Impacto da tomografia helicoidal computadorizada na apendicite clinicamente evidente
Impact of helical computed tomography in clinically evident appendicitis. Emerg Med J 2008; 25:477 [Link para o Abstract].
A apendicite aguda é uma das condições cirúrgicas agudas mais comuns no pronto-socorro. Seu diagnóstico é classicamente realizado pela história e exame físico. Alguns escores clínicos foram desenvolvidos (por exemplo o Escore Alvarado) para se tentar melhorar a acurácia diagnóstica. A despeito disso, entretanto, as taxas de laparotomias brancas continuam altas (em torno de 20%). O papel da tomografia computadorizada multidetector (TCMD) no diagnóstico de apendicite está evoluindo como conseqüência das melhoras na tecnologia e na resolução. Alguns estudos mostram acurácias diagnósticas de até 98% com a TCMD, além de redução nas apendicectomias desnecessárias, admissões hospitalares para observação, atraso nas cirurgias e uso de recursos hospitalares. Desta forma os autores realizaram um estudo observacional em pacientes com apendicite aguda clinicamente evidente para determinar a utilidade da TCMD e para comparar a impressão clínica, o escore Alvarado e a TCMD na suspeita de apendicite.
Foi um estudo de coorte prospectiva realizado em dois pronto-socorros urbanos. Pacientes consecutivos com suspeita de apendicite aguda eram avaliados clinicamente por um emergencista que determinava se a apendicite era clinicamente evidente ou não. Dados para o cálculo do escore de Alvarado eram coletados e todos os pacientes realizavam uma TCMD. A decisão de operar, observar ou dar alta ao paciente era realizada por um cirurgião. O diagnóstico final era feito pelo anátomo-patológico ou pelo seguimento clínico em até 3 meses. O escore de Alvarado consiste na pontuação de 8 características clínico-laboratoriais (migração da dor, anorexia, náusea e vômitos, dor à palpação da fossa ilíaca direita, descompressão brusca dolorosa, aumento da temperatura, leucocitose e neutrofilia). Originalmente recomendava-se que pacientes com este escore acima de 7 sejam submetidos à cirurgia.
As características diagnósticas (sensibilidade, especificidade, valor preditivo negativo, valor preditivo positivo e razão de chances positiva e negativa) da impressão clínica, do escore de Alvarado e da TCMD foram calculadas e comparadas utilizando-se o teste de McNemar.
Dos 157 participantes do estudo, 71 (45,2%) foram considerados como tendo apendicite clinicamente evidente antes da TCMD, 91 (58%) apresentaram achados de apendicite aguda na TCMD e 90 (57,3%) apresentaram apendicite aguda pelo anátomo-patológico. Dos 71 pacientes com apendicite clinicamente evidente, 19 não tinham apendicite (valor preditivo positivo: 73,2%). Dos 52 pacientes com escore de Alvarado = 8, 14 não apresentaram apendicite (valor preditivo positivo: 73,1%). Apenas 3 pacientes dos 91 com sinais de apendicite na TCMD não apresentaram apendicite aguda (valor preditivo positivo: 96,7%). As especificidades da impressão clínica e do escore de Alvarado = 8 foram 71,6% e 79,1% respectivamente, e ambas foram significativamente menores que a especificidade da TCMD (95,5%; p<0,05). Houve apenas dois casos de resultados falsos-negativos com a TCMD (um deles entre os pacientes com apendicite NÃO clinicamente evidente e o outro entre os pacientes com apendicite clinicamente evidente). Os autores concluem que o desempenho da TCMD de abdome em pacientes com alto grau de suspeita clínica de apendicite aguda reduz o número de resultados falso-positivos (cerca de 1 em cada 4 casos com apendicite clinicamente evidente não apresentou apendicite no anátomo-patológico e a TCMD foi negativa em todos estes casos) e tem o potencial de reduzir apendicectomias negativas. Além disso, a TCMD tem o potencial para identificar diagnósticos diferenciais de dor abdominal aguda.
É um estudo pequeno, que mostrou uma boa acurácia diagnóstica da TCMD no diagnóstico de apendicite aguda no pronto-socorro. É consistente com outros estudos que mostraram resultados semelhantes2,3. A razão de verossimilhança positiva (positive likelihood ratio) da TCMD foi de 21,8 (IC95% 7,2 – 66,0) e a razão de verossimilhança negativa (negative likelihood ratio) foi de 0,02 (IC95% 0,006 – 0,09). De uma forma geral, apenas testes com razão de chances positiva = 10 e razão de chances negativa = 0,1 são considerados clinicamente úteis. Neste estudo apenas a TCMD atingiu tais valores, embora o limite inferior do IC 95% da razão de chances positiva tenha ficado abaixo de 10. Os próprios autores mencionam uma série de limitações do estudo, a saber: nenhum critério estrito para diagnóstico clínico de apendicite foi utilizado (a determinação da probabilidade clínica de apendicite era deixada a cargo dos médicos); as avaliações clínicas iniciais foram realizadas por residentes seniores e emergencistas, não se podendo determinar se cirurgiões teriam a mesma acurácia diagnóstica; o estudo foi realizado em dois centros médicos acadêmicos, não se podendo generalizar os resultados para outros locais; foi utilizada TCMD com 16 cortes e contraste intravenoso apenas, interpretada por dois radiologistas certificados especializados em tomografia computadorizada, os resultados, portanto, podem não ser representativos de outras modalidades de imagem e níveis de treinamento de quem as interpreta; por último, não se comparou TC com ultrassonografia, imagem muito utilizada em alguns países e serviços. Além destas limitações apontadas pelos autores, um estudo de custo-efetividade seria interessante para determinar se, de fato, a introdução da TCMD, comparada com outras modalidades diagnósticas (clínica/laboratório, ultrassom, observação clínica) resultaria numa melhor acurácia diagnóstica, com menor custo e menor risco de eventos adversos (tanto apendicectomias desnecessárias como apendicectomias atrasadas levando a complicações clínicas). Nestes tempos em que a tecnologia de ponta de alto custo tem dominado a medicina em vários aspectos nunca é demais aguardar evidências de boa qualidade que levem em conta custos, riscos e benefícios para os pacientes e para o sistema de saúde antes de recomendar um novo exame diagnóstico.
1. Kim K et al. Impact of helical computed tomography in clinically evident appendicitis. Emerg Med J 2008 Aug; 25:477. [Link para o Abstract].
2. Rao PM, Rhea JT, Novelline RA, et al. Effect of computed tomography of the appendix on treatment of patients and use of hospital resources. N Engl J Med 1998;338:141–6.
3. Wilson EB, Cole JC, Nipper ML, et al. Computed tomography and ultrasonography in the diagnosis of appendicitis: when are they indicated? Arch Surg 2001;136:670–5.