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Paralisia facial periférica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 02/12/2019

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A paralisia facial periférica édescrita desde os anos iniciais do século XIX por Sir Charles Bell, sendo, nadescrição inicial da síndrome, causada por danos aos ramos periféricos do nervofacial por trauma. Os pacientes com paralisia facial periférica de início agudofrequentemente procuram o departamento de emergência (DE) com essa queixa.

Embora muitos casos sejam idiopáticos,outros estão associados a causas identificáveis. Independentemente da causa,85% dos pacientes recuperam alguma função, com mais de 70% atingindo arecuperação completa. O tratamento mais adequado depende da causa, que é, comfrequência, desconhecida na avaliação do paciente no DE. A incidência anual éde 13 a 34 casos a cada 100 mil pessoas/ano, sem predileção por sexo ou idade,mas com o risco de ocorrência aumentando 3 vezes durante a gestação.

 

Fisiopatologia e Etiologias

 

O VIInervo craniano é sobretudo um nervo motor que inerva a musculatura mímicafacial. Lesões completas ao nível do forame estilomastóideo determinamparalisia de toda uma hemiface, o que leva a desvio da rima bucal para o ladooposto quando o paciente fala, come ou ri, apagamento do sulco nasogenianoipsilateral, incapacidade para franzir a testa e dificuldade para fechar o olho(lagoftalmo). Quando o paciente tenta fechar as pálpebras, o olho do ladoparalisado desvia-se para cima (fenômeno de Bell). O paciente pode queixar-sede lacrimejamento e dormência da face, mas não ocorrem alterações objetivas dasensibilidade.

Etiologias possíveis incluem otitemédia (especialmente em crianças), que pode ter como uma de suas complicações aparalisia facial periférica, nesse caso a otoscopia pode realizar odiagnóstico. Trauma local do nervo facial, complicações pós-cirúrgicas,neoplasias, sarcoidose ou infecção pelo vírus varicela-zóster reativado dogânglio geniculado (síndrome de Ramsay Hunt) são outras etiologias possíveis. Oherpes-zóster pode ser diagnosticado pela presença de vesículas no meatoexterno e pode cursar com disestesia significativa, mesmo sem lesões cutâneas.

Neoplasias e sarcoidose são condiçõesincomuns que raramente apresentam paralisia facial isolada. A sarcoidose podecursar com paralisia facial periférica unilateral ou bilateral, e é umacomplicação relativamente comum da neurosarcoidose. Alguns pacientes comsíndrome de Guillain-Barré podem cursar com paralisia facial periférica durantea sua evolução. O neurinoma acústico é uma neoplasia benigna que pode causarparalisia facial, deve ser suspeitada em pacientes que relatam perda auditiva,zumbido ou marcha instável.

A paralisia facial periférica pode seruma manifestação da doença de Lyme disseminada precocemente e pode ser aprimeira manifestação da infecção. A doença de Lyme é o resultado da infecçãocom espécies de Borrelia transmitidas pela picada do carrapato Ixodesscapularis. Em áreas endêmicas, a doença de Lyme causa uma proporçãosignificativa (até 25%) de paralisia facial periférica, e o tratamento dessescasos difere do tratamento de outras causas de paralisia do nervo facial.

Portanto, a anamnese deveconcentrar-se em fatores clínicos que aumentam o risco de doença de Lyme,incluindo a apresentação após passar temporada em área geográfica de risco, umahistória clara de uma lesão eritematosa ou o desenvolvimento de paralisia donervo facial bilateral (simultânea ou sequencial), que é altamente sugestiva dadoença de Lyme em regiões endêmicas. A maioria dos pacientes com doença de Lymenão relata uma picada anterior de carrapato, e alguns deles podem ter umadoença febril precedendo o quadro.

Se uma causa puder ser identificadaimediatamente, a terapia direcionada deve ser iniciada. Se nenhuma causadefinida puder ser identificada, o médico emergencista deve considerar outrascausas que não são diagnosticadas pela história inicial e pelo exame físico(por exemplo, doença de Lyme), bem como paralisia facial idiopática (ou seja,paralisia de Bell). Os médicos devem tomar decisões empíricas de tratamentopara um paciente com paralisia facial periférica com base na melhor evidênciadisponível e antes dos resultados de testes diagnósticos, como a sorologia dadoença de Lyme.

 

Avaliação Inicial

 

A história inicial e o exame físicodevem se concentrar em determinar se o paciente tem uma causa periférica oucentral para a paralisia do nervo facial. Um paciente com paralisia facialperiférica terá envolvimento da musculatura da face superior e inferior aocontrário de pacientes com paralisia facial central. Para diferenciar entre aparalisia periférica e a central do nervo facial, os médicos que trabalham naemergência devem avaliar a capacidade do paciente de sorrir e fechar ambos osolhos.

Os médicos que trabalham na emergênciatambém devem identificar pacientes com paralisia facial grave, definida comoassimetria desfigurante do rosto de um paciente em repouso ou a incapacidade deum paciente em fechar completamente os olhos apesar do esforço máximo; essespacientes podem se beneficiar do tratamento antiviral.

Cerca de metade dos pacientes queixa-se dedor ao nível do processo mastóideo 1 a 2 dias antes da paralisia. O início daparalisia facial periférica é, em geral, súbito. Em cerca da metade dos casos,o quadro está estabilizado em 48 horas, e todos os casos em 5 dias, sendo aparalisia parcial em 30% dos casos e completa em 70%. Em relação aoprognóstico, a metade dos pacientes se recupera completamente e a melhora, emgeral, se inicia por volta do 10º dia após o início do quadro, completando-seem 1 mês e meio.

Os pacientes que não terão recuperaçãocompleta começam a melhorar cerca de 2 meses após o início do quadro. Asalterações residuais consistem em sincinesias (movimentos associados), paresiafacial ou espasmo dos músculos faciais (espasmo facial) e lacrimejamento àingestão de alimentos condimentados. Os pacientes mais idosos têm mais risco desequelas. Uma pequenaproporção (aproximadamente, 8%) de pacientes com paralisia de Bell típicaapresentará neuropatias cranianas adicionais.

Os médicos emergencistas podemdiagnosticar a paralisia facial periférica sem necessidade de exameslaboratoriais ou de imagem. A doença de Lyme é avaliada com testes sorológicos,embora esse tipo de avaliação raramente seja necessário devido à raridade dacondição em nosso País. Quando indicada a sorologia para a pesquisa de doençade Lyme, um teste de imunoensaio enzimático sensível é, comumente, o primeiroexame. Se o teste for positivo ou indeterminado, o paciente necessitará de um immunoblot confirmatório.

Os pacientes com paralisia facialperiférica que viajaram para regiões endêmicas para doença de Lyme devem sertratados com antibióticos empíricos enquanto aguardam os resultados dasorologia de Lyme. A doxiciclina deve ser o antibiótico de primeira linhadevido à sua alta eficácia e à excelente penetração no sistema nervoso central.

Para pacientes com alergia ouintolerância à doxiciclina, um antibiótico ß-lactâmico (por exemplo, amoxicilina) é uma opção. Umaminoria de pacientes com paralisia facial da doença de Lyme terá sorologiainicialmente negativa para doença de Lyme e necessitará de testes repetidos em1 a 2 semanas para documentar a soroconversão.

 

Tratamento

 

Os pacientes com paralisia facialnecessitam de acompanhamento clínico rigoroso, com reavaliações frequentes paragarantir o tratamento adequado, pois a paralisia pode melhorar ou tornar-semais grave. Quase 75% dos pacientes com paralisia facial da doença de Lyme querealizam uma punção lombar apresentam evidências de meningite asséptica compleocitose liquórica; os antibióticos devem ser iniciados imediatamente se adoença de Lyme é uma possibilidade diagnóstica.

Os corticosteroides devem seriniciados dentro de 3 dias do início da paralisia facial; em adultos, aumentama probabilidade de recuperação, reduzem o tempo de recuperação e reduzem asincinesia (movimentos involuntários). Em estudos clínicos em adultos, a cada oitopacientes com paralisia facial grave e 50 com paralisia facial leve a moderadaprecisam ser tratados com corticosteroides para atingir uma recuperação clínicacompleta. Para os pacientes que têm uma recuperação incompleta, os corticosteroidesreduzem a gravidade da paralisia residual.

O benefício dos corticosteroides após3 dias não é claro, mas, dados o perfil de segurança favorável e a possibilidadede benefício, é recomendado administrar corticosteroides para pacientes comparalisia facial grave com duração superior a 3 dias. Embora vários regimes dedosagem tenham sido estudados, recomenda-se uma dose de metilprednisolona paraadultos. Para crianças, deve-se usar a prednisona ou prednisolona a 2mg/kg por10 dias.

Os corticosteroides não devem serusados em pacientes quando a paralisia facial da doença de Lyme é fortementesuspeita. Três estudos examinaram o efeito dos corticosteroides em pacientescom paralisia facial da doença de Lyme, com dois desses estudos mostrando queos corticosteroides não são benéficos.

A terapia antiviral tem sido utilizadapara tratar a paralisia facial periférica devido à associação com a infecçãopelo vírus herpes simples, que não pode ser distinguida de outras formas deparalisia facial periférica de acordo com a apresentação clínica. Os antiviraisdevem ser prescritos além dos corticosteroides para pacientes com paralisiagrave de Bell, de acordo com evidências recentes.

A terapia antiviral, isoladamente, nãodemonstrou benefício para o tratamento em adultos, mas a adição de um antiviralaos corticosteroides foi benéfica em seis tentativas. Uma metanálise publicadaem 2009 encontrou um número necessário para tratar de 20 adultos para 1 adultopara ter uma recuperação completa da paralisia facial quando tratados comantivirais e corticosteroides em comparação com corticosteroides isoladamente.

A recuperação completa foi maisfrequente com o uso de antivirais com glicocorticoides versus glicocorticoides, isoladamente, em pacientes com paralisiagrave ou completa (95,7% versus86,6%, respectivamente; P <0,05); nenhum benefício para paralisia moderada.

Opções antivirais incluem:

·              Aciclovir,2.000mg/dia por 10 dias

·              Valaciclovir,3.000mg/dia por 7 dias

·              Famciclovir,750mg/dia por 7 dias

 

Uma revisão sistemática da Cochrane em2015 encontrou benefício quando os antivirais foram usados em adição aoscorticosteroides comparados com corticosteroides isoladamente, mas os autoresadmitiram as limitações da evidência de baixa qualidade. Estudos mostraram,consistentemente, que os benefícios do tratamento são maiores em pacientes comparalisia severa do nervo facial.

Recomenda-se o uso de antiviraissomente em pacientes com paralisia facial grave, para os quais os efeitosadversos e os custos da medicação antiviral são mitigados, por maior risco derecuperação incompleta. Preferencialmente, deve-se prescrever valaciclovir oufamciclovir ao invés do aciclovir, porque a administração menos frequente damedicação pode melhorar a adesão terapêutica.

A paralisia facial periféricaprejudica a capacidade normal do paciente de piscar. Como resultado, a córneapode ficar seca, com risco de lesão, incluindo ulceração da córnea; portanto,todos os pacientes com paralisia facial periférica devem ser instruídos a usarlágrimas artificiais a cada hora quando acordados para manter a córnea úmidapara evitar lesões. Se os pacientes não puderem fechar um dos olhos, eles devemser instruídos a fechá-lo manualmente em intervalos regulares para simular opiscar, bem como usar um adesivo à noite depois de aplicar lubrificante paramanter os olhos fechados durante o sono.

 

Bibliografia

 

1-Garro A, Nigrovic LE. ManagingPeripheral Facial Paralysis. Ann Emerg Med 2018: 71 (5): 618-624.

2- Baringer JR. Herpes simplexvirus and Bell palsy. Ann Intern Med 1996; 124:63.

3- Gilden DH. Clinical practice.Bell's Palsy. N Engl J Med 2004; 351:1323.

 

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