Metformina versus Insulina para o Tratamento de Diabetes Gestacional
Rowan JA, Hague WM, Gao W, et al. Metformin versus insulin for the treatment of gestational diabetes. N Engl J Med 2008;358(19):2003-2015.[Link Livre para o PubMed].
A metformina seria o tratamento lógico, do ponto de vista teórico, para o DM gestacional, uma vez que durante a gravidez há um aumento da resistência periférica à Insulina. A metformina melhora a sensibilidade à Insulina, inibe a gliconeogênese hepática e não está associada a ganho de peso ou hipoglicemia. Além disso, a aderência e a qualidade de vida associada ao uso de medicação oral comparada à Insulina, parece ser melhor. Vários relatos têm sido favoráveis ao uso da metformina durante a gravidez, porém persistem dúvidas quanto à sua segurança na gravidez. Há medo em relação a possíveis complicações (pré-eclampsia), a possíveis anormalidades congênitas e a efeitos colaterais. Assim os autores desenharam um estudo para descartar um aumento de complicações perinatais em gestantes tratadas com metformina comparada à Insulina.
Estudo randomizado, aberto (open-label) realizado em 10 hospitais obstétricos da Austrália e Nova Zelândia. Os critérios de inclusão foram: gestantes com feto único, com
A randomização foi realizada em blocos de 4 e foi estratificada por local e pela idade gestacional (de
O desfecho primário (desfecho composto de complicações neonatais) não diferiu significativamente entre os dois grupos (32,0% no grupo metformina vs 32,2% no grupo da Insulina, RR:1,00 IC 95% 0,90 – 1,10, p=0,95). No grupo da metformina, 46,3% da mulheres receberam Insulina suplementar. Dos desfechos incluídos no desfecho composto, hipoglicemia ocorreu da maneira semelhante nos dois grupos, mas hipoglicemia severa ocorreu menos frequentemente no grupo da metformina (p=0,008). Por outro lado, prematuridade (nascimento antes de 37 semanas) foi mais comum no grupo da metformina (p=0,04), entretanto esta diferença não foi clinicamente significativa. A idade gestacional média ao nascer foi de 38,3 semanas no grupo metformina e 38,5 semanas no grupo Insulina, uma diferença estatisticamente significativa (p=0,02), mas clinicamente irrelevante. Mais mulheres no grupo da metformina disseram que escolheriam o tratamento recebido novamente numa potencial gravidez subsequente (76,6% vs 27,2% no grupo de Insulina, p<0,001). Nenhum dos desfechos secundários diferiu significativamente entre os dois grupos. Não houve nenhum efeito adverso sério associado ao uso da metformina.
O estudo sugere que a metformina é segura e eficaz no tratamento do Diabetes Gestacional e é muito mais aceitável para as pacientes do que a Insulina, entretanto alguns críticos permanecem céticos com relação ao uso da metformina na gestação, argumentando que são escassos os estudos que seguiram os RN nascidos de mães sob uso de metformina. Há um estudo com 90 mulheres com síndrome dos ovários policísticos, que conceberam e continuaram o uso de metformina até o nascimento, que não mostrou nenhum defeito congênito, nenhuma diferença em relação aos controles na incidência de pré-eclampsia, e nenhuma diferença no desenvolvimento psico-motor e social dos bebês das mães que usaram metformina comparados aos controles até uma idade de 18 meses1. Outro aspecto a ser comentado é o fato de que a gliburida, num estudo com 404 gestantes publicado em 20002, mostrou-se tão eficaz e segura quanto a Insulina, sendo que apenas 4% das gestantes no grupo da gliburida necessitaram de suplementação com Insulina, enquanto no presente estudo 46% das gestantes no grupo da metformina necessitaram de suplementação com Insulina. Assim, um estudo comparando gliburida com metformina cabeça a cabeça traria informações interessantes, não só em termos de complicações materno-fetais como também de custo-efetividade e de aceitação e aderência ao tratamento.
Praticamente todos os artigos que já comentamos e iremos comentar são de estudos publicados em alguma revista (periódico), quase todos, indexados no MEDLINE. Entretanto, uma possibilidade (felizmente, cada vez menos comum com ensaios clínicos randomizados) é de o estudo ser realizado e os dados não serem publicados (viés de publicação). A busca de estudos não publicados é muito difícil e a maneira mais prática é buscar no banco de dados da Cochrane, já que na grande maioria dos centros de pesquisa do mundo, ao ser avaliado pelo Comitê de Ética, a Cochrane Collaboration consegue detectar que ele foi realizado. Sabe-se que é muito mais fácil publicar um artigo quando ele tem um resultado marcante e positivo. Por isso, acredita-se que muitos dos artigos não publicados têm resultados negativos, mas que são de grande importância na prática clínica.
Adicionalmente, existe uma tendência a se publicar em revistas da língua inglesa de maior impacto estudos com resultados significativos, enquanto que resultados negativos são mais provavelmente publicados em revistas locais de cada país (viés de linguagem). Egger et al avaliaram a relação entre os estudos realizados na Alemanha e a língua que eles foram publicados e compararam com o resultado do estudo (positivo ou negativo)
Por isso, deve-se ter cuidado ao incorporar imediatamente na prática clínica estudos com resultados positivos, pois eles são mais facilmente publicados e mais provavelmente disponíveis em grandes revistas (periódicos). Uma atitude que pode ser útil é aguardar um ou dois anos a publicação de estudos nulos ou negativos, embora isso dependa muito do estudo e da qualidade do seu desenho.
1. Glueck CJ, Bornovali S, Pranikoff J, Goldenberg N, Dharashivkar S, Wang P. Metformin, pre-eclampsia and pregnancy outcomes in women with polycystic ovary syndrome. Diabet Med 2004; 21: 829–836.[Link Livre para o PubMed].
2. Langer O,
3. Egger M, Zellweger-Zähner T, Schneider M, et al. Language bias in randomised controlled trials published in English and German. Lancet 1997;350(9074):326-329. [Link Livre para o PubMed].