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Intoxicação por Medicações Anti-psicóticas

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 16/03/2018

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 As medicações antipsicóticas foram desenvolvidas na década de 1950, com seu primeiro uso clínico em 1951. Essas medicações são úteis para o controle de delirium, agitação, alucinações e outras manifestações positivas da psicose, com pouco efeito paras as manifestações negativas da doença. São associadas com um grande número de efeitos adversos, sendo responsáveis por, aproximadamente, 6 mil visitas secundárias a efeitos adversos da medicação em departamentos de emergência nos EUA, sendo a maioria das visitas secundária ao uso do haloperidol.

Os medicamentos de segunda geração, ou antipsicóticos atípicos, estão disponíveis desde os anos 90 e têm se caracterizado por efeitos colaterais mais amenos, com efeitos extrapiramidais mínimos quando tomados em doses efetivas e com alguma atividade contra os sinais negativos de esquizofrenia.

Os agentes antipsicóticos típicos antagonizam a ação da dopamina em diferentes áreas no cérebro, incluindo córtex cerebral, gânglios da base, sistema límbico, entre outras áreas cerebrais, com sua eficácia sendo, muitas vezes, dependente da afinidade com que se ligam aos receptores dopaminérgicos.

O Quadro 1 descreve as principais medicações antipsicóticas utilizadas.

 

Quadro 1

 

MEDICAÇÕES ANTIPSICÓTICAS

Primeira geração

Clorpromazina

Levomepromazina

Promazina

Prometazina

Mesoridazina

Tioridazina

Droperidol

Haloperidol

Antipsicóticos de segunda geração ou atípicos

Amissulprida

Sulpiride

Clozapina

Olanzapina

Quetiapina

Risperidona

Ziprasidona

Antipsicóticos de terceira geração

Quinolinona

Aripiprazol

 

Fisiopatologia

 

Atualmente, há mais de 50 medicações antipsicóticas diferentes disponíveis em todo o mundo. A maioria delas é rapidamente absorvida pelo cérebro, de modo que já começa a exercer seus efeitos, com meia-vida de 6 a 24 horas, dependendo da lipossolubilidade e do volume de distribuição.

Na intoxicação aguda, os efeitos são sobretudo na forma de um efeito exagerado da atividade farmacológica dessas medicações. Praticamente, todos os antipsicóticos se ligam inibindo os receptores dopaminérgicos-2 (D2) no sistema nervoso central (SNC). Quando o tratamento antipsicótico é iniciado, o bloqueio do receptor D2 resulta em aumento da produção e liberação de dopamina da célula pré-sináptica. No entanto, com o uso contínuo, ocorre uma inativação da despolarização e diminuem a produção e a liberação da dopamina.

O bloqueio de receptores de dopamina em diferentes regiões do cérebro produz efeitos variáveis. O bloqueio dos receptores D2 no sistema mesocortical e mesolímbico está associado à ação antipsicótica, enquanto o bloqueio do receptor D2 na área postrema é responsável pela atividade antiemética.

O bloqueio dos receptores D2 em outras regiões do cérebro produz muitos dos efeitos adversos associados aos antipsicóticos. O antagonismo dos receptores D2 na região túbero-infundibular está associado à hiperprolactinemia, que pode causar galactorreia, ginecomastia e disfunção sexual. O bloqueio dos receptores D2 na região nigroestriatal está associado ao desenvolvimento de sintomas extrapiramidais.

Os agentes com maior afinidade do receptor D2 (por exemplo, haloperidol) têm uma maior probabilidade de induzir sintomas extrapiramidais, ao passo que os agentes com menor afinidade do receptor (por exemplo, clozapina) causam menos sintomas extrapiramidais. O bloqueio dos receptores D2 no hipotálamo anterior pode produzir alterações na temperatura corporal.

Além de bloquear os receptores da dopamina, muitos agentes antipsicóticos têm atividades nos receptores a-adrenérgicos, muscarínicos, histaminérgicos e serotoninérgicos. O antagonismo dos receptores a1-adrenérgicos leva à hipotensão ortostática e à taquicardia reflexa. O antagonismo dos receptores muscarínicos pode produzir sintomas anticolinérgicos, incluindo hipertermia, taquicardia, midríase, membranas mucosas secas e retenção urinária. O bloqueio dos receptores histaminérgicos tem importante efeito sedativo.

Entre os antipsicóticos de primeira geração, a potência está inversamente relacionada à probabilidade de sedação, mas diretamente correlacionada com efeitos extrapiramidais. Portanto, agentes de alta potência como haloperidol são menos sedativos, porém mais propensos a causar sintomas extrapiramidais do que os agentes de baixa potência, como a clorpromazina e a tioridazina.

O antagonismo dos receptores de serotonina está associado a uma probabilidade reduzida de induzir sintomas extrapiramidais ? devido ao fato de antagonismo do receptor de serotonina inibir a liberação de dopamina no córtex pré-frontal e nigroestriado.

A maioria dos antipsicóticos apresenta propriedades farmacocinéticas semelhantes. Após a administração oral, as concentrações plasmáticas máximas, normalmente, ocorrem dentro de 1 a 6 horas. Após a injeção intramuscular, as concentrações plasmáticas máximas costumam ocorrer dentro de 60 minutos para produtos de liberação imediata, mas podem ser adiadas até 1 dia com preparações de depósito.

O metabolismo é sobretudo através do sistema enzimático do citocromo P-450, com as isoenzimas 2D6, 1A2 e 3A4 representando a maioria do metabolismo do fármaco. Devido ao metabolismo hepático quase completo dessas medicações, a insuficiência renal raramente requer ajustes de dosagem.

 

Características Clínicas

 

Existe uma grande variabilidade entre pacientes em relação à dose necessária da medicação para causar efeitos adversos, tendo os idosos e pacientes com início recente da medicação maior risco de desenvolvimento de efeitos adversos. A intoxicação isolada por antipsicóticos raramente é fatal, e a maioria dos pacientes desenvolve apenas sintomas leves a moderados.

A toxicidade é dependente da dose ingerida, das comorbidades e da idade; frequentemente, a história de ingestão é relatada por familiares e pouco confiável. Após a intoxicação aguda, é comum o rebaixamento do nível de consciência, embora isso seja menos frequente em pacientes com terapia antipsicótica a longo prazo.

Efeitos extrapiramidais como acatisia e distonia podem ocorrer com qualquer dose da medicação, com a maioria dos casos ocorrendo em até 48 horas da intoxicação, mas, em algumas situações, há sintomas e procura de departamento de emergência posterior a 48 horas da ingestão. Nas intoxicações severas, os sintomas extrapiramidais costumam ser menos significativos que outros efeitos da medicação.

Outros efeitos no SNC incluem letargia, ataxia, disartria e confusão com coma com depressão respiratória em casos de intoxicação grave. A agitação e o delírio paradoxais podem ocorrer especialmente com o uso de agentes com propriedades antimuscarínicas. As convulsões ocorrem em, aproximadamente, 1% dos indivíduos após a intoxicação aguda, aparecendo sobretudo em intoxicações por loxapina e clozapina.

Os antipsicóticos podem apresentar propriedades antimuscarínicas. Assim, os pacientes podem apresentar taquicardia, mucosas secas, pele seca, midríase, diminuição dos sons intestinais, retenção urinária, agitação, delirium e hipertermia. Em caso de pacientes com hipertermia significativa, deve-se levar em consideração de síndrome neuroléptica maligna, que é descrita em outra revisão.

O exame físico não apresenta sinais patognomônicos; as pupilas, por exemplo, podem ser mióticas, midriáticas ou de tamanho normal, devido ao antagonismo a-adrenérgico de muitos desses agentes; a midríase esperada com agentes anticolinérgicos puros é menos provável de ocorrer nesses pacientes.

A acatisia é caracterizada por uma sensação de inquietude e inabilidade de permanecer parado, e é uma das manifestações características da intoxicação aguda por antipsicóticos, mas não costuma ocorrer nas intoxicações graves. As reações distônicas agudas podem causar grande desconforto, ocorrendo em 30% dos casos na região cervical, em 15% dos casos na língua e em 17%, na mandíbula. Movimentos coreoatetoides e crises oculógiras podem ocorrer, e as alterações do nível de consciência podem variar de sonolência leve a coma profundo.

As manifestações cardiovasculares mais comuns da intoxicação incluem taquicardia sinusal, hipotensão ortostática e hipotensão leve. As alterações do eletrocardiograma (ECG) incluem o prolongamento dos intervalos PR, QRS e QT, segmentos ST deprimidos, anormalidades da onda T (alargamento, achatamento) e amplitude de onda U aumentada. As arritmias ventriculares são raras, com exceção de intoxicações com doses significativas de amissulprida.

 

Diagnóstico

 

O diagnóstico pode ser difícil, pois nem história e exame físico isoladamente conseguem realizar um diagnóstico específico, pois pode ser semelhante a um grande número de intoxicações. As síndromes não toxicológicas também podem simular a intoxicação por antipsicóticos, como a hipoglicemia, as infecções do SNC, entre outras situações.

Os exames complementares devem incluir hemograma completo, função renal, eletrólitos e teste de gravidez para mulheres em idade fértil; o sódio pode estar baixo, particularmente em pacientes com convulsões associadas. Deve-se obter um ECG para avaliar os intervalos de condução. Em pacientes em uso de clozapina ou clorpromazina com febre, é fundamental realizar um hemograma completo devido ao risco de agranulocitose. A dosagem de níveis de acetaminofeno e salicilatos pode ser útil em indivíduos com coinfecções.

 

Tratamento

 

Os pacientes, na apresentação, raramente manifestam depressão respiratória; ainda assim, como em qualquer outra intoxicação aguda, a preocupação inicial é proteger as vias aéreas; então, a monitorização respiratória, com suplementação de oxigênio se necessário, deve ser garantida a todos os pacientes com oximetria de pulso em todos os casos.

Deve-se estabelecer acesso IV e iniciar monitorização cardíaca em pacientes com hipotensão; o tratamento inicial deve ser com expansão volêmica com soluções cristaloides isotônicas, em geral sendo necessários 1 a 2 litros de solução. As crianças devem receber 20 a 40mL/kg. Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência, deve-se realizar a avaliação da glicemia e considerar o uso de naloxona e tiamina.

As convulsões devem ser tratadas com benzodiazepínicos, como o lorazepam. Em pacientes com hipotensão persistente, devem ser introduzidos medicamentos vasopressores como norepinefrina ou vasopressina; a fenilefrina também é uma boa opção. Em pacientes com intervalo QT prolongado (>500 milissegundos), é indicada a reposição de bicarbonato 1 a 2mEq/kg; em pacientes com arritmia como torsades des pointes, deve-se usar sulfato de magnésio 1 a 2g, EV, em 100mL de salina fisiológica, seguido de uma infusão de 2 a 4mg/min, independentemente da concentração de magnésio.

O uso de overdrive pacing também pode ser útil, especialmente em casos de arritmias refratárias ao magnésio. A lidocaína é uma alternativa aceitável ou agente de segunda linha para as arritmias ventriculares. Não devem ser usados os antiarrítmicos de tipo I-A (por exemplo, quinidina, procainamida), I-C (por exemplo, propafenona), III (por exemplo, amiodarona) e IV em pacientes com distúrbios de condução cardíaca ou arritmias ventriculares, porque o seu uso pode potencializar a cardiotoxicidade.

Outra possibilidade é o uso de emulsão lipídica intravenosa que mostrou benefício em intoxicações com grandes doses de quetiapina e instabilidade cardiovascular refratária à terapia convencional. Os pacientes com quadros convulsivos secundários ao uso de antipsicóticos devem ser tratados com benzodiazepínicos; os anticonvulsivantes tradicionais como a fenitoína não são indicados.

O uso de carvão ativado é controverso, pois nenhum estudo mostrou melhora de desfechos, podendo, eventualmente, ser usado em dose única de 1g/kg até o máximo de 50g, em caso de ingestão em menos de 4 horas. O uso de agentes catárticos não tem papel no manejo desses pacientes.

Após a ingestão aguda, os pacientes devem ser observados por um período mínimo de 6 horas. Devido ao potencial de hipotensão ortostática, deve-se avaliar a pressão em ortostase antes da alta hospitalar. O paciente pode ser considerado sem toxicidade se não houver alterações no estado mental, frequência cardíaca e anormalidades da pressão arterial, hipotensão ortostática e prolongamento do intervalo QTc após 6 horas de observação desde o momento da ingestão.

Os pacientes com evidência de toxicidade (por exemplo, taquicardia sinusal ou prolongamento do intervalo QT) devem ser admitidos em um leito monitorado para observação. Aqueles que desenvolvem sintomas graves (por exemplo, convulsão, depressão respiratória, hipotensão, acidose) durante o período de observação no departamento de emergência devem ser admitidos em uma unidade de terapia intensiva.

A discinesia tardia é uma síndrome extrapiramidal de início tardio que pode ser desde reversível a parcialmente reversível a irreversível. A observação clínica sugere que, se os pacientes tomam essas medicações por tempo suficiente, a maioria desenvolve o distúrbio. A discinesia tardia é caracterizada por movimentos repetitivos e estereotipados das estruturas orofaciais. Pode haver protrusão ocasional da língua, batida dos lábios, caretas faciais e coreoatetose do tronco e dos membros.

Embora a discinesia tardia possa ocorrer com qualquer agente antipsicótico, é mais comum com os agentes típicos. Em jovens, a taxa de ocorrência anual de discinesia tardia é de 3 a 5% com os antipsicóticos típicos. Em idosos, a discinesia tardia pode desenvolver-se em até 25% dos casos durante o primeiro ano de terapia com haloperidol. A taxa de ocorrência de discinesia tardia com os agentes atípicos é cerca de um décimo da dos antipsicóticos de primeira geração.

Como os sintomas da discinesia tardia podem ser irreversíveis, deve-se tentar minimizar sua ocorrência. A detecção precoce e a pronta retirada do antipsicótico aumentam a probabilidade de recuperação completa. Ao contrário do parkinsonismo induzido por medicamentos, os agentes anticolinérgicos exacerbam a discinesia tardia e não devem ser utilizados.

 

Outros Efeitos dos Antipsicóticos Considerados Eficientes

 

A hiperprolactinemia é mais comum com os antipsicóticos típicos, mas também pode ocorrer com os antipsicóticos atípicos, manifestando-se como distúrbios menstruais e galactorreia em mulheres e ginecomastia em homens. As fenotiazinas estão associadas à leucopenia em até 0,8% e à agranulocitose em 0,05% dos pacientes.

Vários antipsicóticos atípicos também foram associados à agranulocitose, com a maior incidência em pacientes com clozapina, em que ocorre leucopenia em 3% e agranulocitose em 0,8%. Devido a esses efeitos adversos, a prescrição de clozapina deve ser seguida de acompanhamento próximo, e é indicado hemograma completo em todos pacientes febris ou com dor de garganta que fazem uso da medicação.

A síndrome neuroléptica maligna (SNM) é uma complicação rara, mas potencialmente fatal da terapia com fármacos antipsicóticos. Na maioria das vezes, ocorre logo após o início da terapia ou depois de um ajuste de dose, e a concentração sérica da medicação antipsicótica está, geralmente, dentro da faixa terapêutica, não sendo, portanto, causada por dose excessiva. A incidência é de, aproximadamente, 1 a 2 casos por 10 mil pacientes tratados.

A síndrome, em geral, se desenvolve ao longo de um período de 1 a 3 dias, e é caracterizada por tétrade de febre, rigidez muscular, disfunção autonômica e estado mental alterado (incluindo letargia, agitação, mutismo ou coma).

A distonia aguda é uma desordem do movimento hipercinético caracterizada por contrações intermitentes, não coordenadas e involuntárias dos músculos do rosto, da língua, do pescoço, do tronco ou das extremidades. As manifestações clínicas incluem protrusões de língua, caretas faciais, trismo, crise oculógira, blefaroespasmo, opistótono e posturas e marcha anormais. Embora sejam angustiantes para os pacientes, esses efeitos não são fatais.

A acatisia é uma sensação subjetiva de inquietação motora. Normalmente, ocorre dentro de minutos a dias de iniciar ou aumentar a dose de um antipsicótico. Ocasionalmente, a acatisia pode ser mal interpretada como agitação crescente relacionada a uma condição psiquiátrica subjacente e pode, assim, induzir à administração adicional de medicamentos.

O tratamento da acatisia ou da distonia aguda inclui a administração de difenidramina, de 25 a 50mg, EV, e em crianças, dose de 0,5 a 1mg/kg, ou de benztropina, de 1 a 2mg, EV. Os benzodiazepínicos podem servir de terapia adjuvante. Devido aos efeitos prolongados do agente indutor de distonia, a terapia oral com difenidramina ou benztropina deve ser continuada durante, aproximadamente, 2 dias após o tratamento parental.

O parkinsonismo, em geral, ocorre semanas a meses após o início da terapia. Caracteriza-se por rigidez muscular de tipo roda dentada, tremor de comprimidos, fácies em máscara, marcha alterada, bradicinesia ou acinesia e comprometimento cognitivo. Ocorre em até 13% dos pacientes que recebem terapia antipsicótica de longo prazo. O tratamento do parkinsonismo induzido por medicamentos pode envolver a redução da dosagem de um antipsicótico típico, mudando para um antipsicótico atípico.

 

Referências

 

1-Hampton LM, Daubresse M, Chang HY, et al. Emergency department visits by adults for psychiatric medication adverse events. JAMA Psychiatry 2014; 71:1006.

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