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Protocolo de Transfusão Maciça

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 11/02/2019

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A transfusão maciça é a substituição de um volume de sangue ou, aproximadamente, 10 unidades de concentrado de hemácias em um adulto dentro de um período de 24 horas, ou necessidade do uso de mais de 3 ou 4 unidades de concentrados de hemácias por hora. Atualmente, no tratamento dos grandes traumas, é recomendada, além da transfusão de concentrado de hemácias, a reposição de plaquetas e fatores de coagulação que são perdidos ou consumidos, levando a um aumento potencial do sangramento.

A transfusão maciça envolve a seleção das quantidades e tipos apropriados de componentes sanguíneos a serem administrados e requer a consideração de uma série de questões, incluindo volume, oxigenação tecidual, controle de sangramento e anormalidades da coagulação, bem como alterações no cálcio ionizado, potássio e equilíbrio ácido-base. A correção do déficit no volume sanguíneo com expansores de volume e cristaloides, geralmente, mantém a estabilidade hemodinâmica, enquanto a transfusão de hemácias é usada para melhorar e manter a oxigenação tecidual.

A experiência médica militar durante a década passada, encontrando bons resultados com o uso de transfusão de sangue total fresco para pacientes com trauma, levou ao conceito de considerar incorporar as plaquetas e plasma, além dos concentrados de hemácias.

 

Indicações e Protocolo de Transfusão Maciça

 

A situação mais utilizada de transfusão maciça de hemocomponentes é a cirurgia cardíaca, seguida pelo trauma, que é a situação melhor estudada e com maior benefício potencial. Outras situações que levam à transfusão maciça são aneurisma aórtico abdominal roto, transplante hepático e catástrofes obstétricas.

Um estudo do National Institute of Health (NIH) demonstrou que a necessidade de transfusão de mais de 10 unidades de concentrados de hemácias diminuiu em 40% quando foi realizada transfusão de plasma fresco congelado e plaquetas associadamente. Os dados epidemiológicos sugerem que a minoria dos pacientes necessita entrar no Protocolo de Transfusão Maciça, com 1,7% dos pacientes apresentando benefício da correção da hemostasia associada à reposição de concentrado de hemácias.

Cada unidade de concentrado de hemácias contém, aproximadamente, 200mL de glóbulos vermelhos e, em um adulto, aumentará o hematócrito em, aproximadamente, 3 pontos percentuais, a menos que haja sangramento contínuo. Um paciente recebendo transfusão maciça pode ter coagulopatia por causa da ativação e do consumo de fatores de coagulação secundários a trauma tecidual, como lesão maciça na cabeça ou dano muscular, ou ter atividade reduzida dos fatores de coagulação por choque prolongado, hipóxia, hipotermia ou falha na remoção de peptídeos de ativação que atuam como inibidores competitivos.

A coagulopatia associada ao trauma pode ser diagnosticada como coagulação intravascular disseminada aguda (CIVD aguda) quando há exsudação microvascular, prolongamento do TP e TTPa em excesso do esperado pela diluição, juntamente com trombocitopenia significativa, baixos níveis de fibrinogênio e aumento dos níveis de Dímero-D, mesmo que não exista diagnóstico de coagulopatia aguda de CIVD e os parâmetros de coagulação estejam normais antes de o sangue ser substituído.

Anormalidades de coagulação podem ser induzidas pelos efeitos dilucionais da reposição sanguínea nas proteínas de coagulação e, na contagem de plaquetas, com uma transfusão maciça de 10 a 12 unidades de concentrados de hemácias, podem diminuir em 50% a contagem de plaquetas. Ao indicar-se o Protocolo de Transfusão Maciça, deve-se seguir o protocolo específico da instituição, orientando o médico assistente para facilitar suas decisões e facilitar a liberação pelo banco de sangue dos hemocomponentes. A melhor relação entre hemácias e plaquetas e plasma fresco congelado durante uma transfusão maciça é controversa.

Os guidelines do ATLS recomendam iniciar o Protocolo de Transfusão Maciça após o uso de 2 litros de solução cristaloide, seguida pela transfusão de sangue O positivo, com os protocolos de transfusão maciça, sendo recomendado o uso de uma relação concentrado de hemácias, plaquetas, plasma fresco congelado de 1:1:1, embora outras relações como 2:1:1 possam ser consideradas sem evidência clara de inferioridade.

Um estudo randomizou 680 pacientes com sangramento significativo de trauma grave para receber transfusão de 1 versus 2 unidades de concentrados de hemácias para cada unidade de PFC e plaquetas encontrou resultados discretamente melhores com a abordagem 1:1:1. Os pacientes atribuídos a 1:1:1 eram mais propensos a ter hemostasia adequada (86% versus 78%) e tiveram menos mortes por exsanguinação às 24 horas (9% versus 15%).

A mortalidade geral em 1 e 30 dias não foi diferente entre os grupos, embora tenha havido uma tendência a ser menor no grupo 1: 1: 1. Vários protocolos de transfusão maciça foram desenvolvidos como o de Denver, sendo o mais utilizado o de Maryland, que recomenda uma proporção de 1:1:1 para reposição de hemocomponentes.

O ATLS recomenda, ainda, que todos os pacientes que se apresentem em choque devido à hemorragia por trauma recebam 1g de ácido transnexâmico em 10 minutos, seguido de 10 minutos em 8 horas. Os estudos mostram benefício com diminuição de mortalidade quando administrado até 3 horas do trauma, sendo que, quando a administração ocorre em menos de 1 hora, os desfechos são superiores.

Para o subconjunto de pacientes que apresentam traumas generalizados de tecidos (como lesões de combate) e coagulopatia, ou alta probabilidade de coagulopatia, uma abordagem usando plasma como o fluido de ressuscitação principal tem sido defendida pelos militares dos EUA.

Em pacientes em quem se considera o uso de transfusão de plaquetas e plasma fresco congelado sem utilizar taxas fixas de plaquetas ou plasma fresco congelado (PFC), indicações para a sua administração durante a transfusão maciça incluem os seguintes parâmetros:

               É indicada a transfusão de plaquetas quando a contagem de plaquetas é <50.000/mm3.

               É indicada a transfusão de PFC se o INR é >1.5.

               Se o nível de fibrinogênio é <100mg/dL (<1g/L), o PFC pode ser substituído por crioprecipitado.

A transfusão de concentrado de hemácias é associada a outras complicações potenciais como hipotermia e acidose; assim, é recomendado, durante a transfusão maciça, que sejam aquecidos os hemocomponentes e cristaloides utilizados. A acidose e a hipotermia podem piorar a coagulopatia associada ao trauma. A hipocalcemia associada ao citrato, que é utilizado como conservante, pode ocorrer em uma transfusão maciça.

 

Transfusão de Plaquetas

 

As transfusões de plaquetas são usadas profilaticamente para evitar sangramentos, trombocitopenia ou, terapeuticamente, quando os pacientes com trombocitopenia apresentam sangramento ativo. Idealmente, se recomenda realizar aférese de plaquetas, que utiliza as plaquetas de apenas um doador, do que as plaquetas de múltiplos doadores.

Uma aférese de plaquetas costuma ser suficiente para aumentar a contagem de plaquetas em até 50.000/mm3 (50 × 109/L), uma quantidade suficiente para interromper um sangramento. A falha do aumento da concentração de plaquetas com a aférese costuma ocorrer devido ao aumento do consumo de plaquetas por um processo subjacente, trombose ativa devido à hemorragia em curso, destruição devido a anticorpos plaquetários ou sequestro devido ao hiperesplenismo.

As plaquetas transfundidas, comumente, têm uma sobrevida de 3 a 5 dias, a menos que haja um processo de consumo de plaquetas. A decisão de transfundir as plaquetas depende de fatores como gravidade da trombocitopenia, circunstâncias clínicas, comorbidades associadas como infecção, febre, medicamentos e tipo de sangramento.

São consideradas indicações de transfusão de plaquetas:

               Contagem de plaquetas: <5.000/mm3.

               Contagem de plaquetas <20.000/mm3, com distúrbio de coagulação realizando procedimento cirúrgico de baixo risco de coagulação.

               Contagem de plaquetas <50.000/mm3, com sangramento ativo ou procedimento invasivo dentro de 4h.

               Contagem de plaquetas <100.000/mm3 ? caso de realização de cirurgia neurológica ou cardíaca.

               Parte de um Protocolo de Transfusão Maciça.

 

Transfusão de Plasma Fresco Congelado

 

O PFC é o plasma obtido após a separação do sangue total dos eritrócitos e plaquetas e depois congelado dentro de 8 horas da coleta. O PFC leva, aproximadamente, 20 a 40 minutos para descongelar, e esse processo não pode ser acelerado por aquecimento artificial. Uma vez descongelado, o PFC pode ser transfundido até 5 dias depois. Centros de trauma e outros hospitais especializados podem manter disponíveis unidades pré-abertas de PFC.

O PFC transfundido deve ser compatível com o tipo ABO e a compatibilidade com o Rh é desnecessária. Um equívoco comum é que o plasma tipo O é o doador universal de FFP, assim como é em relação aos concentrados de hemácias. Esse não é o caso, porque o plasma tipo O contém anticorpos para antígenos do grupo sanguíneo A e B.

O PFC é usado para a substituição de múltiplas deficiências de coagulação em casos como insuficiência hepática, hipercoagulação induzida por varfarina, coagulação intravascular disseminada e transfusão maciça em pacientes com sangramento, embora a evidência de benefício seja fraca. É improvável que o PFC reverta a anticoagulação de anticoagulantes orais, como dabigatrana e rivaroxabana, que são inibidores específicos da trombina e do fator Xa, respectivamente.

São consideradas indicações de transfusão de PFC:

               Reversão da overanticoagulation de varfarina (complexo protrombínico indicado para sangramentos maiores).

               Sangramento com múltiplos defeitos de coagulação.

               Correção de defeitos de coagulação para os quais nenhum fator específico está disponível.

               Como componente de um Protocolo de Transfusão Maciça.

               Como plasmaférese no tratamento de microangiopatias trombóticas ou distúrbios neurológicos.

A hemostasia clinicamente adequada, geralmente, está presente com níveis funcionais de fator de coagulação de 30 a 40% do normal, o que corresponde a um INR de 1,7 ? embora seja comum administrar FFP antes de um procedimento quando o INR excede 1,5 em sangramentos.

Outras possíveis indicações para PFC incluem angioedema hereditário se o inibidor de C1 esterase não estiver disponível e tratamento de síndrome de Guillain-Barré. O aumento dos fatores de coagulação individuais observados após a infusão de FFP varia dependendo do fator específico. Em geral, 1 unidade de PFC aumenta grande parte dos fatores de coagulação em 3 a 5% em um adulto de 70kg.

 

Crioprecipitado

 

O crioprecipitado é a fração proteica insolúvel no frio do plasma fresco congelado. Com o desenvolvimento de produtos do fator VIII recombinante para uso na hemofilia, o papel atual do crioprecipitado é a substituição do fibrinogênio. O crioprecipitado pode ser usado em pacientes com sangramento com níveis de fibrinogênio <100mg/dL devido a doença hepática grave, uremia, coagulação intravascular disseminada e coagulopatia dilucional, embora haja controvérsia sobre dosagem e eficácia.

Cinco unidades de crioprecipitado são tipicamente utilizadas, com adultos recebendo de uma a três infusões. O crioprecipitado também pode ser incluído em alguns protocolos maciços de transfusão maciça.

 

Concentrado de Fibrinogênio

 

O concentrado de fibrinogênio é derivado do plasma humano e usado para tratar episódios de sangramento em pacientes com deficiência congênita de fibrinogênio. O fibrinogênio foi investigado para outras condições hemorrágicas com uma capacidade observada de reduzir sangramento e necessidade de transfusão, mas sem um efeito mensurável sobre mortalidade.

Quatro produtos estão comercialmente disponíveis. As vantagens sobre o crioprecipitado são risco mínimo de transmissão da doença devido à inativação viral. O fibrinogênio é dosado de acordo com o nível de fibrinogênio basal do paciente, o nível alvo (na maioria das circunstâncias, >150mg/dL). Se o nível de fibrinogênio basal é desconhecido, a dose inicial é de 70mg/kg. As reações adversas mais comuns incluem reações alérgicas, febre, calafrios, náuseas e vômitos.

 

Complexo Protrombínico

 

Os concentrados do complexo protrombínico são concentrações derivadas do sangue de três ou quatro fatores de coagulação dependentes de vitamina K: protrombina e fatores VII, IX e X. Algumas formulações de concentrado de complexo protrombínico também podem conter as proteínas anticoagulantes C, S e antitrombina, assim como a heparina. O concentrado de complexo protrombínico de três fatores é aprovado para o tratamento da hemofilia B.

O concentrado protrombínico inclui quatro fatores e é aprovado para reversão urgente de anticoagulação por antagonistas da vitamina K (como a varfarina), resultando em uma redução mais confiável no INR elevado do que o concentrado de complexo de protrombina de três fatores.

A dose de complexo de protrombina de quatro fatores é administrada usando unidades de fator IX e ajustada de acordo com o valor de INR do pré-tratamento. Os níveis do fator XI correlacionam-se mal com as complicações hemorrágicas; muitos pacientes apresentam níveis baixos, mas não têm complicações hemorrágicas.

 

Fator de Coagulação VIIa Recombinante

 

O fator de coagulação VIIa recombinante é usado sobretudo para o tratamento das hemofilias A e B em pacientes que desenvolveram anticorpos inibidores dos fatores VIII ou IX, respectivamente. Outros usos para esse agente foram investigados, como suporte de coagulação na insuficiência hepática, politraumatismo, hemorragia intracraniana e sangramento pós-parto, porém não há evidências de segurança e eficácia globais nessas indicações.

 

Bibliografia

 

1-Coil CJ, Saten SA. Transfusion therapy in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2- American College of Surgeons Committee on Trauma. Advanced Trauma Life Support (ATLS) Student Course Manual, 10th ed, American College of Surgeons, Chicago 2018.

3-Holcomb JB, Tilley BC, Baraniuk S, et al. Transfusion of plasma, platelets, and red blood cells in a 1:1:1 vs a 1:1:2 ratio and mortality in patients with severe trauma: the PROPPR randomized clinical trial. JAMA 2015; 313:471.

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