A piora da função renal durante o tratamento da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) descompensada é comum e associada a um pior prognóstico (2). A redução da volemia associada ao uso excessivo de diuréticos é, classicamente, descrita como o mecanismo mais importante dessa piora da função renal. No entanto, esta teoria não é amplamente confirmada e outros mecanismos, especialmente a congestão venosa, parecem importantes neste quadro (3).
Os autores deste estudo reviram um banco de dados de um estudo prévio (4) para avaliar se a depleção volêmica é um mecanismo relevante na síndrome cardiorrenal. Para avaliar a depleção volêmica, foi usado um conceito de hemoconcentração diferente do uso de pressões de enchimento (p. ex. Pressão Venosa Central - PVC) usadas em estudos prévios.
Foram analisados dados de pacientes incluídos previamente em um estudo clínico randomizado que comparou duas estratégias de tratamento na ICC, uma baseada em medidas do cateter de artéria pulmonar e outra na impressão clínica (4). Os pacientes incluídos tinham fração de ejeção < ou = 30%, PA sistólica < ou = 125 mmHg e ao menos um sinal de congestão sistêmica. Foram excluídos pacientes com creatinina = 3,5mg/dl, uso de dopamina ou dobutamina > 3µg/kg/min ou qualquer dose de milrinone.
No presente estudo, foram usados dados de pacientes que tivessem valores de creatinina da admissão e da alta e ao menos um valor de admissão e alta do hematócrito, da albumina ou das proteínas totais. Hemoconcentração foi definida como o aumento de dois dos três valores acima do terceiro tercil. Piora da função renal foi definida como um aumento > ou = 20% da taxa de filtração glomerular, estimada pela equação “Modification of Diet in Renal Disease Study”.
Os pacientes que apresentaram hemoconcentração usaram doses maiores de diuréticos de alça (280 vs. 200mg, p=0,005). Estes pacientes também tiveram uma maior perda de peso (6,2 vs. 2,7kg, p<0,001) e balanço hídrico negativo (-6,1 vs. -3,8l, p=0,039).
A presença de hemoconcentração associou-se a um maior risco de piora da função renal (HR=5,4; p<0,001). No entanto, a piora da função renal não se associou a maior mortalidade (p=0,11). Por outro lado, a hemoconcentração associou-se com menor mortalidade (HR=0,31; p<0,016). Após correção para outras variáveis na análise multivariada, esta associação ficou ainda mais forte (HR=0,16; p<0,003).
O principal achado do estudo foi a correlação entre hemoconcentração, definida como aumento de dois dos seguintes: hematócrito, albumina e proteínas totais; tratamento diurético intensivo e piora da função renal, dando certa força ao argumento de que a depleção volêmica é um dos mecanismos da síndrome cardiorrenal. No entanto, tal fato não se associou à piora da mortalidade. Pelo contrário, aparentemente, estratégias que visem “secar” o paciente mais intensamente associam-se a um melhor prognóstico. Logo, o impacto negativo da disfunção renal na ICC descompensada deve vir de outros fatores que não o uso intensivo de diuréticos. Obviamente, pela natureza observacional do estudo nenhuma relação de causa e efeito pode ser determinada, mas este estudo traz novas idéias para novos estudos clínicos.
1. Testani JM, Chen J, McCauley BD, Kimmel SE, Shannon RP. Potential effects of aggressive decongestion during the treatment of decompensated heart failure on renal function and survival. Circulation. 2010 Jul 20;122(3):265-72.
2. Cowie MR, Komajda M, Murray-Thomas T, Underwood J, Ticho B. Prevalence and impact of worsening renal function in patients hospitalized with decompensated heart failure: results of the prospective outcomes study in heart failure (POSH). Eur Heart J. 2006 May;27(10):1216-22.
3. Mullens W, Abrahams Z, Francis GS, Sokos G, Taylor DO, Starling RC, et al. Importance of venous congestion for worsening of renal function in advanced decompensated heart failure. J Am Coll Cardiol. 2009 Feb 17;53(7):589-96.
4. Binanay C, Califf RM, Hasselblad V, O'Connor CM, Shah MR, Sopko G, et al. Evaluation study of congestive heart failure and pulmonary artery catheterization effectiveness: the ESCAPE trial. JAMA. 2005 Oct 5;294(13):1625-33.