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Lesões Inalatórias

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 13/04/2020

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Aslesões inalatórias são uma complicação grave no paciente com queimaduras ou em vítimasde incêndios, ultrapassando o choque hipovolêmico como principal causa de morteem pacientes com queimaduras, o que ocorre parcialmente devido aos protocolosrotineiros de reposição volêmica. Os pacientes com lesões inalatórias podem apresentaralteração da função pulmonar, que pode evoluir para hipoxemia. O DATASUSrelatou em 2013 aproximadamente 14 mil internações de pacientes vítimas deincêndios e queimaduras, com 4% de mortalidade. O incêndio em espaços fechadospode levar a complicações adicionais, inclusive toxicidade sistêmica, e lesãoinalatória ocorre em 45% dos pacientes internados em UTI vítimas de queimadurasgraves.

Aslesões inalatórias são um fator determinante no prognóstico de pacientes comqueimaduras graves. A inalação representa a principal causa de morte em casosde queimaduras e é fator determinante para o prognóstico, com influência maiorsobre a mortalidade que fatores como idade e extensão de área corporalqueimada.

Cercade 20 a 30% das vítimas de queimaduras graves sofrem lesão inalatória. Emlesões com área corporal total de 5%, a incidência de lesão inalatória é deaproximadamente 10%; já a porcentagem de lesões inalatórias em queimaduras comenvolvimento de 85% de área corporal ultrapassa 80%.

Alesão inalatória por si só implica risco de morte de 10% em pacientes comqueimaduras. Ela raramente ocorre de forma isolada, sendo associada comqueimaduras extensas e outras lesões.

Apneumonia bacteriana é a maior complicação associada de uma lesão por inalação,e sua presença aumenta a taxa de mortalidade. Em pacientes com queimaduras, a lesãopor inalação aumenta o risco de pneumonia em 40%. Se pneumonia se desenvolveapós uma lesão inalatória, a mortalidade em seguida aumenta em 40%; porconseguinte, a mortalidade em pacientes com lesão inalatória com pneumonia equeimadura extensa é de 60%. Crianças e idosos são um grupo particular de riscoem virtude de apresentarem reservas fisiológicas limitadas. 


Fisiopatologia


Existemtrês lesões inalatórias possíveis:

1-           lesão térmica direta;

2-           lesão química;

3-           intoxicação sistêmica.

 

1-           Lesão Térmica

Alesão pulmonar térmica direta ocorre mediante dano induzido por gás térmicoe/ou combustão, causando extravasamento de fluido para o interstício e os alvéolospor lesão capilar. Esse efeito é intensificado por dano pulmonar indireto empacientes com 30% ou mais da superfície corporal queimada. Ocorre, ainda,aumento de até 20 vezes na circulação brônquica e edema brônquico com aumentode até 10 vezes no fluxo linfático pulmonar. Todas as alterações registradasestão associadas à obstrução das vias respiratórias. A presença de fuligem nasvias aéreas pode ser um marcador desse tipo de lesão.

2-           Lesão Química

Alesão química ocorre quando as partículas são aspiradas e atingem as viasaéreas inferiores. Pode ocorrer obstrução completa do trato respiratório.Formações de fibrina brônquicas transformam-se em coágulos. A fibrina é oinibidor mais eficaz da função do surfactante pulmonar, causando obstrução emtodos os níveis da árvore brônquica e distúrbios da depuração endobrônquica,além de atelectasias. Podem ocorrer colapso pulmonar e hipoventilação,reduzindo a troca gasosa pulmonar, acompanhados por expansão excessiva dasáreas ventiladas restantes. Essa expansão excessiva provoca a síntese demediadores pró-inflamatórios, tais como a interleucina 8 (IL-8), o que aumentaainda mais o dano pulmonar. As citocinas induzem a síntese e liberação de óxidonítrico aumentam o dano inflamatório. Devido à falta de fatores e substratoscomo arginina, o óxido nítrico pode catalisar a formação de radicais superóxidoscom dano capilar, aumentando a formação de edema, o que limita subsequentementetrocas gasosas por influxo de fluido intra-alveolar e obstrução pelo edema damucosa brônquica.

3-           Intoxicação Sistêmica

Aintoxicação sistêmica é a potencialmente mais letal e ocorre sobretudo em casode lesão por monóxido de carbono e cianeto.


Diferentes Tipos de Lesão Inalatória

 

Exposição ao Calor Direto

 

Aslesões causadas por exposição ao calor direto são geralmente limitadas ao tratoorofaríngeo e são causadas pelo má condução de ar e elevado calor de adsorçãono trato respiratório superior.

 

Localização das Lesões

 

Alocalização da lesão no trato respiratório depende da forma como as substânciashidrossolúveis são inaladas. Substâncias facilmente solúveis, tais comoacroleína, dióxido de enxofre, amoníaco e cloreto de hidrogênio, tendem acausar lesões no trato respiratório superior; já substâncias solúveis, tais comocloro e isocianato, provocam lesões em vias aéreas superiores e inferiores. Fosgênio,óxido de nitrogênio e aldeído são lipofílicos e causam lesões difusas no parênquimapulmonar.

 

As queimaduras químicas

 

Oefeito prejudicial depende não só da hidrossolubilidade e do tamanho de cada partícula,mas também do estado ácido-base das substâncias inaladas. O amoníaco provocalesão alcalina, em oposição ao dióxido de enxofre e ao cloro gasoso, que podemprovocar a corrosão ácida. As queimaduras químicas também podem causar lesões pormeio de outros mecanismos ? por exemplo, a acroleína provoca a formação deradicais livres e a desnaturação de proteínas.

 

Diagnóstico da Lesão Inalatória

 

Ossinais clínicos e a história do paciente são importantes para o diagnóstico delesão inalatória, porque a maioria dos sintomas se desenvolve progressivamente,em geral dentro das 24 horas iniciais.

Deve-sesuspeitar de lesão inalatória quando ocorre um incêndio dentro de um espaçofechado. Uma lesão inalatória torna-se mais provável se queimaduras estãopresentes na face, na boca, na faringe ou na mucosa nasal. A incidência delesão inalatória após queimaduras no nariz, nos lábios e nas sobrancelhas é duasvezes maior em comparação com queimaduras periféricas isoladas. No entanto,queimaduras extensas periféricas indicam que o paciente não poderia escapar daschamas, o que, por sua vez, aumenta o risco de lesão inalatória.

Nafase inicial, tosse e o aparecimento de fuligem no escarro, no nariz ou na bocapodem representar indicadores importantes de lesão inalatória, mesmo sem marcasde queimaduras externas. Estridor, rouquidão, mudanças na voz, faringe edoloroso Odinofagia indicam danos ao trato respiratório superior. Asfixia ou aformação de monóxido de carbono (CO) podem causar hipoxemia, resultando emconfusão mental e obnubilação da consciência. Hipóxia, estertores, roncos esibilos raramente estão presentes na admissão e indicam lesão de mauprognóstico. Essas lesões podem inicialmente passar despercebidas até mais 24 horas,e as radiografias não mostram alterações significativas. Entre o dia 5 e 10após o evento, começam as lesões pós-inalação, com dois terços dos pacientes apresentandoinfiltrados difusos ou focais. Os sintomas são muitas vezes ausentes no momentoda admissão; portanto, o monitoramento rigoroso dos sinais vitais, eespecialmente da função pulmonar, deve ser aplicado em caso de suspeita delesão inalatória.

Abroncoscopia flexível é o padrão-ouro atual para o diagnóstico de lesãoinalatória na maioria dos centros de queimaduras. Os danos ao trato respiratóriosuperior só podem ser diagnosticados por meio desse método. Achados incluemfuligem na árvore respiratória, carbonização, necrose da mucosa, edema einflamação são sugestivos. Devido ao uso comum de broncoscopia em pacientes comqueimaduras, lesões por inalação são diagnosticadas cerca de duas vezes maisfrequentemente do que em pacientes manejados com indicação de broncoscopiaapenas se indica se existem alterações clínicas significativas.

Osdanos ao parênquima pulmonar podem ser avaliados por meio de cintilografia. Essemétodo seguro e rápido exige apenas mínima cooperação do paciente. Áreas comeliminação reduzida de gás alveolar podem ser reconhecidas por cintilografia emsérie.

Podemocorrer alterações da função pulmonar, com diminuição da capacidade vitalforçada em até 70% descrita em estudos.  Aavaliação da gravidade da doença pode ser realizada de diversas formas. Escoresclínicos como o SAPS III ou APACHE e o Escore de Lesão Pulmonar são validadospara o uso nessas circunstâncias.

Ograu de gravidade e as características que influenciam a evolução dessespacientes não são abrangidos por nenhuma uma dessas pontuações. Por isso, foramestabelecidos diferentes sistemas de pontuação para pacientes com queimaduras,como o Índice de Gravidade da Queimadura Abreviado, criado em 1982 por Tobiasene colaboradores. Essa escala inclui fatores como idade, sexo, grau dequeimaduras e presença de queimaduras de terceiro grau, bem como lesãoinalatória. Os estudos de Tobiasen verificaram, ainda, que a presença de 2destes 4 critérios é consistente com lesão inalatória:

 

1)fogo em espaços fechados;

2)queimaduras faciais;

3)fuligem no escarro;

4)estridor ou aumento do trabalho respiratório.

 

Paraa validação desses critérios, seria necessária a realização de broncoscopia, oque não ocorreu no trabalho original, fator que limita sua utilização.

Oestudo de Zawacki e colaboradores, por sua vez, provou que o dano pulmonar é deimportância central para o prognóstico de pacientes com queimaduras. Três dosseis preditores independentes foram identificados para aumento da mortalidadeque poderia ser atribuível a causas respiratórias: doenças pulmonares preexistentes,hipoxemia na admissão e edema detectável do trato respiratório na broncoscopiainicial. Zawacki baseado neste estudo, incluindo estes e três fatoresadicionais. Esse modelo foi superior a outros, que apenas se basearam em fatorestradicionais, tais como idade e extensão da superfície corporal queimada.

Combase nesses achados, Ryan desenvolveu um modelo simplificado para o prognósticodo resultado em que lesão inalatória é de importância crucial. Uma lesãoinalatória foi presumida com a exposição ao fogo em espaços fechados se fuligemsubglótica estivesse presente ou se os valores iniciais de carboxi-hemoglobinaestivessem aumentados. Essas três variáveis também poderiam ser utilizadas paraestimar mortalidade, e observou-se que a presença de um fator se correlaciona amortalidade de 3%; dois fatores têm mortalidade de 33%; e, por fim, amortalidade aumenta para 87% com os três fatores presentes.

 

Intoxicação por Monóxido de Carbono

 

Aletalidade precoce da lesão inalatória está intimamente relacionada com o danocausado pela inalação de fumaça. Cerca de 80% dos óbitos na cena do incêndio sãodevidos a asfixia ou lesão inalatória. A lesão inalatória causada pelos gasesconvertidos pertence a essas complicações que influenciam decisivamente o prognósticodo paciente queimado.

OCO é um gás incolor, inodoro e não irritante. É produto da combustão incompletade hidrocarboneto. A quantidade absorvida depende da ventilação por minuto, dotempo de exposição e da concentração relativa dentro da área circundante. NosEstados Unidos ocorrem 50 mil visitas ao departamento de emergência (DE) ao anodevido a intoxicação por CO.

OCO tem de 200 a 250 vezes maior afinidade de hemoglobina e provoca deslocamentopara a esquerda da curva de dissociação oxiemoglobina. O resultado é a falta deoxigênio no âmbito tecidual, ou hipóxia tecidual. Cerca de 10 a 15% do COabsorvido é ligado a proteínas, tais como mioglobina e citocromo C-oxidase, e 1%é dissolvido no sangue. Tabagistas têm níveis de carboxi-hemoglobina de até 10a 15%, enquanto em não fumantes essa proporção é de 1 a 3%.  A meia-vida de eliminação de CO no ar ambienteé de 4 a 6 horas em 100% de oxigênio e de apenas 15 a 30 minutos em oxigêniohiperbárico. O período de meia-vida depende de diversas influências, comoperfusão tecidual, débito cardíaco, área de troca gasosa pulmonar e relaçãoventilação-perfusão.

Atoxicidade aguda por CO é amplamente baseada na redução da capacidade detransporte de oxigênio do sangue. A intoxicação por CO é acompanhada desintomas clínicos inespecíficos que são causados por hipóxia celular evasodilatação cerebral. Esses sintomas incluem cefaleia, que é o sintoma maiscomum, náuseas, vômitos, cansaço, fadiga e até perda de consciência, podendoser confundidos com infecções virais. Além disso, sintomas como angina torácica,edema pulmonar e arritmias cardíacas podem surgir devido à vasoconstriçãopulmonar, e injúria miocárdica secundária à intoxicação por CO pode afetar ospacientes a longo prazo. Dependendo de doenças preexistentes, esses sintomassão concomitantemente agravados por disfunção cardíaca. Em intoxicações graves,podem ocorrer alterações mentais, convulsões e até mesmo coma. Os lábios e apele ficam tipicamente avermelhados, denominados de cherry red.

Pacientesposteriormente podem apresentar outros sintomas do sistema nervoso central (SNC),que podem ocorrer de 3 a 240 dias após a intoxicação por CO. Os pacientes podemapresentar alterações variáveis, com disfunção cognitiva, alteração da memóriae da coordenação, incontinência, psicose, demência e sinais de parkinsonismo; essessintomas são associados com o processo de desmielinização reversível do SNC. Asimagens mostram predominantemente lesões no globo pálido e na substância branca.A maioria desses sintomas (até 75%) é reversível dentro de 1 ano.

Agravidade dos sintomas não se correlaciona com a concentração de carboxi-hemoglobina.No entanto, a carboxi-hemoglobina determina a extensão da redução da capacidadede transporte de oxigênio e sintomas. O diagnóstico da intoxicação por CO érealizado mediante história sugestiva em conjunto com aumento dos níveis decarboxi-hemoglobina, que não consegue ser mensurada pela oximetria,necessitando da realização de co-oximetria.

Otratamento para a intoxicação por CO visa à rápida eliminação de CO. A meia-vidade eliminação de CO no ar ambiente de 4 a 6 horas diminui para 40 a 80 minutos,aumentando a fração de oxigênio inspiratório a 1,0. Uma redução adicionalsignificativa de 15 a 30 minutos pode ser conseguida por meio da aplicação de oxigêniohiperbárico. Devido aos riscos de transporte, o fator tempo deve sercuidadosamente considerado.

Ooxigênio hiperbárico acelera a eliminação de CO do vínculo hemoglobina e a erradicaçãodos sintomas induzidos por asfixia. Outros efeitos da oxigenação hiperbáricasão descritos na remoção de CO de ligações proteicas. Os estudos em particulardemonstram que os sintomas tardios neurológicos podem ser atenuados com oxigêniohiperbárico.

Autilização de oxigênio hiperbárico começa logo que possível, pelo menos dentro dasprimeiras 24 horas, geralmente em várias sessões até 3 bar (300 kPa), o quecorresponde a uma profundidade de mergulho de 20 metros. O uso em geral érestrito a indicações específicas, como pacientes com perda de consciência pelaintoxicação por CO ou coma. A presença de doenças concomitantes, como doença coronariana,ou quando a paciente é gestante, requer a eliminação precoce de CO viaoxigenação hiperbárica, que deve ser urgentemente considerada mesmo comintoxicação leve. São consideradas indicações de terapia hiperbárica naintoxicação por CO:

-níveis de CO > 25%;

-níveis de CO > 20% em gestantes;

-perda de consciência;

-acidose metabólica severa com pH < 7,1;

-evidência de isquemia de órgãos-alvo, como alterações eletrocardiográficas, dortorácica, alteração do estado mental.

 

Intoxicações por Cianeto

 

Aintoxicação por CO aparece frequentemente em combinação com intoxicação porcianeto. Concentrações tóxicas de CO e cianeto podem ser identificadas em até35% de todas as vítimas graves de incêndios domésticos. A concomitância deintoxicação por CO e cianeto causa intensificação mútua e pode provocar sintomasgraves antes de atingir os níveis sanguíneos tóxicos de cada uma das duassubstâncias isoladas. Devido à meia-vida curta do cianeto, os pacientes com asfunções vitais estabilizadas podem recuperar espontaneamente via rápidadesintoxicação endógena.

Ocianeto é uma substância formada por átomos de carbono e nitrogênio. Aexposição ao cianeto pode ocorrer por fontes industriais, incêndios,medicamentos e por via alimentar. As causas mais comuns são inalação de fumaçade incêndio, uso prolongado de medicamentos, acidentes industriais, tentativasde suicídio ou homicídio, ingestão acidental e ataques terroristas.

Ocianeto apresenta boa absorção via respiratória e via trato gastrintestinal, comrápida distribuição no sangue. Atua inibindo a citocromo oxidase, enzimamitocondrial, ao se ligar ao seu íon férrico (Fe3 ), e bloqueando afosforilação oxidativa, o que culmina no metabolismo anaeróbico independente daoferta de oxigênio. Também age no SNC diminuindo os níveis de GABA, o queaumenta o risco de convulsões, e estimula os receptores NMDA, podendo induzirapoptose. Uma parte pequena se liga ao íon ferroso (Fe2 ) nahemoglobina, formando a ciano-hemoglobina, e inibe enzimas antioxidantes,levando ao acúmulo de radicais livres.

Nasintoxicações leves, o paciente pode apresentar náuseas, vômitos, cefaleia,confusão mental, tontura e taquipneia. Nas intoxicações graves, a apresentaçãocursa com síncope, rebaixamento do nível de consciência, convulsões, arritmias,hipertensão, taquicardia ou bradicardia, hipotensão e coma.

Apósa inalação de compostos com cianeto, é descrito o hálito com odor de amêndoas.O paciente apresenta oximetria de pulso e gasometria normais. Os pacientes com intoxicaçõesgraves podem cursar com taquipneia, hipertensão e taquicardia e posteriorevolução com bradipneia, bradicardia e hipotensão. A bradicardia pode cursarcom bloqueios atrioventriculares, além de risco aumentado de arritmiasventriculares. Posteriormente, podem ocorrer convulsões, coma, choque,insuficiência respiratória, injúria renal aguda, necrose hepática e acidoseláctica, caracterizando a disfunção orgânica múltipla causada pelo cianeto.

Odiagnóstico é clínico, baseado na possível exposição e no quadro clínicorapidamente progressivo. O nível de cianeto no sangue pode ser medido, porémesse exame é pouco disponível. Exames indicados incluem hemograma completo,eletrólitos, enzimas e função renal, gasometria arterial, lactato arterial e eletrocardiograma.Os pacientes podem apresentar acidose metabólica com ânion gap aumentado ehiperlactatemia, com bloqueio do metabolismo aeróbio e consequente produçãoexcessiva de ácido láctico. Os níveis de lactato têm relação direta com agravidade da intoxicação ? lactato > 10 mmol/L (90 mg/dL) empacientes expostos à inalação de fumaça em incêndio tem boa sensibilidade eespecificidade para intoxicação por cianeto.

Ospacientes podem apresentar aumento da PvO2 (venosa), pois não há consumo deoxigênio pelos tecidos, ocorrendo hiperóxia venosa. O paciente exposto a possíveisfontes de cianeto, com acidose metabólica com lactato elevado e quadro clínicosugestivo deve ser conduzido como intoxicação por cianeto, pois o atraso notratamento é deletério.

Emrelação ao manejo, sempre que possível deve-se realizar a administração doantídoto com a maior brevidade possível. Concomitantemente à administração doantídoto, realiza-se a estabilização do paciente ? intubação orotraqueal senecessário; expansão volêmica e administração de drogas vasoativas para manejoda hipotensão; manejo das arritmias; glicose se hipoglicemia; benzodiazepínicosse convulsões. Em caso de parada cardiorrespiratória, é contraindicada arealização de respiração boca a boca devido ao risco de contaminação peloprofissional de saúde.

Otratamento deve ser, se possível, ainda no ambiente pré-hospitalar, com aadministração de 5 g de hidroxicobalamina (70 mg/kg em crianças). Em caso deparada cardiorrespiratória ou instabilidade hemodinâmica, administra-se 10 g dehidroxicobalamina durante a reanimação cardiopulmonar. No departamento deemergência, deve ser realizado 5 g de hidroxicobalamina (70 mg/kg em crianças)durante 15 minutos e repetido, se necessário, com dose máxima total de 10 g.Caso o paciente continue com manifestações graves, deve-se realizar a infusãode tiossulfato de sódio 25% 1,65 mL/kg (dose máxima 12,5 g).

Naindisponibilidade de hidroxicobalamina, utiliza-se nitrito de amila 1 a 2ampolas (ampola de 0,3 mL) via inalatória em 30 segundos seguido de nitrito desódio (ampola de 10 mL a 3%) 10 mL endovenoso lento (0,15-0,33 mL/kg diluídosem 100 mL de SF em 10 minutos em crianças) seguido de infusão de 12,5 g (400 mg/kgem crianças) de tiossulfato de sódio endovenoso. Esse esquema deve ser feitoapenas em regime hospitalar, devido ao alto risco de hipotensão, e apenas emintoxicações moderadas e graves.

Ospacientes devem ser removidos da fonte de cianeto e realizar lavagem gástrica seguidade carvão ativado no caso de ingestão de compostos com cianetos com menos de 1hora.

 

Manejo das Vias Aéreas

 

Obstruçãoaguda das vias aéreas superiores ocorre em 20 a 30% das crianças hospitalizadaspor queimaduras com lesão inalatória e representa grande ameaça para ospacientes com lesão inalatória, já que um edema faríngeo menor pode evoluirrapidamente para obstrução completa da via aérea superior com asfixia subsequente.As lesões das vias aéreas superiores, que são acompanhadas por obstrução dasvias aéreas superiores nas primeiras 12 horas, podem ser causadas por danotérmico direto ou irritação química.

Edemadas vias aéreas superiores é particularmente proeminente na área da laringesupraglótica. Em pacientes com grandes queimaduras superficiais que recebemrápida ressuscitação volêmica, a tendência para o desenvolvimento de edema podeser aumentada. Queimaduras no pescoço, especialmente em crianças, podem causarescaras que comprimem externamente as vias aéreas. Sempre que se suspeitar deobstrução das vias aéreas superiores, o médico mais experiente deve realizarentubação endotraqueal. A queimadura e o edema precoce, ocorrendo nas primeiras72 horas após a queimadura, podem dificultar a entubação orotraqueal, o quepode exigir técnicas especiais.

Empacientes com lesão inalatória, deve ser realizada entubação orotraqueal sequalquer uma destas situações ocorrer:

-presença de estridor;

-uso de musculatura acessória;

-desconforto respiratório;

-hipoventilação;

-queimaduras profundas em face e região cervical;

-edema significativo de ororfaringe.

 

Terapia de Higiene Brônquica

 

Aterapia de higiene brônquica é essencial para o manejo de pacientes com lesãoinalatória. Tosse, fisioterapia, mobilização precoce, aspiração de vias aéreas,broncoscopia terapêutica e agentes farmacológicos representam componentes importantesna mobilização e na remoção de secreções e de fibrina. Secreções retidas podemcausar obstrução das vias aéreas, com risco de morte. Um aumento da mortalidadeem pacientes com lesão inalatória pode ser desencadeado por atelectasia, ventilação-perfusãoe pneumonia.

Aspiraçãotraqueal e lavagem são importantes em pacientes com clearance mucociliarlimitado ou tosse ineficaz. Entretanto, a aspiração devida à queda de pressãoem pacientes ventilados favorece o colapso pulmonar e a atelectasia; porconseguinte, o recrutamento subsequente deve ser realizado. Se secreçõesespessas são aderidas às vias aéreas, a aspiração de rotina deve sercomplementada por lavagem brônquica. A fim de evitar a lavagem de surfactante, nãodeve ser aplicado uso excessivo de fluido de lavagem. A tosse pode serprovocada por aspiração nasotraqueal em pacientes entubados. Além disso, podemsurgir irritação da mucosa, sangramento, hipoxemia e estímulos vagais combradicardia.

Afisioterapia respiratória e a troca de posição no leito a cada 2 horasrepresentam métodos eficazes para a remoção de secreção, mas são frequentementelimitadas por lesões cutâneas. A mobilização precoce de pacientes comqueimaduras com lesão inalatória é importante para a melhora da funçãopulmonar. Se todas as técnicas de remoção de secreção falharem, a broncoscopiaflexível torna-se o método indicado. Outros métodos, por vezes, não conseguemremover as secreções espessas e a fibrina da árvore brônquica. A broncoscopiaflexível permite a depuração completa de secreções retidas via visualização dasvias aéreas.

Durantemuito tempo, a administração de corticosteroides inalatórios foi recomendadapara a prevenção profilática do edema da via aérea superior. Estudos sobre ouso profilático de corticosteroides inalatórios não mostraram nenhuma melhoranas taxas de mortalidade, sugerindo que essa aplicação em particular deve serevitada. A dexametasona, por exemplo, é associada com aumento do risco deinfecções. Em contraste, há evidências para o tratamento com esteroides duranteo tratamento de doenças concomitantes na unidade de terapia intensiva. Foiencontrada melhora de prognóstico com metilprednisolona na segunda fase daevolução de pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda. A terapia desuporte com baixas doses de hidrocortisona pode ainda ter algum benefício emsubgrupos de pacientes, apesar dos resultados negativos do estudo CORTICUS.

Aevolução dos pacientes graves com queimadura pode ser complicada porinsuficiência renal aguda, que é uma das maiores causas de morte nessa populaçãoe que ocorre por lesão renal pela mioglobina, deficiência de volume, falênciade órgãos relacionada à sepse ou uso de drogas nefrotóxicas. Pacientes comqueimaduras inalatórias e insuficiência renal aguda têm mortalidade de até 60%.

Afim de evitar a deficiência de volume, é essencial monitoração rigorosa do balançohídrico. Além de parâmetros clínicos, cateterização da artéria pulmonar, cateterde Swan-Ganz e uso de ultrassonografia para avaliar enchimento de veia cava sãooutros métodos adequados, que permitem o monitoramento mais preciso da volemia.

Outrofator importante no manejo desses pacientes é a alimentação com dieta altamentecalórica, que deve ser iniciada precocemente por via entérica. Recomenda-semanter débito urinário mínimo, nem que para isso seja necessário o uso dediuréticos, evidentemente após o restabelecimento da volemia adequada. A substituiçãorenal também deve ser considerada precocemente, sobretudo se existe dificuldadeem manter a volemia adequada.

Adescontaminação intestinal seletiva nesses pacientes é associada com adiminuição da incidência de pneumonia; existem ainda evidências de diminuiçãode infecção do trato urinário com o procedimento.

Aventilação mecânica nesses pacientes inicialmente utiliza altas concentraçõesde oxigênio até se descartar intoxicação por CO, a fim de acelerar a eliminaçãoda ligação CO e hemoglobina. Outro problema é que nesses pacientes aresistência das vias aéreas é aumentada pelo edema da mucosa brônquica;portanto, pressões inspiratórias mais elevadas são necessárias para aventilação, a fim de atingir fluxo suficiente para ventilação minuto. Contudo,deve-se procurar evitar as lesões por barotrauma; a ventilação mecânicaconvencional não reverte o processo patológico, não melhora a eliminação desecreções e pode até intensificar os danos pulmonares. Assim, se possível,deve-se tentar utilizar a ventilação protetora com volume corrente de 6-8 mL/Kgde peso corporal ideal. Mesmo com essa limitação de volume, as pressões de picosão muitas vezes elevadas, especialmente quando grandes quantidades de fluidosão mobilizadas.

Duranteos últimos 30 anos e, particularmente, ao longo dos últimos 10 anos, novastécnicas de ventilação foram desenvolvidas como alternativas para o tratamentode pacientes queimados com lesão inalatória. Mesmo que as opções de ventilaçãopareçam ter aumentado exponencialmente, não está disponível no momento nenhumestudo prospectivo controlado que poderia definir o papel específico e permitira comparação entre os modos de ventilação nesses pacientes.

Aventilação oscilatória de alta frequência permite a oxigenação e o fornecimentode volume adequado minuto a menor pico e pressões médias inspiratórias. Alémdisso, alguns relatos indicaram melhor depuração da secreção. Em comparação comos grupos-controle históricos com lesão inalatória sendo ventilados de formacontrolada a volume, observa-se taxa de pneumonia menor e redução damortalidade em pacientes submetidos à ventilação oscilatória de alta frequência.

 

Complicações

 

Nafase precoce da lesão por inalação, ocorrem principalmente complicaçõesmecânicas e infecciosas. O barotrauma mecânica mais importante causada por umavariedade de lesões, especialmente os altos picos de pressão inspiratória emcombinação com obstrução das vias aéreas.

Atraqueobronquite e a pneumonia estão entre as mais importantes complicaçõesinfecciosas. A via aérea danificada pela lesão inalatória é de alto risco parao desenvolvimento de infecções. O diagnóstico pode ser difícil quando a lesãoinalatória e a colonização bacteriana das vias aéreas estão presentes.

Ascomplicações tardias da lesão inalatória são associadas a complicações mecânicase às consequências do processo inflamatório. As complicações mecânicas maisfrequentes incluem iatrogenia na passagem de tubo endotraqueal ou traqueostomia;caso a cartilagem traqueal seja danificada, posteriormente pode ocorrer traqueomalácia.As lesões do epitélio traqueal podem resultar em fibrose e estenose traqueal.Deve-se prestar atenção à fixação do tubo e à pressão do cuff parareduzir a ocorrência de danos mecânicos.

Asconsequências do processo inflamatório nas vias aéreas incluem bronquiectasiase estenose brônquica e são atribuídas à ativação de neutrófilos na área dasvias aéreas danificadas pela lesão por inalação. Os neutrófilos ativadosproduzem proteases e radicais de oxigênio, que adicionalmente causam gravesdanos à mucosa brônquica já lesionada diretamente.

 

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