor abdominal foi descrita em 92% deles, e vômitos, em mais de 80%. O vômito costuma ser bilioso na obstrução proximal, porém é fecaloide na obstrução do intestino delgado ou grosso. A dor da obstrução do intestino grosso é, em geral, localizada na região hipogástrica.

Outros fatores da obstrução do intestino delgado ou colo incluem a incapacidade de ter um movimento intestinal ou apresentar flatulência. A constipação é um sintoma comum de OI. No entanto, a OI parcial é comumente associada à passagem regular de fezes e flatos. Os fatores de risco adicionais são a idade avançada, o uso de antidepressivos anticolinérgicos ou tricíclicos, que diminuem a motilidade intestinal.

Os achados de exame físico variam dependendo do local, da duração e da etiologia do processo patológico. Na obstrução do intestino delgado, a distensão é o sinal mais confiável, sendo que alguma distensão, em geral, está presente no início da doença. A hipersensibilidade abdominal pode ser de mínima a grave e localizada ou difusa. A peritonite causa dor intensa. O abdome pode ser a causa mais comum de obstrução do intestino grosso.

O achado mais característico na OI de intestino delgado é a distensão abdominal que ocorre em dois terços dos pacientes; também há importante perda de volume, de modo que os doentes podem se encontrar desidratados, taquicárdicos, com hipotensão ortostática e diminuição do débito urinário.

O abdome pode ser timpânico à percussão. A obstrução mecânica produz sons intestinais agudos e ruídos metálicos. Se houver obstrução por várias horas, as ondas peristálticas e os sons intestinais podem ser diminuídos. Os pacientes com íleo adinâmico podem ter alguma distensão abdominal associada a sons intestinais diminuídos ou ausentes. A hipersensibilidade localizada ou dor com descompressão brusca podem ser sinais de intestino gangrenado ou infeccionado, que requer intervenção cirúrgica imediata.

O exame cuidadoso, juntamente com a investigação radiográfica identifica, muitas vezes, a etiologia da OI. A organomegalia ou massas podem sugerir uma causa da obstrução. A ausência de fezes ou ar na valva retal sugere um diagnóstico de obstrução e pode auxiliar no diagnóstico de OI, mas sua presença não elimina uma obstrução mais proximal. Um exame retal pode identificar impactação fecal, carcinoma retal e sangue oculto. Deve-se considerar realizar um exame pélvico em mulheres para identificar a patologia ginecológica causando obstrução.

 

Exames Complementares

 

O diagnóstico de OI ou íleo deve ser considerado em qualquer paciente com dor abdominal e distensão. Embora qualquer segmento do intestino possa ser afetado, a obstrução colônica baixa é a apresentação clínica mais comum. A radiografia simples de abdome é considerada o exame inicial de escolha e pode demonstrar, na obstrução de intestino delgado, as alças se encontram dilatadas com níveis hidroaéreos, com dilatação de alças proximais, a obstrução e ausência de ar distalmente à obstrução.

Na obstrução colônica baixa, as radiografias podem demonstrar um colo maciçamente dilatado com septos bem definidos e muito pouco fluido, sem níveis hidroaéreos. A tomografia computadorizada (TC) é o exame mais confiável, devendo, se possível, ser realizado com contraste venoso e oral; o exame oferece a vantagem de detectar a inflamação da mucosa e avaliar a viabilidade da mucosa.

A sensibilidade da TC é de 93% com especificidade de 100% para detectar o local da OI, com acurácia de 93% para predizer o local da OI, comparado a 60% de acurácia com a radiografia simples de abdome. Achados sugestivos de OI na TC de abdome incluem:

               espessamento de parede intestinal >3mm (inespecífico) no intestino delgado;

               ponto de transição colônico com dilatação colônica (>8cm) com colo posteriormente colapsado;

               sinais da presença de volvo colônico: como o cruzamento de dois pontos de transição colônicos;

               edema ou hemorragia de submucosa;

               edema mesentérico;

               ascite

               sinal do alvo: alternância de sinais hipo e hiperdensos, sugestivos de intuscepção intestinal;

               sinal do redemoinho: estruturas intestinais que rodam em torno de si mesmas;

               presença de massa colônica.

 

Devem ser evitados estudos com bário porque o paciente pode ser incapaz de evacuar o bário, podendo haver complicações potenciais. Os exames laboratoriais devem incluir: hemograma completo, eletrólitos, função renal, amilase, lipase, desidrogenase lática (LDH) e bioquímica hepática. Podem ser acrescentadas provas inflamatórias. Os resultados podem variar de forma significativa, dependendo da duração, do local de obstrução e da presença de necrose intestinal.

Uma leucocitose >20.000/mm3, ou desvio para a esquerda, pode ser associada a necrose intestinal, abcesso intra-abdominal ou peritonite. A leucocitose extrema (>40.000/mm3) sugere oclusão vascular mesentérica. Os níveis séricos de amilase e lipase podem estar ligeiramente elevados. Aumentos no hematócrito, na ureia e na creatinina são consistentes com a depleção de volume e a desidratação.

Outras indicações da gravidade da obstrução ou complicações secundárias incluem aumento da densidade urinária, níveis elevados de lactato e acidose metabólica. Alguns estudos sugerem que a procalcitonina pode predizer isquemia intestinal ou falha do tratamento conservador; a proteína C-reativa aumentada sugere a presença de complicações como necrose intestinal ou infecção secundária, mas o exame é pouco validado para modificar o manejo do paciente.

 

Tratamento

 

O tratamento para a OI, inicialmente, é de suporte com hidratação em pacientes desidratados, obtenção de acesso venoso e correção de hipotensão e possíveis distúrbios hidroeletrolíticos. A descompressão gástrica é indicada em doentes com náuseas e vômitos, sobretudo em caso de distensão abdominal significativa, com uso de sonda nasogástrica se necessário, embora, em muitos casos, o uso da sonda nasogástrica pode ser desnecessário e está associado a potenciais benefícios e riscos, devendo pesar o seu risco e o seu benefício.

A preferência do cirurgião continua a ditar a prática local em relação ao uso da sonda nasogástrica de rotina. A reposição agressiva de fluidos IV é necessária devido à perda de capacidade de absorção, à diminuição da ingestão oral e aos vômitos. Os pacientes devem ser adequadamente monitorados em relação à necessidade da ressuscitação com fluidos com a resposta da pressão arterial, a frequência cardíaca e a produção de urina.

A analgesia é importante, e os pacientes, muitas vezes, são refratários às medicações comuns; se for necessário, devem ser utilizados opioides, apesar de serem medicações que podem diminuir a motilidade do trato gastrintestinal. O tratamento específico da OI depende da etiologia dela. A obstrução em alça fechada, a necrose intestinal e volvo cecal são emergências cirúrgicas. Os pacientes com volvo colônico podem ter a obstrução corrigida por sigmoidoscopia flexível.

Em indivíduos com obstrução colônica por massa, o uso de stents endoteliais pode ser considerado uma medida de melhora imediata antes da cirurgia definitiva ou servir como tratamento paliativo em casos de doença maligna avançada. Em pacientes com OI do intestino delgado, o uso de contrastes hipertônicos hidrossolúveis como o gastrografin pode ser em dose de 7,5ml, em 30min, até 22,5ml, em 2h, como medida conservadora antes de se indicar a cirurgia para desobstrução.

O tratamento clínico específico da causa da obstrução pode ser realizado; em casos de doença inflamatória intestinal e tuberculose intestinal, ele pode melhorar o quadro de OI. Em pacientes com indicação cirúrgica, costuma ser recomendado o uso de antibióticos pré-operatórios de amplo espectro no departamento de emergência. Existem muitos regimes possíveis. A monoterapia pode ser realizada com piperacilina-tazobactam, ticarcilina-clavulanato ou um carbapenem.

Se houver suspeita de íleo adinâmico, ou o diagnóstico for incerto, o manejo ambulatorial conservador, incluindo o uso de fluidos intravenosos e a observação, em geral é suficiente para permitir que o intestino retome a atividade e a função normais. Qualquer medicamento que iniba a mobilidade intestinal deve ser descontinuado.

A internação é indicada em todos os casos de OI. A consulta com um cirurgião experiente deve ser obtida no departamento de emergência ou no momento da admissão. O íleo adinâmico também deve ser admitido para o tratamento da causa subjacente e até a resolução do íleo.

 

Referências

 

1-Price TG, Orthober RG et al. Bowel obstruction in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2-Brolin RE, Krasna MJ, Mast BA. Use of tubes and radiographs in the management of small bowel obstruction. Ann Surg 1987; 206:126.

3-Catena F, Di Saverio S, Kelly MD, et al. Bologna Guidelines for Diagnosis and Management of Adhesive Small Bowel Obstruction (ASBO): 2010 Evidence-Based Guidelines of the World Society of Emergency Surgery. World J Emerg Surg 2011; 6:5.

4-Markogiannakis H, Messaris E, Dardamanis D, et al. Acute mechanical bowel obstruction: clinical presentation, etiology, management and outcome. World J Gastroenterol 2007; 13:432.

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