Efeito de um programa de moradia e manejo de caso sobre a utilização do pronto-socorro e hospitalizações entre adultos sem-teto portadores de doenças crônicas. Um ensaio clínico randomizado.
Effect of a Housing and Case Management Program on Emergency Department Visits and Hospitalizations Among Chronically Ill Homeless Adults. A Randomized Trial. JAMA. 2009;301(17):1771-1778 [Link para Abstract].
Adultos sem-teto, especialmente aqueles portadores de doenças crônicas, utilizam com frequência serviços de saúde de alto custo como serviços hospitalares e pronto-socorros. Tratar das necessidades de saúde de populações sem-teto é um grande desafio para médicos, instituições de saúde e governo. As taxas de doenças crônicas entre indivíduos sem-teto são altas, além disso, são utilizadores frequentes de serviços de emergência de alto custo. Sendo assim, os autores realizaram um ensaio clínico randomizado para avaliar a eficácia de um programa de moradia e manejo de caso na redução da utilização de serviços hospitalares de urgência entre adultos sem-teto portadores de doenças crônicas.
Foi um ensaio clínico randomizado, controlado, realizado num hospital público de ensino e num hospital privado sem fins lucrativos em Chicago, Illinois. Os participantes foram 405 adultos sem-teto portadores de doenças crônicas, encaminhados pelo serviço social de setembro de
Após 18 meses, 73% dos participantes tiveram pelo menos uma hospitalização ou visita ao pronto-socorro. Comparado ao grupo de cuidados habituais (comparação ajustada para covariáveis), o grupo de intervenção apresentou um redução relativa de 29% nas hospitalizações (IC95% 10% – 44%), de 29% no número de dias hospitalizados (IC95% 8% - 45%) e uma redução relativa de 24% nas visitas ao pronto-socorro (IC95% 3% - 40%). Os autores concluem que o oferecimento de moradia e de acompanhamento clínico a uma população de adultos sem-teto portadores de doença crônica resultou em menor número de hospitalizações, de dias internados e de visitas ao pronto-socorro, comparado às orientações habituais após uma alta hospitalar destes pacientes.
Ensaio clínico randomizado, com desenho interessante, que avaliou o impacto de uma intervenção sócio-econômica sobre desfechos médicos. Há uma deficiência de ensaios clínicos bem feitos que avaliem estas questões. Se por um lado sabemos da associação de fatores sociais, culturais e econômicos com a gênese de sofrimentos físicos e psíquicos, muitas vezes atribuímos importância secundária a questões desta natureza, talvez levados por uma certa ansiedade em encontrar causas orgânicas, explicáveis através de fatores bem definidos e para os quais existam intervenções simples e objetivas. Mas a realidade é outra. Não há dúvidas de que fatores sócio-econômicos têm um papel importantíssimo na gênese das doenças. Este estudo vem corroborar com esta visão, não apenas de cunho filosófico, mas também com grandes implicações práticas. A magnitude do benefício observada neste estudo foi grande (as análises mais conservadoras sugerem uma redução de 29% nos dias de hospitalização e de 24% nas visitas a pronto-socorros). Isto se traduz num impacto substancial sobre o sistema de saúde. Avaliando os dados de outra forma, para cada 100 adultos sem-teto que recebem uma intervenção semelhante, os benefícios esperados em 1 ano seriam 49 internações a menos, 270 dias a menos de internação e 116 visitas a pronto-socorros a menos. Deve-se lembrar que estes resultados se aplicam a adultos sem lar estável, que já foram internados por pelo menos 1 vez e que possuem pelo menos 1 doença crônica. Uma limitação do estudo, relatada pelos autores, refere-se ao fato de que não se avaliou o tipo de serviço de saúde dispensado nas re-internações ou nas visitas ao PS. Por exemplo, não se diferenciou se uma visita ao PS ocorreu para troca de prescrição (situação comum entre indivíduos que não tem acesso adequado a serviços de atenção primária) ou em consequência de doença grave. Além disso, o estudo não teve poder para diferenciar os efeitos independentes dos componentes da intervenção - manejo de caso (acompanhamento clínico) e moradia. A despeito destas considerações, os resultados são contundentes, mostrando que populações vulneráveis se beneficiam de intervenções nos determinantes sócio-econômicos da doença.
1. Sadowski LS, Kee RA, VanderWeele TJ, Buchanan D. Effect of a Housing and Case Management Program on Emergency Department Visits and Hospitalizations Among Chronically Ill Homeless Adults. A Randomized Trial. JAMA. 2009;301(17):1771-1778.