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Síndrome de Von-Hippel Lindau

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 09/09/2020

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A síndromede von Hippel-Lindau (SHL) é uma doença autossômica dominante rara, com amutação para o gene VHL, com prevalência de 1 caso em cada 36.000 pessoas. Écaracterizada por hemangiomas da retina, carcinoma renal de células claras,hemangioblastomas cerebelares e espinais, feocromocitomas e, com menorfrequência, cistos pancreáticos e neuroendócrinos, tumores do sacoendolinfático da orelha interna e cistadenomas epididimários. Aproximadamente20% dos pacientes com SHL que têm uma nova mutação apresentam históricofamiliar da síndrome.A doença se manifesta geralmente na infância, naadolescência ou em adultos jovens, com idade média 26 anos no diagnóstico.

A proteínaVHL (pVHL) é codificada por um gene supressor de tumor altamente conservado nocromossomo 3p25-p26. As correlações genótipo-fenótipo na síndrome da SHLclassificaramdois tipos e cinco subtipos da doença:

-Tipo 1: pacientescom a doença do tipo 1 têm baixo risco de desenvolvimento de feocromocitoma, e dotipo 1b, baixo risco de carcinoma renal de células claras, mas maior risco deoutras doenças associadas ao VHL.

-Tipo 2: pacientescom alto risco de desenvolvimento de feocromocitoma. Aqueles com tipos 2a e 2btêm risco alto e baixo de carcinoma renal, respectivamente, enquanto aquelescom subtipo 2c costumam apresentar apenas feocromocitoma.

 

Patogênese

 

O gene VHLcodifica duas proteínas com massas moleculares relativas de aproximadamente 30kDa e 19 kDa. Embora essas isoformas possam ter funções diferentes, ambas sãocapazes de suprimir o crescimento de carcinoma renal in vivo. Noentanto, a função mais bem caracterizada da pVHL é atuar como um componenteessencial na degradação das subunidades HIF-a, que induzem a expressão deinúmeras proteínas, incluindo proteínas que controlam a angiogênese (p. ex.,VEGF), a eritropoiese (p. ex., eritropoietina), a captação e o metabolismo deglicose (p. ex., o transportador de glicose Glut1 e várias enzimasglicolíticas), o pH extracelular (p. ex., anidrases carbônicas IX e XII) e a mitogênese(p. ex., fator de crescimento transformador-a [TGF-a e plaquetas] e fator de crescimentoderivado de plaquetas [PDGF]). A regulação positiva do HIF não é suficientepara induzir tumores, mas é necessária para induzir os tumores associados àsmutações no VHL.

 

Manifestações Clínicas e Diagnóstico

 

Asmanifestações clínicas dependem das lesões associadas. Os hemangioblastomas sãolesões bem circunscritas e vascularmente ricas que não fazem invasão local nemmetastizam a distância, mas que podem causar sintomas por compressão. Oshemangioblastomas são as lesões mais comuns na SHL, ocorrendo em 60 a 84% dospacientes, acometendo, em geral, cerebelo, medula espinal e retina. Essespacientes são acometidos em idade mais jovem em relação àqueles que desenvolvemcasos esporádicos de hemangioblastoma

Oshemangiomas capilares retinais são encontrados em 70% dos pacientes com SHL aos60 anos de idade, frequentemente bilaterais e multifocais. Pode ocorrer perdade visão por exsudação do tumor, com edema de retina e efeitos tracionais.

Oscarcinomas de células renais claras e cistos renais múltiplos são comuns na SHL.O diagnóstico ocorre geralmente após os 20 anos de idade, com idade média de 35anos. Os tumores costumam ser multicêntricos e bilaterais. Os cistos renaisgeralmente, mas nem sempre, precedem o desenvolvimento de tumores renais. Ocarcinoma renal metastático é a principal causa de morte pela síndrome.

Ofeocromocitoma é outra manifestação importante da SHL. Ocorre em idade maisjovem e com maior frequência em sítio extra-adrenal e, menos frequentemente,apresenta aumento de catecolaminas típico dos pacientes com feocromocitoma. Asmanifestações incluem cefaleia, hipertensão, taquicardia, sudorese, entreoutras manifestações da descarga catecolaminérgica.

Os tumoresdo saco endolinfático ocorrem esporadicamente e podem causar sintomas comoperda de audição, zumbido, tonturas e, menos frequentemente, fraqueza damusculatura facial.

Lesõespancreáticas ocorrem em 75 a 80% dos pacientes com SHL, com cistos pancreáticosrepresentando 70% dessas lesões; cistoadenomas serosos, cerca de 10% dos casos;e tumores neuroendócrinos, outros 10%.

Ospacientes podem ainda apresentar cistoadenomas papilares de epidídimo, queocorrem em mais da metade dos pacientes, a maioria dos casos assintomática.Possíveis sintomas associados incluem dor, dispareunia e menorragia. Otratamento é sintomático.

Odiagnóstico da SHL deve ser feito em uma pessoa com múltiplos hemangioblastomasdo SNC ou da retina ou um único hemangioblastoma mais uma das outrasanormalidades físicas características, ou em famílias com histórico da síndrome.Em alguns casos, o diagnóstico pode ser justificado em um paciente com históricofamiliar positivo, mas sem lesões do SNC ou na retina, que tenha um ou maisachados menos específicos, com exceção dos cistos epididimários, que são muitoinespecíficos.

Oscritérios clínicos desenvolvidos para o diagnóstico são baseados no achado de umou mais tumores associados à síndrome, com uma mutação germinativa. Odiagnóstico genético molecular da síndrome SHL facilitou muito a avaliação e omanejo de famílias cujos membros têm a doença. Usando uma variedade detécnicas, a taxa atual de detecção de mutações é de quase 100%. Os candidatos àanálise de mutação são pacientes com síndrome clássica (atendendo aos critériosde diagnóstico clínico) e familiares de primeiro grau e membros de uma famíliana qual foi identificada uma mutação no gene VHL da linha germinativa. O testegenético também deve ser considerado para pacientes com achados sugestivos, masnão diagnósticos.

 

Manejo

 

Pacientescom SHL precisam de exames físicos e oftalmológicos anuais, dosagens sanguíneasanuais de catecolaminas e metanefrinas urinárias, ultrassonografia anual,ressonância magnética (RM) ou tomografia computadorizada (TC) do abdome anualou semestral. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou iodo 131 (131I),ou a cintilografia com metaiodobenzilguanidina, pode ser indicada paraavaliação adicional de anormalidades bioquímicas ou de imagem.

A detecçãoprecoce de complicações, principalmente lesões renais e do SNC, seguida detratamento adequado, é essencial para reduzir a mortalidade por síndrome SHL. Devidoà sua tendência a ser recorrente, bilateral e multifocal, foram desenvolvidasestratégias para preservar o parênquima renal e minimizar o número deprocedimentos invasivos.

Protocolosde rastreamento para pacientes com a síndrome recomendam:

 

-0 a 4anos de idade: exames oftalmológicos de retina anuais, avaliação anual compediatra para verificação de anormalidades neurológicas, dosagem anual demetanefrinas plasmáticas e urinárias a partir dos 2 anos de idade.

 

-5 a 10anos de idade: mesmos exames recomendados para 0 a 4 anos de idade.Ultrassonografia de abdome anual a partir dos 8 anos de idade. Ressonância magnéticaou exames funcionais com cintilografia com metaiodobenzilguanidina seaparecerem alterações em exames de imagem ou alterações bioquímicas urináriasou plasmáticas. A cada 2 ou 3 anos devem ser realizados exames audiométricos, e,caso haja infecções de ouvido de repetição, indica-se RM de canais auditivos; a partir dos 8 anos de idade pode serrealizada RM de crânio.

 

-10 anos deidade ou mais: mesmos exames que em pacientes anteriores. A cada dois anos, deveser realizada RM de crânio e de coluna cervical, torácica ou lombar.

 

Quanto aomanejo das complicações da SHL, os hemangioblastomas podem permanecerassintomáticos por longos períodos de tempo, e intervenções cirúrgicas sãoindicadas quando há sintomas ou riscos associados à lesão. Opções incluem cirurgiaou radioterapia com radiocirurgia estereotáxica. O uso de sunitinib, um agenteantiangiogênico, pode diminuir a progressão do crescimento dessas lesões.

Algunsautores recomendam que hemangioblastomas capilares retinais sejam tratados nodiagnóstico; outros autores preferem aguardar a evolução dos pacientes. Afotocoagulação com laser e crioterapia são eficazes em 70% dospacientes. O sunitib também pode ser utilizado nesses pacientes.

Aabordagem do carcinoma renal também tem diferentes recomendações de diferentesautores. Alguns recomendam nefrectomia radical, enquanto outros autorespreferem nefrectomia parcial. O National Cancer Institute desenvolveu a regrade 3 cm para intervenção cirúrgica com base na ausência de metástasedocumentada de tumores menores que 3 cm. A cirurgia poupadora renal fornecetratamento inicial eficaz, com taxas de sobrevida específicas para câncer em 5e 10 anos semelhantes às obtidas com nefrectomia radical. Técnicas minimamenteinvasivas, que incluem a crioterapia por apneia ou a ablação porradiofrequência, percutânea ou guiada por laparoscopia, representam opções detratamento adequadas para pacientes selecionados com síndrome SHL, com altastaxas de sucesso técnico e que causam pequenas alterações na função renal.

Osfeocromocitomas são malignos em aproximadamente 10% dos casos, sendo associadosa sintomas significativos e risco perioperatório para outras intervenções; assimdevem ser ressecados sempre que diagnosticados.

Os tumoresendolinfáticos são de crescimento lento, e a cirurgia pode ter complicações.Assim, intervenções cirúrgicas, apesar de serem o tratamento primário, devemter seu risco e benefício ponderados. Implantes cocleares são indicados casoocorra perda auditiva. O manejo dos tumores pancreáticos é cirúrgico.

Ademonstração de que o HIF é necessário para a carcinogênese associada à SHLfornece uma justificativa para as terapias direcionadas a esse fator detranscrição. O HIF pode ser subregulado por inibidores de mTOR. Dois inibidoresde mTOR, temsirolimus e everolimus, demonstraram eficácia no tratamento decarcinoma renal de células claras esporádico. Os tratamentos podem serdirecionados contra produtos genéticos responsivos ao HIF, como VEGF, ou contrareceptores de VEGF, PDGF ou TGF-ß. O sunitinib, um inibidor da tirosina quinasede VEGF e PDGF, é atualmente usado em pacientes com CCR avançado associado à SHLtumores neuroendócrinos pancreáticos e feocromocitomas malignos.

 

Bibliografia

 

1-TorresVE, Harris PC. Cystic Diseases of theKidney. Brenner and Rectors The Kidney 2016.

2-Maher ER, Yates JR, Harries R, et al. Clinical featuresand natural history of von Hippel-Lindau disease. Q J Med 1990; 77:1151.

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